Uma
saudade enorme come, deita e dorme no meu coração.
Ainda bem que eu sei cantar, digníssimos leitores do meu respeito, ainda bem.
Canto de morrer, de deturpar as cordas vocais, toda vida fui assim, gosto de
música para escutar e para acompanhar no gogó da siriema, rarará, dois tons
acima, esganiçada... Isso da saudade enorme é um forró forrado, danado danadim
de bom, uma saudade enorme come, deita e
dorme no meu coração, remédio indicado pra quem está errado é pedir perdão...
Ontem, na boquinha da noite insensata, rarará, Ronaldo me flagrou foi no seio
do chororô, maior vexame, cara. Ronaldo fica injuriado quando me surpreende
derramando as rubras e vultosas pitangas, rarará, o macho adulto da espécie tem
essa besteira, fala a verdade, madame, essa dificuldade ancestral com
transbordamentos de qualquer ordem, tanto os pessoais, subjetivos, quanto os
alheios, chega dá pena. Complicado administrar tais momentos Manoel Carlos em família, porque engasgo na hora, do
susto de engolir ligeiro o sal das compotas, a lágrima empedra no miolo da
laringe, balbucio equações primárias incompreensíveis, vou grunhindo nanicas
notas de rodapé, rarará, uivando para a lua meus mais entrecortados e
cristalinos esclarecimentos, os quais, by
the way, meu doce homem da cor brasileira, obviululantemente, não entende, rarará,
é desse jeito.
Todo aquele que, a essa altura da peleja com a poli, não faz a menor ideia do que se
passa no espírito e na musculatura da blogueira mais famosa aqui de casa, faça
à dona deste probo blog ursinhos carinhosos a gentileza: levante o traseiro
daí, juntamente com o seu sebento acampamento, e troque imediatamente de
freguesia, siga seu caminho na paz dos covardes uniformes e regulamentados, à
espessa sombra da insensibilidade desumana, peregrina com o anjo mau que te
escolta a carne e o nervo indiferentes, vai para o diabo que te carregue, árido
irmão de alma vil, vai se queixar para o bispo, vai mesmo, e se puderes, não
voltes. Não gasto mais uma tira de imbira da minha nada mole existência aventureira atrás de
angariar um aplauso e uma lambida: o rabinho abanando, a simpatia e a consideração
de quem quer que seja. Dane-se, meu negócio para o instante e sem demora é a
liberdade dos afetos espontâneos, aquela querência recíproca desabalada, à
superfície do lindo lago do amor, silvestre florzinha mística, miúda e branca,
perolada, nasceu lá porque quis, ora, iluminada ao sol do novo velho mundo, e desprovida
de entretantos, de estranhezas, de
infantilidades, de ofensas bicudas, de percalços e de condições tão adversas,
amém.
Minha reclusão provoca a dor de uma saudade, decerto. Doeu,
deságuo, não tem jeito. Sabe aquela saudade roxa, blue e esverdeada, cintilante: um hematoma sorridente? Pronto. Cada
mergulho no perene açude da saudade é um flash,
o holofote queimando lenha nos becos escuros das cruas intimidades, um insight, um brusco entendimento de quem
ela era e de quem vai, pouco a pouco, se tornando, sua mais firme, funda e
fatal identidade. Saudade inconsolável dos que me amam sem renúncia, sem
confronto, sem conversa fiada, sem sofrimento nenhum, amam a gorda
escrevinhadeira e acabou-se, essa gente esplêndida, valente na coragem mansa de
amar e revelar publicamente “Adriana,
mulher, eu te amo, esqueça nunca não, eu te amo”, mobilizando céus e
terras, um volume de luz, de vibração do e no bem, de energia limpa, positiva, que
é como um alazão de fogo em movimento, galopando ao redor de mim, erguendo do
chão o pó dos astros, das estrelas, a nuvem de pirilampos pousada leve na polpa de
um profano véu de incertezas, temores e vulnerabilidades. Um cobertor de mais de um milhão de vagalumes. Meu aluno me conta que
reza por minha recuperação toda calada santa madrugada, e não é porque pedi, que sou esse exemplar, fêmea ainda bastante envergonhada, Dona Adélia, o menino reza porque o menino
quer. Meu amigo me garante de pés juntos que a minha dificuldade o reaproximou
de Deus: “me lembrei de Deus, Adriana, bato
papo com Ele à vontade, os cascos no sofá da sala, numa saliência que só vendo,
e a culpa é toda sua”. Segunda vez já que a mãe da aluna telefona para me
dar uma atenção, fofocar um pouquinho, “você
deve se sentir tão sozinha, Adriana, muito ruim, eu imagino!”. De manhã, é
o telefone piando, minha irmã Iêda, lógico, logo cedo atentando, perguntando se
dormi, o que comi, o que não comi, se estou com azia, se tomo leite, como está
Ronaldo meu cunhado querido nessa confusão toda se virando. Felipe não escapole
para a cama sem me mandar um beijo face
de boa noite, isso todo dia. Olhares tão ternos, palavras tão quentes e
serenas, gestos tão nobres, o amor só procurando uma brecha, uma desculpa, para
mostrar na cara de pau a cara. O amor cutuca, se importa. Não me resta alternativa, choro. Ungida do mais
sublime, poderoso amor, choro. Ninguém pense que retornarei à ativa para calorosos
embates, grandes participações, competições e conquistas, feitos espetaculares,
tal e coisa, rarará, nada disso. Escolho as últimas posições do ranking, um conforto, uma cadeira de palha para a idade avançando, o sossego de quem vislumbra prioridades completamente prioritárias. Vou deixar o rio me levar para o lugar da paz
da simplicidade: carinho e caridade, graça, riso, preguiiiiiça, essas tolas
insignificâncias. Eu quero o silêncio das línguas cansadas. Eu quero a
esperança de óculos e um filho de cuca legal. Meu filho, leitora, por que não?
A maternidade, essa sim, é uma baita de uma honra.