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quarta-feira, 27 de maio de 2020

SENHORA

Ontem, por duas vezes, teve gente me avisando que, como sempre, deu print. A madame, caso dos acasos, vem a ter loção do que isso significa? A pessoa lê uma coisa dos outros, a pessoa gosta, sei lá, a pessoa, de alguma maneira, engancha o rabo, a palavra fica ali amarrando, amarrando, a pessoa se debatendo, sem chance de escapulir. Eis o mistério da fé: o magnetismo de umas boas palavras bem arranjadas, palavras atéias, claro. Atéia foi pro vento e perdeu o acento? Pesquisar. Palavras sem a promessa de peixe a valer. A rede de abarcar os dodóis e as felicidades. Dodói foi pro vento e perdeu o acento? Vá estudar, que não sou obrigada.  Acho massa. Alguém também tem que ler aquele maço. A sensação é essa. Eu acho muito massa, velho. A pessoa tem que despachar o pacote: passa anel, passa boi, passa boiada. Printei. Empurrei para adiante. Eu pinto o sete e meio, o sujeito printa e julga que me importo. Nem aí. Antes, desconfiava. Depois do Mestrado, conheço, como a palma das patas. Nada se cria. A vida é copia e cola, para sempre. A madame faça bom proveito, entendesse? Vi, ouvi, em algum lugar. Alguém me soprou a toada. Não tenho nada de meu. Quer assumir a autoria? Bastante lisonjeiro.
Céu, tão grande é o céu, Dindi. O coordenador acaba de me mandar uma mensagem: “Dê uma olhada no e-mail institucional”. O coordenador é um menino. Esbanja competência aos quarenta e quatro cantos do planeta, mas é um menino. Ancião é ancião. Menino é menino. Gado é gado. Hoje, sinceramente, não estou no clima, neném. Vou perder o prazo. O bonde vai longe. A esperança. Há esperança? Vou perder esse prazo. Hoje, não acesso o e-mail institucional, mas nem que a vaca tussa gordo na minha delicada máscara de florzinha verde e rosa. Voltando ao assunto, o assunto era o quê? A crônica é um babado forte. Forte e banal. Babado contente e amargurado. Triste. “É da tristeza que rimos de coração mais leve”. Existem muitas fragrâncias do gênero. Patrícia, Eduardo, Dona Fátima Diva das Divas, Flipper, fale aí a galera que manja do riscado. Não sou, não posso querer ser cronista. Morro de vergonha. Cotidianamente, Rubem Braga - meu ídolo, meu sol, meu mar, meu oriente - cotidianamente, madame, o velho Braga, fungando aqui no pé do meu cangote, corre a vista sobre o papel manchado, sai por aí, sacudindo a cabeça. Ri-se todo, todo, todo. Ele todinho balança, caçoando. Caçoa. É muito bobo. Engraçado.
Completei cinquenta e quatro anos. Cinquenta e quatro anos não são cinquenta e quatro dias. Sem a menor intenção, a pulso até, confesso, amadureci um tanto. A alma emplacou uns 86. Alma decrépita. Antiquada. Não se deve desrespeitar um idoso, entendesse? Não se deve desrespeitar um idoso. Pela minha tampa, pela minha tampa, com a maluquice a que tenho assistido, de uns dias para cá. Um famosão aí, famoso, é famoso, o cara foi entrevistado por Jô Soares, madame. É famoso. Não me lembro do nome dele. Clóvis? Cléber? Minha memória é fogo. Entretanto, guardei a frase: “A repetição é o símbolo do fracasso”. Jamais repita isso. Repetir essa frase é o símbolo do fracasso. É igual ao cabra ponderar que a saída para o seu casamento é transar com uma mulher diferente, uma dona por semana. Os anos vividos me confirmaram: nada supera o charme da repetição. Ninguém aprende sem repetir. A repetição elabora, esfolia, aprofunda, transforma. A repetição traz uma segurança que a madame nem avalia. Sinceramente. A repetição só não serve para os covardes, para os que comem pelas beiras. Não serve para quem tem o fogo no fiofó. Tenho colegas que estão em sala de aula há décadas, e ainda apostam nesse caleidoscópio desenfreado, uma praga que extirpa do aluno a extraordinária possibilidade de repetir, repetir sim, de apurar o gosto, a saudade. Minha gente, eu tenho colegas que provam, como dois e dois são quatro, que o ideal é não dar ao guri o tempo de ele pensar. A questão é a seguinte: o que você imagina, o que você sente, enquanto repete? Qual é o seu desejo? A vantagem de ser velha é a bendita impotência para certos expedientes. Não consigo mais fazer. Assunto encerrado. Deus me livre. Todo mundo conhece Átila, né? Pois, eu estava encantada com uma palestra, envolvidona mesmo, até que ele tocou num ponto nevrálgico, bem dizer assim. Segundo ele, o professor precisa esforçar-se para adentrar o universo que desperta o interesse do aluno. De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? Eu tenho que dar um jeito de mergulhar nessas águas, entendesse? Haja oceano. Uma penca de aluno. Ou a comunicação não se efetiva. Vai arriscar? A aprendizagem vai murchar, pelo meio da estrada. Favas contadas. De onde veio essa maluquice? Não se deve desrespeitar um idoso. Um velho é uma montanha. Uma península. Um velho é sábio. Sábio sim, senhora. Deixem essa cruel desqualificação para um Governo corrupto e assassino, cujo principal objetivo é acabar com o gagá inútil: do fundo da rede para a cova rasa, a solução para o grave problema previdenciário. Não tenho mais estômago para essa escola, para esse ensinamento tosco, deturpado. Não tem omeprazol que resolva. Cansada. Cansada e humilhada. O enaltecimento da juventude é a coisa mais importante, obviamente. Na hora H, disponibilizem o respirador para quem mal começou a caminhar. “Mas ser senhor é triste; eu sou, senhora, e humildemente, o vosso servo”. Ando sem fôlego, e não morro. Acostumei? Retornei aos primeiros anos do curso de Hospedagem. Lamentavelmente, seguimos brincando de casinhas separadas. Sabe o que espero desses meninos, quando isso terminar? Espero que eles saibam do que gosto. Espero que se esforcem para adentrar o universo que desperta o meu interesse. Espero que me escutem, que me ajudem. Espero que eles respeitem a minha história e a minha memória. Não nasci ontem. Espero que eles vão devagar, acompanhando meus passos, segurando a minha mão. Meu pirão primeiro é o cacete. “Senhor de muitos anos, eis aí; o território onde eu mando é no país do tempo que foi. (...) De trás de meu muro frio, eu vos saúdo e canto”. Minha eterna gratidão, eterno Rubem.