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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Fototropismo

Entabular dois dedos de prosa com o gigante Bruno é sair da sessão, frouxa de rir, Bruno é um chafariz de pilhéria. Arrasto um transatlântico por quem se diverte me carregando junto, Bruno é assim: leva para a gafieira, paga o gim, convida para uma contradança, nem titubeio, entrego-me corpo e alma ao rodopio, adoro. Bruno, dia desses, com aquela raiva do cão, o tinhoso escanchado no pescoço: - Que foi, cara? - O satanás nos costados! - Quem é esse na tua nuca, Bruno? - Pergunta a ele, ora! - Quem é tu, malvadeza? - Legião, porque somos muitos!! Sensacional, diga a verdade, rarará. Tenho para mim que essa legião aboletou-se foi no meu cangote logo cedo, amanheci transtornada de dor, do porão à cumeeira, Dona Rita minha mãe diria ‘intiriçada’, Mainha comeu o pão que o diabo amassou, problema na coluna, coitada... Sofreu feito sovaco de aleijado, nem gosto de me lembrar. Like father, like son, igualzinha a ela, completamente ‘intiriçada’, hoje, por causa do que sinto na pele, compreendo. Estou dura, inteiriçada, de fato, a espinha dorsal virou peça inteiriça: tesa, grave, entrevada. Inventei de sair de casa de qualquer maneira, olhar o mundo, mostrar a cara na confraternização do trabalho do meu marido, deu-se a merda, olha aí o resultado: uma espada fincada no lombo ofegante, desse jeito.
Soletro a pergunta estampada nos cornos da leitora: foi arrumar o que na rua, perua? Claridade. Da lua, dos barcos, dos postes, dos semáforos, dos prédios, dos faróis de milha, das retinas embriagadas de cerveja e amizade, das auras iluminadas. A sensação é a de plantinha abafada num cubículo escuro, os raminhos contorcionistas farejando um orifício, luz, quero luz, vislumbro palcos azuis além da fresta. Essa indefinição sobre o mal de que padeço, o cenho franzido do reumatologista, tanta anamnese, cada exame parindo um novo exame, recomendações infinitas: não corra, não salte, não ande, não nade, não pense demais – dias de noite interminável.
Varri o asfalto quente do Rio de Janeiro, São Sebastião à proa, abrindo picadas, eu capengando atrás, catando um Centro de diagnóstico que realizasse o tal teste de que jamais ouvira falar, ao longo desses meus quase cinquenta anos de nada mole vida. No fim do túnel dos desesperados, Dr. Sérgio Franco acendeu, salvou a pátria encurralada, coice indefensável por cima da queda, sobrou pra mim o bagaço de pagar do bolso, agora é aguardar a notícia, o furo de reportagem do dia 17. A ressonância ficou para segunda, a tomografia, em seguida. Fui também alertada quanto à biopsia, o próximo passo. Dias cheios, colega. Noite alta e turva, interminável. Os reveses orientam a dança dos galhos longe do breu, mais perto do sorriso. Sem querer, sem perceber, importa mais o amor em paz, o sol, a água da bica. A gente vai descascando, despe-se das convenções, dos rótulos, das crostas, a gente deixa de lado o que não é – a morte, o caos, o batom, o bracelete, piercings e ressentimentos, as superficialidades, as necessidades quiméricas, voltando os olhos e a carne para o que faz íntimo, profundo sentido pessoal. Porque não existe mesmo possibilidade de retorno, contra a corrente, inapelavelmente, engolindo sal, flor e cascalho, prosseguimos. Tudo passa, ninguém duvide. Há um cais de porto pra quem precisa chegar.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Flor de humanidade

Perder-se também é caminho. Dois meses ensaiando sobre a cegueira, o beiço da bengala abalroando jalecos diversos, de todas as fragrâncias. Para quem escolhe ficar doente, adoecer é um bocado complexo, pau de dar em doido, madame, um legítimo atrevimento. Em Cabo Frio então, meu camarada, puta que o pariu, nem tente. Longe do meu interesse, Deus me guarde, cansar o leitor amigo com essa lengalenga não vale a pena, coisa mais enjoada esse papo furado de enfermidade. A questão é que tem dia somente salvo pela palavra, quando o silêncio é suicídio, hoje necessito falar. Faz uma eternidade que me queixo, para os ouvidos moucos dos médicos desse paraíso tropical, a respeito dessa fadiga generalizada, uma vontade de deitar e morrer, impotente para vencer um lance de escada, sinto uma exaustão esquisita por dentro do organismo, um esgotamento completamente injustificado, vamos combinar, a senhora e eu sabemos que o antônimo perfeito de atleta sou eu mesma, pois muito bem, a minha pessoa anda afônica de tanto reclamar, a recomendação unânime repetindo-se, repetindo-se, como num disco riscado, os doutores locais me mandando combater o sedentarismo, tem que malhar, tem que correr, tem que suar, vamos lá! A desgraça da academia, aquela invenção de belzebu, se serviu foi para machucar, com requintes de crueldade, o frágil corpo e a alma atormentada. Antes de fechar os primeiros noventa dias, conquistei o extraordinário bônus master plus turbinado de braço, perna, pescoço e sossego irremediavelmente bichados.
Vagando devagar por vagar, encontrei Dr. Luís Octávio, que, obviamente, não quer tomar conhecimento do meu pequeno plano de saúde: a consulta mais bem paga da minha vida. Não me pareceu mercenário, pelo contrário. Reivindica o preço justo, concedeu-me um desconto significativo, uma meia para professorinhas desatinadas. Que venda competência e talento, e saiba cobrar. Que atenda de graça quem não pode lhe dar um tostão. Que mande a Unimed às favas, é isso. Luís Octávio, uma flor de humanidade. Um profissional experiente, criterioso, atento, responsável e amoroso, cheio de tempo livre para o paciente. Desde que nos conhecemos, esse homem simples de doer vem debruçando-se sobre o meu problema com um desvelo impressionante, observando, escutando, anotando, investigando possibilidades, requisitando testes que jamais supus que houvesse, numa prova inequívoca de que a morada de Deus é o nobre coração desses anjos da cidade. Já descobrimos que há um processo inflamatório muscular severo, além de uma neuropatia ainda em fase de análise, parece que estamos bem perto do diagnóstico, assim seja.
Amanheci grudada no telefone, confabulando com as atendentes dos laboratórios do Rio de Janeiro em peso, tentando conseguir informações acerca de uns exames bem específicos que devo realizar o quanto antes, uma frieza absoluta no tom da voz, uma rudeza, uma falta de tato, a leitora já reparou que sandice, como as pessoas do mundo ignoram a própria natureza enquanto se comunicam? Gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente. Nos dois primeiros lugares, bem famosos, por sinal, a interlocução deu-se com androides, acho, não é possível que aquelas moças reconheceram-se gente, gente conversando com gente, enquanto a gente procurava se entender, misericórdia. A gente quase se desculpa pelo transtorno de ligar solicitando que a sujeita faça o serviço devido, o que ela tem obrigação de fazer, sinceramente. Oh, meu grande bem, pudesse eu ver a estrada, pudesse eu ter a rota certa que levasse até dentro de ti... No laboratório Dr. Sérgio Franco, entretanto, trabalha um ilustre querubim desconhecido, chama-se Giovana, Gyovana ou Giovanna, quem sabe, rarará, uma doce menina solidária cheia de bondade na veia e de tempo livre para o paciente que nunca viu mais gordo. Você não aprendeu essa disponibilidade e essa gentileza com seu chefe, querida. Costume de casa vai à praça. Trata-se de berço. Boa educação. Jovem flor de humanidade, força nenhuma no mundo interfere sobre o poder da criação.

Para Giovana, que jamais lerá o que escrevi.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Patchwork

Deveras importante, here there and everywhere, a pessoa enfiar o pé na jaca das inverossimilhanças, rarará, três vezes por ano é a medida certinha da capricorniana formiguinha diligente com a maior dificuldade no quesito perder tempo, respaldo e linha. A senhora veja agora, por exemplo, agora a contribuinte inaugura um jeito novo de bolinar as dadivosas teclazinhas, rarará, decidi digitar uma historinha desse jeito mesmo, nessa posição inusitada, em decúbito dorsal, rarará, contando, ninguém acredita, o notebook assentado em cima do buchinho amplo, inação in action, lombeira elevada à décima potência, só Jesus aniversariante para avaliar direitinho aonde vai dar essa marmota. As férias natalinas me sorriem, sorrio de volta, presinhas serelepes, claro, exercito todos aqueles não sei quantos músculos smiles e só, minha simpática leitora mais livre e solta a cada passo, a senhora aguardando imprevistas lições de vida, buquês de graça e de originalidade, a senhora dando um quarto ao capeta para surpreender-se e agitar-se, vire a página, madame, blog bacana não falta. Não trair, não coçar, não mover a palha: tudo que o indolente fuchique da minha predileção tem para o momento.
Quem quiser arrastar um trem por essa balbúrdia shopping center, existencial e metafísica de fim de ano, fique à vontade. De minha parte, escolho fevereiro. Fevereiro é trapo e farrapo na pipoca, o sujeito vai como pode, já caiu na real, percebeu que vestir azul não mudou a sorte, rarará. Fevereiro é fantasia com dinheiro ou sem dinheiro. O carnaval é a maior caricatura. Na folia, o povo esquece a amargura. Dezembro é foda, cara. A gente se descuida e entra nessa paranóia consumista, é a praga do amigo-secreto, é confraternização até com a megera domada, uma lembrancinha para o vizinho, um mimo para o porteiro, champanhe até para o bispo, o décimo terceiro gasto em julho abre um rombo formidável no orçamento da brasileira, o réveillon é passando o ferro na velha, fala a verdade, que a gente rompe é devendo o mundo e o fundo das calças. Ademais, todas as extraordinárias New Year’s Resolutions do passado transferem-se once again para adiante, uma patifaria, uma coisa patética.
Um filme na cabeça, nem finja larita banana frita que não é consigo. Aposto os olhinhos míopes que a gatinha definha, esquarteja-se de curiosidade, roendoasunhasmente, rarará, vigiando os melhores lances do fuxico-retrospectiva 2013 da escrevinhadeira. Meu grande amigo Bruno entende bastante de astrologia e cantou a pedra: os capricornianos ressurgirão das cinzas em 2014. Retalhos para uma colcha, não estivesse de recesso. In a few words, nenhuma cabrita do planeta conta mais do que eu com a promessa desse tal renascimento, a senhora pode confiar. Morri inúmeras vezes esse ano. Mortes morridas e mortes bem matadas. Para aprender a lidar com a menopausa, expirei, extingui-me. Morri de dor, de frio, de fome, de medo e do mais agudo desespero. Morri da incerteza do que me debilita a força nas pernas. Morri de susto. Morri de raiva. Morri de saudade. Morri de tristeza. Morri de desapontamento. Morri de ingratidão. Morri da injustiça do mais cruel, covarde e absoluto silêncio, quando a palavra parceira, clara e bruta, haveria de salvar a minha pobre humanidade. Morri de paixão manifesta, desmedida e tão mal cuidada, interpretada e correspondida. Morri de impetuosidade. Morri de arrependimento. Morri de tédio. Morri de sono. Morri de vergonha. Morri de calor. Morri de asco. Morri de abatimento. Morri de gás. Morri de carinho. Morri de atenção. Morri de solidariedade. Morri de companheirismo. Morri de prazer. Morri de beijo. Morri de esperança. Morri do sublime amor por que ainda insisto em seguir vivendo.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O grito do silêncio

