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sábado, 18 de fevereiro de 2012

Saúde

Mais cinco dias de antialérgico, o que são meros cinco diazinhos de droga, para quem já vai com dezessete dias de envenenamento lícito assistido, sim, porque não há, entre os honrados profissionais do jaleco branco de nariz para o alto, um acadêmico do salgueiro, um sequer, para eu fazer um chazinho despretensioso desse que não faz mal a um mosquito com tosse, que me convença de que essa parafernália de pó encapsulado dissemine por dentro da minha boa pessoa, nada além da boa e velha e desejada cura, para todo mal a cura, amém. Todo mundo está careca de saber que a pilulazinha que trata um achaque, no mais das vezes, desencadeia, em efeito dominó, outros três ou seis, mas eu sou uma criatura obediente até a medula óssea, obediente desde a mais tenra idade, testemunhas disso abundam na minha terra natal, por conseguinte, faço tudo que o catedrático manda fazer, em abnegação e disciplina suficientes para abismar o mais monge dos monges tibetanos. Mais cinco dias de antialérgico administrado conforme a prescrição da jovem doutora do rei na barriga... E serei salva.

Não sei se isso é coisa minha, se outros encarnados compartilham a cisma, padecem dessa  grave enfermidade do espírito, mas, para eu me entregar de corpo e mazela nas mãos de um médico ou médica, sempre desconsiderei o gênero nesse caso, para mim pouquíssimo importa, meu ginecologista aqui no Rio, por exemplo, é absolutamente estupendo, gaiato como os ginecos têm de ser, sei de mulheres que jamais consultaram-se com ginecologistas homens, me incluam fora disso, eu confesso que até prefiro, enfim, para eu me entregar de olhos fechados e de peito aberto e de coração na mão, nas consagradas e lenitivas mãos de um médico ou médica, faço apenas uma restrição. Confio inteira nos médicos que têm da minha idade para cima, quanto mais estrada, meu bem, melhor. Procuro saber quem conhece, pergunto a gato e cachorro, ele é jovem?  ela é muito jovem?, uma maluquice com firma reconhecida, admito. Meu ginecologista, conversador de conversa fiada dos melhores, qualidade, no meu entender, também essencial a quem pretende suar um jaleco, revelou-me, dia desses, que fez sessenta e quatro anos. Um ginecologista obstetra de sessenta e quatro anos já viu, ao vivo, em cores, formas e complexidades as mais variadas, todas as perebas vulvais, vaginais, ovarianas e uterinas,  catalogadas ou não, nos volumosos  compêndios solenemente perfilados sobre as majestosas prateleiras do seu consultório, coisa que deveras me tranquiliza e conforta. Não vou mais parir, mas gosto muito de pensar nos seres viventes heterossexuais, homossexuais, transexuais, pansexuais e afins, essa gente crescida,  já feita, bem ou mal criada, professores, médicos, engenheiros, deputados, senadores, estilistas, jogadores de futebol, modelos, atrizes, bailarinas, vagabundos até hoje sustentados pela mãe, enfim, um séquito de carne e osso, cada um  trazido a esse mundo confuso pelas mãos do meu velho sábio doutor de senhoras... De repente, transbordo  paz,"como se o vento de um tufão arrancasse meus pés do chão onde já não me enterro mais..."  Sigo escapando do descanso eterno, da cidade dos pés juntos, um alívio.

