Morrendo de escutar o songbook
do Edu Lobo, que fez aniversário essa semana, de quem sou fã de carteirinha, desde
sempre. Destaque para Ney Matogrosso interpretando, com brilho e galhardia, a
contundente Vento Bravo, “como um
sangue novo, como um grito no ar, correnteza de rio que não vai se acalmar”. Mais destaque ainda para Alceu Valença, “quem
me dera agora eu tivesse a viola pra cantar”, pintando e bordando com as
nuances de Ponteio. O apocalipse acontece
sob o comando do Bernardo Lobo, fica um pouco do teu queixo no queixo do teu
filho, fica a mesmíssima terna voz, um descerra os lábios e o outro (en)canta, Bernardo
Lobo me arranca suspiros e lágrimas sentidas, singelamente entoando o Cordão da Saideira, “lembro do corso na
Rua da Aurora, moço no passo, menina e senhora no bonde de Olinda, pra baixo e
pra cima do caramanchão, esqueço mais não... E frevo ainda, apesar da
quarta-feira, no cordão da saideira, vendo a vida se enfeitar”... “Deixo que as
águas invadam meu rosto, gosto de me ver chorar”. Edu Lobo conhece a minha
terra adorada, como a palma da inspirada mão criadeira, seu pai nasceu e cresceu
ali, o herdeiro da fecunda poesia pernambucana caiu em tentação, fica um pouco
do teu chão no coração do teu filho, “mesmo que você feche os ouvidos e as
janelas do vestido”. Essa manhã fria de agosto deixa a gente comovida como o
diabo veste prada, eu gosto é de me ver chorar.
Digitação nunca foi meu forte, digito pouco e perco
muito, insipiência tecnológica é o fim da picada. Dou preferência ao acúmulo das inúmeras folhas, haja vista os
cadernos que mantenho há seculos em conserva, delicadamente rabiscados do mais valioso nada, com letra redonda de professora primária, inutilidades públicas
e privadas as mais variadas, sou viciada em bolor de papel, uma mui avantajada
traça. Imaginem vocês, meus respeitáveis quatorze leitores, gratíssima pela
generosidade em flor, o transtorno que experimento ao escrever hoje, sexta-feira
internacional da vadiagem, em estado de labirintite aguda, zoró feito um peru
descabeçado rodopiando no terreiro. Os caracteres cismam em rebelar-se,
inscrevem-se onde bem entendem, linhas sobrepostas, nem sei como foi que
cheguei até aqui, se cheguei, ora, persisto na batalha, mister é mesmo fofocar,
ainda mais se a fofoca diz respeito ao próprio consorte, o marido é meu,
deixo-me falar.
Quem assistiu ao capítulo de ontem, entendeu, mais ou
menos mais para menos, a cena, a acusação de desrespeito à individualidade virou
um pandemônio, lembram? A questão toda é que tem dia que de noite o engolidor
de faca em fogo não deglute uma muriçoca com tosse, não é verdade? A frase
reverberou por dentro do meu organismo, foi dilatando, fiquei cega de raiva,
sentindo na pele o meu desrespeito à minha individualidade, inaugurado no dia
em que decidi partir, despedi-me de tudo e de todos, sem vacilar, para vivermos
os dois em um, aqui, condenados à felicidade, sem chance de escapulir. Os
capricornianos são essa raça esquisita e melodramática, fazendo na vida a pior
escolha: sofrer. Gastei minha terça-feira em pranto convulso, chorei o novo e o velho, de adoecer,
até ficar com dó de mim, muita falta do que fazer, digo logo. No dia seguinte, não deu outra, acordei zonza,
tonta de cair, o mundo girando feito os cavalinhos de brinquedo do parque, aqueles
que, menina, via na praça, sem poder brincar... Levantei-me a custo, botei os
bofes para fora, gritei pelo algoz, ele veio louco, desembestado, em meu
socorro, nunca foi diferente. Voei para a urgência do hospital, o médico acertou no centro da mosca:
“a pressão está normal, havendo o histórico familiar, como no seu caso, algum
estresse deve ter desencadeado a labirintite, minha senhora. Quinze dias de
LABIRIN. Nada de café, chocolate, mate, chá preto e coca-cola. Passada a crise,
procure um otorrinolaringologista para a realização dos exames e confirmação do
diagnóstico. Ah, e a senhora precisa livrar-se do agente desse estresse, faça
uma reflexão cuidadosa, jogue esse problema fora no lixo, combinado?” O amor é
uma atividade aglutinadora, fato. Já confundimos tanto as nossas pernas e os
nossos quereres, não é, Ronaldo? A
individualidade sobrevive de dicionário. Até a gente aprender, meu querido, a
vida vai dar lição. Combinadíssimo então, doutor.