Estive no centro da cidade, fui pagar umas contas, que o bicho deu cachorro em setenta, mas não consegui fazê-lo pela internet, um aborrecimento com farofa de chute no saco, fala sério. Dependendo das fases da lua, a internet vira uma mão na roda ou na guilhotina, sinceramente. A bordo do nosso lindo balão azul, todos os companheiros de viagem, do rodapé à cumeeira, necessitam de um dia de descanso, isso sem contar com o sabadão de Luciano e o domingão de Fausto Silva, continuamos muitíssimo bem arranjados com a arguta programação televisiva, hein, moçada? Fala sério! A tripulação carece de um dia de descanso, entre o jiló da segundona e o caramelo da sexta-feira abençoada, a intrépida escrevinhadora de babaquices aleatórias carecendo três vezes trinta mais de que todo mundo, rarará. A minha folga sagrada, nem me lembro se já comentei a novidade nesse modesto veículo (o comboio dos sonhos, rarará!), a minha folga sagrada que mamãe beijou vigora agora é às quintas-feiras, aventurei um pedido tímido, na linha equilibrista vai que cola, carambola. Um murmúrio simples desculpando-se inteiro, um breve sopro acabrunhado, praticamente afônico, desesperançoso de lucro, de um reles indício de pequeno êxito, rarará, quando vi, menina, foi a chefia imediata, de imediato, acatando, rarará, a senhora veja. Quem não arrisca, não petisca, a minha espada e a minha bandeira. Somewhere in my wicked and miserable past, there must have been a moment of truth! Somewhere in my youth or childhood I must have done something good! Parece que mereci, quem assistiu à Noviça Rebelde dezessete vezes, feito eu, rarará, entende perfeitamente a inserção dos versos entre as pedras do caminho.
Novembrou, madame, danou-se. Pelas minhas contas, falta mais de mês para a festa, o Natal dos outros, entretanto, tenho de mim para comigo, vai acontecer bem antes. O contribuinte acelera, atrasado. A população do Rio de Janeiro concentrou-se em Cabo Frio. Ardendo em ruído e pressa. A gente não para, a gente não anda, a gente não ouve, a gente não se compreende, uma coisa de doido, o vendedor comunicando-se num dialeto diferente do da gente. Doze estrangeiros por metro quadrado, aquela Babel desordenada, em traje de banho, Lojas Americanas, meu camarada, rarará, galego no calor da sucursal do inferno, balbuciando grego e esturricando. Abri a porta de casa, a vista enevoada, os pés e o miolo mole latejando, uma dor de cabeça de anteontem, cheguei tonta de urgências alheias. Encharcada de suor... e cansada. Primeiro, não havia nada, nem gente nem parafuso, o céu era então confuso, e não havia nada.  Era doce aquele remoto tempo, mano Caetano. Quisera.
Definitivamente, antes que fosse efetivamente tarde demais, percebi que envelhecer requer, sobretudo, calmaria, taciturnidade. No templo do silêncio, reverbera o eco das lições aprendidas e desperdiçadas. Os mortos cochicham os grandes segredos de família, no escuro do silêncio. A alma resgata a infância triste, a juventude afoita e obtusa, a maturidade intermitente, no coração do silêncio. Todas as vãs realizações, todos os plenos fracassos conspiram no silêncio. As recordações dos antigos retratos adornam as paredes do silêncio. As chagas, as cicatrizes, o perdão e o esquecimento palpitam no silêncio. Silêncio sonoro. Silêncio manifesto. Bloco de silêncio onde anoto ilusões de paz e de guerra. Nada na vida confessa mais que o depoimento do silêncio, adensando o adubo que nutre a árvore serena - o pé de porto e de paz, pé de saudade adestrada, em que vamos, afinal, querendo ou não, nos transformando. No mais completo sigilo, o silêncio conta. Ainda que a ouvidos moucos, de frenéticos interlocutores, o silêncio sussurra a mesma velha história do homem. A história que nunca se repete.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Baú de ócio

Quedo-me a procrastinar, amados amantes do fuchique, sem um filete de constrangimento, que dirá culpa, rarará. A senhora escutou e é verdade: quem quer a importante tarefa realizada ao menos a contento, designe para o abacaxi aquele indivíduo sempre mais ocupado. O impossível floresce mesmo é na escassez de tempo. Na minha módica interpretação, os adiamentos conscientes são o combustível das máximas competência e criatividade, pois que, em cima do laço, meu camarada, o couro histriônico descolando da carne trêmula, na chapa quente, ui!!, a deadline do demo estrangulando, rarará, em cima do nó de marinheiro, pressão, pressão, adrenalina, solo sal desfavorável, plantando-se qualquer semente aflita e inadequada, nesse fundo de poço, madame, tudo dá, é desse jeito. The very last minute to go produz maravilhas com leite moça, assino embaixo. Pretende descortinar seus mais recônditos e camuflados talentos? Deseja, de fato, once and for all, calçar e costurar, nos próprios cascos, as sandálias da humildade? Faça de última hora, é batata.  Das duas, uma: o sujeito vira capa ou contracapa de revista, rarará: especialista tão especialista que constrói de sopro, especialista equivocado (uma redundância, vamos combinar, todo especialista é equivocado, rarará!) ou cidadão de bem, que ninguém espere ser de bem, sem a experiência capital de perder uma medalha eventual, passar ao largo do pódio, ao menos três vezes em cada nada mole vida, é um troféu imprescindível à formação ética, moral e psicológica do contribuinte.
Meus gentis leitores apostam que sou uma vadia, no que têm razão, até certo ponto. A essa altura do tombo, sinto-me muito à vontade gerando inerte lotes de coisa nenhuma, no dia que eu mentir, já sabe. Entretantomente, mister esclarecer o seguinte: a estrada é longa e o caminho é deserto. A vadiagem demanda um esforço tremendo, trata-se de uma conquista a penas duríssimas. O contraponto da vagabundagem atende pela doce alcunha de trabalho. Minha seara envolve ensinar coisinhas à toa da língua do patrão ao coleguinha disposto a mais ou menos conhecê-las, nos dias atuais, uma raridade, acredite. Para os meus olhos desarmados, um negócio absolutamente fantástico, sendo todo meu este privilégio maiúsculo: a meninada vai dando conta do recado sozinha, pelos meios que escolhe, de repente, já foi, a meninada passa as perninhas rijas e ágeis na mestra, com carinho, rarará. Glória! Ensino coisinhas à toa porque nunca consegui alcançar o nível dos peritos, pela graça divina. Somente com muita vodca no juízo e uma cara de compensado, o professor brasileiro do idioma dos outros consegue arrotar certas heresias e frivolidades, francamente. Confesso que botaria uma banca hostil, com pedigree e farofa de banana, se tivesse vivido e estudado em Bristol, pelo menos dezoito anos. Não é, nunca será o caso.  
O homem aprende porque compara. Minha língua adorada, em todos os momentos, acolheu, confortou, arrimou meus passos hesitantes, no movediço terreno forasteiro. Sutis semelhanças, profundas diferenças, a essa aproximação atribuo minhas razoáveis, relativíssimas fluência e acurácia. Quem lhe propuser abandonar seu léxico, sua identidade semântica e morfológica, à própria sina de ser servil, rarará, para abraçar outros nobres arranjos de sons, signos e significados, é melhor que mereça completo descrédito, quem procura insistir no esquecimento da sua língua, jamais conseguirá lembrar-se direito de outra, esse um orador e escrevinhador fadado à incomunicabilidade. O homem compreende porque compara. Comparado ao meu serviço de escrava parda, comparado ao meu arrebatador cansaço, todo ócio para mim é pouco. Porque posso, não faço.


Para Evelyn. Pensei em você, enquanto escrevia.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A flor da noite

Meio tarde para a pichação no muro de cal do fuchique, vamos combinar. Vinte minutinhos para Paloma de porcelana desatinar. Daqui a pouco, Paloma escancara, descontroladamente, rarará, rompe em soluços, abre portas e compotas na televisão, meus digníssimos leitores em via de babar na fronha, fatigados de aguardar uma novidade, a surpresa é o vácuo, o sino do silêncio, do sol a pino ao cair da tarde. Paloma corta um dobrado, rarará, come o pão fresquinho, das mãos em brasa do cupincha de belzebu, coitada, o capeta da ocasião não é brinquedo, Mateus Solano arregaça, disfarçado de boneca, luxo só, de terninho reto e gravata de seda, ambos devidamente cor-de-rosa. Félix bicha má é foda, cara. Deve ter alguma ligação, algum conhecimento com aquela sóbria, elegantérrima traficante de moçoilas inocentes - um magote de donzelas retardadas - o gato e a que jura ser a gata, rarará: duas ruindades entrelaçadas. Solano é best friend da personagem nude do folhetim anterior, aquela megera de grife, Lívia não sei de quê, parece que é Lívia Marine, agora a senhora veja bem: uma distinta senhora quebrando tudo no salto e na sofisticação, embalada num tailleur perolado, atendendo por um nome melado desse – Lívia, Lívia é até meio enfaroso, rarará, Lívia podia ser gêmea de Nívea, duas lácteas cocadinhas de leite condensado, rarará, pois muito bem, a senhora cai feito um patinho, aposto, a senhora vai e defende Lívia na lata, paga até a fiança, o pau que mais dá no mundo é gente besta, minha senhora, besta credenciada, besta de doer, assim como, por exemplo, a minha pessoa e a própria pessoa da senhora. Se dependesse da minha audiência, a Globo já tinha falido, fala sério. Lixo só. Tirando terça-feira, o dia nacional da graça – humor de primeira, deveras bem bolado – o que resta não presta. Perdi meu marido para a novela das nove, ele e a senhora podem, de bom grado, lambuzar-se de Amor à vida, fazendo a gentileza de me incluir fora do pacote.
Feriado não é melhor porque o tal marido fica em casa, demandando todas as atenções e salamaleques. Ronaldo badala por aí que é completamente independente, donde concluo que não assisti à metade dos episódios da série. O amor se conquista passo a passo e o ciúme é a véspera do fracasso... No dia que eu mentir, é a saideira e a conta: o fim da raça. A cada cinco minutos, sou convocada a inspecionar e aprovar qualquer coisa grande ou pequena que ele cisme de fazer, desfazer, refazer, dentro do feriado!, com a finalidade de passar tempo, por uma extraordinária coincidência, pasme!, justamente o mesmíssimo tempo reservado ao meu quindim das sextas-feiras: uma nova, absolutamente irrelevante historinha para o blog. Ainda nem compreendi como deu-se o milagre, rarará, por qual obra do Espírito Santo, consegui, na prorrogação, distraí-lo com o peixe da janta, escapuli pezinhos de lã para o notebook, isso graças a uma lapa de dourado, o bichão estirado na pia, reivindicando especiarias e desvelos. Sede de escrever, fome de espreitar. É enternecedor, apaixonante, Ronaldo curte culinária, o mago dos temperos tira onda, entretido - guri e bolas de gude - no laboratório da cozinha. A flor da noite explode, o aroma se espalha, inscreve-se nas narinas, nos cômodos da modesta morada. Texto à moda, com batatas coradas, prontíssimo, fumegando na baixela, o entusiasmado autor à mesa, sorrindo: "Mãe, sai da net, vai... Agora é hora da ceia".


