Estive no centro da cidade, fui pagar umas contas, que o bicho deu cachorro em setenta, mas não
consegui fazê-lo pela internet, um aborrecimento com farofa de chute no saco, fala
sério. Dependendo das fases da lua, a internet vira uma mão na roda ou na
guilhotina, sinceramente. A bordo do nosso
lindo balão azul, todos os companheiros de viagem, do rodapé à cumeeira,
necessitam de um dia de descanso, isso sem contar com o sabadão de Luciano e o
domingão de Fausto Silva, continuamos muitíssimo bem arranjados com a arguta programação
televisiva, hein, moçada? Fala sério! A tripulação carece de um dia de
descanso, entre o jiló da segundona e o caramelo da sexta-feira abençoada, a intrépida
escrevinhadora de babaquices aleatórias carecendo três vezes trinta mais de que
todo mundo, rarará. A minha folga sagrada, nem me lembro se já comentei a
novidade nesse modesto veículo (o comboio dos sonhos, rarará!), a minha folga
sagrada que mamãe beijou vigora agora é às quintas-feiras, aventurei um
pedido tímido, na linha equilibrista vai
que cola, carambola. Um murmúrio simples desculpando-se inteiro, um breve
sopro acabrunhado, praticamente afônico, desesperançoso de lucro, de um reles
indício de pequeno êxito, rarará, quando vi, menina, foi a chefia imediata, de
imediato, acatando, rarará, a senhora veja. Quem
não arrisca, não petisca, a minha espada e a minha bandeira. Somewhere
in my wicked and miserable past, there must have been a moment of truth!
Somewhere in my youth or childhood I must have done something good! Parece que mereci, quem assistiu à
Noviça Rebelde dezessete vezes, feito eu, rarará, entende perfeitamente a
inserção dos versos entre as pedras do caminho.
Novembrou, madame, danou-se. Pelas minhas contas, falta
mais de mês para a festa, o Natal dos outros, entretanto, tenho de mim para
comigo, vai acontecer bem antes. O contribuinte acelera, atrasado. A população
do Rio de Janeiro concentrou-se em Cabo Frio. Ardendo em ruído e pressa. A gente
não para, a gente não anda, a gente não ouve, a gente não se compreende, uma
coisa de doido, o vendedor comunicando-se num dialeto diferente do da gente. Doze
estrangeiros por metro quadrado, aquela Babel desordenada, em traje de banho,
Lojas Americanas, meu camarada, rarará, galego no calor da sucursal do inferno,
balbuciando grego e esturricando. Abri a porta de casa, a vista enevoada, os
pés e o miolo mole latejando, uma dor de cabeça de anteontem, cheguei tonta de urgências alheias. Encharcada de suor... e cansada.
Primeiro, não havia nada, nem gente nem
parafuso, o céu era então confuso, e não havia nada. Era doce aquele remoto tempo, mano Caetano. Quisera.
Definitivamente, antes que fosse efetivamente tarde
demais, percebi que envelhecer requer, sobretudo, calmaria, taciturnidade. No
templo do silêncio, reverbera o eco das lições aprendidas e desperdiçadas. Os
mortos cochicham os grandes segredos de família, no escuro do silêncio. A alma
resgata a infância triste, a juventude afoita e obtusa, a maturidade
intermitente, no coração do silêncio. Todas as vãs realizações, todos os plenos
fracassos conspiram no silêncio. As recordações dos antigos retratos adornam as paredes do silêncio. As chagas, as cicatrizes, o perdão e o esquecimento palpitam no silêncio. Silêncio sonoro. Silêncio manifesto. Bloco de silêncio onde anoto ilusões de paz e de guerra. Nada na vida confessa mais que o depoimento do silêncio, adensando
o adubo que nutre a árvore serena - o pé de porto e de paz, pé de saudade adestrada, em que vamos, afinal, querendo ou
não, nos transformando. No mais completo sigilo, o silêncio conta. Ainda que a ouvidos moucos, de frenéticos interlocutores, o silêncio sussurra a mesma velha história do homem. A história que nunca se repete.