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quarta-feira, 27 de maio de 2020

SENHORA

Ontem, por duas vezes, teve gente me avisando que, como sempre, deu print. A madame, caso dos acasos, vem a ter loção do que isso significa? A pessoa lê uma coisa dos outros, a pessoa gosta, sei lá, a pessoa, de alguma maneira, engancha o rabo, a palavra fica ali amarrando, amarrando, a pessoa se debatendo, sem chance de escapulir. Eis o mistério da fé: o magnetismo de umas boas palavras bem arranjadas, palavras atéias, claro. Atéia foi pro vento e perdeu o acento? Pesquisar. Palavras sem a promessa de peixe a valer. A rede de abarcar os dodóis e as felicidades. Dodói foi pro vento e perdeu o acento? Vá estudar, que não sou obrigada.  Acho massa. Alguém também tem que ler aquele maço. A sensação é essa. Eu acho muito massa, velho. A pessoa tem que despachar o pacote: passa anel, passa boi, passa boiada. Printei. Empurrei para adiante. Eu pinto o sete e meio, o sujeito printa e julga que me importo. Nem aí. Antes, desconfiava. Depois do Mestrado, conheço, como a palma das patas. Nada se cria. A vida é copia e cola, para sempre. A madame faça bom proveito, entendesse? Vi, ouvi, em algum lugar. Alguém me soprou a toada. Não tenho nada de meu. Quer assumir a autoria? Bastante lisonjeiro.
Céu, tão grande é o céu, Dindi. O coordenador acaba de me mandar uma mensagem: “Dê uma olhada no e-mail institucional”. O coordenador é um menino. Esbanja competência aos quarenta e quatro cantos do planeta, mas é um menino. Ancião é ancião. Menino é menino. Gado é gado. Hoje, sinceramente, não estou no clima, neném. Vou perder o prazo. O bonde vai longe. A esperança. Há esperança? Vou perder esse prazo. Hoje, não acesso o e-mail institucional, mas nem que a vaca tussa gordo na minha delicada máscara de florzinha verde e rosa. Voltando ao assunto, o assunto era o quê? A crônica é um babado forte. Forte e banal. Babado contente e amargurado. Triste. “É da tristeza que rimos de coração mais leve”. Existem muitas fragrâncias do gênero. Patrícia, Eduardo, Dona Fátima Diva das Divas, Flipper, fale aí a galera que manja do riscado. Não sou, não posso querer ser cronista. Morro de vergonha. Cotidianamente, Rubem Braga - meu ídolo, meu sol, meu mar, meu oriente - cotidianamente, madame, o velho Braga, fungando aqui no pé do meu cangote, corre a vista sobre o papel manchado, sai por aí, sacudindo a cabeça. Ri-se todo, todo, todo. Ele todinho balança, caçoando. Caçoa. É muito bobo. Engraçado.
Completei cinquenta e quatro anos. Cinquenta e quatro anos não são cinquenta e quatro dias. Sem a menor intenção, a pulso até, confesso, amadureci um tanto. A alma emplacou uns 86. Alma decrépita. Antiquada. Não se deve desrespeitar um idoso, entendesse? Não se deve desrespeitar um idoso. Pela minha tampa, pela minha tampa, com a maluquice a que tenho assistido, de uns dias para cá. Um famosão aí, famoso, é famoso, o cara foi entrevistado por Jô Soares, madame. É famoso. Não me lembro do nome dele. Clóvis? Cléber? Minha memória é fogo. Entretanto, guardei a frase: “A repetição é o