Giovanni Melo, essa crônica é sua.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Grafite

Parece que vou soltar o verbo na banguela, queda livre e desimpedida, sem atrito, rarará. Fico abismada com todo aquele que padece estertores até para rabiscar um recadinho de geladeira, três vivas para o Poderoso Rabi lá de cima, distribuindo óbices e talentos, rarará, ninguém na vida é perito em coisíssima nenhuma, minha senhora, o pavão misterioso estufa, avoluma-se, quando dá fé, pimba!, é a desagradável surpresa de um bloqueio maciço no meio dos cornos – ‘não consigo fazer, caramba!’ - simples assim, desce uma cortina fosca de incapacidade, de repente não mais que de repente, que é pro pavão deixar de ser estrela. Resta ao ego do animalzinho ferido baixar a bola, Deus sabe demais arrumar as coisas, a gente se vangloria de saber tudo e sabe nadica de nada, fruindo ingênua algumas habilidades triviais, acanhadérrimas, aqui e acolá, para ajudar a tocar o barquinho carregado de insipiência, rarará, no frigir dos ovos, madame, pelo que dou graças, ninguém é perfeito. Queixo caído com quem empaca na hora de dissertar acerca de um tema qualquer: lei seca, inundação, breve chuva de verão, o raio que o parta, sinceramente. Nove entre dez queridos camaradas de caminhada concordam que minha munheca é de respeito, assinalam que levo muito jeito para a atividade, os textos resultam fluidos, redondinhos, consistentes, sustentados por uma argumentação enxuta, segura, pertinente, etc. Pela lente do amor, enxergo em tudo a grande oportunidade de uma pequena crônica vicejar serena, decerto. Presumo que predomine mesmo, no mais íntimo de mim, o dom da redação, essa facilidade para o caça-palavras e seu leque infinito de possibilidades de arranjo, rarará. Escrever abobrinhas convincentes, sem chefe e sem compromisso, acaba sempre triunfando, rarará, prevalece, de fato, sobrepujando todas as tarefas meia-boca que realizo mal para cacete, ínfima, modesta, assaz mediocremente. Trinta dinheiros à vista e divulgo a lista das minhas inoperâncias, a devotada leitora quer ver? Primeiramente, meus parcos conhecimentos de informática facultam-me o mínimo dos mínimos: acesso a contento a internet para ler o que não existe nos livros da estante, digito provas e causos, desde que não haja a necessidade de produções spielberguianas mirabolantes, faço uma apresentação básica das básicas em PowerPoint, tiro foto no espelho pra postar no Facebook e baixo música para minhas despretensiosas aulinhas de Inglês. Besides, não falo lhufas de Francês, nem de Alemão, nem de Portunhol eu entendo. Arranho a língua do patrão e olhe lá, quilômetros aquém do desejado. Zerada para trabalhos manuais, zerada para culinária, zerada para instrumentos musicais. Matemática, Física e Química sempre me causaram gastrite, vexame e perplexidade. Não troco lâmpada e não troco resistência. Não emendo, não conserto, não reparo, não pondero. Misturo as taças, subverto, sem cerimônia, a ordem dos talheres à mesa. Não sei jogar cartas, não sei pintar as unhas nem o olho, não sei andar de salto alto, não sei paquerar, não sei concatenar os primários movimentos de um polichinelo. Sequer sei dançar, uma calamidade. Acrescente-se a isso uma indisposição vitalícia e renitente para aprender as novidades da moda, tão complexas quanto desinteressantes. Em se tratando de contar historinha, entretanto, a cup of tea, a piece of cake, tudo é muito diferente. Estou tão familiarizada com a solidão do papel, com o desafio pontiagudo do lápis, desde meu mais remoto tempo de menina. Chega de longe, no vento, o testemunho: a linguagem, o balé de frases, a trança dos enredos. Não tenho como partilhar a fórmula, conceder a preciosa dica, madame, somente porque ignoro completamente de que sentido, de qual porão subterrâneo, feito um suave murmúrio de braços abertos e mãos estendidas, a palavra amiga, impreterivelmente, vem. Leio a entrelinha nas palmas. Daí, boto fé na oração: escrevo.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

À paz

A minha alegria atravessou o mar e ancorou na passarela. Fez um desembarque fascinante no maior show da Terra: o grêmio recreativo escola de samba carnavalesco bloquinho de notas de inutilidade pública FUCHIQUE, rarará, dos meus olhos a menina. Em edição extraordinária, hoje é quinta-feira!, o plantão do blog tem a enorme satisfação de comunicar aos diletos leitores que o menino dark recuperou o telefone e o viço.Vão-se os anéis de fumo, ficam-me os dedos estarrecidos. De todo contratempo resta uma fatia de agridoce lição, uma reflexão atônita para a gente aprender a tocar o barquinho furado da vida: tarefinha besta torrão de açúcar, travoso indigesto dever de casa - um parafuso solto de ensinamento, querendo ou não, violão, no coração de melão do futuro do homem jovem, sempre fica. Bater o martelo encerrando o assunto? Uma precipitação, madame. Gente é como a gente, não nasceu para ser parida e esquecida. Recebi muitos cumprimentos superlativos lança-perfume confete e serpentina, rarará, pela historinha anterior. Duvido eu cair nessa esparrela. Acolho, modestamente, as gentis palavras, sou-lhes muitíssimo grata, apesar dos pezinhos roliços bem assentados no chão de barro batido da mais pura verdade, capricorniana elemento terra é fogo: menos, fechado? Vamos combinar, rapaziada sangue bom desocupada: no frigir dos ovos, angu demais, mirrado recheio. Tudo somado, trata-se de mero descomedimento. Maiúsculo exagero.
Ainda ontem, à bem-vinda hora do almoço, conversava com Iracema e Bianca, duas queridas colegas de trabalho e de vadiagem, rarará, sobre este meu diário de bordo cotidianamente acessado, sabe-se lá por quais fulanos, beltranos e sicranos, nas bisonhas espeluncas do caminho. Indiscutivelmente, dei a fuça e o verbo à tapa. E fiz uma legião de seguidores. Estabeleceram-se, com o respeitável público, vínculos sagazes de simpatia quase amor, assim como estrangulamentos vertendo deboche, repúdio e asco. Seja por profunda identificação interpretativa – sintonia moral, intelectual, social, emocional e afetiva - apresentemos a questão dessa maneira, seja por aguda distonia - discordâncias íntimas, viscerais, seja por antipatia funda, rancor augusto beirando as raias da loucura, o fato é que constataram que escrevo porque sei fazê-lo. Sigo altiva e atávica, vou riscando a areia virgem, abrindo sulcos de onde escorre o sumo dos relatos. Com a lâmina afiada das garrinhas pregueadas e artríticas dos tataravós adorados – um povo meigo e valente - rasgo o neutro solo inviolado. I couldn't care less... Escrevo de improviso, desleixada, blusa desabotoada, aberta às flores e às armas. Sem subterfúgios. Sem mel e sem chupeta. Sem planejamento. Sem censura. Escrevo sobre o que a vista alcança e a memória escoa. Escrevo sobre o que o compassivo coração, de cara, na lata, aprova ou condena. Quando condena, a senhora reparou, é entre dentes. Sorrindo largo, depois.
“Nunca imaginei que você tivesse tanto peito”. Pérola de Robson, um sujeito cheio de compromissos, certamente sem tempo para uma investigação mais criteriosa das medidas da minha caixa torácica, rarará. Ocorre que a curva perigosa dos cinquenta, querido amigo, precisa nos trazer alguma coisa além de dores reumáticas. Acumular aniversários é um santo remédio para os ressentimentos e as suscetibilidades, pode confiar. Os temores arrefecem, as angústias atrofiam-se, as mágoas encolhem, as picuinhas liquefazem-se. A pessoa se aproxima do próprio eixo, redesenha escolhas, define novas prioridades. Deita a cabeça no travesseiro, impressionada com a órbita de um mal entendido hiperbólico, súbito perdendo o gás, o contorno, sumindo na madrugada, poeira cósmica, infinitamente pequeno. Ninguém tem que gostar do cidadão, se não deseja, se não consegue. Jesus Cristo, em algumas rodas, sequer é conhecido, que dirá amado. O amor pode esperar milênios... no ar. Inaugurado o último trajeto, meu chapa, daqui para a imortalidade, apesar de todos os pesares, interessa mais estar de bem com o companheiro de viagem. De repente, conquistei a minha paz. Por mais extravagantes, estapafúrdios mesmo, me pareçam os acontecimentos, nunca mais hei de perdê-la. 

