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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

À paz

A minha alegria atravessou o mar e ancorou na passarela. Fez um desembarque fascinante no maior show da Terra: o grêmio recreativo escola de samba carnavalesco bloquinho de notas de inutilidade pública FUCHIQUE, rarará, dos meus olhos a menina. Em edição extraordinária, hoje é quinta-feira!, o plantão do blog tem a enorme satisfação de comunicar aos diletos leitores que o menino dark recuperou o telefone e o viço.Vão-se os anéis de fumo, ficam-me os dedos estarrecidos. De todo contratempo resta uma fatia de agridoce lição, uma reflexão atônita para a gente aprender a tocar o barquinho furado da vida: tarefinha besta torrão de açúcar, travoso indigesto dever de casa - um parafuso solto de ensinamento, querendo ou não, violão, no coração de melão do futuro do homem jovem, sempre fica. Bater o martelo encerrando o assunto? Uma precipitação, madame. Gente é como a gente, não nasceu para ser parida e esquecida. Recebi muitos cumprimentos superlativos lança-perfume confete e serpentina, rarará, pela historinha anterior. Duvido eu cair nessa esparrela. Acolho, modestamente, as gentis palavras, sou-lhes muitíssimo grata, apesar dos pezinhos roliços bem assentados no chão de barro batido da mais pura verdade, capricorniana elemento terra é fogo: menos, fechado? Vamos combinar, rapaziada sangue bom desocupada: no frigir dos ovos, angu demais, mirrado recheio. Tudo somado, trata-se de mero descomedimento. Maiúsculo exagero.
Ainda ontem, à bem-vinda hora do almoço, conversava com Iracema e Bianca, duas queridas colegas de trabalho e de vadiagem, rarará, sobre este meu diário de bordo cotidianamente acessado, sabe-se lá por quais fulanos, beltranos e sicranos, nas bisonhas espeluncas do caminho. Indiscutivelmente, dei a fuça e o verbo à tapa. E fiz uma legião de seguidores. Estabeleceram-se, com o respeitável público, vínculos sagazes de simpatia quase amor, assim como estrangulamentos vertendo deboche, repúdio e asco. Seja por profunda identificação interpretativa – sintonia moral, intelectual, social, emocional e afetiva - apresentemos a questão dessa maneira, seja por aguda distonia - discordâncias íntimas, viscerais, seja por antipatia funda, rancor augusto beirando as raias da loucura, o fato é que constataram que escrevo porque sei fazê-lo. Sigo altiva e atávica, vou riscando a areia virgem, abrindo sulcos de onde escorre o sumo dos relatos. Com a lâmina afiada das garrinhas pregueadas e artríticas dos tataravós adorados – um povo meigo e valente - rasgo o neutro solo inviolado. I couldn't care less... Escrevo de improviso, desleixada, blusa desabotoada, aberta às flores e às armas. Sem subterfúgios. Sem mel e sem chupeta. Sem planejamento. Sem censura. Escrevo sobre o que a vista alcança e a memória escoa. Escrevo sobre o que o compassivo coração, de cara, na lata, aprova ou condena. Quando condena, a senhora reparou, é entre dentes. Sorrindo largo, depois.
“Nunca imaginei que você tivesse tanto peito”. Pérola de Robson, um sujeito cheio de compromissos, certamente sem tempo para uma investigação mais criteriosa das medidas da minha caixa torácica, rarará. Ocorre que a curva perigosa dos cinquenta, querido amigo, precisa nos trazer alguma coisa além de dores reumáticas. Acumular aniversários é um santo remédio para os ressentimentos e as suscetibilidades, pode confiar. Os temores arrefecem, as angústias atrofiam-se, as mágoas encolhem, as picuinhas liquefazem-se. A pessoa se aproxima do próprio eixo, redesenha escolhas, define novas prioridades. Deita a cabeça no travesseiro, impressionada com a órbita de um mal entendido hiperbólico, súbito perdendo o gás, o contorno, sumindo na madrugada, poeira cósmica, infinitamente pequeno. Ninguém tem que gostar do cidadão, se não deseja, se não consegue. Jesus Cristo, em algumas rodas, sequer é conhecido, que dirá amado. O amor pode esperar milênios... no ar. Inaugurado o último trajeto, meu chapa, daqui para a imortalidade, apesar de todos os pesares, interessa mais estar de bem com o companheiro de viagem. De repente, conquistei a minha paz. Por mais extravagantes, estapafúrdios mesmo, me pareçam os acontecimentos, nunca mais hei de perdê-la. 

