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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Suvenir

A madame almejando variar um tanto o cardápio das paradinhas saúde é o que interessa, rarará, a madame vá por mim, aposte nos liquidozinhos multicor saborosamente cativantes. No solar dos Barroso, é tudo adoçado com demerara, o doutor mandou, disse que não vê necessidade nenhuma da minha pessoa amanhecer e anoitecer atolada em aspartame, sucralose, nada disso, minhas taxas estão de causar inveja roxa, confirmou que é para eu dar um tempo, deixar de paranoia. Cenoura, maçã, limão, laranja e uma lasca de gengibre: massa. Suco de uva, limão, canela e outra lasca de gengibre: delícia. Ameixa-seca, abacaxi, hortelã e um cadim de farelo de linhaça: huuuuuuum! Couve, pepino, tome-lhe mais gengibre, outro cadim de farelo de linhaça e a frutinha de vez de sua preferência, esse néctar vira um suspense, é plural, legião, esse “eu adoro, eu me amarro”. Craro, Cróvis! Anteontem, exemplificando, bati com kiwi, ficou felomenal, bicho. Cada pirueta da lâmina é um flash, uma grata surpresa, sabe? Bem bacana. Se perdi peso, anote aí um quilo e duzentos grama, na generosidade, rarará... “Quem me chamar, ai, vai me encontrar nos teus olhinhos”, doutor... Dr. Luíz ordena: “CALMA! Calma na alma, Adriana!”, garante que o presente aspecto de hipopótama edemaciada: o estandarte do sanatório, qualquer dia, all of a sudden, vai passar!
Evocações da menina-moça triste de Recife. Ela mais ele. Ele e ela. “Memória não morrerá”. Suvenir de Seu Biu, cara – seu rugido e seu silêncio. Toda hora, conto a Ronaldo um causo testemunhado, especialmente protagonizado por meu velho pai, do banquete à embriaguez, do alarde dos dentes aos lábios duros, cerrados: o punhal, o soluço, o pranto convulso, desenfreado, e o perdão irrestrito dos pecados. Quem não sabia que Rui, o encanador oficial da nossa família, havia, de fato, num passado distante, dado cabo de uma pessoa? Quem não sabia? Seu Rui assassinara, comentavam, uma pessoa. Nunca conheci os detalhes dessa crônica antiga de Seu Rui, Seu Rui vivia enfiado lá em casa, trabalhando, consertando os enguiços de qualquer natureza, cabra habilidoso ali, o braço direito do velho, parece que estou ouvindo Mainha falar baixinho sobre esse assunto espinhoso: “eu tenho medo, Severino”. Seu Biu e seu inseparável copo de uísque, à sombra da árvere companheira, repetindo: “Dona Rita, não adianta. Pra frente é que se anda. Águas passadas não movem moinho”. Painho consentia que Seu Rui reparasse... Painho perdoava, leitora, Painho era o mestre da segunda, da terceira, da quarta e última chance. Assistencialista filho da puta, na linha PT, rarará, uma doação desordenada, necas de monitoramento decente – dinheiro, o almoço, a janta, os óculos, a roupa do corpo - um despautério, o cúmulo do exagero, seu trote de gente a circular entre a gente, gente de todas as fragrâncias, o que, às vezes, matava Mainha de susto, de raiva: “Dona Rita, um prato de comida pra um cidadão aí no portão”. “Que homem é esse, Severino? O almoço nem está pronto!” Seu Biu, rarará, era o tempo de abraçar a penca de bananas da fruteira e levar na rua pro moço: “É Cristo, Dona Rita. É Cristo”. Meu pai dava a maior trela, confiança pra mendigo, pode, cara? Agora, a madame contrariasse, rarará... Fuzuê, rarará... O cancão cantava, piava alto... "Eu não tenho palavra de rei".  Não tinha. Sua autocrítica explodia, despudoradamente, por todas as fendas do bangalô de praia, para aqueles de córneas de brigadeiro, asseadas. Filósofo, espírita, bufão comunista, rarará, caridade supurando das próprias feridas mal cicatrizadas, feito devia ser, no plano da Terra: uma personalidade ampla, densa, sedutora, apaixonante. As lembranças alfinetam as finas camadas do meu juízo mole de lembrar, pereba, lembrar sem dó nem piedade, lembrar a torto e a direito. Tudo me ardendo e tudo assoprando. Grande dor e consolo imenso: ingredientes misturados sem critério.
