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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Carrossel

Morrendo de escutar o songbook do Edu Lobo, que fez aniversário essa semana, de quem sou fã de carteirinha, desde sempre. Destaque para Ney Matogrosso interpretando, com brilho e galhardia, a contundente Vento Bravo, “como um sangue novo, como um grito no ar, correnteza de rio que não vai se acalmar”. Mais destaque ainda para Alceu Valença, “quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar”, pintando e bordando com as nuances de Ponteio. O apocalipse acontece sob o comando do Bernardo Lobo, fica um pouco do teu queixo no queixo do teu filho, fica a mesmíssima terna voz, um descerra os lábios e o outro (en)canta, Bernardo Lobo me arranca suspiros e lágrimas sentidas, singelamente entoando o Cordão da Saideira, “lembro do corso na Rua da Aurora, moço no passo, menina e senhora no bonde de Olinda, pra baixo e pra cima do caramanchão, esqueço mais não... E frevo ainda, apesar da quarta-feira, no cordão da saideira, vendo a vida se enfeitar”... “Deixo que as águas invadam meu rosto, gosto de me ver chorar”. Edu Lobo conhece a minha terra adorada, como a palma da inspirada mão criadeira, seu pai nasceu e cresceu ali, o herdeiro da fecunda poesia pernambucana caiu em tentação, fica um pouco do teu chão no coração do teu filho, “mesmo que você feche os ouvidos e as janelas do vestido”. Essa manhã fria de agosto deixa a gente comovida como o diabo veste prada, eu gosto é de me ver chorar.
Digitação nunca foi meu forte, digito pouco e perco muito, insipiência tecnológica é o fim da picada. Dou preferência ao  acúmulo das inúmeras folhas, haja vista os cadernos que mantenho há seculos em conserva, delicadamente rabiscados do mais valioso nada, com letra redonda de professora primária, inutilidades públicas e privadas as mais variadas, sou viciada em bolor de papel, uma mui avantajada traça. Imaginem vocês, meus respeitáveis quatorze leitores, gratíssima pela generosidade em flor, o transtorno que experimento ao escrever hoje, sexta-feira internacional da vadiagem, em estado de labirintite aguda, zoró feito um peru descabeçado rodopiando no terreiro. Os caracteres cismam em rebelar-se, inscrevem-se onde bem entendem, linhas sobrepostas, nem sei como foi que cheguei até aqui, se cheguei, ora, persisto na batalha, mister é mesmo fofocar, ainda mais se a fofoca diz respeito ao próprio consorte, o marido é meu, deixo-me falar.
Quem assistiu ao capítulo de ontem, entendeu, mais ou menos mais para menos, a cena, a acusação de desrespeito à individualidade virou um pandemônio, lembram? A questão toda é que tem dia que de noite o engolidor de faca em fogo não deglute uma muriçoca com tosse, não é verdade? A frase reverberou por dentro do meu organismo, foi dilatando, fiquei cega de raiva, sentindo na pele o meu desrespeito à minha individualidade, inaugurado no dia em que decidi partir, despedi-me de tudo e de todos, sem vacilar, para vivermos os dois em um, aqui, condenados à felicidade, sem chance de escapulir. Os capricornianos são essa raça esquisita e melodramática, fazendo na vida a pior escolha: sofrer. Gastei minha terça-feira em pranto convulso, chorei o novo e o velho, de adoecer, até ficar com dó de mim, muita falta do que fazer, digo logo.  No dia seguinte, não deu outra, acordei zonza, tonta de cair, o mundo girando feito os cavalinhos de brinquedo do parque, aqueles que, menina, via na praça, sem poder brincar... Levantei-me a custo, botei os bofes para fora, gritei pelo algoz, ele veio louco, desembestado, em meu socorro, nunca foi diferente.  