sábado, 12 de outubro de 2013

Pecado original

A gente não sabe o lugar certo onde colocar o desejo. Minha gana é escrever diariamente, confesso, muito por conta da desobrigação, não resta sombra de dúvida. Tivesse o esporão de uma coluna semanal, num jornaleco indigente, rarará, o relógio batendo e o diabo latejando, esfolando a planta do pé, pagava para ver quanto tempo flamejaria no rabo esse foguinho de palha. A mente da gente é um passarinho cego sobrecarregado de asinhas afoitas. Percorri milhas e milhas antes de dormir, eu nem cochilei, pensando na historinha da vez. O gênero é isso mesmo, coisinha pouca, tímida avezinha pousando aqui e adiante, bastante esporadicamente vira textículo que preste. Adoro. A gorda palerma da novela das nove, por exemplo, aquela otária do horário nobre, vou dizer, Perséfone me dá tanta raiva, acho o argumento tão patético, alô, alô, marciano, aqui quem fala é daTerra! Minha vontade é descer o sarrafo no miolo mole do autor, na entoca, claro, protegendo os dentes, rarará, tudo no quadradinho branco do meu bloguinho singelo que ninguém dá fé. Um breve telefonema para a minha pessoa peso pesado desde sempre, a gulosa maior especialista no assunto, minha senhora, e o Walcyr teria construído um estereótipo irrepreensível, Fabiana Karla podia encomendar o vestidinho de gala XXG: dentro de um folhetim Global de meia pataca, não haveria ‘performance medida certa’, rarará, que lhe arrancasse das mãozinhas balofas o troféu melhores do ano do Faustão, a deusa de assombrosas tetas podia apostar seu majestoso queixo duplo, na merecida vitória.
Modéstia à parte, de música popular brasileira eu manjo litros, meus alunos sabem. Eu canto em sala de aula todo santo dia, e não é para me exibir, que não gosto disso. A questão é que tudo, absolutamente tudo, tudinho que acontece me lembra um pedaço de canção, um negócio impressionante. Paro de realizar meu fidalgo ofício na hora, vá se queixar para o bispo, ando tão saturada da língua do patrão, só vendo. Ademais, tem o seguinte: para cantar nada era longe, tudo tão bom. Viro a diva dos palcos, a molecada olhando, abismada, escutando poesia que nunca ouviu na vida caloura, inocente. A gente nunca sabe mesmo o que é que quer uma mulher. Desde segunda-feira, desejando abrir alas para o Poetinha passar: Vininha, o branco mais preto do país, na linha direta de Xangô. Saravá! São demais os perigos dessa vida para quem tem paixão, principalmente, quando uma lua chega de repente e se deixa no céu, como esquecida, e se ao luar que atua desvairado vem se unir uma música qualquer, aí então, é preciso ter cuidado porque deve andar perto uma mulher, deve andar perto uma mulher que é feita de música, luar e sentimento, que a vida não quer de tão perfeita, uma mulher que é como a própria lua, tão linda, que só espalha sofrimento, tão cheia de pudor, que vive nua. A inveja é a chaga da humanidade. Rapaz, eu gostaria de ter juntado exatamente assim cada palavra dessa letra. Entre os encarnados estivesse, o ilustre libriano Vinícius de Moraes celebraria cem anos no próximo sábado. É preciso amar como se não houvesse amanhã. Consta nos astros que o verbo de Libra é amar.
Todo homem, todo lobisomem sabe a imensidão da fome. O desaparecimento do celular de Matheus não me diz respeito, claro. Tenho plena consciência de que não é minha responsabilidade vigiar os badulaques dessa moçada sem lenço e sem documento, ainda mais quando o sujeito demonstra tanta desconsideração pelo meu trabalho, sequer me dando as horas, tem hora que eu esqueço que o menino estuda comigo, vamos combinar. Conto nos dedos os raros momentos nos quais Matheus participou, efetivamente, com algum interesse, da minha aula. Deve ter os seus motivos, imagino. Entretanto, o desaparecimento do celular de Matheus prevalece, paira espesso sobre quaisquer fofocas, impedindo outro fuxico de deslanchar. Denso, inerte, posso tocá-lo. Todo corpo em movimento está cheio de inferno e céu. Leonardo Boff diz que é o outro que faz emergir a ética em nós. Bingo. A madame e os seus botões podem aprontar o que bem entenderem, decerto. Na relação com o outro, é diferente. O outro nos força a assumir uma atitude face ao mundo, uma conduta. Boa ou má. Digna ou indigna. Decente ou indecente. Moral ou imoral. Honesta ou desonesta. Humana ou desumana. O outro não vive para ser julgado. O outro vive para eu compreender quem eu sou, para eu construir um jeito honrado de interagir com ele, uma índole, um caminho, um destino pessoal inclusivo, agregador, para eu perceber até onde vai a minha capacidade de comunhão acima das afinidades. Para eu aprender uma convivência possível. Ou resgatamos o caráter, feito uma irrisória flor no lodo, do íntimo desses meninos, ou aguardemos, bracinhos cruzados que não é comigo, o pior dos futuros. O que fazer com o que Deus nos deu? O que foi que nos aconteceu? Sensação desconcertante de fracasso. Sinto-me desconfortável, desacomodada, calçada de vergonha alheia. Inconcebível admitir que a lição de quarta-feira seja ‘estejam atentos, diligentes, pois seus pertences podem ser roubados, por seus semelhantes, nesse ambiente’. Não. Sou sem filhos a quem deixar a herança, o legado da minha miséria, distinto Machado. Porém, educadora de nascença. Absolutamente nada justifica que você se aproprie do que não é seu. Obediência, submissão, reverência solene diante do que não é seu. Sempre. Sempre. Não estamos cercados de estranhos numa loja de departamentos frango com tudo dentro, dando sopa, mano. Pai e mãe, somos uma escola!

