Desisti do salão de beleza por causa da chuvinha intermitente, ora chora, ora estia, espia. Os leitores mais recentemente integrados ao fuchique, meu faz de conta predileto, meu jeito manso de louvar
aquilo que deve ser louvado – o nada e seu rugido – a filosofia do breve
instante, breve, como a perdida flor que,
longe, floresceu e o homem não colheu pra o seu amor (Geraldo Vandré, a
bênção!), os leitores recém-chegados ao modesto reduto, desconhecem a rotina da
sexta-feira. Sexta-feira é dia de estradar, qualquer desculpa valendo para o
roto chinelo ganhar o oco do mundo, o paradeiro, no mais das vezes, é mesmo o
salão de beleza – nicho de mínimas e desnecessárias historinhas para boi dormir
– a matéria-prima deste glorioso espaço de inutilidades. Nosso venerável
coleguinha, o gigante Bruno – o adorável Carlitos da instituição – um vagabundo
arruaceiro, pouquíssimo afeito à labuta
proveitosa e decente, tem dispensado suas muitas estéreis horas de trabalho, em
nossa venerável escola, mergulhado na difícil
tarefa de arrebanhar, no laço, novos seguidores para o bloguinho. Bruno
é um desocupado, cinco contos de réis e uma mariola para quem bem lhe arranjar
um tijolo de sabão amarelo mais uma trouxa de roupa do seu tamanho, ninguém
carece de arqui-inimigo, abrigando, no calor da algibeira, uma peça como essa –
o gigante Bruno, meu amigo. A minha vontade, não vou mentir, é gastar o dia
inteiro no fundo da rede, perdida em pensamentos para boi dormir, sem atinar
para colocação pronominal, ortografia, conjugação e sintaxe, logo eu, que optei
por ensinar, mais ou menos mais para menos, a língua do patrão, justamente para
não me amofinar com essa questão enjoada do acento. Certo é saber que o certo é
certo, havendo leitor, há de haver leitura, a culpa é todinha do gigante Bruno,
ele me paga.
O assunto da crônica da sexta-feira em curso, e em decúbito dorsal, é um pé no saco,
digo logo. Tento desconversar, lá vem o debate, com a bola toda, para assanhar,
sem vestígio de compaixão, as frágeis fibras do meu pobre e insensato
coração. Ninguém tem letreiro na testa, mais um ditado arretado de Dona
Rita, do qual preciso, em edição extraordinária, discordar, desde
criancinha. Tem gente cujo mau-caratismo estampa os cornos feito um neon, um
pisca-pisca abjeto, fosforescente, a reluzir a fronte sem vergonha, incandeando
a escuridão do cego de nascença, o meu caso, uma coisa impressionante. Ontem à
noite, no auditório, faltou um dedo mindinho para eu descer do salto e
esculhambar, com os mais agudos impropérios, uma meia dúzia de simpatizantes da
banda podre, gente retinta de alma, sem estilo, sem educação e sem compostura, freneticamente
a debochar do meu candidato a diretor, isso bem debaixo do meu nariz, um
acinte. A senhora veja bem, minha senhora, não se trata de homogeneizar
preferências, três vivas à pluralidade de opiniões acerca do feito e do não
feito na sala e no porão do nosso campus,
o sujeito pode fomentar discussões em todos os idiomas latinos, a dar com o
pau, o sujeito pode desfraldar bandeira de toda cor, lutar até morrer por
aquilo que julga prioritário para si e para o outro, pode e deve, aliás, o
sujeito não tem o direito é de debochar de quem, livremente, decidiu atuar
noutra frente de batalha. Lamentavelmente, partilhamos, sob o mesmíssimo telhado de vidro, as agruras e venturas do
cotidiano, o joio e o trigo. Sorte de quem, na graça e na raça, consegue
separar os grãos de primeiríssima qualidade.
(TRECHO RETIRADO DA CRÔNICA, A PEDIDO DO PROFESSOR DAMIÃO ALMEIDA, EM COMENTÁRIO DE SUA AUTORIA, PUBLICADO ABAIXO. NA SUA INTERPRETAÇÃO, HOUVE, DE MINHA PARTE, NO TEXTO, IRRESPONSÁVEIS ACUSAÇÕES INFUNDADAS A SEU RESPEITO. PEÇO DESCULPAS POR QUAISQUER ABORRECIMENTOS. JAMAIS TIVE A INTENÇÃO DE OFENDÊ-LO)
Abro um novo e apoteótico parágrafo, o grand finale, para reverenciar o impávido Anderson Cortines, nosso bebê Johnson’s, a carinha rechonchuda na reta, tranquilo e infalível como Bruce Lee, por um IFF com a cara da gente. Sua indumentária para matar foi a velha camisa polo de tom escuro, a disfarçadeira das indesejáveis protuberâncias abdominais, a camisa polo preta de todo santo dia, Anderson Cortines escolheu vestir-se de negra transparência. Desejo resumir sua fala em um mero verbete de fim de dicionário: verdade, um bom começo de conversa. Anderson Cortines tem a extraordinária capacidade de envolver seu discurso no nítido sagrado manto da assertividade espontânea, nada parece estudado, ele faz do desfalcado quebra-cabeça uma brincadeira simples e fácil de jogar, atributo de quem é líder de verdade. Impossível desacreditar de sua nobre palavra. Os desafios que o aguardam são de meter medo em jaguatirica parida, quem viver, verá. Vi um professor colar o adesivo no peito, logo após o debate, numa atitude que me deixou feliz pacas. O novo gestor será legitimamente conduzido ao poder – trono e coroa de espinhos – pelas mãos de seu sofrido, combalido povo, vamos de mãos dadas. O novo gestor contará com a dor e a delícia de tal respaldo, para governar para o bem, pelo fortalecimento e desenvolvimento da escola, templo de onde quero sair para os braços da morte, passando pelo purgatório dos meus mais íntimos conflitos de mulher, na direção do céu dos inocentes, para a minha vida eterna, com fé no Altíssimo. Torço muito por Anderson. Confio. Nenhum reitor de juízo ousará virar-lhe as costas, nisso aposto minhas prejudicadas córneas e o fígado. O estandarte do sanatório geral vai passar. Bom desfile.