Voei para a urgência do hospital, o médico acertou no centro da mosca: “a pressão está normal, havendo o histórico familiar, como no seu caso, algum estresse deve ter desencadeado a labirintite, minha senhora. Quinze dias de LABIRIN. Nada de café, chocolate, mate, chá preto e coca-cola. Passada a crise, procure um otorrinolaringologista para a realização dos exames e confirmação do diagnóstico. Ah, e a senhora precisa livrar-se do agente desse estresse, faça uma reflexão cuidadosa, jogue esse problema fora no lixo, combinado?” O amor é uma atividade aglutinadora, fato. Já confundimos tanto as nossas pernas e os nossos quereres, não é, Ronaldo?  A individualidade sobrevive de dicionário. Até a gente aprender, meu querido, a vida vai dar lição. Combinadíssimo então, doutor.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Hiato

Cantare per non morire, lembra a velha canção italiana - Tormento d’amore. Estava completamente esquecida dela, vi, por peraltice do acaso, uma nesga da reprise da festa do Criança Esperança, isso domingo passado, liguei minha TV no exato instante em que Agnaldo Rayol (um caramelo toffee para quem conhece Agnaldo Rayol), sobremaneira, arregaçava: cantare per non moriiiiire! Eita! Fiquei espantada foi muito, pensava que o velho Agnaldo já madornava no descanso eterno, na bucólica e indubitavelmente adubada terra dos pés juntos. Liguei o aparelho de TV mesmo na horinha de Agnaldo arrombar o pulmão, juntamente com uma soprano muito da chique, também ela soprando para mais de metro, castigando o órgão vital, sem dó nem piedade, mais a faringe, a laringe, a traqueia e adjacências. Impressionante como a minha pessoa não tolera canto lírico, mórbida ignorância, mediocridade tópica. Iracema, a senhora bem que escutou  through the grapevine, tem saído ao luar com um mímico e ambiciona estudar canto lírico, eu mesma não, nem morta. Como ia dizendo, antes de Francisco Buarque de Hollanda me interceptar o raciocínio (sempre ele, o vingador desmascarado!), a supracitada dupla dinâmica executava justamente a supracitada canção: cantare per non moriiiiiire... A senhora não pense que assisto ao programa, religiosamente, não senhora.Também nunca doei uma moedinha sequer para o projeto, o dinheiro é da senhora, a senhora tem o que é seu e dá a quem quer, a Didi Mocó, a Maria da Graça Meneghel, à gata Marinho, eu mesma não, nem morta.
Cantar para não morrer. Abrir o bico e escapar da embolia. É mágoa, já vou dizendo de antemão, se me encontrar com você, tenho três pedras presas na garganta. Amanheci pesquisadeira, cutucando o pai dos burros, não para escrever elegante, descartei a vaidade da forma faz é tempo, I’ve given up all attempts at perfection. Eu só queria entender direito o significado de uma palavra, porque eu não respeito a individualidade dos outros, um passarinho me contou, hoje cedo. As duzentas e quarenta e três avarias de personalidade eu assumo, essa aí, não, meu violão. Tormento de amor é uma acusação assaz descabida assim. Meus companheiros residenciais são o marido e dois cachorros, a senhora nem carece de ser um expoente da intelectualidade brasileira para perceber de onde saiu a ofensa.  Individualidade. Nunca vi, nem comi, eu só ouço falar. Comigo é assim, não vejo com os olhinhos de São Tomé, não existe.  Desconfio que Dubai e seus superlativos, por exemplo, nem existem, Dubai é uma superlativa ilusão de ótica. A senhora, por ventura, sabe o que é individualidade? Individualidade é o conjunto das qualidades individuais. E qualidade, sabe não?  