Quando o meu tornozelo esquerdo, sem ver de quê, começou a inchar sem nunca mais desinchar, minha perna virou uma pata de mastodonte, uma coisa pavorosa, me lembro de que o ortopedista da vez, um grisalhão muito do charmosão, graças a Deus, recomendou-me investigar problemas reumáticos, seria bom consultar alguém da área, sabe como é. Não me esqueço dessa história porque o médico que escolhi muito bem escolhido, um senhor desses que, pela idade aparentada, devia saber  de um tudo acerca de problemas reumáticos, por experiência própria, rá rá rá, deu uma errada comigo, daquelas de arruinar a reputação e a carreira de qualquer profissional de saúde. Em poucas palavras para não enfadar, o sujeito diagnosticou uma tendinite no local, agravada pelo sobrepeso. Eu confiei inteira, pois todo gordo acha que está doente porque está gordo, assim como todo médico acha que o paciente gordo está doente porque está gordo, com exceção do médico psiquiatra, esse sabe que o paciente está gordo porque está doente. Confiei inteira duas semanas inteirinhas. Depois, desatei a duvidar. Esse filho de uma égua desse médico, só de bater o olho no meu edema, sem requisitar os exames de sangue que, num leve roçar de pálpebras, acusam a artrite, isso eu descobri depois,  pois esse médico incompetente de matar, sentenciou: tendinite. Tem vez que é assim, a gente erra feio, chuta pra fora, loooooonge do gol. Ouça um grande conselho que eu lhe dou de graça: desconfie de quem tem certezas demais, a dúvida é a filhota preferida de Deus. Veio de Drª Rosinete Guimarães, deve ser minha parenta, rá rá rá, minha reumatologista oficial para todo o sempre, minha amiga querida, amiga confidente, madrinha do meu casamento para todo o sempre, o tão aguardado esclarecimento: tenho uma artrite rara aí, daquelas brabas, espalhada pelos quatro cantos de mim, na sacro-ilíaca, inclusive, mais uma artrose de respeito, na coluna, nos cotovelos, nos joelhos, sobretudo no esquerdo, e mais não sei onde, esqueci agora. Obrigada por saber, doutora. Obrigada por eu saber, porque você sabe e me ensina, que o fim do mundo não é agora, agora é a hora de ser feliz.

Eu adoro o meu ofício, mas gosto mais ainda de não cuidar da saúde dos outros. Ensinar língua estrangeira é uma alternativa interessante para quem não curte muito isso de queimar as pestanas. Nem a rainha da Inglaterra sabe tudo do idioma pátrio, que dirá eu? O desmantelo estrutural e funcional daqui, a gente ajeita acolá, se a vaidade consentir. Sempre dá tempo da gente assear a sala, limpar a merda da aula anterior. Tem mais, até onde eu estudei, aprendi que uma má pronúncia não despacha ninguém para o purgatório, nem concede passaporte para o paraíso, Deus me livre. Engraçado é que estive no cabeleireiro ontem, e me disseram que a última moda é a moçada pintar as unhas em dois tons da mesma cor. Renata, minha manicure, uma profissional de responsa, queria porque queria colorir a unha desse meu dedo da aliança, não sei como se chama, anelar, anular, enfim, colorir essa unha de lilás clarinho, a unha desse dedo da outra mão também, usando o mesmo esmalte nas unhas dos pés. O lilás mais escuro ficaria nas unhas dos outros dedos das mãos. Achei muito bacana, acho que Renata está muito bem informada sobre os buchichos e as novidades da sua praia, muito legal mesmo. Jovem é outro papo. Estarei mais atenta às mãos das doutoras, doravante... Achei moderno demais para uma mulher de quase cinquenta anos, bem que tentei, ficou estranhíssimo, não deu para aderir. Voltei para casa a pé, como de costume, ruminando o assunto da crônica. Escreveria sobre mídia e moda de salão de beleza, com toda a certeza desse mundo, o texto praticamente construído na cabeça. No percurso, deu uma doida, hesitei, mudei de idéia. A dúvida também é filha de Deus. A dúvida é Deus.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Boi na linha