símbolo do fracasso”. Jamais repita isso. Repetir essa frase é o símbolo do fracasso. É igual ao cabra ponderar que a saída para o seu casamento é transar com uma mulher diferente, uma dona por semana. Os anos vividos me confirmaram: nada supera o charme da repetição. Ninguém aprende sem repetir. A repetição elabora, esfolia, aprofunda, transforma. A repetição traz uma segurança que a madame nem avalia. Sinceramente. A repetição só não serve para os covardes, para os que comem pelas beiras. Não serve para quem tem o fogo no fiofó. Tenho colegas que estão em sala de aula há décadas, e ainda apostam nesse caleidoscópio desenfreado, uma praga que extirpa do aluno a extraordinária possibilidade de repetir, repetir sim, de apurar o gosto, a saudade. Minha gente, eu tenho colegas que provam, como dois e dois são quatro, que o ideal é não dar ao guri o tempo de ele pensar. A questão é a seguinte: o que você imagina, o que você sente, enquanto repete? Qual é o seu desejo? A vantagem de ser velha é a bendita impotência para certos expedientes. Não consigo mais fazer. Assunto encerrado. Deus me livre. Todo mundo conhece Átila, né? Pois, eu estava encantada com uma palestra, envolvidona mesmo, até que ele tocou num ponto nevrálgico, bem dizer assim. Segundo ele, o professor precisa esforçar-se para adentrar o universo que desperta o interesse do aluno. De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? De que meu aluno gosta? Eu tenho que dar um jeito de mergulhar nessas águas, entendesse? Haja oceano. Uma penca de aluno. Ou a comunicação não se efetiva. Vai arriscar? A aprendizagem vai murchar, pelo meio da estrada. Favas contadas. De onde veio essa maluquice? Não se deve desrespeitar um idoso. Um velho é uma montanha. Uma península. Um velho é sábio. Sábio sim, senhora. Deixem essa cruel desqualificação para um Governo corrupto e assassino, cujo principal objetivo é acabar com o gagá inútil: do fundo da rede para a cova rasa, a solução para o grave problema previdenciário. Não tenho mais estômago para essa escola, para esse ensinamento tosco, deturpado. Não tem omeprazol que resolva. Cansada. Cansada e humilhada. O enaltecimento da juventude é a coisa mais importante, obviamente. Na hora H, disponibilizem o respirador para quem mal começou a caminhar. “Mas ser senhor é triste; eu sou, senhora, e humildemente, o vosso servo”. Ando sem fôlego, e não morro. Acostumei? Retornei aos primeiros anos do curso de Hospedagem. Lamentavelmente, seguimos brincando de casinhas separadas. Sabe o que espero desses meninos, quando isso terminar? Espero que eles saibam do que gosto. Espero que se esforcem para adentrar o universo que desperta o meu interesse. Espero que me escutem, que me ajudem. Espero que eles respeitem a minha história e a minha memória. Não nasci ontem. Espero que eles vão devagar, acompanhando meus passos, segurando a minha mão. Meu pirão primeiro é o cacete. “Senhor de muitos anos, eis aí; o território onde eu mando é no país do tempo que foi. (...) De trás de meu muro frio, eu vos saúdo e canto”. Minha eterna gratidão, eterno Rubem.  