Mora em Cabo Frio um primo da banda paterna, há uns quarenta anos ou mais, suponho, difícil, difícil, dificílimo topar com Valdir pela cidade, entretanto, o cabra visita bastante os netos no Rio, visita a molecada e vai ficando, vai ficando, ele e a mulher tomando conta dos pequenos, os avós são assim mesmo, ninguém se iluda. Passou dos 70, o primo Valdir, decerto. Domingo passado, antes de votar, inventei de abastecer a geladeira, fui comprar minhas folhinhas, meus legumes. No caixa do Hortifruti, a demora foi levantar a vista, tomei um susto, a cabeça rodou, uma assombração, cara. Quanta semelhança, meu Deus... Quanta semelhança! Os braços, as mãos, a boca, as maçãs do rosto. Valdir e o tio, iguaizinhos. Seu queixo ficou inteiro no queixo de seu sobrinho, Painho. Guardamos as sacolas, conversamos uma boa meia hora no estacionamento, a madame querendo, acredite, de minha parte, respeito suas crenças, suas descrenças, "não me importa, honey", cada um acredita, desacredita, na medida das suas possibilidades humanas: nossos carros, uma enorme coincidência!, nossos carros, esperando, obedientes, lado a lado. Cheguei à seção eleitoral, aconchegada, tranquila, feliz da vida, convencida de que, dentro do clã dos Guimarães de Oliveira, não fui eu, em absoluto, que mudei. Conforme aprendi: à esquerda. À esquerda da esquerda atrofiada, camaleoa, ambidestra. Nunca mudei. “Ou bem se governa para os pobres, ou bem se governa para os ricos”. Por isso, na curva perigosa das cinquenta primaveras curtidas sol a sol sertanejo, não tenho medo de nada, noves fora perereca e lagartixa. Confio demais no espelho retrovisor: o estrado da minha história.

Bela Bela - Milton Nascimento/Ferreira Gullar

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Flávia Bittencourt/Quem me levará sou eu

Estilhaços

Tem vez que penso assim: isso é proposta de mente fraca, cabecinha de vento. Possa ser. Ou falta de uma atividade de fato insuspeita, axiomática, rarará, verdadeiramente nobre fundamental é mesmo o amor, um trem de ferro para eu conduzir ao menos a contento. Imagina aí: meu manifesto, meu traço, minha arquitetura... Um nome na capa. As pessoas vivem muito envolvidas em projetos maiúsculos, mirabolantes, extraordinários, artigo phyno, cara, chega tenho vergonha desse meu proletário poleiro de pato, só mexo com tábua de carne tabula rasa, rarará, mínimas vãs quinquilharias, desse jeito.
A galera dos idos de colégio, isso entre 1978 e 1983 Dondon no Andaraí, rarará, criou um grupo no Whatsapp, o povo cutucou, mas cutucou tanto, descobriram meu esconderijo, adeus lencinho ariano ao sossego, a madame acredita? Todos nós no mundo dos vivos, todos lindos, todos loiros, todos bem, todos vencedores, de fodida restou mesmo a que vos endereça o presente texto, rarará, eu só tenho amigo fazendo um bruto sucesso em Quixeramobim, cara. Amém, rarará? Fatinha endoidou quando me viu, “Adriana!!! Naninha CDF!!!! Lembra que eu copiava tuas respostas, sempre corretíssimas, das apostilas de Xênia, depois me ferrava nas provas?!! Minha enciclopédia querida, que saudade!!!”, isso equivale a me dar um tiro na testa, camarada. Estigma filho legítimo do demo: a criatura nasce, cresce, menstrua, multiplica-se, falece - não se livra nunca, bicho. Essa porra é minha outra polimiosite, fala sério. Um dia, neném, vou entender de onde tiraram a ideia de que aquela moça gorda e triste gostava tanto disso. Meu maior desejo era ser pequena, já contei aqui, bem pixototinha, em todos os sentidos. Estudei em escola particular, minha senhora, estudei lado a lado com gente muito da rica, a espada oscilando no alto do juízo mole, o espectro do deteriorado ensino público me rondando, proibido cochilar, deslizar, matar uma aula, a pena era o cachimbo escapulir, a bolsa sair voando pela janela. Menina, eu tinha que me sustentar no lustre, segurar essa maldita bolsa com o boletim, as unhas e os dentes. Duas alternativas de universidade para Adriana das dores e dos oratórios: a pública. Ou a pública. Podia escolher. Péssimo não foi, mas deixou marcas difíceis de apagar, pereba. Deixou lição boa de conservar.
