Pesquisar este blog

domingo, 23 de junho de 2013

Terra de gigantes

‘Vou te contar: os olhos já não podem ver coisas que só o coração pode entender’. O povo unido jamais será vencido, aqui é o meu país, como ser feliz em outro lugar?, coisa e tal, tal e coisa, minha vontade é arrebentar a boca: ‘o tapa estala no balacobaco’. Borbulhas de bomba, sangria de baba, canteiro de balas. ‘No rala-rala, quando acaba a bala, é faca com faca, é rapa com rapa, e eu me realizando, bambo’. ‘A multidão vendo, atônita, ainda que tarde, o seu despertar’. Qualquer escrevinhador da minha laia, um enxerido de plantão, assim feito a minha humilde pessoa - a escrevinhadeira inadvertida e despreparada, superficial e genérica, meia-boca, de meia pataca, de controverso, muitíssimo duvidoso pendor para o medíocre relato dos instantes, aliás, pretendo chegar mais longe, caríssima leitora habitual, ocasional, principio a cutucar o cão com a vara curta, rarará: hiperativa, imperativa, interativa, dirijo-me agora às castanhas, súbito dilatadas pupilas da senhora, madame, a senhora fique à vontade, tome um trago, lave os olhinhos míopes e a alma animada! Concedeu-me o privilégio de visitar meu dengo - o caderninho de notas falsas, justamente hoje, vez primeira, fodeu! Lá vai a senhora passando a vista grossa sobre o meu fuxico, já farejando o bodum da baboseira, antecipando tratar-se o fuchique de uma perda irreparável de, portanto, do seu precioso tempo, Virgem Santíssima, um mundo de obrigações a cumprir, trinta e duas tarefas urgentes urgentíssimas, inadiáveis com farofa!, adiadas por causa dessa conversa mole, tem futuro? A senhora sofrendo, expressando-se a custo, mais ou menos mais para menos, digladiando cotidianamente com a folha em branco, uma peleja sem cervical, sem sinal de fim, de esboço de começo, rarará, a senhora perdendo o bonde e a esperança, parindo um reles parágrafo natimorto, se muito, e por quinzena, rarará, a senhora, cujo chulo textículo jamais fora pinçado, ao acaso, mera distração, escorregadela, por imperdoável descuido, ‘ops, tô dentro? Fora engano!’, rarará, do fundo do poço sem fundo de suas mais nobres intenções, o textículo fora, surpreendentemente!, içado à luz, pinçado pelos frágeis dedos da doce professorinha da quarta série, para leitura em voz alta, diante dos coleguinhas de sala, a meninada abismada com a zebra, vamos combinar que a senhora não junta lé com cré, minha senhora! Tem futuro? Entretanto, eu sei de verde e amarelo, sei de cor, de cor e salteado, descubro a sensação na vista, no súbito arrepio dos pelos, no murmúrio extasiado, no soluço, experimento, na rua das veias, a dor e a delícia de completamente sabê-lo, sei porque sinto igual, conheço a bruma espessa do seu íntimo desejo de assinar a versão final, revisada para publicação, do documento: a contundente história da semana e da eternidade: Terra de gigantes - a pontiaguda crônica, a narração implacável, catársica, obra completa, definitiva, sumo de letras honestas, vertidas do seu próprio punho para as mãos espalmadas da posteridade. Quisera escrevêssemos, madame, quisera... Só que não.