Qualidade é a maneira de ser boa ou má de uma pessoa. Diferentemente do que o povo acha, não sou uma criatura das mais inteligentes, a esperteza deu um toque e driblou meu escasso tino, passou por longe. O pouco que aprendi foi pouca conquista a muitas penas, ralei para burro, não sou brilhante, nem estudiosa, se sei, sei mínima, meninamente, por obrigação e com desmesurado sacrifício. Um indivíduo é norte e sul, claro e escuro, azul e amarelo, Tony Bennett e Gilliard, aquela nuvem que passa lá em cima sou eu. Respeito à individualidade é respeito ao aprazível, mas, sobretudo, ao desprezível (nó cego, hein?) que não lhe constitui o espírito - uma via de mão dupla interditada, isso qualquer débil mental afásico depreende. Um bolo de rolo para quem traçar a giz, no chão da sala de estar, o limite individual entre você e ele. Eu, toda vida, suspeitei por demais das relações de inteiros de qualquer fragrância, parcerias libertas, saudáveis, arejadas, bem sucedidas porque alicerçadas no bendito respeito à individualidade das partes envolvidas, lindeza mais linda, acho isso uma balela com pedigree.  Ninguém está fadado a concordar comigo, nem ler o sujeito precisa, se não for do seu agrado, cada um no seu quadrado. No meu quadrado, dileto cidadão do mundo, sou eu que dou o baralho. Duas individualidades nunca trocaram figurinhas de cromo, tomando chope, à beira-mar, a individualidade sobrevive de dicionário, parto acesa em minha defesa. O que vejo da vida são as incompletudes no tudo de cada um, a senhora me desculpe a fra(n)queza. O que vejo da vida são generosíssimas muletas, graças a Deus. Cada indivíduo individe-se, fato, não existe fórmula secreta mirabolante capaz de decompor este composto de mel e de sal. Cada indivíduo, entretanto, é, para sempre será, lamento desalentar...  Metade.  Metade e olhe lá.  Ninguém se iluda, prestes a contrair núpcias (parece que vai é pegar um resfriado, não é?), ninguém aposte suas fichas na roleta do casamento de inteiros e para inteiros, maior roubada. Qualquer associação descrita assim é história da carochinha, vou lhe dizer por quê. Porque a senhora já nasceu subtraindo e subtraída, sweet mystery of  amputação divina. A senhora e a senhora sua mãe eram o supremo ser de pleno amor indivisível, a senhora, do barco à deriva a vela desfraldada ao ventre, súbito desagregada do todo, pela ruptura do cordão perdido. Morrer deve ser tão frio quanto na hora do parto. Neste brevíssimo intervalo, a vida acontece para quem perde o próprio contorno e segue misturando tintas. Desista de remar contra a maré, minha senhora, cedo ou tarde, a senhora dependerá do colo cúmplice para aninhar-se, dormir e sonhar em ser. Para providencial alívio da insofismável solidão humana.  

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Elo

A luta continua. Luta contínua a nossa, aos mestres, com carinho. Tenho muito orgulho da minha desprestigiada profissão, nem sabia o que era isso de ser gente, queria ser professora. Já era. Meu passatempo de criança solitária, ensinar as coisas às coisas, que não me recordo de amiguinhos em casa, convidados a passar a tarde para brincar comigo. Vem daí, suponho, o vasto lapso de memória. Recordo-me pouquíssimo dos meus tempos de garota interrompida, parece que nasci moça feita, abriu-se um intervalo negro pelo meio do caminho, não deve ter sido muito bacana a minha infância, haja divã para tanto esquecimento. Quando pensei em ser feliz, infectaram-me a pele jovem, a boca em flor, o virgem ventre, gangrenei, apodreci, sem açúcar e sem afeto. Reivindico, portanto, às autoridades competentes desta nação descarrilada, e a qualquer um, respeito para com o meu inalienável direito de viver e morrer moleca, sambando na lama de sapato branco, gloriosa. Registre-se, publique-se e cumpra-se. Assim seja.