Amigos a gente encontra, o mundo não é só aqui. Impressionante minha facilidade em passar do ‘oi’ para a próxima fase. Atravesso o abismo como quem baila. As alegrias e as agonias humanas são muito parecidas, só muda o domicílio. Não temo os homens, não mesmo. Uma virtude da minha alma atormentada, carcomida de mau funcionamento. Portanto, encaro com bastante naturalidade o chá de sumiço de feicibuquianos do meu feici, todos os encarnados da Terra têm direito a sair de circulação um instante, beber um trago, contemplar distintas alvoradas. Quem me levará sou eu, quem regressará sou eu. Ou não. A gente pode não retornar. Liberdade de ir e vir. A gente tem o direito. Isso é bossa nova. Indiscutivelmente. O cabra dana-se a badalar o sino no idioma grego que não combina, rarará, a gente espiando os pés do cabra, o afã de captar a mensagem, compreender a legenda, rarará, né? O sujeito chegado numa análise do discurso, hein, rarará? Viaja. Quantas vezes excluí feicibuquianos por não mais reconhecer um espaço, uma linha de convergência, dentro da visão de mundo do cabra? Não é pecado porque não há pecado. As visões de mundo resultam de referências diferentes, bibliográficas, inclusive, principalmente até, não dá para negar isso. Esse processo todo de eleição me proporcionou a possibilidade de leituras de opinião: ora sensíveis, sensatas, ora rijas, confusas, asfixiantes - revelações HD a respeito de quem me segue ou seguia, sei lá. Vieses de opinião que simplesmente não via. Aposto meu rim esquerdo que houve quem se surpreendesse comigo também, uma maluquice, mas houve. Três vivas para quem se posicionou na parada, para quem, segurando o forninho do nível, rarará, discutiu política, justificou sua postura com estilo e clareza. Eu aprendi que tudo é assunto, tudo se discute, cara, quando a discussão não anda mais, uma convicção abissal prevaleceu, a gente pega o banquinho e vai saindo de fininho. Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Quarta-feira, fui fazer o tratamento alternativo de praxe, uma bolinha de gude de cristal e teria faltado à sessão. O momento era meu, tô pagaaaan(d)o!: minhas palavras ou minhas reticências. Teria subornado o pontífice por meia hora de quietude, ‘silêncio, por favor’. O médico: uma matraca. Campanha dentro do consultório. Uma hemoptise: verbo embrutecido de preconceito, vertendo coágulos de sangue. Eu, na minha serena sobriedade, argumentando: você acha, de coração, que todo mundo tem as mesmas oportunidades? Eu dou minhas vísceras pela escola pública, eu quero a melhor escola pública do continente, os guris lá, usufruindo do caviar. Eu lido com jovens, bicho, que sem o Instituto Federal, não teriam perspectiva alguma de ingresso na universidade pública. Você não enxerga os que ainda ficam de fora, cara? Minha intenção era conversar de boas, cara. Aí, do nada, o idiota dispara: "Aécio é bem nascido, é bem criado, é bonito, é elegante, é culto, casado com uma galega linda, alíás, que primeira-dama a gente teria... Sabe que é por isso que ele não vai ganhar, não é? Tinha que ter se casado com uma crioula de cabelo crespo". Estarrecedor porque é o discurso do capataz, tenho certeza absoluta de que ele não é o senhor do engenho. Sonha, Creonice, sonha. Comentei assim: bicho, eu tô numas de voto crítico na dentuça, e bote crítico nisso, mas é muito na vibe de eu ser fêmea, preta, pobre e nordestina apreciadora inconteste de uma maciota. Pairou um constrangimento, craro, o idiota veio com um papo de ‘brincadeirinha’, auto-definiu-se um ‘gozador’. Não é. Desse particular, leitora, eu entendo. Morreu pela boca, feito um peixe palerma. Não diga que me perdi, não mande me procurar.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A corda

