Pesquisar este blog

segunda-feira, 29 de abril de 2013

A filha do teatro

Minha mãe tomava um remédio, o último do dia, à noite, existia essa doce rotina ursinhos carinhosos, lá em casa, o carinho de adentrar os aposentos do casal, tantas explícitas demonstrações de amor imenso flagrei, sem querer, ali, meu pai e minha mãe nem se importavam de esconder dos filhos as carícias – uns devassos! – ficavam de namoro horas esquecidas, colados, aninhados, engatados, a porta escancarada para quem quisesse ver, nunca me esqueço, meu pai e minha mãe viviam num chamego de dar inveja, pegação, cheiro e amasso, cafuné do bom que só, graças a Deus, meu Deus, lição de fazer amor no aconchego do lar, lição de que eu nunca me esqueço. O carinho de adentrar os aposentos do casal, com pés de lã, acordar Dona Rita com desvelo infinito, devagar, tão suavemente, isso bem depois das onze horas, Mainha assistia à novela das nove, depois se recolhia... Daí, mais tarde, era despertada por Iêda, minha irmã mais velha, mamãe Iêda, a grande mãe de todos nós, Iêda nunca se casou, nunca constituiu família, nunca pariu, engravidou uma vez, enfrentou um aborto espontâneo, passada dos quarenta anos já, parece que foi desse jeito, foi-se o mel e o miúdo: seu único filho, um homem, um moleque que se chamaria Maurício, o menino Maurício, sabe-se lá por quais cargas d’água, não vingou, Maurício caiu do galho, deu dois suspiros, depois rumou confuso para os lados da eternidade. Como de costume, Iêda preparou o chá, pegou o comprimido, atravessou, pé ante pé, a penumbra, a espessa, turva cortina do silencioso quarto, alcançou a mão delicada, tocou Mainha de leve, cheia de cuidados: “Mãe, o chá. Olha o remédio.” Mainha não se moveu, não abriu os olhos, só o que me cega, o que me faz infeliz, é o brilho do olhar que eu não sofri. Mainha partira minutos antes, o corpo inerte, ainda fluido e quente, esclarecia. Mainha andava tão cansada do pesadíssimo desfalque, de insistir na vida dura sem Seu Biu, Mainha resistira pouco mais de um ano, tempo muito além do suficiente, no seu entendimento, amargando saudade feito uma condenada, súbito subtraída do vigor daquele braço, Mainha partira, serena, para encontrar seu marido, decerto, Mainha nunca mais nos veria. Achamos que houvesse ocorrido um desmaio, uma perda momentânea dos sentidos, quando se trata de tatear no breu aquele vão onde outrora o colo da mãe florescia, os filhinhos são assim mesmo, envelhecem crianças, tadinhos, estúpidos, birrentos, malcriados de carteirinha, tolinhos demais, pateticamente despreparados para o inevitável rompimento... Minha senhora, escreva o que lhe digo: é choque, espasmo, abismo, magma de agonia que jamais escorre para desaparecer no ventre da terra, a lava empedra, sei lá, esfria, vira um cálculo machucando as vísceras permanentemente, impiedosamente, nenhuma força do universo suplanta o abandono semeado pela ausência.
Dona Rita me deixou no vácuo, justamente quando reinventávamos, a nosso modo, a velha brincadeira de brincar de mãe e filha, a senhora que me prestigia desde o início, pelo que, humildemente agradeço, comovida, a senhora está careca de ler, em doses homeopáticas, retalhos desse assunto, aposto que já leu a respeito das irmãs adultas  tomando conta da minha infância, no revezamento quatro por quatro do papel principal. Dona Rita assistiu ao meu desenvolvimento, à minha formação, na geral do mambembe teatro, acomodou-se como conseguiu, no fundão da arquibancada, à distância bastante segura do gargarejo; Dona Rita quis que eu usufruísse do melhor que há: muita instrução, a devida orientação intelectual, moral e psicossocial das doutoras do pedaço. Minhas irmãs pintaram miséria, fizeram muita algazarra com a menina maluquinha – do show a protagonista, o macaquinho de circo, a boneca gorduchinha sabidinha da silva, precocemente amadurecida, de carbureto, abrilhantando o espetáculo da mansão dos horrores. Certa feita, deslizando aqueles dedinhos de anjo, alvíssimos, enrugadinhos, entre os meus cabelos, Dona Rita me confidenciou um segredo, a revelação redentora, a frase que realinhou as órbitas do planeta, o solto som que definiu o tom do mosaico, fundindo em mim as dezoito faces de uma pobre alma estilhaçada: “eu devia ter criado você, minha filha.”  