sábado, 19 de novembro de 2016

Elo

“Adriana laigou o brogue acolá, danadinha. Meteu-se a cutucar cumbucas frescas, guisados diferentes.”, a madame pensou assim e assado, aposto. Eu pensei parelhado, já pensasse? Aliás, no pequeno dia em que me sobrevenha o tesão incontido de espalhar uma fortuita mentirinha..., a madame já sabe. Só compartilho verdades podium não aditivadas, pois: o fuchique nasceu de um cochilo. Para empacar na vontade deusa, louca e feiticeira, desde sempre, de apear meu cavalinho manco e tomar a fresca. Indefinidamente, rarará. Sofro de preguiça, padeço de extrema dificuldade para encerrar os assuntos. Inconclusiva é o meu sobrenome. Indolente é o do meio. Escrever é ruim, mas é bom que só, para quem escreve, bicho. Todo mundo deve escrever. Escrever para sonhar. Escrever para despertar. Para conservar. Para mudar. Escrever para si mesmo ou desenhar a bunda na janela, para trinta e oito leitores dando com a língua nos dentes, tudo somado, quarenta e quatro. Nem tente tentar adivinhar o a que afaga, o e que esbofeteia, o contribuinte do lado que é do outro lado de lá do lado de lá da telinha, esse aí tem suas esquisitices, umas preferências acidentais, impremeditáveis, existe isso, rarará? Maluquices? Voto nas próprias. Sempre. Nada é tão importante. Noites de intenso luar, manhãs de sol e de profunda reconciliação, haverá? Crei(o)a.
“Hoje estou velha como quero ficar. Sem estridência.”. Dona Doida. Murchar e virar Adélia. Adubo demais para o meu canteiro. Os óculos de digitar as historinhas bestas e a xícara de chá de maçã. Ao colo, Valentim, o cão da minha vida, ressonando. Já fui moça, já gozei a mocidade... Estudei reprodução humana, mas estava esquecida. Alexandra me lembrou de que o início da menopausa só pode ser considerado, amiga, após um ano do último ciclo menstrual. Vivo a vibe do climatério, mora? Aquele climatério, outrora cantado em verso e prosa, aqui mesmo nesse espaço, era outra coisa, coisa nenhuma, nada além da polimiosite galopante, cínica, dissimulada, entretanto, comendo solta. Quatro meses de recesso, o paraíso e, pimba!, destampei. Sangrei horrores. “Uma enchente amazônica, uma explosão atlântica”. Fechei os olhos para ver. Eu menina, ouvia Dona Rita queixar-se: “Virgem Maria Santíssima, isso não acaba nunca!! Parece que levei uma peixeirada!! Estou me esvaindo, um rio vermelho escorrendo pernas abaixo!!” Igualzinho, Mainha. Igualzinho. A orfandade açoita. Teu queixo no queixo da tua filha. É desabotoar todas as camadas internas, de cal e pedra e couro e carne e osso, até o refúgio lago derradeiro: o eterno ventre.
Sobre o I Festival Negressência da escola, sob a batuta do incansável Carlos Fabianinho Safadex Profissional, sinto que agora sou melhor, bendita influência. Pelas pálpebras e poros escancarados, responsabilizo a flor azeviche do evento. Agradeço. Proponho, portanto, o seguinte: Fica, mãe-preta parideira da força e da ternura dos cuidados!! Abre as asas africanas sobre nós, “dona de assombrosas tetas” jabuticaba!! Acolhe. Aquece. Alimenta. Nina. Ensina. O comentário odioso, repugnante, que captei na saída, tratei de esmagá-lo, feito a gente pisa uma barata, no calor da roda de samba. Soterrei-o, no terreiro, com o peso ancestral dos teus tamancos.


Essa é de Charlie, claro.