Concomitâncias. Coincidências da nossa louca, esquizofrênica nada mole vida. A vida é muito breve para a gente se agastar agarrada em miudeza, moça bonita. Vida breve. Vida por acaso imensa. E uma doidice só, pelamô, camarada. A madame sabe que somente hoje me dei conta desse fato no mínimo curioso: os três médicos cuidadores da enferma que vos redige as mal traçadas, os três, repara na relevância dessa fofoca!!, os três atendem pela graça de ‘Luís’. Com ‘z’ ou com ‘s’? Escreve com bic, bela. Até porque foi sua pessoa quem pariu o inocente, batize o moleque como lhe der na telha, bolas. Luís Antônio, Luís Waldir, Luiz Octávio. Achei bacana perceber, né não? Lux, luz, quero luz e infinitas cortinas... Luís, respeita Januário... Não me interessa um tico posar de moderna. Estou tão velha, mas tão confortavelmente velha pendulando na minha rocking chair de palhinha puída, rarará, que até me lembrando de rock, o infeliz do rock é das antigas... Tem uma musiquinha, nem me pergunte qual é o cantor, escuto no rádio do carro, um verso aqui, ali, outro acolá, junto os cacos, de repente, pimba!, é a fisgada: o tolo teme a noite, como a noite vai temer o fogo. A claridade aniquila a escuridão. A escuridão dizima a claridade. O tolo teme as suscetibilidades, teme porque enxerga mal e os gatos quedam-se pardos. O tolo treme porque desconhece. Tem esse pedaço, também: eu voltei mais puro do céu. Sensacional. A menina pretende ver mais liso, menos empenado? A menina trepe num poste. Do poste, salte para a árvere. Dela para a asa do aeroplano. Daí, segure a vertigem, olhe bem para baixo. Espie o todo todinho. Depois, empine a coruja a mil no anarriê para o solo da pátria. Retorne menos contaminada. Menos agressiva. A vontade era rabiscar uma historinha supimpa aproveitando essa efervescência eleitoral, tome tempo que meus textos não rendem um caldo, uma desavença - sorvete de chuchu - perdi a mão, o tempero, culpa da doença, Cróvis, craro. Aquela cantiga: sei que às vezes uso palavras repetidas, mas quais as palavras que nunca são ditas? Nenhuma da Silva. Isso de internet é um empata-foda, um estraga-prazer. Pronto, falei. O mote acode, o raciocínio buliçoso, instigante, irreverente, rarará, a mente brilhante da mepançuda, ui, vai engendrando considerações inteligentes, adequadas, interessantes, divertidas, férteis, na linha sou muito criativa, brou, rarará... Quando a criatura se achando dá fé, quarenta e sete blogueiros lhe passaram a perna: barquinhos siameses a deslizar no macio azul do mar das redes. Aaaaafe. Que pressa! Seu bote esquálido encolhe, míngua, tadinho, naufraga na hora, maior sem coração essa galera genial, antenadona, articuladérrima (diferentemente da gaga hipotensa ;)), hiperativa, acelerada, gente sem pão, sem poesia, sem noção de fraternidade, cara.