A recente temporada de A filha do teatro, em Recife, foi um sucesso. Se não foi, deveria ter sido. Sob a direção sensível, minuciosa, profundamente eficaz, de Toni Rodrigues (um astuto profissional de teatro!), Bruna Castiel, Sônia Carvalho e Manu Costa, as belas mulheres atrizes da peça, transformaram o ríspido texto de Luís Reis – uma parada tensa, obtusa, uma grossa camada de tecido adiposo, um texto desses do sujeito perfurar à peixeira mesmo - numa máquina de promover pouco riso e muito pranto, a partir das importantes reflexões propostas acerca da arte de representar, do claro do palco à sombra da coxia, com os refletores iluminando cada pormenor da dor e da delícia de se ter, de se perder, de se requerer o sacrossanto direito de ser mãe, assim como o intransferível direito de ser filha da mãe. Eu conto com a sorte de não fazer da crítica o meu ofício, a minha pessoa seria de uma incompetência de viver desempregada, aposto; não entendo neres de pitibiriba dessas coisas de encenação, muito menos disponho de isenção, da devida imparcialidade para tanto. Envolvi-me com o bagulho até o pescoço, o bagulho é de primeira, asseguro: uma lição de amor, pena que sou suspeita. A senhora acompanhe o meu raciocínio: Manu Costa é Manuela, minha sobrinha amada, minha afilhada, eu batizei essa guria, conheço os becos, os desvãos, madame, a raiz da sua tristeza e da sua alegria. Toni namorou meu sobrinho, convivia conosco em casa, é uma criatura tão querida, além do mais, eles são melhores amigos até hoje. Luís Reis é Liguto, dramaturgo, jornalista, um professor de Inglês com pedigree, Liguto assumiu as minhas turmas na Cultura Inglesa, em Casa Forte, quando me mudei para Petrolina. Depois trabalhamos juntos, Liguto foi meu coordenador na Cultura Inglesa do Espinheiro, éramos unha e carne, até eu decidir vir para o Rio de Janeiro. Um belo dia, a gente teve um arranca rabo de rachar o quengo, ele estava irreconhecível naquele belo dia, alterado, transtornado, cuspiu-me impropérios duríssimos, feito paralelepípedos, no meio da cara, pareceu-me ciúmes, não sei, nunca vou compreender, bati a porta, na ocasião, sumi no mundo, nunca mais olhei para trás. Só uma coisa me entristece, a briga de amor que eu não causei. Desejo que a gente sequer se esbarre por aí, do contrário, vou ter de feri-lo fundo, mais ou menos na mesma medida. Encerrada a apresentação, fui cumprimentá-los – Toni, as meninas – ao abraçar Manuela, desabei: uma cascata. Chorei sentida, chorei sentido, meu choro convulso, desatinado, chorei de arrebentar, as lágrimas encharcando a sua negra fantasia. Tanto quis falar, mas não falei, desconstruída de soluços. Só uma palavra me devora, aquela que meu coração não diz.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Tequila

Os momentos bons, as horas más, que a memória coa... Inesperadamente, a memória acende e acode, fato: a mais pura, bucólica verdade. O acidente de trânsito suscita uma lembrança quente. Acabo de me lembrar do comentário de Seu Biu, meu pai amado, idolatrado, salve, salve!, naquela tarde azul esverdeada do bairro dos Aflitos (Recife tem um arborizadíssimo, simpaticíssimo, charmosérrimo bairro chamado... Aflitos, acredita?), a caminho do consultório médico, meu pai, bastante doente naquela época, tinha hora marcada com um cardiologista, na falta de alguém mais tarimbado para assumir a importante tarefa de ‘conduzir Miss Daisy’, rarará, naquela base do ‘só tem tu, vai tu mermo, ué!’, existem empreitadas das quais, não importa o quanto o sujeito peleje, não adianta, o sujeito não escapa de jeito e maneira. Mister esclarecer, minha senhora, sem mais delongas, o seguinte: eu sempre tive um receio danado de assistir Painho nessas horas, uma insegurança do cão, o retrato da paúra quando o cara se prepara para dar a cara à tapa. Ocorre que lá em casa tem doutor a