sábado, 12 de outubro de 2013

Pecado original

A gente não sabe o lugar certo onde colocar o desejo. Minha gana é escrever diariamente, confesso, muito por conta da desobrigação, não resta sombra de dúvida. Tivesse o esporão de uma coluna semanal, num jornaleco indigente, rarará, o relógio batendo e o diabo latejando, esfolando a planta do pé, pagava para ver quanto tempo flamejaria no rabo esse foguinho de palha. A mente da gente é um passarinho cego sobrecarregado de asinhas afoitas. Percorri milhas e milhas antes de dormir, eu nem cochilei, pensando na historinha da vez. O gênero é isso mesmo, coisinha pouca, tímida avezinha pousando aqui e adiante, bastante esporadicamente vira textículo que preste. Adoro. A gorda palerma da novela das nove, por exemplo, aquela otária do horário nobre, vou dizer, Perséfone me dá tanta raiva, acho o argumento tão patético, alô, alô, marciano, aqui quem fala é daTerra! Minha vontade é descer o sarrafo no miolo mole do autor, na entoca, claro, protegendo os dentes, rarará, tudo no quadradinho branco do meu bloguinho singelo que ninguém dá fé. Um breve telefonema para a minha pessoa peso pesado desde sempre, a gulosa maior especialista no assunto, minha senhora, e o Walcyr teria construído um estereótipo irrepreensível, Fabiana Karla podia encomendar o vestidinho de gala XXG: dentro de um folhetim Global de meia pataca, não haveria ‘performance medida certa’, rarará, que lhe arrancasse das mãozinhas balofas o troféu melhores do ano do Faustão, a deusa de assombrosas tetas podia apostar seu majestoso queixo duplo, na merecida vitória.
Modéstia à parte, de música popular brasileira eu manjo litros, meus alunos sabem. Eu canto em sala de aula todo santo dia, e não é para me exibir, que não gosto disso. A questão é que tudo, absolutamente tudo, tudinho que acontece me lembra um pedaço de canção, um negócio impressionante. Paro de realizar meu fidalgo ofício na hora, vá se queixar para o bispo, ando tão saturada da língua do patrão, só vendo. Ademais, tem o seguinte: para cantar nada era longe, tudo tão bom. Viro a diva dos palcos, a molecada olhando, abismada, escutando poesia que nunca ouviu na vida caloura, inocente. A gente nunca sabe mesmo o que é que quer uma mulher. Desde segunda-feira, desejando abrir alas para o Poetinha passar: Vininha, o branco mais preto do país, na linha direta de Xangô. Saravá! São demais os perigos dessa vida para quem tem paixão, principalmente, quando uma lua chega de repente e se deixa no céu, como esquecida, e se ao luar que atua desvairado vem se unir uma música qualquer, aí então, é preciso ter cuidado porque deve andar perto uma mulher, deve andar perto uma mulher que é feita de música, luar e sentimento, que a vida não quer de tão perfeita, uma mulher que é como a própria lua, tão linda, que só espalha sofrimento, tão cheia de pudor, que vive nua. A inveja é a chaga da humanidade. Rapaz, eu gostaria de ter juntado exatamente assim cada palavra dessa letra. Entre os encarnados estivesse, o ilustre libriano Vinícius de Moraes celebraria cem anos no próximo sábado. É preciso amar como se não houvesse amanhã. Consta nos astros que o verbo de Libra é amar.
Todo homem, todo lobisomem sabe a imensidão da fome. O desaparecimento do celular de Matheus não me diz respeito, claro. Tenho plena consciência de que não é minha responsabilidade vigiar os badulaques dessa moçada sem lenço e sem documento, ainda mais quando o sujeito demonstra tanta desconsideração pelo meu trabalho, sequer me dando as horas, tem hora que eu esqueço que o menino estuda comigo, vamos combinar. Conto nos dedos os raros momentos nos quais Matheus participou, efetivamente, com algum interesse, da minha aula. Deve ter os seus motivos, imagino. Entretanto, o desaparecimento do celular de Matheus prevalece, paira espesso sobre quaisquer fofocas, impedindo outro fuxico de deslanchar. Denso, inerte, posso tocá-lo. Todo corpo em movimento está cheio de inferno e céu. Leonardo Boff diz que é o outro que faz emergir a ética em nós. Bingo. A madame e os seus botões podem aprontar o que bem entenderem, decerto. Na relação com o outro, é diferente. O outro nos força a assumir uma atitude face ao mundo, uma conduta. Boa ou má. Digna ou indigna. Decente ou indecente. Moral ou imoral. Honesta ou desonesta. Humana ou desumana. O outro não vive para ser julgado. O outro vive para eu compreender quem eu sou, para eu construir um jeito honrado de interagir com ele, uma índole, um caminho, um destino pessoal inclusivo, agregador, para eu perceber até onde vai a minha capacidade de comunhão acima das afinidades. Para eu aprender uma convivência possível. Ou resgatamos o caráter, feito uma irrisória flor no lodo, do íntimo desses meninos, ou aguardemos, bracinhos cruzados que não é comigo, o pior dos futuros. O que fazer com o que Deus nos deu? O que foi que nos aconteceu? Sensação desconcertante de fracasso. Sinto-me desconfortável, desacomodada, calçada de vergonha alheia. Inconcebível admitir que a lição de quarta-feira seja ‘estejam atentos, diligentes, pois seus pertences podem ser roubados, por seus semelhantes, nesse ambiente’. Não. Sou sem filhos a quem deixar a herança, o legado da minha miséria, distinto Machado. Porém, educadora de nascença. Absolutamente nada justifica que você se aproprie do que não é seu. Obediência, submissão, reverência solene diante do que não é seu. Sempre. Sempre. Não estamos cercados de estranhos numa loja de departamentos frango com tudo dentro, dando sopa, mano. Pai e mãe, somos uma escola!

PECADO ORIGINAL
(Caetano Veloso)

Todo dia, toda noite
Toda hora, toda madrugada
Momento e manhã
Todo mundo, todos os segundos do minuto
Vivem a eternidade da maçã
Tempo da serpente nossa irmã
Sonho de ter uma vida sã

Quando a gente volta
O rosto para o céu
E diz olhos nos olhos da imensidão:
Eu não sou cachorro não!
A gente não sabe o lugar certo
De colocar o desejo

Todo beijo, todo medo
Todo corpo em movimento
Está cheio de inferno e céu
Todo santo, todo canto
Todo pranto, todo manto
Está cheio de inferno e céu
O que fazer com o que DEUS nos deu?
O que foi que nos aconteceu?

Quando a gente volta
O rosto para o céu
E diz olhos nos olhos da imensidão:
Eu não sou cachorro não!
A gente não sabe o lugar certo
De colocar o desejo

Todo homem, todo lobisomem
Sabe a imensidão da fome
Que tem de viver 
Todo homem sabe que essa fome
É mesmo grande
Até maior que o medo de morrer
Mas a gente nunca sabe mesmo
O que é que quer uma mulher.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ratatouille

Excelente segunda-feira letiva, querubins de titia. Faça-se a luz. Luz e cor. Português, química, física, história, matemática, biologia e geografia, rarará, entre outros quitutes indigestos. A sorte me sorriu, acredita? A espiritualidade amiga intercedendo, decerto. No fecundo semestre que ora desponta lento, minha ralação senzalesca começa somente às seis e meia da noite, ainda não deu para parar de vez, a senhora já entendeu, não é? Ando devagar. Entretantomente, não posso reclamar, gracias a la vida que me ha dado tanto, inaugurar os trabalhos didático-pedagógicos, ui!, um pouco mais tarde, vamos combinar, caiu como uma luva XG, rarará, está de muitíssimo bom tamanho. Confirmo agorinha, no horário saído da boca de forno, forno: os alunos novos são de Eletromecânica - mais rapazes, em geral, menos moças, as meninas, for a change, dando a volta nos moleques, mulher conhecedora de número, de instalação, de eletricidade, sai de baixo, é o cão de camisolão, quem segura? Eletro é uma galera eminentemente bacana, quando eles percebem que não dói, é na banguela, desliza, a demora é quebrar o gelo. A gente vai engolindo cada sapo no caminho, a gente vai se amando, que também sem um carinho, esse rojão, meu camarada, ninguém aguenta. At the end, in the end, ganhamos todos, não se perde nada.
Inventei entretantomente e obviululantemente, rarará, por causa do maior de todos. A dobradinha Chico Buarque e Edu Lobo assina a trilha sonora de Cambaio, uma peça maravilhosa a que assisti em Recife. Gostei tanto que comprei o CD, em seguida. Depois, em casa, li que os críticos de teatro tiveram uma impressão bem diferente da minha, sobre o audacioso espetáculo, o que não chega a ser novidade, crítico de teatro é um bichinho esdrúxulo, meio ruim da bola. Besides, gosto não se discute, sempre haverá quem prefira o rosa bebê, o verde oliva, o mais azul, assim como haverá quem arraste o trem pelo amarelo, afora os daltônicos fãs dos cinquenta insípidos tons de cinza da paleta. Chico e Edu criaram um advérbio bacana para uma belíssima canção desse CD, chama-se Uma canção inédita: mas se, roendoasunhasmente, me quiser ouvir, descalça no breu. Os especialistas julgaram equivocado o arrojo, bastante aquém do extraordinário talento da dupla dinâmica. Eu adorei, achei apropriadíssimo. Ouvir-me ansiosamente? Impacientemente? Nervosamente? Agitadamente? Não. Roendoasunhasmente! Impeccable. Perfeito.
Entretantomente, desnecessário aprofundar a polêmica desse braço de crônica, quando a minha intenção, desde o início, era contar aos meus leitores um negócio estimulante. A história da catita? Sort of, rarará... Por isso que eu me amarro nesse gênero nem aí, ratatouille com farofa, chinelo velho. Tia Ada, minha irmã, é a mais competente alfabetizadora de Pernambuco. Tia Ada aposentou-se, sem sossegar o facho, não larga o osso nem por decreto, vocação é ali. Dos seus sessenta e cinco anos de nada mole vida, quarenta e sete vividos a serviço da escola pública, me arrepia a espinha.  Dia desses, Tia Dau - Tia Ada é como chamam-na os miúdos - me mostrou um troféu, um negócio feito uma placa sei lá de quê, um prêmio da Secretaria de Educação do Estado, por sua relevante contribuição à mesmíssima Educação do Estado, isso nos rincões do nosso glorioso Leão do Norte, uma coisa absolutamente inacreditável, a senhora concorda? Sessenta e cinco anos não são sessenta e cinco horas, madame! Escorre aos litros o amor pela criança virando concha, virando seixo, virando areia, prateada areia, virando peixe, caranguejo, siri e pescador, catador no mangue da sala de aula, é desse jeito. Parece que Eduardo Campos espana coices, safanões e medalhas, adoidado, a torto e a direito, rarará, na cara das professorinhas, o governador desce a lenha, tira o couro da categoria, sonhando com a presidência da República, sinceramente. Pois o olho de Tia Ada acende, cara leitora, ela explicando como fez para induzir o olhinho curioso do desfavorecido petit a fuçar o buraco do rato, examinar do roedor a pança, as orelhas, o  bigode gelado, roendoasunhasmente desvendar seu interessantíssimo mundo imundo, escutar a música, para ler depois, perder o temor, soltar a franga, pintar o sete com a Ode aos ratos, outra composição cascuda, outro belo e intrigante quebra-cabeça do maior de todos. Chico pediu ajuda a Paulo Vanzolini, aquele cara autor de Ronda, a senhora sabe, de noite, eu rondo a cidade a te procurar sem encontrar. O grande artista paulista era também zoólogo, deu uma tremenda força pro blue-eyed carioca, o maior de todos. Resultado: Ode aos ratos é uma obra-prima, além de travar a língua porretamente, rarará, um poema riquíssimo, encantador para um guri aprendendo a gostar de sopinha de letras. Rato que rói a roupa, a rapa do rei do morro, a roda do carro, o ferro, o barro, roto que ri do roto, rato ruim, que rói a rosa, o riso da moça, e numa rua arriba em sua rota de rato. A passear pela cozinha da cronista de meia-tigela, rarará. Cadê? O cãozinho dela matou. Que nojo!