Compreendo inteiramente o sentido de votar nulo, sério. Anteontem, a minha pessoa pretendia fazer o mesmo. Já conversei bastante a respeito desse governo atravessado na minha goela, fui PT de corpo e de espírito de igualdade, igualdade sem subterfúgios, igualdade de Jesus Cristo, o Socialista do meu destino. Fui PT mais ou menos engajada, fui PT ressabiada, fui PT enraivecida, com o arado, entretanto, ainda amarrado à estrela, atualmente, parece que estamos mesmo nos divorciando. Qualquer trabalhador deveria sentir orgulho da origem de um partido nascido nessa conjuntura de fortalecimento do movimento popular, fruto partido da ascensão das lutas operárias, Fernando Henrique e Lula panfletando juntos, que nascer bonito, visse? Complicada foi a virada ao centro... e a guinada à direita, camarada. Pelos seus filhinhos... Na avaliação política mais rasteira de que se tem notícia, bicho, longe léguas de entender do assunto, sendo só essa pobre alma sem Hanseníase, bastam-me as patologias de praxe, trazendo, portanto, a sensibilidade humana de doer à flor da pele, como éééééééé que um partido dos trabalhadores pode tratar essa energia, esse rompante social: as recentes manifestações de rua – não é o camarote, é a pipoca, pessoas identificadas e identificando-se com a pipoca!! – é a voz do povo, cara pálida, é manifestação de rua... Como éééééééé que o partido dos trabalhadores trata um professor em greve clamando pelo justo, assim, bebê, desse jeitinho manso, mimoso e conciliador? Tufo. Como é que o partido dos trabalhadores ou o que restou dele, sei lá, abraça tapinha nas costas um Maluf? Um Sarney? Um Fernando Collor de Melo? Prevaricação explícita. Alianças tão inescrupulosas quanto as celestes pflistas de outrora e as azulzinhas psdbistas de sempre, I’m sorry. Pelo meu bem é que não é, camarada. Visualizo uma cord(j)a de guaiamum gigante, o gancho das patolas descomunais agitando-se, soltando veneno e beijinhos doces. Melhor uma solidão de lascar o cano. Ou se amigar com belzebu, o capiroto. Nas ondas petistas, a bonança dos ricos continua, multiplica-se, feito preá dando cria. Os banqueiros e os milionários seguem rindo à toa. E é para reeleger Dilma, cara pálida? Perfeitamente. Pelos acertos, que os há, acertos passíveis de regulagem, de ajustes, concordo, acertos passíveis, sobretudo, de reconhecimento. Ajudo a reeleger Dilma para arregaçar as manguinhas segunda-feira. Ajuda, Luciana. Porque o cavaleiro solitário, vocês viram o debate, o criador das vogais travestiu-se de cavaleiro solitário. Pois bem, o gingado da cadeira de balanço range uma toada caduca: o cavaleiro solitário, o paladino do sudeste, o sem partido espúrio e sem passado que o condene, é mais vilão que todos os malfeitores da auriverde Gotham City irmanados, nesse surreal expediente. Ensinamento. Acorda.  

domingo, 12 de outubro de 2014

Cachinhos dourados

Estava lendo ainda agorinha sobre Ensino, a vocação para a nobilíssima tarefa, essa baboseira toda, bastante desinteressadamente, Cróvis, craro! Isso a dois passos de 15 de outubro, dia de titia lavar a égua, rarará, um golpe de mestre, meu camarada, um indefectível golpe de mestre. Doida de atirar pedra, disposta a facultar um quarto ao chifrudo príncipe das trevas, danada para esbarrar numa frase de efeitos colaterais lacrimejantemente contundentes, um aforismo potente barganhado na lata por um perfume novo do botecaro, menina, o negócio é o seguinte: as árveres somos nozes e declaro oficialmente aberta a temporada de ganhar presentes. Quando era mocinha, avalie, rarará!, no filó esgarçado do tempo que Dondon jogava no Andaraí!, a minha pessoa era uma mocinha XXG, toda vida fui esse transformer desorientado no meio do caminho, uma desmesura desordenada derrubando os cones, as jarras e os