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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O grito do silêncio

Estive no centro da cidade, fui pagar umas contas, que o bicho deu cachorro em setenta, mas não consegui fazê-lo pela internet, um aborrecimento com farofa de chute no saco, fala sério. Dependendo das fases da lua, a internet vira uma mão na roda ou na guilhotina, sinceramente. A bordo do nosso lindo balão azul, todos os companheiros de viagem, do rodapé à cumeeira, necessitam de um dia de descanso, isso sem contar com o sabadão de Luciano e o domingão de Fausto Silva, continuamos muitíssimo bem arranjados com a arguta programação televisiva, hein, moçada? Fala sério! A tripulação carece de um dia de descanso, entre o jiló da segundona e o caramelo da sexta-feira abençoada, a intrépida escrevinhadora de babaquices aleatórias carecendo três vezes trinta mais de que todo mundo, rarará. A minha folga sagrada, nem me lembro se já comentei a novidade nesse modesto veículo (o comboio dos sonhos, rarará!), a minha folga sagrada que mamãe beijou vigora agora é às quintas-feiras, aventurei um pedido tímido, na linha equilibrista vai que cola, carambola. Um murmúrio simples desculpando-se inteiro, um breve sopro acabrunhado, praticamente afônico, desesperançoso de lucro, de um reles indício de pequeno êxito, rarará, quando vi, menina, foi a chefia imediata, de imediato, acatando, rarará, a senhora veja. Quem não arrisca, não petisca, a minha espada e a minha bandeira. Somewhere in my wicked and miserable past, there must have been a moment of truth! Somewhere in my youth or childhood I must have done something good! Parece que mereci, quem assistiu à Noviça Rebelde dezessete vezes, feito eu, rarará, entende perfeitamente a inserção dos versos entre as pedras do caminho.
Novembrou, madame, danou-se. Pelas minhas contas, falta mais de mês para a festa, o Natal dos outros, entretanto, tenho de mim para comigo, vai acontecer bem antes. O contribuinte acelera, atrasado. A população do Rio de Janeiro concentrou-se em Cabo Frio. Ardendo em ruído e pressa. A gente não para, a gente não anda, a gente não ouve, a gente não se compreende, uma coisa de doido, o vendedor comunicando-se num dialeto diferente do da gente. Doze estrangeiros por metro quadrado, aquela Babel desordenada, em traje de banho, Lojas Americanas, meu camarada, rarará, galego no calor da sucursal do inferno, balbuciando grego e esturricando. Abri a porta de casa, a vista enevoada, os pés e o miolo mole latejando, uma dor de cabeça de anteontem, cheguei tonta de urgências alheias. Encharcada de suor... e cansada. Primeiro, não havia nada, nem gente nem parafuso, o céu era então confuso, e não havia nada.  Era doce aquele remoto tempo, mano Caetano. Quisera.