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Fleuma

Deve ser alienação da minha cabeça. Mainha e Painho, ambos bem passados dos quarenta, brincando de médico, na maior inocência, apostando tudo na infertilidade que os anos vão esculpindo, na casca e por dentro - esterilidade advinda do avanço do tempo, o galope só é bom bem livre... da idade, rarará, a calda deu o ponto certinho, virei ovinho de Páscoa, rarará, recolhida à escuridão do ventre, trancafiei-me na masmorra uterina, ‘daqui não saio, daqui ninguém me tira’, só botei as manguinhas de fora na hora combinada, exatos nove meses depois da saliência, nove meses, de abril a janeiro, faça as contas. Nasci dia quatorze, para ser cabra da peste, e sem um pingo de juízo, rarará, capricorniana desmiolada do sal da terra, porém libriana avoada, leviana para quem olha, puro azar, culpa do ascendente de vento, já pensou? É fogo. Deve ser alienação da minha cabeça, preciso perguntar aos universitários, lá do trabalho, se eles também padecem do cacoete: eu tenho o maior tesão numas palavras deliciosas da gente! Em contrapartida, às vezes, perco o bonde e a esperança, no vácuo, fitando pilhas de nada adiante, rarará, escarafunchando o despenhadeiro da memória, catando similaridades parciais, sinônimos imperfeitos até, dou um quarto ao diabo para dar a volta onde o diabo perdeu as botas, quero escapar de usar, no textículo de minha autoria, conta e risco, rarará, aquele termo enviesado do qual jamais consegui me afeiçoar na vida. Coisa de maluco isso. Capaz de Flima gostar de conversar comigo a respeito. F. Lima é Fábio Lima, uma sumidade do Instituto Federal Fluminense, no que se refere, rarará, à Língua Portuguesa. Fleuma, por exemplo, é linda demais, no longette passeio formal branco-gelo, no caimento, no garbo, na sonoridade, no seu mais preciso significado, adoro fleuma. Fleuma soa mais ou menos como Flima, deve ser por isso mesmo que me lembrei do colega.
Desde menina miúda, gosto de escrever mil vezes as palavras que me conquistam. À mão, claro. Rabisco e leio - sussurando, cantarolando, aos berros, fazendo careta – vou mudando o tom da voz, completamente pancada das ideias, rarará, preparada para adentrar, a qualquer instante, o pórtico de um hospício de grife e instalar-me, de mala e cuia, em um de seus aprazíveis quartinhos vip. Apego, afago, afeto, alma, aragem, brisa, bruma, cão, cinema, cálido, casulo, clamor, crisálida, comunhão, duelo, estio, festa, flor, filho, fibra, fugaz, grito, harpa, ímã, ilha, ilusão, jardim, jangada, justiça, linho, ladeira, luar, liberdade, mãe, mulher, manhã, maçã, multidão, nuvem, ninho, outono, pão, prazer, pérola, pêssego, poema, povo, pássaro, poente, quase, quimera, rã, ruído, selva, saveiro, sonho, saudade, toada, telha, vinho, voragem, vontade, xale, xícara, zinco, uníssono, universo, utopia, união. Brochante é listar aqueles vocábulos mais fraquinhos de espírito e de feição. Colabora? Abutre, abuso, acinte, açoite, assassino, bomba, bazuca, crime, canhão, conchavo, coronhada, carniça, derrame, defunto, esfolar, ferida, grotesco, gangrena, hecatombe, hematoma, hediondo, humilhação, impunidade, jugo, larápio, ladrão, morte, opressão, podre, tanque, tortura, trombose, tripa, truculência, supurar, sucumbir, sangue, servidão, segregação, saturado. Duvido que a senhora esteja ocupada, acabe com essa dissimulação sem graça, pare de fazer a linha operária padrão, “pensando ter amor nesse momento, desesperada, você tenta até o fim”, rarará, pelo amor de Santa Rita dos Impossíveis! Piada, né? Acorde para a realidade, a tropa de choque dos fatos, madame! Seu patrão, mais milionário e mais filho da puta a cada primavera de praga de espúria criatura, desdenha das escoriações da sua dignidade, escarra nos seus mais singelos e sinceros nobres sentimentos, fala a verdade! A senhora, pobre de Jobre, rarará, se estropiando toda aí nesse estabelecimento, abrace o pau de dar em doido, envolva a cara num pano, ou não, e vamos para a arena da rua! Luto atuante é luta! Perturbe a paz e exija o troco. Revelação. Resolução. Revolução, plácida senhora.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Ai de mim, Copacabana!

Sol malandrinho, sem mover a palha. O dia mal clareou, o galo do terreiro adjacente sequer abriu o bico, coitadinho, na madorna, cochilando, sonhando um farelo de sonho, raspinha de quimera dourada, fantasiando loucuuuras, rarará, com sua doce e guapa garnizé adorada, decerto, Ronaldo já controlando os tradicionalmente titubeantes passos da minha hesitante pessoa, está direito isso? Categoria para gostar de dar as ordens é marido, a senhora concorda? Leonino então, cruzencredo! Helena, mulher, nem procure saber como toca a banda, não vale um vintém da pena. Vá decretar na Central de Arquivamento, chefinho, rarará! Vá pela sombra, coração! Vade retro, entojado! Farei as compras, sim senhor, meu coronel, sossegue a periquita! Só que tem um detalhe, o seguinte: ouvido de mercador, larita banana frita, vou na hora que bem entender. Uma semana sem comida, na minha humilde residência, é um santo remédio para a família carga pesada. Ademais, quem manda em mim não nasceu, prefere que eu desenhe? Essa pentelhice só pode ser inveja do meu merecido descanso: férias esquálidas, mixurucas, paródia medíocre que nem dá para o gasto.
Ronaldo é um anjinho de candura, sério mesmo. Ele é carioca, ele é carioca, basta o jeitinho, rarará. Aposto que a senhora ainda não prestou atenção nas propagandas da Itaipava, cerveja carioquíssima. Faz tantas eras que não saboreio uma loura véu de noiva, tiritando no fundo do pote, nem posso julgar a supracitada, dizem que é leve, gostosa, pode ser. Sei que eles vendem o peixe direitinho na TV. São várias situações. Tem aquela do quiosque na beira da praia, o casal pede uma cerveja, chega o Bruno Gagliasso, Bruno Gagliasso vai embora, carregando a garrafa, o rapaz pergunta se a moça viu o ator, a moça faz aquela cara de paisagem, dispara: “quem é? que ator? nem reparei”... Ignorar artista famoso em beira de praia: 100% carioca. Carioca feito a Itaipava. Tem a outra, a dos amigos conversando na porta do bar, chega um sujeito, um dos caras faz uma festa danada, cumprimenta, aperta a mão, tapinha no ombro, tal e coisa, bate um papo porreta, o sujeito vai embora, o amigo pergunta: “quem é esse?” O cara responde assim: “sei lá! nunca vi mais gordo”... Fazer a social, na maior intimidade, com uma alma penada que você não conhece: 100% carioca. Carioca feito a Itaipava. Na minha modesta opinião nordestina, entretanto, a melhor da série é a do cara passeando no calçadão. Essa é digna de prêmio, sinto na pele. O cara encontra um amigo, aquela alegria, “que saudade tua!”, isso e aquilo, marca de visitar o amigo na manhã seguinte: “vou na tua casa, me espera!”. Três metros adiante, o cara encontra outro amigo, o mesmo estardalhaço, “quanta saudade, meu camarada!”, uma lengalenga parecida, o cordial convite, na lata, em cima do outro compromisso: “tô te esperando lá em casa amanhã de manhã! fechou! olha lá, hein?” . Essa é extraordinária! Marcar encontros concomitantes, reuniões paralelas que florescem e fenecem no âmbito da interlocução de cortiça, da prosa fiada: 100% carioca: Itaipava. O formidável da história toda é que o Rio é um território poroso, arejado, onde a dor não tem razão, as contusões não vigoram, fluidas com pedigree, os cariocas tão de boa, fora do prazo, sapateando no toró - maceteados, descolados – compreendem-se, defendem-se, relevam, ninguém dá pano para blazer esporte fino, menos ainda para mágoas e melindres.  
Satanás é os pés da besta para juntar França e Bahia, dessemelhantes continentes. Minha psicoterapeuta é da gema, nascida e criada na encosta do Corcovado, as sessões são os naufrágios e os resgates ensolarados, push and pull, trazem-me à tona, sal na boca e no olhar marejado, uma cena de cinema, a senhora avalie. Meu fundamento é custoso porque é sertanejo, madame, meu passado é jagunço, maciço, solo rachado que me condena. Nordestino flutua menos que mergulha, agita-se no limo espesso do açude de si próprio. Absolve-se pelo corte, o buraco, a imensa sutura, a cicatriz: precisa afundar, explorar o abismo, tatear as entranhas do poço, agarrar o cordão partido, amarrar as tiras poídas, reatar vínculos tão esgarçados, nós cegos a romper-se outra vez, outra e mais outra, como se um grande e intenso relacionamento, tão verdadeiro, tão cúmplice, tão repleto de graça e beleza, jamais houvesse acontecido, deixado um resíduo bom, um ponto de cruz, um símbolo sagrado, na parede atrofiada da memória. Um nó cego, subitamente lasso, a romper-se com o sopro mais delicado. Não. Comi todos os brioches que o diabo amassou. Todas as perdas irrecuperáveis são minhas. Fiz das tripas oração. Para quê? Desperdício de luz. Batalha vã. Inútil sofrimento. Não imagine que te quero mal, apenas não te quero mais. Cansei de ilusões, minha irmã. Você que esforçou-se tanto para desamar, deve ter conseguido, a gente vive como pode. Fique em paz, longe do meu abrigo. Pá de cal. The greatest thing you’ll ever learn is just to love and be loved in return. Recife borbulha de outros amores.