sábado, 12 de março de 2016

Bêbado regresso

Hoje é aniversário de Robson, meu colega de rotina iffeana. Semanalmente, mergulhamos juntos naquele açude argiloso, abalos sísmicos, uma loucura... Sacode, Carola, rarará!! O cara é o cara. Destina uma paciência infinita à minha vexatória ignorância sócio-política, só a senhora vendo. Aliás, da constelação escolar vig(d)ente, rarará, ele é a minha estrela. Ele é a minha estrela. Um homem comum, qualquer um, não fosse o capital comichão, essa fecunda, permanente erupção cutânea de saber e sentir: ciência, compaixão, humanidade – tudo pulsando, avolumando-se, escorrendo celas afora; feixes, pencas, nuvens, montanhas atravessando-lhe os nervos, a boca, os olhos, quem diria? Apaziguados. Absurdamente apaziguados. Arrasto um búfalo por quem nocauteia em volume baixo, desobrigado de estufar as carótidas, de abanar a asinha frenética no bico do interlocutor, o sujeito manso, tamanhas as fundas ideias luzidias, sereno em argumentos sólidos, solenes, irrefutáveis. Seja bem feliz, peixinho. Um dia de muito amor, meu querido, na doce companhia de sua bela esposa - portentoso busto gritando “ébano”! – preta, de tão linda. Linda, de tão preta. Deusa azul, diva negra, rainha tácita e lasciva: uma noite quente. Sem luar.
Sobre as manifestações de amanhã, é o seguinte: à pessoa desejosa de empatar o meu sossego, delírios de me arrastar para o olho da rua, participo, rarará: estarei trancafiada dentro de casa, São Longuinho nem se coce para ajudar a achar a chave da porta. Meus mirrados conhecimentos PSDBistas, PTistas, PMDBistas, DEMistas, PDTistas, REDistas, PSOListas, mais o raio que o parta, o débil, raso entendimento debruçado no pires de leite de Mingau de Magali, a esfomeada do Maurício, rarará, despeja no mármore as cartas ensebadas: não posso comparecer “porque não deu tempo de aprender a coreografia”. Queria ter inventado isso!  Copiei, apenas. Sempre as mesmas limitações de inteligência da guduxona cinquentinha, as quais Santo Antônio e o gancho não expandem. Não vou correr o risco de topar com o trio elétrico de Malafaia, Bolsonaro e Feliciano. Vai que Waack veicula na TV! Ainda 'conservo' uma lasca de reputação a zelar! Além do mais, penso que Moro e Aécio, cedo ou tarde, entre soluços, revelarão ao trôpego povo brasileiro “o que não tem mais jeito de dissimular”: somos irmãos de sangue, salmão e sonho, patriazinha!  Inquestionável a semelhança física e psicológica desses requintados, vaidosérrimos rapazes. Sei lá... Para eu berrar “Fora, Dilma!”, alguém decente, vacinas em dia, tinha que subir a rampa, bora combinar. Democracia não é trapo de se jogar pela janela, aprendi pequena. Golpe? Não é não. Gatinhos escaldados. Parece coisa de retardada, mas preciso muito de um nome para eu mencionar, nas discussões mais acaloradas... Uma face, uma palavra, o definitivo gesto, aquele de eu pinçar no ar, coser no coração e por cima do peito, na camisa. “Minh'alma cativa”...“E me apraz essa ilusão à toa”. Lula é mito, esculpiu a outrora invisível etnia Silva, no parrudo tronco da História, assunto mais que encerrado. Miseráveis alimentados, aeroportos apinhados de pobres, universidades finalmente frequentadas por negros, isso é de uma grandeza, nem se comenta. Um grão de dignidade no papo do lascado, leitora, incomoda. Sua senha, por acaso, é prioridade? Tão simples. Questão de reconhecer o seu lugar na roda da fortuna. “Qualquer bom partido deveria ser populista: escutar o povo, o que pensam as pessoas comuns, os cidadãos”. Bauman. Pesquei alhures, numa entrevista, para posar de erudita, rarará. Um homem acima de todas as suspeitas é Lula. PT. Saudações. Por Lula, eu teria decepado seis dos meus dedos, camarada. Aí, o companheiro vai e abusa. Quem anda com porcos, farelo come, hein, Dona Rita? Tirou  o partido de mim, abusou. Constatação dolorosa, excruciante: meus bracinhos roliços não dão mais conta de, sol a pino, sustentar o mastro da escarlate bandeira esmaecida. Sobre as manifestações de amanhã, Gramsci: “se o velho morre e o novo não nasce, neste interregno ocorrem os fenômenos mórbidos mais diversos”.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Mingau