cálices, rarará... Tímida. Arrogantemente tímida. Tímida de querer ser a prata da bala, se é que a madame me entende... Na escola, lembro-me como se anteontem fora, rarará, meu maior sonho era ser pequena... Meu Deus! Concedei-me a graça de amanhecer pequena, rarará! A senhora saiba de uma constatação: daquela tela descolaram-se para engolir o esquecimento os que me enxergaram no fim do mundo do fundo da sala, onde meus mais íntimos conflitos, onde meus mais rústicos excessos escondiam-se. Restaram na memória os professores meia boca, média 8.5, imperfeitos de cultura, os de voltar atrás com o mesmo gás de seguir adiante, sobretudo, aqueles de olhar para mim. Um olhar para mim. Se a megapançuda dona dessa banca, no dia animado de um surto psicótico, resolvesse virar uma estudiosa da Educação, ela difundiria: no juízo final, salvo estará o professor que tenha finalmente aprendido a olhar. Olhar é a nossa missão. Isso de estudar rings a bell, cara, rarará... Na capa do meu trabalho de conclusão da disciplina Literatura Portuguesa XXXIV, rarará, Zé Rodrigues escreveu assim: fôlego para dissertação de mestrado... A heteronímia no Pessoa, espia só o enxerimento... Zé é um sujeito que o vento não carregou, melhor dizendo, carregou sim, trouxe da Universidade para o meu portfólio de saudade. Sempre quis descobrir que erva braba aquele professor puxava, rarará, porque o cara achar que minhas pernas bambas sustentariam essa empreitada... Logo eu, conservada no viandalho da mais legítima preguiça. Estudem pacas, meus pimpolhos. Estudem, que não há mesmo de haver alternativa.
A alternativa é o partido necessário. PSOL? Vai se tornar PT, pode anotar. Stick around, it may show... Garanto que conto, nunca fui baú pa guardar segredo. Votei em Luciana Genro Socialismo e Liberdade, galera acompanhou, entre entusiasmada, abismada e profundamente contrariada. Lá em casa, bicho, deu o que falar. Minha irmã teve a audácia de afirmar que foi apenas porque saí de Pernambuco, um comentário que decidi não comentar, ela é cardiopata, tem sérios problemas de saúde, pretendo, portanto, poupá-la. Votei vez primeira num candidato a estadual pelo partido, ainda morava em Recife... Deixa pa lá essa porra... Sou forte, sou por acaso, minha metralhadora cheia de mágoas... Eu apanhei de Fernando Henrique e CIA anos a fio, descomposturadamente. Jamais gostei deles, entretanto. Aprendi com Painho. É diferente. Com o PT, eu tinha um caso de amor, uma estrela brilhando no peito. Dói demais, cara. Trata-se de uma traição tão funda, mas tão funda, meu anjo da guarda vê meu sentimento ao optar por Dilma no segundo turno, ele vê, cara. Talvez Luciana tenha me fisgado aí: ‘parei contigo!’, entendesse? Renunciando àquilo que até um guri buchudo sabe que o partido dos trabalhadores, no frigir dos ovos de ouro, tornou-se. Essa minha licença forneceu, sem aliança, sem contrapartida, rarará, rolos de pano para as mangas, tenho lido tanto sobre o PSOL, o PSOL acolhe em seu regaço o melhor deputado federal desse país, assim como a melhor bancada do Parlamento, saiu nO Globo, vigiasse? O PSOL discute homofobia, maconha, aborto, na esquina da rua, saboreando um caldo de cana e um pastel de feira. Propõe que se pense a respeito do respeito. Aproveitando a célebre de Lula, rarará: nunca antes na história do meu país interior, nunca antes nas minhas entranhas, esses assuntos espinhosos renderam tanto pensar. No momento em que se oferece a Bolsonaro e sua trupe um estoque extra de mamadeira de espinafre, fortalecendo no Congresso, no Senado, uma base que não é religiosa, bom se fosse, é uma tribo torpe, truculenta... Bolsonaro é aquele degenerado do arranca com Preta Gil, o que disse não correr o risco de ver seus filhos envolvidos com negros, porque seus filhos foram bem educados... No momento em que a histeria grotesca, preconceituosa, doente, esvaziada de lógica, de sentido, de um dedo de humanidade, no momento em que Malafaia toma assento no sofá da minha residência...  