domingo, 29 de setembro de 2013

Traços

A senhora ouviu por aí que perdi o bonde e a esperança de virar cronista juramentada: a melhor de todas as minhas historinhas pé-quebrado, no breve piscar dos olhinhos míopes, pluft!, sumiu, desapareceu, escafedeu-se. Fa-le-ceu, é mole? Intitulei-a Castelo de Areia, lembro-me bem, uma premonição, correto. Vamos combinar, o cume da nuca da pessoa chega arrepia, até parece que eu estava mesmo adivinhando. Historinha conceito A, nota máxima, o presente rabisco não lhe amarra o cadarço.
Passei a vida inteira morrendo de vergonha de que me vissem demais da conta: a estatura acrescida, a extravagância do corpinho, isso somado às idiossincrasias do signo solar, tal e coisa, a senhorinha sabe como é. Li, uma vez, num almanaque astrológico, que os capricornianos são constantes nos propósitos, persistentes e obstinados. Entretanto, a cabra é um bicho sem afetação, circunspecta a bichinha, reservada com farofa de dendê. As cabritas do zodíaco são idênticas nesse particular, rarará, discretíssimas por natureza, comedidas, as ‘eminências pardas’ da parada, ação e reação sob o sublime manto da parcimônia e da prudência, esclareçamos. Dia desses, casualmente, folheando uma inofensiva revista feminina, descobri, estupefata, que, em São Paulo, a mulherada pode alugar bolsas caríssimas, dessas de cinco mil patacas para cima, pela bagatela de cento e trinta e oito reais, e por apenas quarenta e oito horas! Um devaneio patético com data e hora para despertar! A mulherada dá lucro ao dono dessa banca, amiga! Mentira que essa necessidade existe dentro de uma alma feminina! Mentira que uma beldade pretenda conquistar algum respeito entre os meros mortais, mentira que uma formosa dama julgue manifestar valia, caráter, credibilidade, seus méritos e virtudes humanas, por meio de um anexo, um apetrecho de luxo que nem lhe pertence! Gastei uns minutinhos brandos pensando nessa inominável besteira. Em seguida, danei-me a escrevinhar, animada, virada na bala. Esbanjei tanto talento, do qual, by the way, não disponho, rarará, nas brilhantes considerações sobre a supervalorização da forma: queixo, coxa, busto, bunda, trapinhos chiques e onerosos acessórios: a fugacidade persuasiva, a transitoriedade turrona e caprichosa – essa opressão plástica comendo o juízo menos consistente, esse consumismo torpe e irrefletido, deveras solene e autoritário, cravejado de tamanha superficialidade... e contundência!, veja bem, a fazer da pessoa gato de marca e sapatinho de grife, endividando-nos com pedigree, degenerando-nos o bom senso e a consciência, corroendo-nos o nervo do pudor e do embaraço. Ficou um negócio tão espetacular a minha finada historinha acerca do assunto, madame, ainda mais agora que inventei de aprofundar a incisão na densa e diáfana (ninguém duvide!) epiderme da doutrina espírita: o porto, a porta, o consolo da humanidade. Mais alto o coqueiro, maior é o tombo. Capricorniano que se preza, nem cogita exibir-se. Aprendeu, pela dor, que não convém contar vantagens estéticas de qualquer ordem, menos ainda no resvaladiço departamento de seleção da palavra, rarará. Mister dispensar supérfluos artifícios.Vós sois deuses, vós sois a luz do mundo. Tendes não. Sois. Um deslize e o pavão pançudo estufou, gorducha insensata. Quando dei fé, pimba!, tome-lhe o machado no lombo de Joana Gibão, rarará: dei com o biquinho no meio do poste, o computador é um artefato cheio de personalidade e malícia, a memória é um dispositivo traiçoeiro do cão, não resgatei, portanto, sequer uma sentençazinha solta, menos ordinária, mais ajeitadinha, acredita? Flutuei no ar como se fosse sólida, rarará, caí feito um patinho, once again, no sítio do anonimato, as Esferas Superiores deceparam-me o texto anterior e as asinhas enxeridas. Ok, then. Rest in peace, sole sand castle back on the ground! Aquilo que o Mestre não quer, gentil leitora, nem peleje, jamais dará certo.
  

domingo, 15 de setembro de 2013

Ciranda

Eu também preciso de mais um dia de sol, estrategicamente alojado entre os primaveris sábado azul-celeste e domingo magenta, especialmente enquanto não pinta um santo de alta patente, patrono da osteoporose, do esporão e da espondilite – o padroeiro do farelo de osso da espinhela caída da professorinha cinquentona – um Padim Ciço Romão para guardar o meu, sábado parece que foi ontem, sábado nasce morto, a senhora já notou? Sucinto sábado volátil, full gas evaporando inteiro num suspiro, de manhã, escapulindo célere pelas frestinhas de provinhas tão singelas. A fim de quê? Obviululantemente, minhas avaliações são de uma simplicidade franciscana - questão de princípio - tudo ostensiva e obscenamente modesto, os alunos sabem. Só que não. Não vou viver para entender os descaminhos do pupilo perdido na inóspita selva de concreto, whose fault is this?, “será que apenas os hermetismos pascoais, os tons, os miltons, seus sons e seus dons geniais nos salvam, nos salvarão dessas trevas?”. Vem de tão, tão distante o descompasso, escuto mesmo é a pancada: o samba atravessa, o moleque tropeça e rodopia na chapa quente, tomba feio, esfola a cara na recuperação semestral, a verificação suplementar acenando ali adiante, toda escola que se preza é assim: desventuras em série no solene cárcere desmantelado - uma melancolia, não tem jeito. Meus superiores de todas as instâncias têm tanto que fazer pela Educação, Deus lhes conserve a vontade e a sobriedade, o discernimento e a assertividade, meus chefes trabalham de empenar o chifre, coitadinhos, acho ótimo, um sujeito bastante sem tempo jamais perderá tempo com esse bloguinho ordinário e absolutamente inútil, razão por que jamais tomará conhecimento da minha legítima tomada de decisão 220 v, rarará: agora é brincar de viver. Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo daqueles que velam pela alegria do mundo. Que ao menos os acentos e cedilhas da língua-mamãe sejam, em algum momento, razoavelmente bem empregados, ora! Deixa a moçada passar por média ‘how do you do?’ e queimar a bufa na ortografia e na regência verbal! Doravante, escolho a maciota, a irrestrita diversão: quem quiser que se vire nos trinta para desvendar o enigma da garrancheira do patrão - Sir Tio Sam, ninguém se importa.
A respeito da minha dor articular, aquela de estimação, cabe esclarecer o seguinte: vou de pior a pior, feito a cantiga da perua. Tanto que quinta-feira passada, pimba!, fui bater um lero com meu ginecologista, meu ginecologista, depois de Ronaldo meu marido, é o homem mais fundamental da minha vida besta, aposto que já falei aqui, incontinenti, entretanto, repito. Não pretende envelhecer, pobre moço, então desencarne menino, não é verdade? Os capricornianos são criaturinhas ancestrais, buliçosos fósseis falantes no meio do mundo, até aí tudo nos conformes astrológicos. Os capricornianos de nascença, desde o berçário, entendem que estão morrendo, e estamos combinados. Doutor, tem que ser doendo?
O plano de saúde não me acode, surpreendente seria se o fizesse. O bom reumatologista da cidade passa longe da Unimed, cobra os olhos da cara pela competência. Ando cansada demais desse circo - circuito fechado que nos arrasta, tontos e indefesos, de um lado para outro, círculo vicioso cuja carência de decência e integridade nos arrasa. Fui orientada a procurar uma ortopedista, Drª Andréa, que é especialista numa tal medicina de esforço, é isso ou coisa que o valha. Meu ginecologista indicou, confia cegamente na médica, mansa feito um cordeirinho branco anestesiado, pagarei o preço do talento, assunto encerrado. Parece que a Drª Andréa entende muito do riscado - essa história de articulação, tendão, ligamento, osso e associados. Parece que a Drª Andréa tem visão holística - central, periférica, empática, afetiva - consegue harmonizar o esqueleto, a mente e a alma da gente, uma raridade entre os profissionais dessa área, cartel de estúpidos tratando miúdos, membros esquartejados. Ando cansada demais de especificidades sem afago, frias, ineficazes e arrogantes. A consulta particular ficou para 10 de outubro, até lá, madame, haja meditação e sarapatel de diclofenaco, paracetamol, cafeína e a parceiraça nimesulida de todas as horas sentidas.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Candeia