rodo, doutor de grife, com pedigree, balaio cheio, rarará, doutor saindo pelo ladrão, os alvíssimos jalecos toda vida tremularam no varal, ao sabor da brisa amena do quintal da minha pálida infância, a gente os meros mortais da Terra, portanto, padece dessa aflição de ser pequeno, de não dar conta de uma emergência urgente urgentíssima, a gente teme o vexame de sofrer o lapso, o súbito branco gelo no juízo, justamente na hora agá, ante o ataque, o talho, a convulsão, o desmaio, o raio que o parta, a gente se julga incompetente até para respirar, que dirá para uma massagem cardíaca, não sei não, no calor do susto, meu camarada, eu não consigo mexer o mindinho para acionar uma ambulância, um pronto-socorro, aposto minha retina. Dentro da minha cabeça, desde sempre, sei lá por qual razão do miolo mole, incrustou-se a eloquente certeza de que qualquer semianalfabeto de meia pataca estaria mais abalizado a levar a termo, mais ou menos a contento, a relativamente simples missão de dirigir para o seu genitor acamado. Por cima da queda, meu amigo, prevalece é o coice de uma jumentice ocasional, a gente pode emburrecer por um instante, de nervoso, ficar ali com cara de besta, entendendo somente mais ou menos mais para menos o palavreado complicado do especialista, uma aflição, ‘como é que eu vou reproduzir, tim tim por tim tim, essa complexa conversa, meu Deus?’, logo eu! Deus me livre. Antes que me esqueça completamente do comentário, enveredando afoita pela perna do pato, minha senhora, ando distraída de dar pena..., sob o céu daquela distante tarde azul clorofilada, no coração de um solene engarrafamento, Seu Biu disparou o elogio à minha direção defensiva: “Adriana, você dirige muito bem. Cuidadosa, sem alvoroço... Você está dirigindo muito bem, minha filha”. Em Recife, minha senhora, eu tinha a leve desconfiança. No Rio de Janeiro, minha senhora, ninguém duvide, não há quem dirija melhor do que eu nessa espelunca.
Meu irmão morou no Rio de Janeiro muitos anos. Aprendeu toda safadeza, irresponsabilidade, imprudência e outras milongas mais, com o ‘descolado’ condutor carioca - cariocas nascem bambas, cariocas nascem craques, cariocas não gostam de sinal fechado - apinhou todas as lições de malandragem no saco, arrastou o maldito acervo de volta para casa; Ivomar, ao volante, parece pilotar um avião, minha cunhada, coitadinha, vive sobressaltada, à base de calmante, queda-se paralisada ao lado dele, não é moleza a pessoa atravessar o asfalto como quem, súbito, decola, expande as asas altaneiro, segue a toda, vencendo o tempo e cortando o espaço. Sinto na pele a agonia, conheço o drama, Ronaldo é um motorista talentoso, agílimo, muitíssimo experiente, tal e coisa, mas apresenta o mesmíssimo arrogante cacoete dos demais compatriotas: por cima de pau e pedra, Ronaldo precisa chegar antes do resto da humanidade, ponto final do último parágrafo. Coisa de babaca, babaca de carteirinha. Jamais terei condição intelectual e psicológica de assimilar tamanha babaquice. Meu calhambeque, o glorioso Pelomeno, foi brutalmente atingido por um ônibus, isso para as bandas de Niterói, não faz muito tempo. A traseira ficou um maracujá de gaveta, a porrada foi violenta, procuro ainda compreender como e por que sobrevivemos, sobretudo isso: por que sobrevivemos? Velocidade demais, audácia demais para quem anseia do futuro algum presente. Penso que foi livramento, um milagre de Seu Biu, certamente, Seu Biu, depois de morto, virou esse poderoso anjo da guarda da gente. Ganhamos uma segunda chance. Seu Biu salva e acabou-se, você que decida como tocar o bonde daí pra frente. Para não dizer que não falei das flores, machuquei o joelho, uma bobagem, super superficialmente. O motorista do ônibus também vinha apressado pra tirar a mãe da forca, claro: ele é carioca, ele é carioca, basta o jeitinho de ele andar...