E eu confesso que não visualizo o estalo, como foi que, de repente?, isso aconteceu, cara? Sei que foi assim... Nesse momento, a plenos pulmões, Luciana brada: uma ova!! Pois, muito bem: uma ova!!! Ninguém é a favor do aborto, ninguém. Esse questionamento não me atingia antes. Hoje me alcança. E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal... O feto anencéfalo, o feto do estupro, o feto que, desenvolvendo-se, matará seu próprio regaço... Faca no feto. Uma mulher que, pelas razões as quais você nem se atreva a tocar, não julgue, madame, não julgue, uma mulher que decida interromper uma gravidez, com uma agulha de crochê, vai fazê-lo, não adianta. Que os anjos lhe concedam alguma assistência intergalática, que ela, por Deus do céu, sobreviva. Uma mulher de posses vai comprar um médico, dois, três, vai comprar um hospital inteiro, acredite. A pena existe, é individual, varia de doze a vinte e quatro horas, passando pra dois, cinco, doze anos, até prisão perpétua, a culpa algemada no calabouço da alma. Depende de como a maluca se sente. Sinta. Há mulheres católicas, há mulheres evangélicas, há mulheres espíritas, budistas, umbandistas, há mulheres agnósticas, mulher à toa, mulher ateia... Nossa missão é olhar. Olhar limpo. Igualzinha a Adélia, não dou conta de envelhecer sem uma fé. Tem fêmea que até prefere, cara, o mundo é desse jeito. É preciso proteger as mulheres. É preciso protegê-las. Debate encerrado? Tenho lido tanto sobre essa mulher doce e raçuda e bonita, a Luciana. Googlei assim: Luciana Genro escândalos. E li, li, li, depois li mais um pouquinho. Aparecia a palavra patrocínio, a palavra doação, a palavra empresário, era eu danada lendo. Descobri, afinal, o que é o Emancipa, essa máquina mortífera de roubar, de fazer dinheiro. Pelo amor de qualquer deus, gente... Li mesmo, li procurando deslizes políticos mínimos, baques alarmantes, um escândalo de grande monta, que lhe marcasse em definitivo o caráter, a falta dele, algo que desabonasse minha aposta no que vai por baixo do caracol desses cabelos. Luciana tem que matar o pai à paulada e fazer voto de pobreza, depois a gente começa, se for o caso, a conversa. O mais engraçado é que essa história dos cachos tresemmé de Luciana remeteu-me imediatamente à fabula, adoro fábulas. O ‘princípio de Goldilocks’ vem daí, aplica-se a rodo, nas ciências em geral, pode consultar. Não vou dispensar meu cochilo pra isso. Nunca disfarcei: criei-me vala comum, cova rasa, rasa, poleiro de pato, pires de porcelana, dragão partido, flor branca. Ouço o galo cantar e invento o resíduo da carochinha, rarará. Era uma vez a menina Cachinhos Dourados passeando na floresta. Cachinhos Dourados topou com a mansão da família Urso Papai, Mamãe Ursa, Ursinho Filhinho. Porque todas as ausências são atrevidas, e porque Cachinhos Dourados não é bolinho, Cachinhos Dourados foi cutucar o cão com a vara curta. Diz que já experimentou o mingau, refestelou-se na poltrona e na cama. O quarto principal mantém-se trancado a sete chaves, tenho para mim que tudo é questão de ajustar o PESO e o passo, nessa disputa tão desigual, briga de cachorro grande, de fera ferida. Cachinhos Dourados é uma observadora inteligente e perspicaz, Cachinhos Dourados é tarada numa análise fria e honesta dos casos. Juro pela minha mãe mortinha que desconheço o fim desse babado, desconfio que Cachinhos Dourados esgueirou-se porta afora, nunca desculpou-se pela invasão ao domicílio. Vai dar um rolé na outra banda do bosque. Deve imaginar que voltando ali, no calor da emoção da coisa toda, Zé Colmeia vai comer o fiofó da garota.