Três vivas para o nove de setembro! Hoje é dia do médico veterinário, duvido que a senhora se importe de tomar ciência desse cisco de fato. O fato é que sei que eu sou bonita e gostosa, e sei que você me olha e me quer, rarará... No que olha, nitidamente enxerga a cláusula pétrea, rarará, bloco de óbvio ululante irrevogável: a minha humilde pessoa arrasta um trem por um cachorro, claro. Nicolau entende tanto da vida, que recuperou-se!! A senhora acredita? Do cume de uma generosidade sem obstáculos, sem limites, para o solo fértil da vida contente de continuar. Nicolau segue vivendo, concedendo-nos o tempo da fé. O tempo exato de aprender a confiar no afeto permanente: sol que nunca se apaga. Na linha acesa do horizonte, não mais que de repente, despontará o pálido momento de acenar goodbye, o lencinho branco, flor de ir embora é uma flor que se alimenta do que a gente chora, todo carnaval tem seu fim, toda história de amor tem adeus, é desse jeito. Nicolau recuperou-se, pelo que dou graças a Jesus Cristo, à Virgem Maria e aos amigos Érica, Cícero e Manuel – a santíssima trindade veterinária de Cabo Frio. Érica é a dermato, Cícero é o cardio, Manuel é o das urgências urgentíssimas. Não existe moeda forte, circulando pelo meio do mundo, que pague a conta de tamanho cuidado com meu bicho. Por tanto amor, por tanta emoção, (e)ternamente, obrigada, meus queridos.
A felicidade há de se espalhar com toda intensidade. Minha doce e bruta sobrinha e afilhada Manu mora com o namorado, agora, em São Luís do Maranhão. Ninguém pode conversar sobre cachorro sem tocar no nome de Manuela, Manu também arrasta um trem pelos vira-latas da casa. Ainda ontem, conversava com sua mãe, a dela, rarará, minha amada irmã Nilde, sobre como ela está lidando com a perda do bebê, perder um filho - homem, menino ou caroço de feijão – não é mesmo lição para principiantes, a barra é um bocado pesada, a gente não precisa provar o jiló da pereba alheia para sofrer, contam como foi, pimba!, a gente vai e sofre, na lata, é desse jeito. Apesar do pesar, parece que anda tudo nos conformes, na medida das possibilidades e vulnerabilidades humanas, decerto: a casa nova, outro trabalho, outra cidade com gente dentro, uma coisa bacana: a gente tem que sacar que gente é gente, aqui e em Birigui, vamos combinar que não há razão para duvidar das grandes chances desse fresco e viçoso relacionamento dar muito certo, gente é gente. Nilde está apreensiva, naturalmente, e desconsolada de saudade, coitada. Danço eu, dança você. Queixou-se de solidão. Ausência de filha, ausência de irmão.
Seu Biu e Dona Rita sempre foram, do mar, misterioso mar, o límpido farol. Meu pai e minha mãe irradiavam máxima luz. Dispunham de uma energia vital, de um magnetismo, de uma densidade emocional e psicológica - a estatura moral que mantinha a prole unida, imantada, orbitando em torno deles e em torno de si mesma. Amo meus irmãos, como os amei no passado. Desconfio que amarei meus irmãos, depois de amanhã, além desta vida. Aliás, de minha parte, não me lembro de consumir meia hora sequer, da dor e delícia da convivência em família, questionando a natureza, a qualidade, os cinquenta tons do amor por meus irmãos, ninguém gastava dia de beira de praia pensando nisso, love was in the air, favas contadas. O amor nos envolvia e alentava. O amor nos feria, mutilava-nos, e a gente sobrevivia de amor, amando mais. A resposta mais curta é fazer, percebe? Amor a gente fazia. O amor remove a montanha e aniquila a impermanência. Assim seja. Seu Biu e Dona Rita, estrelas luminosas, concederam-nos o tempo do fruto da fé. O tempo de aprender a confiar na chama do amor, calor que fica: sol que nunca se apaga. Seu Biu e Dona Rita semearam nos filhos lanternas de amor, lá dentro, bem no escuro no peito. A cada um o direito e o dever de ajustar o foco e varrer as sombras imaginárias do caminho.

sábado, 31 de agosto de 2013

Recado

As ilícitas alminhas sebosas do mundo, ‘não aceite imitação’, rarará!, as pecinhas hemorragia de sangue: ‘originais de fábrica’, rarará!, as pústulas perdoem-me a franqueza, perdoem-me os malignos, os ruins de carteirinha, bondade é fundamental. Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho. Enrouqueço de cantar o verso, trinta anos entoando a cantiga: da primeira vez, era a cidade, da segunda, o cais: a eternidade. Assobio por aí, estrada afora, a contagiante melodia - um pipoco, fala a verdade! – MÚSICA, o nome dela - olha, que coisa mais linda, mais cheia de graça!, isso e aquilo, trinta anos para compreender o espírito da palavra. Better late, somente hoje, por volta das nove e meia da manhã. Antônio Brasileiro, a bênção. Wave, garota, se não quer dizer azul de Ipanema, deveria. Wave é céu e mar abertos, índigo assombro de beleza. Vamos ser aluados, desatentos, descansados do sentido da vida, a moçada aposto que sabe: minha cabecinha de vento reage lento, dispara sete dias depois do prazo, rarará, nem toda feiticeira é corcunda, idiotice com pedigree também acomete as professorinhas, meu camarada! Trinta anos para captar a mensagem do nobre guru passarinho Jobim, rarará! Vamos raciocinar no tranco, confere que ninguém é perfeito, a minha tabaquice, tabaquice é nordestinês, visse?, a minha tabaquice, entretanto, ultrapassa, do cognoscível, rarará, os improváveis limites.
Coisas que só o coração pode entender. Minha aluna do PROOOONA TEC TEC TEC, rarará, disse assim: se metade do planeta fosse como a senhora, teacher, o mundo ia ser diferente. Empavonei-me, obviululantemente, breve enguiço da consciência, não sou de compacto plástico tupperware, reconhece? A vaidade e os seus petulantes tentáculos. Vaidade é foda, produz filhotinhos feios, indesejados, vaidade é cogumelo de veneno. Outro dia, cometi a insensatez de perguntar a Ronaldo sobre minhas qualidades, o leitor avalie o nível da besteira, gente besta é a imagem do cão, reitero. Meu marido é um homem bom, razão por que seguimos devidamente casadíssimos, obrigada. O que mais gosto em você? Você é muito boa, ele disse. Boa. De comer com dez talheres, rarará! Boba de boa. Cada vez melhor, neguinho... Carrego no lombo um caminhão de tropeços, deformidades bastante graves, confesso. Defeitos dos quais, a cada vinte e quatro horas, me lembro, defeitos os quais prefiro acreditar que, nos dias pares, ao menos, esqueço. Bacana quando prevalece, ante os gentis olhos alheios, sobre camadas de lodo, a humilde flor da benevolência, da generosidade, boa atitude inspira mais que opinião, a gente sabe. Esse meu jeito de estar no mundo é herança, sobretudo. Meu povo é bom demais: calor - agasalho para o profundo isolamento da humanidade. Acolhe, ampara, envolve, enlaça, vincula, meu povo compadece-se do irmão, partilha a esteira e o pote, como nenhum outro, isso ninguém conteste. Oferece o aconchego de que necessita, é impossível ser feliz sozinho. Sou tiete do hemisfério de bondade das boas pessoas. Bondade pode brotar no deserto, tudo é o exercício. Tudo é o estímulo. Tente de novo. Da poça do umbigo para o quintal, do quintal  para a cidade, o cais do porto, o oceano, a eternidade. Meus alunos enxergam tanta angelitude na minha característica vaselina: a natural, ancestral maleabilidade. Tempo ao tempo, nada pode ser assim tão urgente. Nasci treinada para anciã, parece: antecipo, adio, anulo, reformulo as tarefas, do alicerce à cobertura, nem ligo, faço e refaço acordos sisudos, rarará, tratos de prego batido e ponta virada, vou com a maré, ao sabor das circunstâncias, avoluma-se o fã-clube da gorda maluca, agregando correligionários, angario importantes aliados, rarará, isso tudo é muito engraçado. Ocorre que a minha seara é um idioma forasteiro pairando acima da letra, da voz, de nós, verbo indiferente à raiz da nossa história, descuidado do nosso modesto paradeiro. Há quem escolha morrer sem tomar conhecimento da língua do patrão. Faz sentido, o que é que eu posso contra a vontade, contra a corrente do pálido desencanto? Quanto mais quero, mais aprendo. Acato, pois. Respeito. O patrão sorveu o néctar da canção brasileira e cuspiu um desmantelo de signos esquisitos que o artista grava sem entender uma vírgula, rarará, três vivas para o artista parado nas paradas de sucesso. Só que não.Tall and tan and young and lovely the girl from Ipanema goes walking and when she passes each one she passes goes ah… E pretendem que eu ache que ficou bom, rarará! The fundamental loneliness goes whenever two can dream a dream together? Fuck off! Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Ataúde

Os produtos da Pantene são para lá de Bagdá de bons, desacredite piamente do cabeleireiro de grife – no mais das vezes, o cara é aquela esquisitice no bojo das calças, androgênese inconclusiva com pedigree, a gente não encontra nexo nos trinta e sete sexos que o sujeito arregimenta para a cosmogonia de si mesmo, frango com tudo dentro da fisiologia tênue, quebradiça... e da cabecinha de vento, fosforescência magrinha de torar, rarará, criaturinhas tanto mirradas quanto espalhafatosas, cacatuas dando ideia, caleidoscópicas calopsitas: espécimes genuinamente psicodélicos os respeitáveis profissionais da chapa quente, fala sério, rarará, haja transformação, transmutação! Haja transcendência! Bicho doido é cabeleireiro, a senhora desacredite. Piamente. Meu cabeleireiro (e os que moram nele, rarará!) é supimpa - o melhor cabeleireiro do Rio de Janeiro em peso. Vive de ser do bem, de me fazer bonita e de comer meu juízo de paçoca com essa gosma de conversa de xampu importado, tome-lhe papa rala de papo, furado e pegajoso, o mingau de saliva grudando nos cachos da pessoa, uma meleca. O kit resgate da hora é alemão, salvo engano, coisa finíssima, garante revitalização imediata da cor das mechas, hidratação profunda, das camadas mais intrínsecas para fora, assim como da superfície desvalida para os recônditos do fio, nutrição da raiz às pontas duplas e triplas, completa regeneração, reforma íntima, rarará, “gente besta é a imagem do cão!”, do topo da juventude acumulada parideira e instruideira de todas as coisas, sabidinha de tudo, alive and kicking, asseverava a dona da banca: Dona Rita. Comigo não, violão! De Pantene é que eu vou sambar até cair no chão. Gente besta é a imagem do cão. A bênção, Dona Rita, minha saudosa mãezinha – meu oásis, a rainha do deserto!
O tambor de todos os ritmos marca da marcha a cadência: passa boi, passa boiada, no duro rufar do tempo. Time goes by, não dá para acontecer de outra maneira, perdão pela ríspida sentença. Os contumazes pesquisadores da Pantene, na tenra aurora de um pequeno dia, all of a sudden - pimba! - realized/realised (os ingleses expressam-se plenos, magnificamente, nesse particular, admitamos!), perceberam, assimilaram, apreenderam, absorveram, realizaram a mais pura verdade: o cabelo envelhece, a senhora já viu isso? Perna bamba e boca seca! Engoli não, engasguei, estupefata! Por muito menos lassos maços de dinheiro, madame, há dois mil e trezentos anos, desapegada que sempre fui, pela graça divina, desapegada de posses e distraída, rarará, desinteressada de patente, rarará, teria partilhado euzinha, com os pares e ímpares da fraterna comunidade científica, a invencionice, a esplêndida descoberta: o cabelo envelhece. Roça, rancor, rinoceronte, tatu, cachorro, calombo e cabelo, meu camarada! Nasceu? No que nasceu, envelhece. Decepe pela raiz. Do contrário, floresce num sorriso. E esvanece.
Atravessamos semanas aflitas, velando nosso amado ancião do reino de tão, tão distante. Nada de mau, nada de mais, “a vida é mesmo coisa muito frágil, uma bobagem, uma irrelevância” : trata-se do pobre cão debilitado desmaiando, ensaiando entregar os pontos, visivelmente esgotado de insistir na dolorosa caminhada. Em casa, carne tensa sobre a alma densa. Queremos ver. Só que não. Foda. À noite, as mãos, os olhos e os ouvidos proliferam: zelo sobre o pelo grisalho. A morte insone, em cima, diligente na tocaia. Morre-se muitas mortes antes do fim. De volta ao começo. O sentimento do mundo açoitando a gente no arfar do bicho. Quase dezessete anos, para um dachshund, é idade: um escândalo, uma extravagância. Portanto, transbordamento de caridade do bicho. Dos quase dezessete anos de Nicolau, os cinco últimos, Nicolau vai vivendo somente para doar-se, para me ensinar eternidade. Consinto na despedida porque aprendi a lição, nobilíssimo amigo. Segue em paz o teu destino de infinita luz. Dói quando respiro, apenas.Te amo.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Bingo

