‘Vou
te contar: os olhos já não podem ver coisas que só o coração pode entender’. O
povo unido jamais será vencido, aqui é o meu país, como ser feliz em outro
lugar?, coisa e tal, tal e coisa, minha vontade é arrebentar a boca: ‘o tapa estala no balacobaco’. Borbulhas
de bomba, sangria de baba, canteiro de balas. ‘No rala-rala, quando acaba a bala, é faca com faca, é rapa com rapa, e eu
me realizando, bambo’. ‘A multidão
vendo, atônita, ainda que tarde, o seu despertar’. Qualquer escrevinhador
da minha laia, um enxerido de plantão, assim feito a minha humilde pessoa - a escrevinhadeira
inadvertida e despreparada, superficial e genérica, meia-boca, de meia pataca, de
controverso, muitíssimo duvidoso pendor para o medíocre relato dos instantes,
aliás, pretendo chegar mais longe, caríssima leitora habitual, ocasional,
principio a cutucar o cão com a vara
curta, rarará: hiperativa, imperativa, interativa, dirijo-me agora às
castanhas, súbito dilatadas pupilas da senhora, madame, a senhora fique à
vontade, tome um trago, lave os olhinhos míopes e a alma animada! Concedeu-me o
privilégio de visitar meu dengo - o caderninho de notas falsas, justamente
hoje, vez primeira, fodeu! Lá vai a senhora passando a vista grossa sobre o meu
fuxico, já farejando o bodum da baboseira, antecipando tratar-se o fuchique de uma perda irreparável de,
portanto, do seu precioso tempo, Virgem Santíssima, um mundo de obrigações a
cumprir, trinta e duas tarefas urgentes urgentíssimas, inadiáveis com farofa!,
adiadas por causa dessa conversa mole, tem futuro? A senhora sofrendo,
expressando-se a custo, mais ou menos mais para menos, digladiando
cotidianamente com a folha em branco, uma peleja sem cervical, sem sinal de
fim, de esboço de começo, rarará, a senhora perdendo o bonde e a esperança, parindo um reles parágrafo natimorto, se
muito, e por quinzena, rarará, a senhora, cujo chulo textículo jamais fora
pinçado, ao acaso, mera distração, escorregadela, por imperdoável descuido, ‘ops,
tô dentro? Fora engano!’, rarará, do fundo do poço sem fundo de suas mais
nobres intenções, o textículo fora, surpreendentemente!, içado à luz, pinçado pelos
frágeis dedos da doce professorinha da quarta série, para leitura em voz alta,
diante dos coleguinhas de sala, a meninada abismada com a zebra, vamos combinar
que a senhora não junta lé com cré, minha senhora! Tem futuro? Entretanto, eu sei de verde
e amarelo, sei de cor, de cor e salteado, descubro a sensação na vista, no
súbito arrepio dos pelos, no murmúrio extasiado, no soluço, experimento, na rua
das veias, a dor e a delícia de completamente sabê-lo, sei porque sinto igual,
conheço a bruma espessa do seu íntimo desejo de assinar a versão final,
revisada para publicação, do documento: a contundente história da semana e da
eternidade: Terra de gigantes - a pontiaguda
crônica, a narração implacável, catársica, obra completa, definitiva, sumo de
letras honestas, vertidas do seu próprio punho para as mãos espalmadas da posteridade.
Quisera escrevêssemos, madame, quisera... Só que não.
Ao contar o conto, cuide de aumentar um ponto. Retornando
à vida real, depois da lua de mel dos sonhos de qualquer casal apaixonado, a
esposa devotada entregou ao marido amantíssimo uma pequena caixa, rogando-lhe
que a mantivesse consigo, mas sem abri-la, nunca de núncares, em hipótese
alguma, pois que a caixa continha um enorme segredo, algo que ela preferia
nunca ter que revelar-lhe. A caixa foi morar no abismo do guarda-roupa e o mundo pião gigante foi rodando, logicamente... Reza a lenda que, passados sete anos da solicitação
inusitada, o marido amantíssimo, naquela manhã, sucumbiu, enfiou o pé na jaca, “quem
diabos liga!, ela não teria resistido sete minutos, ora bolas!” Dentro da
caixa, adivinham? Dentro da caixa, sete ovos de galinha e cinco mil reais. “Que
porra é essa? Pois ela que me explique direitinho tamanha maluquice!” A dona
esclareceu tudinho, contrafeita, a dona tinha aquela esperançazinha da conversa
acontecer muito mais tarde, talvez jamais precisasse abrir o jogo, participar a
ele o que, anos antes, decidira. Os acordos são assim, lavrados no cartório da
consciência: metade seu, metade do outro. Fazer valer, fazer valer a pena, é
que são elas. “Querido, cada ovo nessa caixa representa um descontentamento,
uma indignação, uma grande mágoa que me provocaste, desde que nos casamos.” O
marido exultou, obviululantemente. Apenas um vacilo por ano, a senhora
concorda, é uma média excelente! “E de onde vem esse dinheiro, Maria?” O
dinheiro... “É o seguinte, João: cada vez que os ovos inteiram uma dúzia, eu
aproveito e vendo, daí vou guardando, na mesma caixinha, o dinheiro. Vou, dessa maneira, fazendo a poupança, para uma eventualidade.”
‘Atirei
uma pedra na sua janela, uma que não fez o menor ruído, não quebrou, não
rachou, não deu em nada, e eu pensei: talvez você tenha me esquecido... Eu só
não consegui foi te acertar o coração, porque eu já era o alvo, de tanto que eu
tenho sofrido, aí nem precisava mais de pedra, minha raiva quase transpassa a
espessura do teu vidro’. Cada um responde à mágoa infinita, é mágoa de mim, de ti, da humanidade, cada bicho triste responde como pode,
conforme sua índole, sua individualidade, sua identidade privada, pública e
coletiva. A nação também tem seu umbigo, ninguém duvide. Há quem faça da mágoa um amorzinho gostoso, o sofrimento nutre tantas almas desamparadas... Há quem faça bolinho de chuva, há quem faça caridade... Há quem faça amor
fingido. Há quem faça pouco, há quem faça um mar de atrocidade. Tem gente que faz nojo. Tem gente que faz gosto a gente ver fazer política limpa... da mágoa. Tem gente dando nó no pingo d’água, meu camarada, tirando leite das
pedras do chão da praça. Tem gente que faz ouvido de mercador, tem gente que faz
chacota, tem gente que faz miséria, tem gente que faz fortunas ilícitas, manchadas de vergonha... Tem
gente que faz de conta, tem gente que faz pirraça, tem gente que faz total, tem gente que faz partido, tem gente que faz de graça, tem gente que faz silêncio,
tem gente que faz estrondo, tem gente que faz semente, tem gente que faz sentido. Movimento. Alavanca. Faça. Minha pátria virou catavento, um catavento... Última forma, espero. Seguiremos de mãos dadas,
caro leitor, distraídos e atentos, a revolução do nosso tempo, passo a passo, no breu do asfalto, inscrevendo-se. Para onde? 'Pra onde tenha sol'. A manhã tem mais Brasil. Até logo, companheiros. ‘Toda fita em série, que se preza, dizem, reza, acaba sempre no melhor
pedaço’.