Definitivamente, antes que fosse efetivamente tarde demais, percebi que envelhecer requer, sobretudo, calmaria, taciturnidade. No templo do silêncio, reverbera o eco das lições aprendidas e desperdiçadas. Os mortos cochicham os grandes segredos de família, no escuro do silêncio. A alma resgata a infância triste, a juventude afoita e obtusa, a maturidade intermitente, no coração do silêncio. Todas as vãs realizações, todos os plenos fracassos conspiram no silêncio. As recordações dos antigos retratos adornam as paredes do silêncio. As chagas, as cicatrizes, o perdão e o esquecimento palpitam no silêncio. Silêncio sonoro. Silêncio manifesto. Bloco de silêncio onde anoto ilusões de paz e de guerra. Nada na vida confessa mais que o depoimento do silêncio, adensando o adubo que nutre a árvore serena - o pé de porto e de paz, pé de saudade adestrada, em que vamos, afinal, querendo ou não, nos transformando. No mais completo sigilo, o silêncio conta. Ainda que a ouvidos moucos, de frenéticos interlocutores, o silêncio sussurra a mesma velha história do homem. A história que nunca se repete.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Baú de ócio

Quedo-me a procrastinar, amados amantes do fuchique, sem um filete de constrangimento, que dirá culpa, rarará. A senhora escutou e é verdade: quem quer a importante tarefa realizada ao menos a contento, designe para o abacaxi aquele indivíduo sempre mais ocupado. O impossível floresce mesmo é na escassez de tempo. Na minha módica interpretação, os adiamentos conscientes são o combustível das máximas competência e criatividade, pois que, em cima do laço, meu camarada, o couro histriônico descolando da carne trêmula, na chapa quente, ui!!, a deadline do demo estrangulando, rarará, em cima do nó de marinheiro, pressão, pressão, adrenalina, solo sal desfavorável, plantando-se qualquer semente aflita e inadequada, nesse fundo de poço, madame, tudo dá, é desse jeito. The very last minute to go produz maravilhas com leite moça, assino embaixo. Pretende descortinar seus mais recônditos e camuflados talentos? Deseja, de fato, once and for all, calçar e costurar, nos próprios cascos, as sandálias da humildade? Faça de última hora, é batata.  Das duas, uma: o sujeito vira capa ou contracapa de revista, rarará: especialista tão especialista que constrói de sopro, especialista equivocado (uma redundância, vamos combinar, todo especialista é equivocado, rarará!) ou cidadão de bem, que ninguém espere ser de bem, sem a experiência capital de perder uma medalha eventual, passar ao largo do pódio, ao menos três vezes em cada nada mole vida, é um troféu imprescindível à formação ética, moral e psicológica do contribuinte.
Meus gentis leitores apostam que sou uma vadia, no que têm razão, até certo ponto. A essa altura do tombo, sinto-me muito à vontade gerando inerte lotes de coisa nenhuma, no dia que eu mentir, já sabe. Entretantomente, mister esclarecer o seguinte: a estrada é longa e o caminho é deserto. A vadiagem demanda um esforço tremendo, trata-se de uma conquista a penas duríssimas. O contraponto da vagabundagem atende pela doce alcunha de trabalho. Minha seara envolve ensinar coisinhas à toa da língua do patrão ao coleguinha disposto a mais ou menos conhecê-las, nos dias atuais, uma raridade, acredite. Para os meus olhos desarmados, um negócio absolutamente fantástico, sendo todo meu este privilégio maiúsculo: a meninada vai dando conta do recado sozinha, pelos meios que escolhe, de repente, já foi, a meninada passa as perninhas rijas e ágeis na mestra, com carinho, rarará. Glória! Ensino coisinhas à toa porque nunca consegui alcançar o nível dos peritos, pela graça divina. Somente com muita vodca no juízo e uma cara de compensado, o professor brasileiro do idioma dos outros consegue arrotar certas heresias e frivolidades, francamente. Confesso que botaria uma banca hostil, com pedigree e farofa de banana, se tivesse vivido e estudado em Bristol, pelo menos dezoito anos. Não é, nunca será o caso.  
O homem aprende porque compara. Minha língua adorada, em todos os momentos, acolheu, confortou, arrimou meus passos hesitantes, no movediço terreno forasteiro. Sutis semelhanças, profundas diferenças, a essa aproximação atribuo minhas razoáveis, relativíssimas fluência e acurácia. Quem lhe propuser abandonar seu léxico, sua identidade semântica e morfológica, à própria sina de ser servil, rarará, para abraçar outros nobres arranjos de sons, signos e significados, é melhor que mereça completo descrédito, quem procura insistir no esquecimento da sua língua, jamais conseguirá lembrar-se direito de outra, esse um orador e escrevinhador fadado à incomunicabilidade. O homem compreende porque compara. Comparado ao meu serviço de escrava parda, comparado ao meu arrebatador cansaço, todo ócio para mim é pouco. Porque posso, não faço.