PECADO ORIGINAL
(Caetano Veloso)

Todo dia, toda noite
Toda hora, toda madrugada
Momento e manhã
Todo mundo, todos os segundos do minuto
Vivem a eternidade da maçã
Tempo da serpente nossa irmã
Sonho de ter uma vida sã

Quando a gente volta
O rosto para o céu
E diz olhos nos olhos da imensidão:
Eu não sou cachorro não!
A gente não sabe o lugar certo
De colocar o desejo

Todo beijo, todo medo
Todo corpo em movimento
Está cheio de inferno e céu
Todo santo, todo canto
Todo pranto, todo manto
Está cheio de inferno e céu
O que fazer com o que DEUS nos deu?
O que foi que nos aconteceu?

Quando a gente volta
O rosto para o céu
E diz olhos nos olhos da imensidão:
Eu não sou cachorro não!
A gente não sabe o lugar certo
De colocar o desejo

Todo homem, todo lobisomem
Sabe a imensidão da fome
Que tem de viver 
Todo homem sabe que essa fome
É mesmo grande
Até maior que o medo de morrer
Mas a gente nunca sabe mesmo
O que é que quer uma mulher.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ratatouille

Excelente segunda-feira letiva, querubins de titia. Faça-se a luz. Luz e cor. Português, química, física, história, matemática, biologia e geografia, rarará, entre outros quitutes indigestos. A sorte me sorriu, acredita? A espiritualidade amiga intercedendo, decerto. No fecundo semestre que ora desponta lento, minha ralação senzalesca começa somente às seis e meia da noite, ainda não deu para parar de vez, a senhora já entendeu, não é? Ando devagar. Entretantomente, não posso reclamar, gracias a la vida que me ha dado tanto, inaugurar os trabalhos didático-pedagógicos, ui!, um pouco mais tarde, vamos combinar, caiu como uma luva XG, rarará, está de muitíssimo bom tamanho. Confirmo agorinha, no horário saído da boca de forno, forno: os alunos novos são de Eletromecânica - mais rapazes, em geral, menos moças, as meninas, for a change, dando a volta nos moleques, mulher conhecedora de número, de instalação, de eletricidade, sai de baixo, é o cão de camisolão, quem segura? Eletro é uma galera eminentemente bacana, quando eles percebem que não dói, é na banguela, desliza, a demora é quebrar o gelo. A gente vai engolindo cada sapo no caminho, a gente vai se amando, que também sem um carinho, esse rojão, meu camarada, ninguém aguenta. At the end, in the end, ganhamos todos, não se perde nada.
Inventei entretantomente e obviululantemente, rarará, por causa do maior de todos. A dobradinha Chico Buarque e Edu Lobo assina a trilha sonora de Cambaio, uma peça maravilhosa a que assisti em Recife. Gostei tanto que comprei o CD, em seguida. Depois, em casa, li que os críticos de teatro tiveram uma impressão bem diferente da minha, sobre o audacioso espetáculo, o que não chega a ser novidade, crítico de teatro é um bichinho esdrúxulo, meio ruim da bola. Besides, gosto não se discute, sempre haverá quem prefira o rosa bebê, o verde oliva, o mais azul, assim como haverá quem arraste o trem pelo amarelo, afora os daltônicos fãs dos cinquenta insípidos tons de cinza da paleta. Chico e Edu criaram um advérbio bacana para uma belíssima canção desse CD, chama-se Uma canção inédita: mas se, roendoasunhasmente, me quiser ouvir, descalça no breu. Os especialistas julgaram equivocado o arrojo, bastante aquém do extraordinário talento da dupla dinâmica. Eu adorei, achei apropriadíssimo. Ouvir-me ansiosamente? Impacientemente? Nervosamente? Agitadamente? Não. Roendoasunhasmente! Impeccable. Perfeito.