Ladrão bandido cachorro da moléstia é uma qualidade de gente safada muito privilegiada, nesse nosso belo, forte, impávido colosso de terra de sapo. Em terra de sapo, de cócoras com ele, os menos jovens advertem, e eu concordo, especialmente se o sapo for teimoso feito uma mula, a gente acocora e, devagarinho e pelas beira, faz um país. Agora falando sério, contrita como quem reza. Imaginem vocês que ontem, pela ducentésima vez, pelas minhas contas, dei um pulinho na maior empresa de telefonia móvel, imóvel e o raio que o parta, do país e do mundo, OI para você também, com a delicadeza e o refinamento que me constituem, todo aquele que me conhece , conhece; conhece, usufrui, aprova e se apaixona, rá rá rá,  visitei o balcão de atendimento para pedir
à gente fina do atendimento, aquilo que qualquer criatura  adimplente, valorosa e virtuosa como eu, pode e merece ter, se assim o desejar:  uma linha para a minha humilde residência. A minha pessoa já apeou em algumas paragens por aí, sempre na casa dos outros, por amor, por favor, por conveniência minha e de outrem, ora pagando aluguel irrisório, ora pagando mais do que os olhos da cara, já tive telefone fixo em Petrolina, em Jaboatão dos Guararapes, nos quatro pontos cardeais de Recife, no raio que o parta, mas nunca na vida, nem em dia de lavagem da escadaria, possuí um aparelho ouvinte e falante funcionante, no estado da sorria você está na Bahia. Nas sacadas dos sobrados da velha São Salvador, quis cochilar, numa preguiçosa rede a balouçar..., mas não fui, a vida jamais me sorriu por lá. O leitor, a essa hora, deve estar se perguntando que raio de história atrapalhada é essa. Deu-se comigo, se foi comigo, tenha certeza, é história atrapalhada. Tudo na minha vida tem uma pitadinha de complicação para animar a festa.  Se fô da família, você, meu bem, está cansado de saber, se num fô, vai saber, porque o meu bucho é furado de piaba, e porque estou dessa história até o pescoço, vou contar a você, meu ioiô, para não morrer feito Wando, de morte do coração, tão inesperada e prematura.
Num domingo de tarde, era uma vez uma belle de jour, isso em 2003, às margens do Velho Chico, caminhando e cantando em direção ao River Shopping, o então recém-inaugurado centro de compras de Petrolina, uma bela da tarde aluada, repentinamente abordada, num terreno baldio, pelo ladrão da bicicleta, mau elemento que andava se utilizando de peixeira afiada para furar o bucho das belas da tarde, isso na flor do meu sertão pernambucano, ali na divisa com Juazeiro da Bahia, e lhes afanar os preciosos pertences, no domingo de tarde. O meliante equilibrista me levou a bolsa com tudo dentro, sendo, dias mais tarde, os meus jamais recuperados documentos, muito bem empregados em financiamentos diversos, o meliante comprou uma cozinha nova no meu nome, habilitou linhas telefônicas à beira do mar de Caymmi, eu até tenho para mim que o meliante ganhou um pesinho e se traveste depois de uma certa hora, o cabra fica igualzinho a mim, ninguém chegou mesmo de leve a perceber, desconfiado, que ele vira fêmea  e atende pela graça de Adriana Guimarães, às suas ordens, uma coisa impressionante. Eu dei parte na delegacia, já tive de me valer desse B.O. vinte e sete vezes ou mais, para esclarecer que despesas brotadas do chão, nos quatro cantos do Brasil, jamais foram minhas, enfim, muito bem vaticinou o advogado da agência  do  Banco do Brasil de Petrolina, meu amigo Jorge, meu aluno da Cultura na época, um cara que me ajudou pacas, me orientou sobre o que fazer e o que não fazer, me lembro como se fosse hoje, ele me disse assim: “Minha teacher querida, desculpe lhe dizer, mas você nunca mais vai ter sossego na vida”. Jorge é vidente, eu nem suspeitava. Difícil acreditar, eu entendo, mas trata-se da mais pura verdade, faz quase dez anos que fui vítima desse assalto amaldiçoado, dessa fraude, já comi o pão que o diabo amassou, já tive conta de banco bloqueada na véspera do Natal, já vi meu peru recheado decolar da mesa, com mais de mil, por falta de pagamento, já escrevi de próprio punho, com o pranto a me correr, Adriana Peixoto torceu o nariz nesse exato instante, aposto, mas eu choro de rachar, choro mesmo, escrevi longas cartas esclarecedoras para a Fininvest, para a Losango, para o que existe de financiadoras por aí, gastei uma dinheirama para ser uma cidadã documentada de novo, e para encurtar a conversa, a moça simpática do balcão OI atende, com aquele sorriso de comercial de dentifrício, com a boa vontade que Deus lhe atribuiu, quando estava desenhando a figurinha de cromo, dispara: “Senhora, o que existe aqui é o seguinte, dois pontos, um em cima, outro embaixo: a análise do seu cadastro aponta uma pendência na Bahia. Através do 103, fui informada de que a pendência não mais existe porque a senhora, de fato, foi roubada. O problema é que um sistema não tem como ler o outro”. Não é minha mentira não, que no dia que eu mentir, o povo sabe, no dia que eu mentir, o mundo se acaba. Eu dou um doce a quem conseguir apresentar as primeiras letras a esse sistema iletrado. Dialetozinho complexo esse!! Alfabetizar é mesmo uma arte. A moça do comercial de dentifrício gostaria que eu aguardasse um prazo de 48 horas, antes de tomar qualquer atitude. A moça simpática ignora que Ronaldo coração de mel de melão aloprou tem tempo, se ele ouvir, assim en passant, um oizinho inocente no meio da rua, é capaz de ele quebrar os dentes do sujeito que lhe acenou, ele quer emparedar todos os funcionários, grandes e pequenos, da empresa, e meter bala, para lhes estourar todos os miolos. Não critico, amar é envolver-se, ele me ama.  A Embratel deve chegar aqui na minha rua lá pra 2016, por aí. A Justiça é cega, surda, muda e doida, mas há de haver. “Lá vou eu de novo para o Forum procurar o desconsolo que cansei de conhecer...” Já processei a Claro, outra empresa na qual não se pode confiar. Meu marido tá “feito um bichinho no sol da manhã”, puto dentro das calça. Claro, Ana e quem mais chegar. Vou agorinha ligar para o meu advogado. Me dá um alô mais tarde, combinado?