Ao contar o conto, cuide de aumentar um ponto. Retornando à vida real, depois da lua de mel dos sonhos de qualquer casal apaixonado, a esposa devotada entregou ao marido amantíssimo uma pequena caixa, rogando-lhe que a mantivesse consigo, mas sem abri-la, nunca de núncares, em hipótese alguma, pois que a caixa continha um enorme segredo, algo que ela preferia nunca ter que revelar-lhe. A caixa foi morar no abismo do guarda-roupa e o mundo pião gigante foi rodando, logicamente... Reza a lenda que, passados sete anos da solicitação inusitada, o marido amantíssimo, naquela manhã, sucumbiu, enfiou o pé na jaca, “quem diabos liga!, ela não teria resistido sete minutos, ora bolas!” Dentro da caixa, adivinham? Dentro da caixa, sete ovos de galinha e cinco mil reais. “Que porra é essa? Pois ela que me explique direitinho tamanha maluquice!” A dona esclareceu tudinho, contrafeita, a dona tinha aquela esperançazinha da conversa acontecer muito mais tarde, talvez jamais precisasse abrir o jogo, participar a ele o que, anos antes, decidira. Os acordos são assim, lavrados no cartório da consciência: metade seu, metade do outro. Fazer valer, fazer valer a pena, é que são elas. “Querido, cada ovo nessa caixa representa um descontentamento, uma indignação, uma grande mágoa que me provocaste, desde que nos casamos.” O marido exultou, obviululantemente. Apenas um vacilo por ano, a senhora concorda, é uma média excelente! “E de onde vem esse dinheiro, Maria?” O dinheiro... “É o seguinte, João: cada vez que os ovos inteiram uma dúzia, eu aproveito e vendo, daí vou guardando, na mesma caixinha, o dinheiro. Vou, dessa maneira, fazendo a poupança, para uma eventualidade.”
‘Atirei uma pedra na sua janela, uma que não fez o menor ruído, não quebrou, não rachou, não deu em nada, e eu pensei: talvez você tenha me esquecido... Eu só não consegui foi te acertar o coração, porque eu já era o alvo, de tanto que eu tenho sofrido, aí nem precisava mais de pedra, minha raiva quase transpassa a espessura do teu vidro’. Cada um responde à mágoa infinita, é mágoa de mim, de ti, da humanidade, cada bicho triste responde como pode, conforme sua índole, sua individualidade, sua identidade privada, pública e coletiva. A nação também tem seu umbigo, ninguém duvide. Há quem faça da mágoa um amorzinho gostoso, o sofrimento nutre tantas almas desamparadas... Há quem faça bolinho de chuva, há quem faça caridade... Há quem faça amor fingido. Há quem faça pouco, há quem faça um mar de atrocidade. Tem gente que faz nojo. Tem gente que faz gosto a gente ver fazer política limpa... da mágoa. Tem gente dando nó no pingo d’água, meu camarada, tirando leite das pedras do chão da praça. Tem gente que faz ouvido de mercador, tem gente que faz chacota, tem gente que faz miséria, tem gente que faz fortunas ilícitas, manchadas de vergonha... Tem gente que faz de conta, tem gente que faz pirraça, tem gente que faz total, tem gente que faz partido, tem gente que faz de graça, tem gente que faz silêncio, tem gente que faz estrondo, tem gente que faz semente, tem gente que faz sentido. Movimento. Alavanca. Faça. Minha pátria virou catavento, um catavento... Última forma, espero. Seguiremos de mãos dadas, caro leitor, distraídos e atentos, a revolução do nosso tempo, passo a passo, no breu do asfalto, inscrevendo-se. Para onde? 'Pra onde tenha sol'. A manhã tem mais Brasil. Até logo, companheiros. ‘Toda fita em série, que se preza, dizem, reza, acaba sempre no melhor pedaço’.  