Para Evelyn. Pensei em você, enquanto escrevia.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A flor da noite

Meio tarde para a pichação no muro de cal do fuchique, vamos combinar. Vinte minutinhos para Paloma de porcelana desatinar. Daqui a pouco, Paloma escancara, descontroladamente, rarará, rompe em soluços, abre portas e compotas na televisão, meus digníssimos leitores em via de babar na fronha, fatigados de aguardar uma novidade, a surpresa é o vácuo, o sino do silêncio, do sol a pino ao cair da tarde. Paloma corta um dobrado, rarará, come o pão fresquinho, das mãos em brasa do cupincha de belzebu, coitada, o capeta da ocasião não é brinquedo, Mateus Solano arregaça, disfarçado de boneca, luxo só, de terninho reto e gravata de seda, ambos devidamente cor-de-rosa. Félix bicha má é foda, cara. Deve ter alguma ligação, algum conhecimento com aquela sóbria, elegantérrima traficante de moçoilas inocentes - um magote de donzelas retardadas - o gato e a que jura ser a gata, rarará: duas ruindades entrelaçadas. Solano é best friend da personagem nude do folhetim anterior, aquela megera de grife, Lívia não sei de quê, parece que é Lívia Marine, agora a senhora veja bem: uma distinta senhora quebrando tudo no salto e na sofisticação, embalada num tailleur perolado, atendendo por um nome melado desse – Lívia, Lívia é até meio enfaroso, rarará, Lívia podia ser gêmea de Nívea, duas lácteas cocadinhas de leite condensado, rarará, pois muito bem, a senhora cai feito um patinho, aposto, a senhora vai e defende Lívia na lata, paga até a fiança, o pau que mais dá no mundo é gente besta, minha senhora, besta credenciada, besta de doer, assim como, por exemplo, a minha pessoa e a própria pessoa da senhora. Se dependesse da minha audiência, a Globo já tinha falido, fala sério. Lixo só. Tirando terça-feira, o dia nacional da graça – humor de primeira, deveras bem bolado – o que resta não presta. Perdi meu marido para a novela das nove, ele e a senhora podem, de bom grado, lambuzar-se de Amor à vida, fazendo a gentileza de me incluir fora do pacote.
Feriado não é melhor porque o tal marido fica em casa, demandando todas as atenções e salamaleques. Ronaldo badala por aí que é completamente independente, donde concluo que não assisti à metade dos episódios da série. O amor se conquista passo a passo e o ciúme é a véspera do fracasso... No dia que eu mentir, é a saideira e a conta: o fim da raça. A cada cinco minutos, sou convocada a inspecionar e aprovar qualquer coisa grande ou pequena que ele cisme de fazer, desfazer, refazer, dentro do feriado!, com a finalidade de passar tempo, por uma extraordinária coincidência, pasme!, justamente o mesmíssimo tempo reservado ao meu quindim das sextas-feiras: uma nova, absolutamente irrelevante historinha para o blog. Ainda nem compreendi como deu-se o milagre, rarará, por qual obra do Espírito Santo, consegui, na prorrogação, distraí-lo com o peixe da janta, escapuli pezinhos de lã para o notebook, isso graças a uma lapa de dourado, o bichão estirado na pia, reivindicando especiarias e desvelos. Sede de escrever, fome de espreitar. É enternecedor, apaixonante, Ronaldo curte culinária, o mago dos temperos tira onda, entretido - guri e bolas de gude - no laboratório da cozinha. A flor da noite explode, o aroma se espalha, inscreve-se nas narinas, nos cômodos da modesta morada. Texto à moda, com batatas coradas, prontíssimo, fumegando na baixela, o entusiasmado autor à mesa, sorrindo: "Mãe, sai da net, vai... Agora é hora da ceia".