Banho tomado, corpanzil devidamente perfumado, que nunca fui de renegar um sabonete cheiroso, uma água-de-colônia azul ou esverdeada, dessas bem fresquinhas, melissa, chá verde, verbena, bergamota, jasmim, lavanda, flor de laranjeira, huuuuummm... Nada supera uma chuveirada vigorosa no cume do quengo, eita lá... A pessoa esfria um pouco o juízo fumaçando, borbulhante de dilemas vários, atribulações de tudo quanto é fragrância, tudo fêmea dando cria, problema é tudo fêmea no cio, afe, barriga livre para os filhotinhos se espalhando, uma praga, vai-te! Cochilou, a ninhada ocupa os minguados espaços de razão e bom senso, o sujeito fica doidinho, um caso sério. As charadas diárias são nível hard, cara, só digo isso. Uma novela mudar de fase. Desci as escadas, muito da linda, um bibelô balofo trajado de pijama de ursinho Puh, realiza aí, leitora, rarará: um mimo, uma delicadeza. Dormi o sono dos justos, hoje à tarde. Aliás, bom conselho, de graça: durma, minha senhora. Durma de esquecer. Dormir não soluciona porríssima nenhuma, está certo, mas adia, rarará. Pode até resolver, a senhora sonhando com um palpite seguro para o bicho, os números da megasena, quem sabe. Acordei desejando desesperadamente um prato de papa, não se trata de gravidez a essa altura do baile, asseguro-vos, passei da validade, rarará. Salivando por um mingau, acredita? Mingau de maisena feito com leite em pó, gosto que me enrosco. A colher de pau rodopiando na panela, a gente voa quando começa a pensar... Na escola, isso em 1837, a esferográfica imprimia a palavra 'maisena' com S, S de 'salvem-se quem puderem-se', rarará, ortografia é mesmo uma paulada, toda hora uma informação diferente, rarará. O que aprendi sobre modelar a inculta e bela, amores, veio da escola. Nenhum professor universitário acrescentou uma vírgula, um acento sequer, pasme. Na única escola da minha vida, tive grandes mestres. Três inesquecíveis professoras de Língua Portuguesa: Tia Vera, Xênia e Maria José. Zezé, na época, já era uma mulher, digamos, bastante madura, donde concluo: meus parcos conhecimentos ortográficos prescreveram, rarará. Tudo igual a mim: ultrapassado, mofado, obsoleto. As leituras feicibuquianas confirmam: perdi o bonde e a esperança. Na cozinha, ainda agorinha, repeti um dos mantras zezesianos: atanazar, bocafuzar, fuzuê, fuzaca e mozarca lembram algazarra. Escrevem-se com Z. Ela inventava uns recursos mnemônicos extraordinários, quanta criatividade, uma lástima ter descartado as primorosas apostilas, por outro lado, combinemos: papéis carecas, desgastados. Não teriam resistido tanto tempo. Um jeito de fazer a moçada decorar aquelas besteirinhas fundamentais, as consagradas configurações da última flor do Lácio, caro colégua. Decoreba com pedigree. A gente decorava tanto, de todas as maneiras. Do geral às particularidades. O trem grudava no cérebro, um esparadrapo. Foi assim, como um resto de sol no mar. Não se apaga. Basta precisar, bicho. Ao menor apelo, a lição desponta, manifesta-se: uma besteirinha iluminada. Atualmente, na sala de aula, a realidade é outra, o cabra desavisado que cair na esparrela de mandar um menino memorizar um cabelinho de sapo, compa, estará inevitavelmente fodido, arrisca-se a tomar um tiro no meio dos cornos, tamanha a defasagem com S, a brutal incompetência do pobre docente. Modernidades. Muitos profissionais supimpas, arrojados, ousam trilhar o caminho de volta, costurar as extremidades, passado e futuro enlaçados no presente, uma coisa bacana. Avante. Prossigam. Aplaudo. De casa. Convém descansar, descalçar os sapatos. Deixarei um naco de saudade acanhada, sofrerei a tortura da maior saudade, as frágeis fibras do peito, ai..., dilaceradas. Porém, devo confessar que sinto uma ponta de alívio, a dois passos de abandonar o barco. 