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Negra luz

Passa, nuvem negra, larga o dia e vê se leva o mal que me arrasou, pra que não faça sofrer mais ninguém... Já esclareci um bocado, tenho certeza disso; torno, entretantomente, a repetir setenta vezes vezes sete, feito aquela historinha da bíblia, Pedro e Jesus trocando uma figurinha, uma historinha de perdão ao irmão filho de uma égua, o cara apronta, apronta, apronta, apronta, e tome-lhe perdão no meio dos cornos!, perdoai setenta vezes vezes sete!, li alhures, nem foi nas escrituras, nunca li a bíblia lida assim, espontaneamente, nem leitura demorada, nem leitura corridinha, que dirá salteada: o pequeno e vasto, o lenitivo gesto de ir lá buscar o livro santo, abrir, folhear, pousar os olhinhos míopes num versículo salvador da pátria da humanidade; engraçado, nisso jamais pensara, estou pensando nisso exatamente agora, mentira que não leio a bíblia, leio a bíblia, acabo de perceber, leio a bíblia dentro de outros livros, tanta gente usa e abusa das sagradas escrituras, transcreve trechos, interpreta a palavra que era para ter p maiúsculo, suponho, algumas palavras anteriormente escrevinhadas aqui, também, parece, herege incorrigível!, tanta gente interpreta a palavra santa conforme o seu estrabismo, a sua alucinação, a sua própria falta de juízo, a cada doido o seu crachá, a sua bandeirola e o respectivo ansiolítico, amém. Às vezes, só escuto mesmo, aliás, escuto aonde vou, escuto muito as pessoas falarem sobre as coisas santas, escuto tudinho e fico bem quietinha, sou de uma ignorância deplorável, calculando por alto a insipiência, desconfio que, para subir aos céus, vou precisar de descer mil oitocentos degraus e outro tanto, decerto, despencarei sem atrito, queda livre e desimpedida, para quicar solenemente, em seguida, do fundo do poço dos exames de consciência inquieta, buliçosa, arrependida, para a cobertura master do paraíso, aposto minha medula, que sou boazinha de todo, boazinha demais da conta, em praticamente dois terços dos trezentos e sessenta e cinco dias. Além do mais ou menos, certos assuntos, minha senhora, dependendo de como se me apresentem, Virgem Santíssima, eu sofro desse defeito de fábrica, um caso sério, uma temeridade, confesso porque sou esse baú de bocarra aberta: na minha modestíssima, desimportantíssima concepção, ninguém se importa com o meu achômetro, rarará, somente por causa disso - pura pirraça!  - prossigo palpitando, rarará: na minha inútil concepção, se é para o sujeito discorrer sobre as coisas santas, esse sujeito tem de viver pecando, tem de ser pecador igual a mim, pecar mais do que eu até, para acumular bastante conhecimento de causa e efeito, primeiramente. Segundamente, tem de presumir, experimentar e acolher, de frente para trás e de trás para adiante, o lado escuro do ser; tem de, nos dias pares, é claro, perder o norte e a compostura, tem de amanhecer, vez por outra, desolado, deprimido, com o diabo no couro e o ovinho virado, a fim de esganar, sem culpa, o seu amado semelhante, tem de, portanto, inalar o mau cheiro e refletir o lado mais obscuro do ser  – a ambição, a vaidade, a inveja, a aspereza, a preguiça, a covardia, a imensa suscetibilidade da criatura entre reles criaturas, a inconsistência, a perversidade da alma da gente -  terceiramente, o sujeito tem de ler de cegar, ler de tudo que há para ser lido, ler e apreciar o fétido e o feio de assombrar criancinha, ler e consentir, ler e aprender, sem reservas, sem rasuras, sem dogmatismos, tarefa dificílima, a senhora concorda, tem de estudar de perder a beira da pestana, tem de honrar pai e mãe e a nossa Língua Portuguesa, tem de respeitar a ortografia, a gramática, a morfologia, a sintaxe, olha a concordância aí, gente!, o sujeito tem de reverenciar a semântica, as figuras de linguagem, a coesão, a coerência, o raio que o parta, etc. e etc. Morro de arriscar umas fichas, não adianta, não dá pé, nunca consegui disponibilizar tempo, atenção, raciocínio e compaixão para desfrute do cidadão que sequer tente expressar-se com sobriedade, naturalidade, clareza e um mínimo de discernimento. Meus calvos alunos, carequinhas de ouvir, já memorizaram: simplificar a vida é caminhar para o amor. Não enfeite o maracá além da medida, quem não pode com o pote, não pega na rodilha. Com relação à retórica, oratória, eloquência de miolo, de lábios e de falanges, rarará, lembrei-me de uma categoria à parte: os espíritas e suas badaladas psicofonias e psicografias: o palestrante espírita palestra em parceria, idem para o escrevinhador espírita, a senhora analise aí, com um Vinícius de Moraes, um Rubem Braga, sei lá, um Rui Barbosa cochichando na oitiva, quero ver quem não arrebenta, o contribuinte vira o bamba do bambu, pinta a sapequeira, fecha de badoque, rarará... O bom é que dividem-se, assim, as responsabilidades da troça ou do aplauso: metade para o escrevinhador ou o conferencista, metade para o assoprador da novidade... Alivia-se, assado, sobremaneira, o fardo. Noutras desnecessárias palavras, não venhais de ‘seje esperto e esteje atento’, meu pobre coração de melão ensurdece, recrudesce, impando de impaciência, passa a corrente e a chave.
