Fui mais cedo para a escola, responsabilidade assentada sobre
os ombros delicados de Paulinha, aquela moça muito da linda e simpática. Na
boa, apenas acho que ela acha que trabalha pouco, cada zureta do miolo com seu
cadastro caprichosamente atualizado, sinceramente. A Gestão de Pessoas é um
departamento tenso, só que não. Não consinto mais, nunca mais, cara. Permutamos
uma gargantilha de besteira, eu e Paula, continhas de éter, palermice a dar com o pau, a aula
introdutória do meu FIC especial de luxo: “Os signos e o amor: desses de
cinema!”, rarará, até quem pretende torar minha língua solta e viva bulindo,
sangrenta e amolada, rarará, até quem aguarda em cólicas o glorioso instante de
lançar o bife ferino ao quintal varrido, para o banquete de Totó esfomeado, rarará,
mesmo os ouvidos mais moucos de mim: os desconhecedores oficiais dos meus
lazeres, interesses e preferências; a patota em peso, curtindo paca tatu cotia
ou amaldiçoando acauã a guducha ruim da bola, todo mundo desse mundo diminuto –
um cabelinho de sapo, really - todo
mundo mesmo, rarará, sabe decorado o capítulo da minha queda patética por
assuntos astrológicos. Adoro. Descobri que a moça não é capricorniana, mas
aquariana! Por causa do ano de nascimento, acredita? Uma informação dessa
relevância pode foder o juízo do sujeito, entendesse? Cai o rei de espadas, cai o rei de ouros, cai o rei de paus, cai, não
fica nada. Recomendo acompanhamento profissional sério, competente, uma
“psicola” de grife: não restará vértebra sobre vértebra, vaticino, rarará. O ascendente
da cachopa é leão, outra paulada, leão é o bicho. O ascendente é a máscara, a
senhora tá ligada: é como as pessoas enxergam a madame. O signo solar é a
essência, o buraco escuro lá embaixo. Coloco-me à disposição para maiores
esclarecimentos.
Nunca foi do meu feitio espanar a asinha roliça, rasgar a
seda pura da minha própria humilde pessoa boá de pluma irreverente, deixa quieto,
camarada. Rolha de poço é rolha, cortiça, pétala, zero gravidade, a questão é
que virei especialista em planar altiva sobre o fétido entulho da longa
estrada. Pensei, portanto, em compartilhar algodão-doce. Consequência do
relativo “ócio coagido” a que tenho, inch
by inch, bit by bit, me
submetido, começo a sossegar o facho, galera bem que sente, rarará. Venho
conjeturando, pois, a possibilidade de regalar os diletos coleguinhas com
esporádicas visitinhas de brisa aos diversos espaços de árduo, honrado, maciço
trabalho daquela instituição de ensino, pesquisa e blablablá. Olhares plásticos,
cenhos franzidos, incisivos e caninos encarcerados, chega dá uma pena, Helena.
Geral rala, rala de empedrar, rala para caralho. Menos, parça. Bastante menos.
Nem para alinhavar historinha, consinto na sobrecarga. Tive, por exemplo, um comichão
para escrever sobre o “Na moral” da semana passada, uma inutilidade pública,
combinemos. Malafaia e seu inconfundível, destrambelhado parroting, o discurso mais torpe e grotesco de que se tem notícia
dentro e fora de uma igreja, MALAfaia dá uma crônica-baleia. Malafaia, para meus nervos
de aço, já deu, cara. O cotidiano pulula de jubartes, madame, bestas
descomunais, agitando o rabo colossal na vossa fuça. Cochilou, escapole tudo: o
cachimbo, o suquinho de maracujá e camomila, o sonho de valsa, os carneiros e as cabras
pastando solenes no jardim. Zarpa o breve tempo, a saúde, o fim de tarde, a piada, a galhofa, o
pagode, a bolha de sabão, o céu azul e infinito. O amor maior, o tesouro da amizade. Não
consinto. Nunca mais, companheiro. Passe depois. Estou de cama, operada.