Corrente

39,90+39,90+27,00+37,00+49,90+76,00+25,00+17,00+22,00+56,00, certa como dois e dois quatro, do retorno à drogaria, madame, ainda em outubro. Mais corticoide, mais metrexato, mais ocupress colírio, mais concor e mais torlós, só aqui, me lasco. Nunca fiz as contas de precisamente quanto do meu breve salário é destinado aos malditos fármacos empenhados em melhorar meu estado geral, é sempre igual, as folhas caem no quintal, vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo, vou varrendo, tudo embaixo do glorioso tapete vermelho-sangue, rubra seiva de mim, rarará, a nobre alcatifa do honradíssimo banco do brasileiro enforcado: sonhe, o BB realiza. Conservo a cabeçuda esperança verde-mata, "mata ela, mata!", rarará, de desencarnar do azul para o azul, sem dever dois reais a Seu Ninguém, quem sabe. A senhora não se confundiu: dois dentistas. Um exclusivamente para providenciar implantes de me extirpar as vísceras. Aliás, na fresta mais dócil e pura de um pequeno dia, de repente, entenderei por que implante é tão caro. Hoje não. A dentista cuida de escorar o caco que perde o prumo. Ainda ontem, recebi uma notícia dramática, um açoite no lombo taludo: "aconselho você a fazer outro implante, esse dente não se aguenta muito tempo.", pá!!, desse jeito. Não achei o que vender em casa, tô partindo para as córneas, quero parar de enxergar meus horizontes, a leitora, acaso, se interessa? Cheguei a pensar em Ronaldo, rarará, parcelado, em duas vezes. Ronaldo não, nunca de never more, rarará. Ronaldo, colégua, não tem dinheiro nas galáxias que pague. Pega a doida de pedra se lembrando daquela música: errei sim, manchei o teu nome... Nome mais sujo que pau de galinheiro... Manchei o meu nome, mas foste tu mesmo, mundo cruel, o culpado, rarará... O fundo do poço tem mola. Na maior insegurança, um medo danado do grave pecado da mentira, eu garanti, capital letters: o fundo do poço tem mola, minha querida. Tudo, tudo passa. A dentista é uma querida, muito querida. Tantos momentos cobrindo, remendando, rebocando, resolvendo como pode, em horários inacreditáveis, coitada, os problemas cascudos das minhas arcadas corticoidemente afetadas... Como foi que examinei tanto o sorriso do meu umbigo, desconectada de todo, de todo, dessa pessoa tão disponível, tão amável, tão querida? Argamassa por cima das chagas. "Quando uma pessoa chora um choro em desatino, batendo pino, como quem vai arrebentar", é um impacto, uma descarga, um safanão no centro da mosca da sua cara. Um braço imenso, forte, içando a sua alma metida à gente, desencarcerando o fantasminha equivocado, lançando seus destroços de humanidade ao convés do mesmíssimo barco. Cara, somos as miçangas do colar em torno do pescoço do planeta. O cordão adorna, o cordão resgata, o cordão estrangula. Qual é a sua escolha? Reescrevo: impossível fugir, é, será sempre o mesmo barco. Ignoro o germe em questão, percebi, entretanto, claramente: não há, entre os anestésicos acondicionados no armário da doutora, um que atue na raiz daquela dor. Sou quase um irremediável caso de focinheira e manicômio, sei de cor. O minuto de lucidez é para não julgar. Não ofender, não contundir, não esfolar mais, os psicólogos, psiquiatras e afins multiplicam-se feito preás, especialistas especializados em mexer nas tais perebas. Minha parte é acudir o outro. Minha fatia é empatizar, consentir no pranto, respeitar o curso da lágrima cheia de sal, de som, de sentimento. Oferecer café, cerveja ou um cálice de vinho. Ensinar uns palavrões eficazes. Liberar meus ombros largos, meus abraços reconhecidamente acolchoados, meus ouvidos acessíveis. Luar sem amor, amor sem se dar? Na dúvida, olhe em volta. Na dúvida, expanda os limites do corpo, da mente, do coração descompassado. Na dúvida, simplesmente, acolha. 