Lindo. Bruno caçoa. Duvida de seu trotinho manco atrevido, ousando riscar modesto o claro chão de estrelas sobre a extensa mesa da cantina: lauto banquete de palavras aquecidas. Bingo! Somente para variar o velho verso permanente – Bruno verso: inverso permanente –, Bruno mira o eixo da mosca, pimba!, acerta-lhe justo o meio da testa. Quem manda rabiscar medíocre, criatura abreviada? Bem feito. Houvesse tomado a rédea, domesticado a nossa vã literatura – cavalo brabo, bicho arisco cuspindo fogo pelas ventas - a criatura peitava o desafio, duvida? Apostava era do dobro o triplo, na zebra vento galopante. Menina, a criatura ruim de lábia sabe de cor tantos adjetivos anchos e surpreendentes: ver viés de preciosidade no bolar de Bruno é uma coisa que é mesmo uma coisa muitíssimo b(d)ela. 


Para Bruno, descaradamente, por suas ricas ideias.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Maninha

Aproximou-se a tempo de conter o tombo. Sorte grande teve a menina que, súbito, de um pé de flor, na trança de seus braços, despencara. Lembrou-se da criança do sonho, vestidinha de nuvem, cachinhos dourados de luz... no ar. Guria etérea, algodão-doce rebento de fumaça: a filha adorada que a vida lhe negara. A família sabe. Pretendia chamá-la Rafaela.


MANINHA - no nordeste, maninha é a mulher que, por algum problema orgânico, não consegue engravidar.

Para nossa Rafaela, que está linda, como sempre, e completamente recuperada. 

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Razão e sensibilidade

Nada de novo sob o acanhadíssimo sol de julho. Julho, de dia, tem vez que é assim mesmo: tudo esplendorosamente tinindo de lindo – luz de céu azul de brigadeiro... E um frio de torar, justamente no lugar da solda, ali na emenda, é de lascar o cano. Estourei o champanhe! Meu resfriado fez aniversário, falei? Um mimo! A galera discente que dispõe do privilégio da minha agradabilíssima tutela, rarará, da minha adorável, inoxidável companhia, portanto, na sala de aula e na rede, here, there and everywhere, rarará, não perde um capítulo, sequer, da lengalenga. A molecada aposta o que nem tem, acredita? “Coelho sai? Não sai! Se sair? Espirra! A professora vem! Vem? Acho que a professora não vem... Anteontem, veio? Veio só o fiapo, coitada! Ontem? Trabalhou pela metade, à noite, deu dó, foi de pior a pior, piorando, piorando, pobrezinha”... Depois de amanhã é domingo, e segunda-feira, ninguém sabe o que será, rarará! A galera discente sabe de mim..., rastreia os lances, lupas nas palminhas jovens, rosadas: tome-lhe febre, tome-lhe tosse, tome-lhe prostração, tome-lhe coice, tome-lhe pancada, e tome-lhe desvelo e carinho dessa gente miúda que vai muito longe, aposto. A galera discente pretende demais saber de mim, fato. Esmiúça, detalhadamente, os escanteios da novela. A galera discente, de sangue quente, demonstra bem o que sente. Pão é pão, faca é faca, xodó é xodó, chamego é chamego. Penso que ajuda conhecer, na vera, quem faz trincheira contra o cúmulo da sacanagem, da injustiça, enfileirado, empertigado, do mesmo lado indignado da gente. O futuro vai lhes aparar a crista, o topete. Tempo haverá. O futuro regula a medida, já aprendemos? Eu gosto. Eu e eles somos o que importa, é minha mentira? Eu gosto. Adoeço das vias respiratórias superiores e inferiores, isso em meados de maio, impreterivelmente, tiro e queda, batata. Adoeço tanto, logo eu, essa parede... Adoeço, igualmente a uma magricela desnutrida, um contra-senso. Adoeço de morrer, para recuperar mais ou menos mais para menos a sempre meio debilitada saúde, a propósito, quem mandou ser gorda? Qual é o gordo que esbanja saúde, minha senhora, rarará? Uma bela hora, ao cair da tarde, pimba!, melhoro, certamente. Melhoro, ah, melhoro muito. Depois da manhã seguinte a da proclamação da Independência, o pronto restabelecimento acontecendo em concomitância com a primavera, de sete de setembro em diante, favas contadas. Até lá, trapo, farrapo humano. Não existe reza liquidificada com vitamina C, cara leitora, que minimize a tristeza, a indigência. Mezinha, melzinho, própolis, gengibre, bolinha multicolorida, injeção, nebulização, pastilha, chazinho descongestionante, vick pirena, lambedor de pequi??? Venha o raio que o parta, madame! Os abnegados cientistas escavam grossas camadas de deserto, os pesquisadores pesquisam de vergar a espinhela, sagazes, freneticamente, ninguém, até o presente, vislumbrou o gorro da cabeça do fio do novelo: o tratamento! O tratamento são os ares e os mares de Recife: a cura para a minha vigorosa, inquebrantável otorrinobroncofaringolaringosinusite alérgica e renitente.
Caçula é foda, uma categoria de gente exacerbada de pantim, de salamaleque, reclamando prioridades, afagos, descabidas regalias. Gente cheia de pra que tanto é caçula, verdade seja dita. Sou caçulíssima, assumo. Pueril, piegas, sentimentalóide - uma paçoca besta no meio do mundo. Quando minha mãe raspou o tacho, a irmã encostada na minha pessoa, moça de tudo, vivia era solta de canga e corda, namorando no portão e no olho da rua, já dava era beijo na boca, o cabra chegando junto, amolegando, rarará... Noutras palavras, nasci e me criei paparicada, dengo e laços de fita: sou frágil, handle with care, maneje com cuidado. Tonta e tola, magoável, um melindre, sentida feito carne de porco, demasiadamente delicada: caçula. Vai ver, vem daí a avaria, o gravíssimo defeito, insuperável: humanidade nas entranhas. A lei, pra mim, serve é pra servir, pra eu ver se presta. Uma disposição natural para obedecer, para desobedecer, principalmente, sem trauma, na cara dura, desde que tal conduta me pareça ajuizada, apropriada para o próximo, simpática e gentil. Gentil e sensata. Desata o nó? Contribui? Facilita? Faz sentido? Salva a pátria encurralada? Faço. Birra de caçula. Vá queixar-se para o bispo, neném, porque eu faço. Deus me deu humanidade para suplantar, da estrada alheia, o austero não desajustado, que está na lei, mas não lhe cabe. Não se aplica, não procede, não convém, um solto som que não lhe cabe. Isso não é para qualquer um, concordemos. Pois vejo, no fundo do poço do olho d'água do sujeito, que aquele não, definitivamente, está no mais íntimo da lei, mas não lhe coube, nem por sonho!, bradaria Dona Rita! PP? Tamanho errado! É um não que não lhe cabe. Complicar me dói na clavícula. Coração dói? Pronto. Simplificar a vida é rumar reto para o amor, meu aluno sabe. Favorece-me o doce aroma do abraço ilimitado - gesto imensamente fácil -, a geleia das palavras tenras, mansas, aveludadas, o ouvido atento para alcançar a outra banda da cidade, do minuciosamente exposto ao providencialmente velado, tenho ouvidos de tuberculoso, ouvidos e cabeça, cabeça que precisa desempenhar mais funções, suponho, além dessa aí: separar os suntuosos brincos, das orelhas tapadas. Abuso do talento para a graça, para o riso desavergonhado, nada é tão importante... Recorro a ela: minha natureza. Informal, inteligível, rasa, espontânea. Extirpem-me o fígado, conservem-me a rudimentar simplicidade. Esse bem-querer estrábico, abobalhado, difuso, indistinto, essa preferência absoluta pelas coisinhas profundas: os abismos da pessoa - a pessoa, sobretudo, sobre tudo. Essa ternura tão antiga, o desencanto de esperar... Meu trabalho é urgência urgentíssima... sobre tudo. Espero não. Faço. Dura lex, sed látex, Sabino. A lei é dura, mas estica. Conforme o apelo da razão e da sensibilidade. Há que prevalecer a razão da sensibilidade. Sensibilizemo-nos, meus queridos, com os ásperos imprevistos da caminhada. Sistema cai? Não cai! Se cair? Caça com gato, porra! Levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima! Cada criatura, dentro daquela instituição de ensino, pesquisa, dedobol e outras mumunhas, cada peregrino, cada viajante, vale mais que regulamentos vários, normas de cachorro grande e pequeno, abrigadas sob seus rijos, impassíveis blocos de concreto. Acumulo vinte e oito anos de magistério quase sério, dos quais, quase vinte, mano, de casa. Serviço público: cafezinho acondicionado e envelhecido em solenes barris de carvalho, longa trajetória de incansável labuta pública, comendo pastel de giz adoidado, "espicha a corda, dá teu jeito, otária!", Maria Vaselina!, para melhor servi-los. Poeira suficiente para diferenciar o legal do abusivo, o solitário do solidário, o bacana do chato de galocha, o entrave operacional circunstancialmente justificado... da conversa para ninar o boi, pior!, da picuinha deliberada. Diferencio a fiação desencapada... das humanas artérias. Calibrosas. De tanto sapo. Nós somos maiores que a miríade de Institutos Federais desta nação desgovernada, vivo de lembrar quem parece insistir em esquecer-se. Eu e eles (meus meninos...) somos o que importa. Morro antes de admitir que tem de ser de outra maneira.