Entretantomente, desnecessário aprofundar a polêmica desse braço de crônica, quando a minha intenção, desde o início, era contar aos meus leitores um negócio estimulante. A história da catita? Sort of, rarará... Por isso que eu me amarro nesse gênero nem aí, ratatouille com farofa, chinelo velho. Tia Ada, minha irmã, é a mais competente alfabetizadora de Pernambuco. Tia Ada aposentou-se, sem sossegar o facho, não larga o osso nem por decreto, vocação é ali. Dos seus sessenta e cinco anos de nada mole vida, quarenta e sete vividos a serviço da escola pública, me arrepia a espinha.  Dia desses, Tia Dau - Tia Ada é como chamam-na os miúdos - me mostrou um troféu, um negócio feito uma placa sei lá de quê, um prêmio da Secretaria de Educação do Estado, por sua relevante contribuição à mesmíssima Educação do Estado, isso nos rincões do nosso glorioso Leão do Norte, uma coisa absolutamente inacreditável, a senhora concorda? Sessenta e cinco anos não são sessenta e cinco horas, madame! Escorre aos litros o amor pela criança virando concha, virando seixo, virando areia, prateada areia, virando peixe, caranguejo, siri e pescador, catador no mangue da sala de aula, é desse jeito. Parece que Eduardo Campos espana coices, safanões e medalhas, adoidado, a torto e a direito, rarará, na cara das professorinhas, o governador desce a lenha, tira o couro da categoria, sonhando com a presidência da República, sinceramente. Pois o olho de Tia Ada acende, cara leitora, ela explicando como fez para induzir o olhinho curioso do desfavorecido petit a fuçar o buraco do rato, examinar do roedor a pança, as orelhas, o  bigode gelado, roendoasunhasmente desvendar seu interessantíssimo mundo imundo, escutar a música, para ler depois, perder o temor, soltar a franga, pintar o sete com a Ode aos ratos, outra composição cascuda, outro belo e intrigante quebra-cabeça do maior de todos. Chico pediu ajuda a Paulo Vanzolini, aquele cara autor de Ronda, a senhora sabe, de noite, eu rondo a cidade a te procurar sem encontrar. O grande artista paulista era também zoólogo, deu uma tremenda força pro blue-eyed carioca, o maior de todos. Resultado: Ode aos ratos é uma obra-prima, além de travar a língua porretamente, rarará, um poema riquíssimo, encantador para um guri aprendendo a gostar de sopinha de letras. Rato que rói a roupa, a rapa do rei do morro, a roda do carro, o ferro, o barro, roto que ri do roto, rato ruim, que rói a rosa, o riso da moça, e numa rua arriba em sua rota de rato. A passear pela cozinha da cronista de meia-tigela, rarará. Cadê? O cãozinho dela matou. Que nojo!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Fleuma