sábado, 3 de outubro de 2015

Azeviche

Solzinho acanhado, não acham? Janelas abertas à manhã menos ensolarada que a do meu desejo. No momento, uso o notebook de Ronaldo, minha desvalida máquina jaz em coma profundo, bebeu demais, coitada, mas, cara, vou dizer, foi somente água mesmo. A quinta-feira passada entrou para a lista das piores lembranças do casal: triste, triste de não ter jeito. Graças a Deus, sei muito pouco sobre o que vai na copa dos telhados, disponho de torneiras e de chuveiros para o mero asseio da matéria: pele fresca, pratos escorridos, roupa limpa, casa lavada. Tudo tão singelo. Mínimas alegrias cotidianas cheirando à flor do campo, naturalmente. Ocorre que a caixa do vizinho transbordou, sobrou pra gente, o teto encharcou - uma peneira - o toró desceu pelo lustre, uma inundação dessas de cinema. Choveu gato e cachorro, tempestade dentro do nosso quarto. A cama, a cômoda, o guarda-roupa, o som, meus discos, meus livros e tudo mais. A recuperação do computador é uma interrogação, me aconselharam a aguardar um tempo, depois, tentar reanimá-lo. Pensei que contar a história me traria um discreto alívio. Não. É exatamente o contrário. "Sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada"... Quem, senão a guduxa pirada da bola, choraria um pomar de pitangas por um pirão de papel? As páginas secaram grudadas, um desconsolo. O cesto de lixo rejeita. Entretanto, não consigo me desfazer dos volumes, cinco ao todo. Perdi as 200 crônicas escolhidas. Quietinha, por favor, a madame nunca vai entender o que estou sentindo. O brogue dá um refresco, quando a coisa fica preta. Até o transparente, a demora é transtornar, desequilibrar o ambiente, H²O transparente não escapa, pimba!, fica preta. Aliás, por que preto é ruim? Por que ruim é preto? Preto é podre. De chique. Noite preta parideira das revelações abissais, incontestes. Seu Raul, o ator Val Perré, aquele negro espetacular da novela das seis, participou do programa de Fátima Bernardes, não pude escutar uma palavra, muita mulher cocoricando no salão de beleza, pintou uma torta de climão, um silêncio espinhoso, rarará, porque eu comentei: esse homem é estonteante! Acho o cara caprichado, guapo, belo de ver e de morder, acho mesmo. Aliás, deuses de ébano me tiram o fôlego. Visualiza o que teria sido a antológica cena do "serve...", com Fanny inspecionando um Leo negro lindo, tesão, bonito e gostosão de fechar o comércio? Ainda bem que racismo não existe, pela madona jabuticaba brasileira: valei-nos, Nossa Senhora Aparecida! Uma situação isolada, decerto. Atípica, esdrúxula, fora da terra e do ar, apenas isso. Menina, nos idos da faculdade, minha pessoa arrastava um avião por um colega de sala, um podemos ser amigos simplesmente, rarará, alto, espatulado, charmoso, distribuidor de um sorriso da criatura cair dura batendo, rarará, Auríbio, nome feio do cão, o nome dele é Auríbio, podia ser Apolo, rarará, o infeliz das costa oca nunca me deu nem as horas, que dirá um dedo de trela. Que interesse causaria uma branquela azeda, tonta, desmiolada? Pra galera, Auríbio era Marrom ou Negão, um sujeito meio reservado, de pouca conversa, cabra gentil, generoso demais, parece que ontem mesmo vi Auríbio arrastando o chinelo no Centro de Artes. Nada como o tempo para passar. O tempo avança, finja que esquece. Acabo de descobrir que Negão é professor universitário, veja você. Na graduação, Negão vendia a mãe por um passeio no corredor, um cigarro na cantina, o bicho faltava uma aula empurrada, rarará... O mais surpreendente é que Negão tornou-se facilitador de biodança, quem imaginaria? Uma tremenda coincidência, fiz tanta, tanta biodança, tantos anos da minha vida... Continua vistoso, um bom pedaço de mau caminho. Para o trânsito, provoca abalroadas, rarará... Desconfio que nós teríamos feito filhos bastante bem apanhados, assaz graciosos, meu chapa.