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Árvore

São só dois lados da mesma viagem, a hora do encontro é também despedida. Até quem não é muito meu amigo, 68,7% dos seres viventes racionais MC’s do planeta, sabem que eu retornei de Recife um dia desses, nunca fui muito reservada no que se refere a mexericos roupa suja de se lavar em casa, os assuntos de cunho familiar, prolegômenos parentais (prolegômenos é uma palavra que aprendi com meu professor de Linguística, aliás, com ele aprendi só essa palavra mesmo, não entendo como o indivíduo pode dedicar seus exíguos dias sobre a face da terra, escarafunchando os meandros subterrâneos da Linguística, a Linguística é um negócio chato pra cacete, fala sério!), a gênese do clã, as origens, as raízes, et cetera e tal. Aliás, nunca fui muito reservada no que tange à coisa nenhuma, na minha terra o povo fala Fulano é um bucho de piaba daqueles, tudo ele sai espalhando a torto e a direito. Bucho furado de piaba... Sou. Eu gosto demais de espalhar os meus entretantos por todos os cantos. Os entretantos alheios também. Eu gosto de contar ao povo da rua o que bem ou mal se passa com a minha humilde pessoa, com os meus imediatos ou não, o que se passa com a gente que cruza a estrada ali, diante do meu nariz permanentemente obstruído, me oferecendo beijos de amor, ou sem me sorrir um tico, nem me lançar um inofensivo bom dia, eis a minha sina... É disso, afinal, que o fuchique se alimenta, “pra nascer sem nome, pra crescer enorme e se chamar prazer”. Sou do Recife com orgulho e com saudade, sou do Recife com vontade de chorar, Recife mandou me chamar, foi a saudade que me trouxe pelo braço... na alta madrugada o coro entoava do bloco a Marcha Regresso. REGRESSO é uma canção belíssima do Candeia, magistralmente interpretada por Clara Nunes, canta, meu sabiá. A letra é um estouro de boiada, outro dia consegui baixar a música, ouço de morrer aqui em casa, me lembrando dos princípios do meu falecido pai, meu pai era doido por ela: não sabia que voltavas tão meiga assim, parte, amor, já é noite, mas traga de novo o calor dos teus beijos pra mim, que eu sei dar valor ao regresso, juro, jamais te peço pra ficares, amor. Meu falecido pai sabia dar valor ao regresso. Ele dava asa às cobras criadas, abria as porteiras, mas esperava debaixo de um pé de jambo, lá em Candeias, sempre disposto a partilhar aquele lote de uisquinho com a gente, debaixo do seu nariz e da sua asa, claro. Clara Nunes morreu de morte polêmica, coitada, no dia 2 de abril de 1983. Foi coice por cima do baque de perder Elis, Elis morreu um ano antes, desencarnou fustigada, tadinha dela também, com o açoite da língua ferina dos maledicentes de plantão. Elis Regina e Clara Nunes, as cantoras preferidas do meu pai, que também arrastava um trem por Alcione, a Marrom que até hoje abala as pilastras do peito de qualquer um, quando abre aquele bocão e deixa o tempo cantar. Clara Nunes se foi para além do luar, onde moram as estrelas, no dia 2 de abril, o dia do aniversário do meu pai, por isso, nem querendo, esqueço. Especulou-se horrores na época, inventou-se tanta história cruel, choque anafilático numa cirurgia de varizes, aborto mal sucedido, suicídio, “morreu foi de apanhar do marido”, o imensurável Paulo César Pinheiro, meu Deus, quanta maldade na veia. Paulo César Pinheiro é um sujeito que trata o tema em questão, com a devida necessária reverência, em seus intensos meros poemas, o cara sabe dar valor ao regresso, e bem direitinho. Quero ver meu portão bater, quero ver minha casa encher, como há tempo já não se faz, quero um copo que eu vou beber, e quando o dia amanhecer, eu quero adormecer em paz.