Deve ser alienação da minha cabeça. Mainha e Painho, ambos bem passados dos quarenta, brincando de médico, na maior inocência, apostando tudo na infertilidade que os anos vão esculpindo, na casca e por dentro - esterilidade advinda do avanço do tempo, o galope só é bom bem livre... da idade, rarará, a calda deu o ponto certinho, virei ovinho de Páscoa, rarará, recolhida à escuridão do ventre, trancafiei-me na masmorra uterina, ‘daqui não saio, daqui ninguém me tira’, só botei as manguinhas de fora na hora combinada, exatos nove meses depois da saliência, nove meses, de abril a janeiro, faça as contas. Nasci dia quatorze, para ser cabra da peste, e sem um pingo de juízo, rarará, capricorniana desmiolada do sal da terra, porém libriana avoada, leviana para quem olha, puro azar, culpa do ascendente de vento, já pensou? É fogo. Deve ser alienação da minha cabeça, preciso perguntar aos universitários, lá do trabalho, se eles também padecem do cacoete: eu tenho o maior tesão numas palavras deliciosas da gente! Em contrapartida, às vezes, perco o bonde e a esperança, no vácuo, fitando pilhas de nada adiante, rarará, escarafunchando o despenhadeiro da memória, catando similaridades parciais, sinônimos imperfeitos até, dou um quarto ao diabo para dar a volta onde o diabo perdeu as botas, quero escapar de usar, no textículo de minha autoria, conta e risco, rarará, aquele termo enviesado do qual jamais consegui me afeiçoar na vida. Coisa de maluco isso. Capaz de Flima gostar de conversar comigo a respeito. F. Lima é Fábio Lima, uma sumidade do Instituto Federal Fluminense, no que se refere, rarará, à Língua Portuguesa. Fleuma, por exemplo, é linda demais, no longette passeio formal branco-gelo, no caimento, no garbo, na sonoridade, no seu mais preciso significado, adoro fleuma. Fleuma soa mais ou menos como Flima, deve ser por isso mesmo que me lembrei do colega.
Desde menina miúda, gosto de escrever mil vezes as palavras que me conquistam. À mão, claro. Rabisco e leio - sussurando, cantarolando, aos berros, fazendo careta – vou mudando o tom da voz, completamente pancada das ideias, rarará, preparada para adentrar, a qualquer instante, o pórtico de um hospício de grife e instalar-me, de mala e cuia, em um de seus aprazíveis quartinhos vip. Apego, afago, afeto, alma, aragem, brisa, bruma, cão, cinema, cálido, casulo, clamor, crisálida, comunhão, duelo, estio, festa, flor, filho, fibra, fugaz, grito, harpa, ímã, ilha, ilusão, jardim, jangada, justiça, linho, ladeira, luar, liberdade, mãe, mulher, manhã, maçã, multidão, nuvem, ninho, outono, pão, prazer, pérola, pêssego, poema, povo, pássaro, poente, quase, quimera, rã, ruído, selva, saveiro, sonho, saudade, toada, telha, vinho, voragem, vontade, xale, xícara, zinco, uníssono, universo, utopia, união. Brochante é listar aqueles vocábulos mais fraquinhos de espírito e de feição. Colabora? Abutre, abuso, acinte, açoite, assassino, bomba, bazuca, crime, canhão, conchavo, coronhada, carniça, derrame, defunto, esfolar, ferida, grotesco, gangrena, hecatombe, hematoma, hediondo, humilhação, impunidade, jugo, larápio, ladrão, morte, opressão, podre, tanque, tortura, trombose, tripa, truculência, supurar, sucumbir, sangue, servidão, segregação, saturado. Duvido que a senhora esteja ocupada, acabe com essa dissimulação sem graça, pare de fazer a linha operária padrão, “pensando ter amor nesse momento, desesperada, você tenta até o fim”, rarará, pelo amor de Santa Rita dos Impossíveis! Piada, né? Acorde para a realidade, a tropa de choque dos fatos, madame! Seu patrão, mais milionário e mais filho da puta a cada primavera de praga de espúria criatura, desdenha das escoriações da sua dignidade, escarra nos seus mais singelos e sinceros nobres sentimentos, fala a verdade! A senhora, pobre de Jobre, rarará, se estropiando toda aí nesse estabelecimento, abrace o pau de dar em doido, envolva a cara num pano, ou não, e vamos para a arena da rua! Luto atuante é luta! Perturbe a paz e exija o troco. Revelação. Resolução. Revolução, plácida senhora.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Ai de mim, Copacabana!