domingo, 20 de setembro de 2015

Bagatela

O homem e a singularidade. Cada um com seu cada caos. Por algum acaso, madame, tô enganada? Pergunte-se por qual razão que a razão desconhece, rarará, a minha pessoa, a essa hora miudinha do domingo insosso, já começou a ralar o dedo nessa cuia de lorota. Há quem, a escrever um bilhete mal traçado, prefira parir dois rinocerontes já de chifre, tamanha a dificuldade. Nunca foi meu caso. Preparo uma sopa de letrinha no grau, assim dessa maneira, de sopetão, ligeiro e fácil extremamente fácil, como quem pisa errado, malandro, sem ver de quê, com mais de mil, escorrega. On the other hand, mande a inchadinha fazer uma conta, rarará. Demora, visse? E o resultado ainda sai trocado. Ontem, Bruna, Luca e Patrícia me pegaram com a boca na botija, engolindo um doce mais ou menos da minha grossura, cara, um vexame. Adoro me encontrar com meus meninos, sou completamente furada na venta, diria Dona Rita, doida, doidinha por eles. Tanto beijo, tanto afago, tanto amasso. Vejo a rapaziada sangue bom e entendo perfeitamente a matemática de não me transformar numa colossal uva passa: velha pensa, densa, grave e mal humorada. As crianças entabularam uma conversa bonita, na mesa ao lado, um conteúdo importantíssimo, Física, decerto. Química? Biologia? Inglês não, não era. Percebi, entretanto, que soava tão solene quanto, rarará. Amo demais, amo demais. Meus alunos me irrigam as rugas progressivas, um veio d'água, uma lufada de frescor, de esperança. Por falar nisso de juventude, tal e coisa, mais tarde, assisti ao programa do Serginho. Serginho, aos 64 anos, teve um filho, acredita? Esse aí, minha senhora, sem sombra de dúvida, acredita. Entre os convidados, Simony, nem sei se a grafia é essa, não sendo, fica sendo: Simony - idiota de carteirinha - uma pateta. Sobre o balão mágico, a perfeição em cima da Terra afirmou que aceita o mágico e descarta o balão. Ora bolas capadócias, não foi justamente o balão que lhe conferiu um meteórico sucesso em 1814? Gordofóbica de uma figa, viajando em maionese na cestinha, transitando em torno do próprio cilíndrico umbigo. Achou pouco, protagonizou outras cagadas, a plastrada emblemática culminando exatamente naquele interessante momento Laura Müller. Pintou um papo sobre orgasmo feminino, tudo evoluindo nos conformes, apreciações delicadas, bem cuidadas, tal assunto requer um mínimo de tato, empatia, sinergia. Pois bem, a imbecil, de repente, sem ser chamada a opinar, dispara: “Fingir orgasmo? Ridículo! Ridículo! A mulher tem que dizer o que gosta, tem que mostrar do que gosta!”, pode isso, Arnaldo? O silêncio é ouro, um mugido desse é lata. A psicóloga e sexóloga fechou logo a cara, fiquei só esperando a resposta de quem não se cansa de amparar a garotada vivenciando o problema. Uma profissional que deve cirurgicamente atravessar, mãos de seda, as camadas insondáveis de semelhante abacaxi, adoidadamente, ninguém se iluda, no divã do consultório, faz é tempo. Quanta delicadeza, quanta elegância, quanta generosidade no comentário da moça psicola. Não concordo mais por absoluta falta de espaço. Primeiramente, enquanto a masturbação feminina permanecer envolvida em mantas viciosas de culpa, constrangimento e preconceito, o carrinho vai andar de ré, meu camarada. Primeiramente, de novo, consciência e cautela ao tocar a flor genital da gente, não existe fórmula para, tão rapidamente, desdobrar o tema. Devagar. Lábio carmim e duas risadas? Quisera. Demanda luas de disponibilidade. Primeiramente, por último, não é porque a senhora é bamba no revirado do olho, manda e desmanda no seu clitóris, goza horrores, goza alucinadamente, não é por isso que a frigidez feminina virou bagatela, balela de revista de fofoca de novela. Consegue não? Dê seu jeito. Não. Não mesmo. Da forma mais serena, mais humana e solidária, Laura lembrou a plateia de que fingir prazer pode ser a alternativa para uma mulher impotente. Uma mulher babel, sofrendo, querida leitora desencanada, uma mulher desplugada de si mesma, uma mulher que supõe não merecer a festa, convencida de não dispor de mais nada, além da lenda, para oferecer a alguém na vida. Seguimos fodidos. Pela total incapacidade desse pequeno deslocamento: o breve instante de calçar outros sapatos. Sei pouco, mas arrisco acrescentar que orgasmo não pesa, flutua. Não traz o carimbo da imprescindibilidade, muito menos da simultaneidade. O princípio do prazer é o prazer. E seus múltiplos sentidos. Cada orgasmo é uma revelação, dado o mistério. Um acontecimento lindo, limpo, pessoal e intransferível. Explode sem orgasmo, inclusive, ou, pelo contrário, tão orgasmo, que ata e desata, aglutina e desvincula, mata e gera, convulsiona em nós o ser do mundo. O que não tem vergonha, o que não tem governo, o que nunca terá juízo. 


Para Bruna, Luca e Patrícia.