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domingo, 26 de abril de 2015
segunda-feira, 20 de abril de 2015
Palpite
Segunda-feira desobrigada de relógio, dessa doidice de bater
aquele ponto destrambelhado da escola, de alcançar a remota franja de umas fotocópias mais ou menos
mais para menos, rabisco precário que eu mesma produzi, quero prontinhas amanhã, devidamente fora do prazo de solicitação, professora, rarará, isso lá no raio que o parta, a reprografia habita depois de Marrakech, vou de táxi, cê sabe!, rarará, uma
simpatia louca esparramada pela longa estrada: jardim de dálias desabotoadas,
colorindo as pedras do caminho, rarará, gente do céu, as pessoas
desconhecem-se, a gente se estranha demais, uma bolinha de sabão, pairando no ralo
azul do nada mais vaporoso, pimba!, vira um evento, o acontecimento, rarará, um caso sério. Sobre privilégios, sobre
cuidado, sobre assistência ampla, geral e irrestrita à pançuda gravemente
enferma, meu julgamento é sucinto: quem não vê necessidade disso tudo, não
precisa mais participar, sequer uma reles figuração, cisco megadesimportante, não precisa
mais participar da minha vida bandida. Todo paparico é pouco. Cumpra-se. Vigia o remorso, camarada, rarará! Hoje é
feriado: não estou disposta, com licença, rarará. A madame nunca soube, a minha
pessoa nunca lhe disse, certeza: trabalhei numa escola que ficava na Rua Dália,
eu achava lindo o nome ‘dália’, descobri, na época, que a dália é uma flor
muito da linda, gostava de dar o endereço às pessoas, achava tão bacana ensinar
numa escola de idiomas à Rua Dália, nº180, vá entender como vinguei, rarará, me
criei assim, desse jeito abilolado, minha mãe vivia era repetindo: “você, minha
filha, coitada, só tem tamanho e besteira”.
Decidi experimentar um negócio bem diferente, rarará, fui
tomar um café, no Café do Xopcentis, a menina lá é muito minha amiga, a gente
conversa de cair o chapéu, uma graça. Pois, a leal leitora me acredite, foi
chegar no quiosque, Thaís encostar, olhão arregalado, esbaforida: “tava esperando
a senhora, tenho uma coisa para lhe contar, um minutinho!”, a moça despejou na lata,
agoniada. Parça, ela sonhou comigo. Sonho é uma novela, já tive tantos sonhos premonitórios. Thaís sonhou comigo. Nós duas na cidade, fazendo compras. Em
dado momento, voltávamos para o carro, carregando os pacotes, eu abria a porta
e, adivinha? Sonho ruim, mulher, sonho de acordar suando, desesperada. Eu abria
a porta e tomava um tiro no peito, um tiro fatal, caía dura, mortinha, presunto fresco, por
cima das sacolas. Bom é que me relaciono direitinho com as palavras, poucas
arestas, isso desde guducha pequena,
as palavras botam a cara no sol do meu terreiro, me espreitam, me acodem, oferecidas,
uma solidariedade, uma afinidade porreta com minhas ideias, meu sentimento. Dois dedos de prosa,
Thaís sossegou, coraçãozinho pacificado. Papo massa sobre a interpretação dos
sonhos, blá-blá-blá, tontas representações, Froide exprica, rarará, pregação para derrubar avião. Encurtando a história, a
pobrezinha dormiu pouco ontem, decerto, pensando na família, nas coleguinhas do
passado e do presente, buscando identificar qual papel eu desempenhei, qual substituição assumi, no
pesadelo. Menina, tu me escalasse para ocupar o lugar de quem, rarará? Quem tu gostaria que morresse, menina, rarará? Quem é essa alma que tu curte pacas, mas é um aperreio ter por perto, rarará? Pregação para
derrubar avião, Thaís caiu feito um patinho. A polimiosítica fodida, francamente, nem tanto.
terça-feira, 7 de abril de 2015
Acidental
Menina, eu despertei madrugadinha, com as penosas,
acredita? A ideia era participar de um desses webinars do British Council, gostei que só do assunto, lance de
avaliação, tal e coisa, ando mesmo determinada a erradicar as provas
convencionais do meu cotidiano escolar, aliás, deveras honestly speaking, ando mais empenhada ainda em varrer a poeira do
cotidiano escolar para baixo do capacho da minha nada mole vida, rarará, penso
que minha contribuição nessa área foi pobre, porém limpinha, rarará, já deu,
cara, já deu, o tapetinho trapo e farrapo está mesmo de bom tamanho, quem
quiser, pegue daí, se vire nos seus trinta. Trintinha de sala de aula,
camarada, tudo errado, tão gostoso... Aconteceu que, de última hora, em cima do
laço, o povo lá cancelou, acredita? Adiado para amanhã o seminário, quando eu digo. Digo
nada. Observo. “Barco perdido, bem carregado!”, hein, Dona Rita? Tá dentro?