Dizem as más línguas que, quando eu era pequenininha do tamanho de um botão, difícil visualizar isso, hein?, um belo dia, de noite, eu saí de casa, sem olhar para trás. Devo ter agarrado uma fralda encardida e fui embora pra Pasárgada escuridão afora, me afastando de casa a passinhos curtos, porém muito determinados. Segui andando, andando, andando, não houve Santo Antônio com um gancho que me convencesse, com bolo, bala, sorvete ou manjar, a regressar ao lar. Desse episódio não me recordo uma vírgula, mas penso o que desejo, portanto, materializo essa criança do pé aos cachinhos, quase toco essa menininha desolada, arrastando seu paninho pelas calçadas, sempre que preciso estar com ela. Não me perguntem como isso acabou que eu não sei. Sei que anos depois, quando eu já era moça feita, um dos trinte e sete psicoterapeutas da minha vida, ouviu a história e quis saber se eu sabia quais braços, naquela ocasião, teriam me reconduzido, sem um tostão de esforço, ao seio da família. Eu me lembro disso como se fosse hoje... Perguntei a ele assim: ‘mainha?’ e me senti indisposta, de repente. Saí do consultório tão cansada, me arrastei pelo coração da cidade, feito uma barata doida varrida, com o pranto a me escorrer pela face, tateando mãos etéreas, repletas de ausência e de silêncio, vertendo um rio de água salgada sobre o chão da Rua da Saudade, do Hospício, da União, do Sossego, desembocando, às tontas, na Aurora.
A casa já não está mais lá, está dentro de mim, e cantar me lembra o cheiro do jasmim. Meus sonhos deixaram minhas mãos vazias. A  recente estada em Recife me abriu sulcos na alma, é certo, doeu que até Deus duvida. “O que não parece vivo, aduba”. A recente estada em Recife inaugurou uma alameda com pedrinhas de brilhante para eu passar, rumo ao ninho. Alameda que vai de mim para nós, eu e ele, um caminho absolutamente sem volta. Ronaldo não perdeu um detalhe da viagem, ele é um homem atento às minhas (des)ilusões porque ele vive para me ver feliz e para ser feliz comigo, venha o que vier. No aeroporto, me recebeu como o sol do verão, com sabonetes cor-de-rosa em formato de rosa, e um ramalhete de rosas vermelhas de verdade. Em nobre e delicado gesto de amor eterno, distribuiu rosas de todas as cores por todos os cômodos, um bosque na estamparia das novas toalhas de rosto e de banho, e das novas colchas e lençóis. Plantou na parede um jardim de papel contato, ramos e flores lilás em torno do espelho da cama para dois. Acho que pela primeira vez, desde a manhã do nosso casamento,  não me pediu que parasse de chorar. Acolheu cada lágrima, respeitoso, repetindo 'eu amo você', e me carregou pela mão. Dá-lhe, Gilberto Gil:



Nossa
Agora é me dedicar
Inteiramente ao nosso amor
Cantar nossa música
Agora é só decidir
Aonde queremos ir
Armar nossa tenda

Armar nossa tenda, já
Que a nossa varanda vai ser
A estrada da vida
Por onde o sol passará
E a lua também virá
Contar nossa lenda

E OS TEMPOS FUTUROS VÃO
SABER COMO FOI
ESCREVER NOS MUROS VÃO
NAS PEDRAS DO CHÃO
A HISTÓRIA DA NOSSA ILUSÃO...