Entabular dois dedos de prosa com o gigante Bruno é sair da sessão, frouxa de rir, Bruno é
um chafariz de pilhéria. Arrasto um transatlântico por quem se diverte me
carregando junto, Bruno é assim: leva para a gafieira, paga o gim, convida para uma contradança, nem titubeio, entrego-me corpo e alma ao rodopio, adoro. Bruno,
dia desses, com aquela raiva do cão, o tinhoso escanchado no pescoço: - Que foi, cara? - O satanás nos costados! -
Quem é esse na tua nuca, Bruno? - Pergunta a ele, ora! - Quem é tu, malvadeza?
- Legião, porque somos muitos!! Sensacional,
diga a verdade, rarará. Tenho para mim que essa legião aboletou-se foi no
meu cangote logo cedo, amanheci transtornada de dor, do porão à cumeeira, Dona
Rita minha mãe diria ‘intiriçada’, Mainha
comeu o pão que o diabo amassou, problema na coluna, coitada... Sofreu feito
sovaco de aleijado, nem gosto de me lembrar. Like father, like son, igualzinha a ela, completamente ‘intiriçada’, hoje, por causa do que
sinto na pele, compreendo. Estou dura, inteiriçada, de fato, a espinha dorsal virou
peça inteiriça: tesa, grave, entrevada. Inventei de sair de casa de qualquer
maneira, olhar o mundo, mostrar a cara na confraternização do trabalho do meu
marido, deu-se a merda, olha aí o resultado: uma espada fincada no lombo
ofegante, desse jeito.
Soletro a pergunta estampada nos cornos da leitora: foi
arrumar o que na rua, perua? Claridade. Da lua, dos barcos, dos postes, dos
semáforos, dos prédios, dos faróis de milha, das retinas embriagadas de cerveja
e amizade, das auras iluminadas. A sensação é a de plantinha abafada num
cubículo escuro, os raminhos contorcionistas farejando um orifício, luz, quero luz, vislumbro palcos azuis além da fresta. Essa
indefinição sobre o mal de que padeço, o cenho franzido do reumatologista,
tanta anamnese, cada exame parindo um novo exame, recomendações infinitas: não
corra, não salte, não ande, não nade, não pense demais – dias de noite
interminável.
Varri o asfalto quente do Rio de Janeiro, São Sebastião à
proa, abrindo picadas, eu capengando atrás, catando um Centro de diagnóstico
que realizasse o tal teste de que jamais ouvira falar, ao longo desses meus
quase cinquenta anos de nada mole vida. No fim do túnel dos desesperados, Dr. Sérgio Franco acendeu, salvou a pátria encurralada, coice indefensável por cima da queda, sobrou pra
mim o bagaço de pagar do bolso, agora é aguardar a notícia, o furo de
reportagem do dia 17. A ressonância ficou para segunda, a tomografia, em
seguida. Fui também alertada quanto à biopsia, o próximo passo. Dias cheios,
colega. Noite alta e turva, interminável. Os reveses orientam a dança dos
galhos longe do breu, mais perto do sorriso. Sem querer, sem perceber, importa
mais o amor em paz, o sol, a água da bica. A gente vai descascando, despe-se
das convenções, dos rótulos, das crostas, a gente deixa de lado o que não é – a morte, o caos, o batom, o bracelete, piercings e ressentimentos, as superficialidades,
as necessidades quiméricas, voltando os olhos e a carne para o que faz íntimo,
profundo sentido pessoal. Porque não existe mesmo possibilidade de retorno, contra a corrente, inapelavelmente, engolindo sal, flor e cascalho, prosseguimos. Tudo passa, ninguém duvide. Há um
cais de porto pra quem precisa chegar.