Meu primeiro veículo automotor foi o busão nosso de cada dia, rarará. Éramos tão íntimos, que eu o considerava todinho meu, rarará. Estudei e trabalhei, anos e anos a fio, montada num Gol: grande ônibus lotado. Meu segundo automóvel, rarará, adquirido a custo, com o suor do meu emprego, chamava-se Silva, era um Palio prata, bonitinho e possante, conservadérrimo, PRATA = SILVER = SILVA, rarará. Esse Uno é, portanto, o meu terceiro carro, o primeiro zero quilômetro da minha vida de pobre, rarará, daí o nome de batismo dele: Pelomeno = PELO MENOS, é zero, rarará. O quarto é consequência da culpa, suspeito, um pedido de desculpa, um remorso salobro, um profundo arrependimento, espero. Meu marido me comprou um Jac 3 novinho em folha, o bicho vai sair da concessionária para a mão daquela que ora lhes relata o acontecimento. Prego batido, ponta virada: esse vai se chamar Tequila, por causa daquela música bacaninha do Skank: seu nome é Jackie Tequila, rarará. Escolhi o nome principalmente pela assombrosa circunstância na qual ele cruzou o meu caminho (um cálice, sal e limão, por gentileza, para ontem!!), para ser um membro da família, oxente! Aprenda uma lição, assíduo leitor da minha incondicional preferência: há coisas no correr dessa nada mole vida, que, para uma pernambucana naturalmente desacelerada suportar, só bebendo! Só bebendo!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

As cicatrizes da vida

Acho que amanheci kitsch, parece que é assim que o povo sabido fala. Kitsch de crachá de otária, de carteirinha devidamente revalidada, válida por mais trinta e poucos anos, talvez nem isso, nesta nada mole vida, morre-se tão inesperadamente. Oversentimentalismo babaca, à flor dos pelos eriçados, sentimentalismo redundante, espalhafatoso e sem critério: sentimental eu sou, eu sou demais; sentimental, sentimental, um coração saliente: os incomodados com a cor da fita, minha senhora, eu já cansei de aconselhar, os incomodados, que se mudem daqui para uma pacífica freguesia, meu caderninho de notas, hasta ahora, sobrevive de estremecer, atormentado.  Era uma vez o tempo dos pardais, de verde nos quintais, há muito tempo atrás, quando ainda havia fadas... Era uma vez, num pobre país remoto e impreciso, uma pobre mulher lanhada de abandono e sofrimento, uma mulher estupefata, pasma de espanto, ante o fulgor azul de seu próprio despudorado sentimento, era uma vez uma mulher acabrunhada da vergonha de sentir tamanho sentimento. Adriana perdeu, muito recentemente, o seu mais devotado parceiro. No sumidouro do espelho, o bloco dos Napoleões retintos botou logo pra quebrar, evoluiu a toda, defronte a sua janela, levantando a massa, seduzindo os pares, ostentando alegorias impossíveis de um fragílimo cachorro bom de samba ignorar. Era dia de carnaval, galera!, não houve aquele que contivesse seu fidelíssimo companheiro; bem mamado, bem chumbado, atravessado, o grande Nhafas acedeu, pudera: espanando a rabichola pelo meio da cidade, foi por aí, cambaleando, se acabando num cordão, o reco-reco na patinha para o alto: ‘Napoleão, o breve’ partiu, de vez, para as bandas do insondável mistério da eternidade. A nobre dama da noite permanente venceu, desferiu sobre o indefeso corpinho a austera e reluzente foice laminada. Subitamente, Napa morreu. Prematuramente, Napa morreu. Irremediavelmente, Napoleão