Sol malandrinho, sem mover a palha. O dia mal clareou, o galo do terreiro adjacente sequer abriu o bico, coitadinho, na madorna, cochilando, sonhando um farelo de sonho, raspinha de quimera dourada, fantasiando loucuuuras, rarará, com sua doce e guapa garnizé adorada, decerto, Ronaldo já controlando os tradicionalmente titubeantes passos da minha hesitante pessoa, está direito isso? Categoria para gostar de dar as ordens é marido, a senhora concorda? Leonino então, cruzencredo! Helena, mulher, nem procure saber como toca a banda, não vale um vintém da pena. Vá decretar na Central de Arquivamento, chefinho, rarará! Vá pela sombra, coração! Vade retro, entojado! Farei as compras, sim senhor, meu coronel, sossegue a periquita! Só que tem um detalhe, o seguinte: ouvido de mercador, larita banana frita, vou na hora que bem entender. Uma semana sem comida, na minha humilde residência, é um santo remédio para a família carga pesada. Ademais, quem manda em mim não nasceu, prefere que eu desenhe? Essa pentelhice só pode ser inveja do meu merecido descanso: férias esquálidas, mixurucas, paródia medíocre que nem dá para o gasto.
Ronaldo é um anjinho de candura, sério mesmo. Ele é carioca, ele é carioca, basta o jeitinho, rarará. Aposto que a senhora ainda não prestou atenção nas propagandas da Itaipava, cerveja carioquíssima. Faz tantas eras que não saboreio uma loura véu de noiva, tiritando no fundo do pote, nem posso julgar a supracitada, dizem que é leve, gostosa, pode ser. Sei que eles vendem o peixe direitinho na TV. São várias situações. Tem aquela do quiosque na beira da praia, o casal pede uma cerveja, chega o Bruno Gagliasso, Bruno Gagliasso vai embora, carregando a garrafa, o rapaz pergunta se a moça viu o ator, a moça faz aquela cara de paisagem, dispara: “quem é? que ator? nem reparei”... Ignorar artista famoso em beira de praia: 100% carioca. Carioca feito a Itaipava. Tem a outra, a dos amigos conversando na porta do bar, chega um sujeito, um dos caras faz uma festa danada, cumprimenta, aperta a mão, tapinha no ombro, tal e coisa, bate um papo porreta, o sujeito vai embora, o amigo pergunta: “quem é esse?” O cara responde assim: “sei lá! nunca vi mais gordo”... Fazer a social, na maior intimidade, com uma alma penada que você não conhece: 100% carioca. Carioca feito a Itaipava. Na minha modesta opinião nordestina, entretanto, a melhor da série é a do cara passeando no calçadão. Essa é digna de prêmio, sinto na pele. O cara encontra um amigo, aquela alegria, “que saudade tua!”, isso e aquilo, marca de visitar o amigo na manhã seguinte: “vou na tua casa, me espera!”. Três metros adiante, o cara encontra outro amigo, o mesmo estardalhaço, “quanta saudade, meu camarada!”, uma lengalenga parecida, o cordial convite, na lata, em cima do outro compromisso: “tô te esperando lá em casa amanhã de manhã! fechou! olha lá, hein?” . Essa é extraordinária! Marcar encontros concomitantes, reuniões paralelas que florescem e fenecem no âmbito da interlocução de cortiça, da prosa fiada: 100% carioca: Itaipava. O formidável da história toda é que o Rio é um território poroso, arejado, onde a dor não tem razão, as contusões não vigoram, fluidas com pedigree, os cariocas tão de boa, fora do prazo, sapateando no toró - maceteados, descolados – compreendem-se, defendem-se, relevam, ninguém dá pano para blazer esporte fino, menos ainda para mágoas e melindres.  
Satanás é os pés da besta para juntar França e Bahia, dessemelhantes continentes. Minha psicoterapeuta é da gema, nascida e criada na encosta do Corcovado, as sessões são os naufrágios e os resgates ensolarados, push and pull, trazem-me à tona, sal na boca e no olhar marejado, uma cena de cinema, a senhora avalie. Meu fundamento é custoso porque é sertanejo, madame, meu passado é jagunço, maciço, solo rachado que me condena. Nordestino flutua menos que mergulha, agita-se no limo espesso do açude de si próprio. Absolve-se pelo corte, o buraco, a imensa sutura, a cicatriz: precisa afundar, explorar o abismo, tatear as entranhas do poço, agarrar o cordão partido, amarrar as tiras poídas, reatar vínculos tão esgarçados, nós cegos a romper-se outra vez, outra e mais outra, como se um grande e intenso relacionamento, tão verdadeiro, tão cúmplice, tão repleto de graça e beleza, jamais houvesse acontecido, deixado um resíduo bom, um ponto de cruz, um símbolo sagrado, na parede atrofiada da memória. Um nó cego, subitamente lasso, a romper-se com o sopro mais delicado. Não. Comi todos os brioches que o diabo amassou. Todas as perdas irrecuperáveis são minhas. Fiz das tripas oração. Para quê? Desperdício de luz. Batalha vã. Inútil sofrimento. Não imagine que te quero mal, apenas não te quero mais. Cansei de ilusões, minha irmã. Você que esforçou-se tanto para desamar, deve ter conseguido, a gente vive como pode. Fique em paz, longe do meu abrigo. Pá de cal. The greatest thing you’ll ever learn is just to love and be loved in return. Recife borbulha de outros amores.