Giovanni Melo, essa crônica é sua.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Grafite

Parece que vou soltar o verbo na banguela, queda livre e desimpedida, sem atrito, rarará. Fico abismada com todo aquele que padece estertores até para rabiscar um recadinho de geladeira, três vivas para o Poderoso Rabi lá de cima, distribuindo óbices e talentos, rarará, ninguém na vida é perito em coisíssima nenhuma, minha senhora, o pavão misterioso estufa, avoluma-se, quando dá fé, pimba!, é a desagradável surpresa de um bloqueio maciço no meio dos cornos – ‘não consigo fazer, caramba!’ - simples assim, desce uma cortina fosca de incapacidade, de repente não mais que de repente, que é pro pavão deixar de ser estrela. Resta ao ego do animalzinho ferido baixar a bola, Deus sabe demais arrumar as coisas, a gente se vangloria de saber tudo e sabe nadica de nada, fruindo ingênua algumas habilidades triviais, acanhadérrimas, aqui e acolá, para ajudar a tocar o barquinho carregado de insipiência, rarará, no frigir dos ovos, madame, pelo que dou graças, ninguém é perfeito. Queixo caído com quem empaca na hora de dissertar acerca de um tema qualquer: lei seca, inundação, breve chuva de verão, o raio que o parta, sinceramente. Nove entre dez queridos camaradas de caminhada concordam que minha munheca é de respeito, assinalam que levo muito jeito para a atividade, os textos resultam fluidos, redondinhos, consistentes, sustentados por uma argumentação enxuta, segura, pertinente, etc. Pela lente do amor, enxergo em tudo a grande oportunidade de uma pequena crônica vicejar serena, decerto. Presumo que predomine mesmo, no mais íntimo de mim, o dom da redação, essa facilidade para o caça-palavras e seu leque infinito de possibilidades de arranjo, rarará. Escrever abobrinhas convincentes, sem chefe e sem compromisso, acaba sempre triunfando, rarará, prevalece, de fato, sobrepujando todas as tarefas meia-boca que realizo mal para cacete, ínfima, modesta, assaz mediocremente. Trinta dinheiros à vista e divulgo a lista das minhas inoperâncias, a devotada leitora quer ver? Primeiramente, meus parcos conhecimentos de informática facultam-me o mínimo dos mínimos: acesso a contento a internet para ler o que não existe nos livros da estante, digito provas e causos, desde que não haja a necessidade de produções spielberguianas mirabolantes, faço uma apresentação básica das básicas em PowerPoint, tiro foto no espelho pra postar no Facebook e baixo música para minhas despretensiosas aulinhas de Inglês. Besides, não falo lhufas de Francês, nem de Alemão, nem de Portunhol eu entendo. Arranho a língua do patrão e olhe lá, quilômetros aquém do desejado. Zerada para trabalhos manuais, zerada para culinária, zerada para instrumentos musicais. Matemática, Física e Química sempre me causaram gastrite, vexame e perplexidade. Não troco lâmpada e não troco resistência. Não emendo, não conserto, não reparo, não pondero. Misturo as taças, subverto, sem cerimônia, a ordem dos talheres à mesa. Não sei jogar cartas, não sei pintar as unhas nem o olho, não sei andar de salto alto, não sei paquerar, não sei concatenar os primários movimentos de um polichinelo. Sequer sei dançar, uma calamidade. Acrescente-se a isso uma indisposição vitalícia e renitente para aprender as novidades da moda, tão complexas quanto desinteressantes. Em se tratando de contar historinha, entretanto, a cup of tea, a piece of cake, tudo é muito diferente. Estou tão familiarizada com a solidão do papel, com o desafio pontiagudo do lápis, desde meu mais remoto tempo de menina. Chega de longe, no vento, o testemunho: a linguagem, o balé de frases, a trança dos enredos. Não tenho como partilhar a fórmula, conceder a preciosa dica, madame, somente porque ignoro completamente de que sentido, de qual porão subterrâneo, feito um suave murmúrio de braços abertos e mãos estendidas, a palavra amiga, impreterivelmente, vem. Leio a entrelinha nas palmas. Daí, boto fé na oração: escrevo.