Fofíssimos leitores do meu caderninho de notas, a banda toca desse jeito: apesar do meu indiscutível talento para a redação de singelas belezuras, rarará, e de estapafúrdias tolices, cada escrevinhado ‘itálico’ do blog é da autoria de gente mais sabidinha que eu, combinado? Hoje não ligo a TV, nem mesmo pra ver o Jô. Não vou sair, se ligarem ‘não estou’. Está difícil ser eu sem reclamar de tudo. Se eu tivesse de opinar sobre a conduta dos ginecologistas e dos psiquiatras do planeta, no quesito climatério e menopausa, esclareceria, de uma vez por todas, para que não restassem vestígios de falsas ilusões – uma desumanidade – esclareceria que somos ratinhos de laboratório, cobaias fêmeas expostas à experimentação, esse povo não tem a menor ideia do que vem a ser esse Pokémon, esses médicos estão muito longe de acertar o alvo, de adivinhar o que fazer com esse sexo subitamente vulnerável, fragílimo, desorientado, ensandecido, desamparado. Cada caso é único, afirmam. Sei... O climatério é um mistério ainda por revelar-se em toda sua magnitude, na sua esmagadora onipotência. Nenhum desses especialistas lhe dirá quando e como o climatério vai se manifestar, quais estágios de dor, de angústia, de melancolia, de palpitação, de frio glacial, de calor vulcânico, de asfixia, ele atingirá. De onde emerge? De que forma se instala? Pra que tanta força? Por que pode ser tão devastador, tão confuso? Não existem quaisquer garantias de conforto, de refrigério, não existe prazo para o pesadelo terminar. Um dia de paz? Um fiapo de alegria? Semanas de insônia? Meses de choro convulso? Anos de fadiga, de agonia? Sinto-me outras: diversas alminhas obsessas, réstias encarceradas na masmorra do peito sufocado. Pela tormenta que tenho atravessado, minha senhora, afirmo catedraticamente: não escolha a solidão. Despreze os malas, des-pre-ze, sem possibilidade de reconciliação, despreze de verdade, até o fim do mundo. O mundo é mega-grande. Todos os malas merecem viver, desde que à distância segura, léguas abaixo de você. Converse. Muito. De perder a voz e o fio da meada. Converse com a vizinha, com o poste, com o abajur, com o psicanalista, com as plantinhas de verdade, com as mudinhas de plástico..., converse, principalmente, com os cachorrinhos, excelentes ouvintes de olhar aceso, devotado. Dispense o noticiário e os beijos de língua da novela, o surto brota desses rejuntes mal acabados. Evite aglomerações, pânico e claustrofobia dão a piscadela, de leve, e provocam bárbaros desastres. Conte com um marido amoroso, que tenha culhões para aguentar o tranco e providenciar, sem achaque, o chá de alfazema e as cápsulas de amora. Cerque-se de afeto, de gente maneira, de boa companhia, de amigos de fé. Há amigos leais, quero que creia. Lance mão de qualquer medicação que lhe proporcione um bem-estar ocasional, relativo, as minhas bolinhas para o momento são estradiol e acetato de noretisterona, alprazolam e cloridrato de sertralina. Psicoterapia na veia. Sobretudo, mantenha-se em prece, faça constantes orações, acreditando inteira na vibração, na expansão da sua infinita luz interior, pois que você é um prolongamento dessa explosão de energia cósmica - suprema, maravilhosa, poderosa, abrasadora, restauradora, regeneradora, fecunda, eterna - Deus? Deusa. Deve ser mulher, num duvido nada disso.