Bonaparte morreu. Não me concedeu um instante sequer, de sua existência de bicho feliz, para me fazer feliz também, feliz por um momento. Se eu tivesse mais alma pra dar, Isadora, eu daria. A dor debocha da suposta superioridade da espécie humana, da racional presunção da gente, pois a gente, madame, a gente é de uma arrogância sem limites e sem medida. A dor machuca feio, a dor golpeia sujo demais, a dor amputa os seres na raiz da coxa, a dor nivela os desiguais por baixo, quedamo-nos aflitos, todos da mesmíssima estatura da minhoca tísica cheia de tosse, é desse jeito. Em situações extremas, na hora da fratura exposta, o sangue jorrando, escorrendo, minha senhora, quero ver o sujeito apostar as fichas nos Árticos, na ponderação, na sobriedade. Eu penso que todo caçador tem seu dia de caça, tudo é questão de desesperar no melhor estilo, sem se incomodar com a língua ferina, com disparatados julgamentos, até porque a dor interdita os canais do pensamento, quem nunca soube, deixe estar, saberá. Com o músculo involuntário a ponto de rebentar, há que se contar com o coração comovido de outro homem, para um homem consentir, perante os presentes, no calor do colo amigo, para um homem consentir em desmoronar. Nicolau bate um bolão, no segundo tempo da prorrogação, uma coisa impressionante. Meu adorável ancião adoeceu essa semana, ficou bem ruinzinho, muito, muito debilitado, foi internado, vi a morte rondar as ancas do meu cachorro, vi de pertinho, em cima do meu nariz, padeci feito uma mãe desconsolada, à beira do leito de seu menino moribundo, mais ou menos isso. Eu perdi o prumo, descompensei como qualquer dono de cachorro tem direito adquirido de descompensar, merece descompensar: é um turbilhão de afeto, de compaixão e de pavor, não dá para um ser humano segurar. Surpreendentemente, Nicolau, once again, resistiu. Ele sobrevive de amor, não há por que duvidar. O meu amor, o amor de Ronaldo, o amor de Valentim – o irmão dedicado e aflito, os olhinhos grelados, fitando a porta, aguardando, aguardando, aguardando dia e noite, o seu irmão retornar. Nicolau sobrevive do amor de Dr. Cícero Geraldo, seu cardiologista, um veterinário como poucos, meu Deus, as desastrosas experiências já vividas aqui, me conferem autorização para afirmar: nessa área, Cabo Frio é um balaio de egos inflados, os donos do mundo e da verdade exercem pessimamente o seu sagrado ofício em Cabo Frio, são profissionais gananciosos e incompetentes, tão pedantes quanto incapacitados, uma lástima. Dr. Cícero é um sonho de gente, um transbordamento de otimismo e de solidariedade sobre a minha cabeça, quando meu desejo mesmo é só morrer de chorar. Foi Dr. Cícero quem me deu o tom dessa historinha. Em consulta, enquanto realizava o exame, ontem, de repente, poetizou: “o pulmão de Nicolau tem as cicatrizes da vida, Adriana. Não é, meu velho Nick?” Disse isso e acarinhou Nicolau, com tanta ternura, sinceramente emocionado. Muito obrigada, doutor. Vem da sua digníssima atitude a certeza absoluta de jamais abandonar esse animal, como você mesmo diz, maravilhoso, um animal extraordinário. Prometo acompanhá-lo doravante, Niquinho, cada um de seus lúbricos, lentíssimos, hesitantes passos; prometo amparar sua velhice na nuvem do meu regaço, vou cercá-lo de cuidados e denguinhos, meu querido, para sempre, até o fim.
  
Toda sua, Cícero, toda sua.