Deixe, rarará! Aproveitemos o ensejo para arejar o brogue embolorado.
A questão toda é a seguinte, malandro: envelheço. Do dedão ao cocuruto. A
dilatados passos, rarará. Consequentemente, dispenso pressa, agitação, aperreio,
compromissos inadiáveis: ninguém me cobre coisa alguma, não sou obrigada, nem
estou disposta, com licença. A madame
não assistiu à matéria do Fantástico, fez muito bem, a propósito. “Mulher 5.0”,
tá direito isso, Arnaldo? Vi porque Ronaldo vê essa bosta, que jeito? Posta em
sossego, rarará, no aconchego do nosso sagrado ninho de amor e desavença, rarará,
a minha pessoa lia, compenetradamente, falando franco, tirei a cara do meu
Rodrigues por causa de Fernandinha Torres, adoro Fernanda Torres, bicho, a
danada vai fechar as 50 primaveras agora em setembro, parece mentira, né não?
Pois, criatura, a pançuda aqui interrompeu a leitura no ato, na certeza do
revide aprumado, apostando o rim: a jovem senhora vai lavar, enxaguar, passar
ferro, pendurar nos cabides. Na lata! A cria de Fernandona, ora anciã sapatona, chega para
causar, tira onda, cara. Apareceu uma desmiolada cuspindo besteira, uma tal
Vera, fiquei cansada, esgotada, escutando a loura doida latir heresia, essa
Vera é o cão de camisolão, uma lançadeira: canta, dança, rema, surfa e sapateia,
salta de paraquedas. Desvario, insensatez, uma maluquice: fêmea-fenômeno,
copias? O queixo de Fernandinha foi bater no canto da parede, presenciando o
depoimento de Vera 'Vitalidade' virada na vespa: um vulcão em atividade, rarará. Em dado momento, ela
disparou: olha, gente! Não sou a mais indicada para fazer palestra
motivacional! É mais negócio convidarem Vera! Chamem Vera, rarará!!
Desesperador imaginar
que a gente pode envelhecer demais, envelhecer de todo, de empalidecer,
enrugar, entrevar. Caducar, a ponto de não se perceber humana, desconhecer,
ignorar completamente o afeto no olho de outra pessoa. A morte ali, de raspão,
errando o endereço, esquecida de despachar o pacote. Matusalém desencarna é atrasado:
“descansou!”, “descansei!”, quem sabe...? Por isso, simpatizo com a Doutrina –
o bonde da esperança – uma alucinação consoladora, cara. Cinquentar, pelo contrário, é o lado doce, o
que sinto, escrevo: cinquentar é a revista da alegria: cabeça, ombro, joelho e
pés reconciliados. Tivesse adivinhado, a pançuda autora do brogue prescindiria,
sem susto, da juventude transviada, tanto tormento desnecessário, sinceramente.
Os capricornianos nascem idosos, descompassados, portanto. A criança caprina é
velha, o adolescente caprino é velho, a respeito disso, a gorducha metida à
cronista discursa, com o mais profundo conhecimento. Engraçado que, da noite
pro dia, pimba!, a gente encontra a ponta do fio, começa a desatar os nós cegos,
a gente vai desenrolando o novelo, sem maiores dificuldades. Isso de lipo,
plástica, correr maratona, escalar montanha, nem se aflija, o divã e a tarja
preta dão conta do recado. Cinquentar é conviver com a presbiopia, enxergando
muito mais claro. A gente interpreta melhor a escassez, o excesso, o silêncio,
o ruído, a entrelinha. A gente tem graça, personalidade, estilo, enredo, vocabulário, gramática, autonomia, ousadia, perebas infinitas, colares de cicatrizes. Lastro, rarará. Resposta. Do tempo. Ao tempo. Na caixinha de costura, a gente conserva a resposta lapidada. Prata afiada. Convém não provocar. Alfinetinhos cuidadosamente guardados no veludo do estojo.
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