Recebi, frouxa de rir, o convite de casamento da minha colega Alba. Troquei o nome, vai que ela cisma de visitar o blog, nunca se sabe de onde eclode um novo leitor, as paredes têm ouvidos, melhor não correr mais riscos do que os riscos com ao quais o correr da vida nos brinda, em toda esquina, a todo instante, desejemos ou não. Gata escaldada, aprendi a tergiversar.  Alba me disse uma vez, paramentada da mais absoluta certeza, que jamais cometeria tal sandice: casar-se. Acho engraçado isso das pessoas saberem tanto dos seus destinos, tenho uma inveja incontida desses espíritos operários- engenheiros e arquitetos -, talentosíssimos, obstinados, construindo o futuro conforme a planta, meta sobre meta. No que se refere a foco e à disposição para a implementação de projetos pessoais e profissionais importantes, minha senhora, até desconfio que, por causa mesmo da interferência do meu ascendente sobre o meu signo solar, sou um desastre com PhD, uma patinação de dar pena. Pois Alba não tem palavra de rei, qualidade que muito aprecio numa pessoa, ela voltou atrás, vai amarrar o burro na sombra, uma grande decisão, sou uma distinta senhora muito da bem casada, no civil e no religioso, e não tenho do que me queixar, meus votos de igual felicidade para os nubentes. Recomendo, apenas, se me permitem,  que o casal providencie um cachorro para os momentos de crise, é um santo remédio. Farei o possível e o impossível para comparecer à cerimônia, eu mais meu marido e os lenços de papel, Alba pode apostar. Quando, por insistência de Ronaldo, deixo claro, começamos a preparar tudo para a nossa festa, uma trabalheira dos infernos, pipoca de despesa para todo lado, Alba sabe demais do que estou falando, divergimos muito sobre data, hora, som, flor, cor e sabor. Concordamos, entretanto, numa vontade cristalina: a gente queria o salão repleto de amigos. Nossa lista de convidados não cabia dentro da nossa alegria, era convite a dar com o pau, e eu fiz todas as entregas sozinha, ele morava em Friburgo, as pessoas me perguntando quem tinha desenhado aquela coisa tão simples, bonita e criativa, eu, me desmanchando de orgulho, ah, o convite foi presente do meu sobrinho, ele que idealizou, é um artista, esse menino! , me lembro como se fosse hoje.
Afinidade é o parentesco que se forma pelo casamento. Você pode apontar uma arma para o meu cocoruto, que não vou dizer quem escreveu esse texto que li, dia desses, sobre a afinidade, ficou a mensagem, evaporou-se o nome do autor. Procuro depois, postarei na íntegra, se a preguiça consentir.  A afinidade, sua soberania, seus mistérios. A afinidade independe de temperamentos parecidos, de personalidades irmãs, a afinidade pode muito bem estabelecer-se no campo das diferenças e dos  contrários, por que não? A afinidade aceita.  A afinidade, muitas vezes, dispensa a convivência estreita, cotidiana, a profusão de abraços e beijos vazios de ser.  Alba e eu nem somos amigas do peito, verdade seja dita, mas existe este invisível cordão interligando-nos, um olhar afim sobre consideração e amizade, um jeito coincidente de interagir com o próximo e o distante, apesar de tudo. Um vínculo precioso, saberei honrá-lo.  A vida é uma caixinha de surpresas, surpreendendo a gente, a todo instante, em toda parte.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Juras e dividendos


Justiça seja feita, o sujeito querendo se aborrecer, ele invente de acionar a Justiça, a satisfação é garantida. Eu ando até o pescoço com essa conversa de processo tramitando para cima e para baixo, de audiência de conciliação só no nome, de amigo advogado que é só advogado bem longe de ser amigo, de magistrado graduado por correspondência, incompetente até para julgar uma partida de dedobol, estou, a bem da verdade, que não posso ouvir o telefone tocar, minha vontade é estourar o aparelho na parede, meu desejo é perpetrar o extermínio da telefonia móvel e imóvel (uma grandissíssima bosta!) desta nação... e do planeta inteiro. Há intolerâncias de toda ordem, à lactose, a glúten, ao cacete a quatro, pois bem, eu sou intolerante a telefone. Agora eu era o rei, era o bedel e era também juiz, e pela minha lei a gente era obrigada a ser feliz, comunicando-se via toque, olhar furtivo (ou incisivo), aceno, prosa, poesia, cafuné... e telepatia. Segunda-feira de fortes emoções ruins, meu frágil coraçãozinho prefere, por ora, não desfiar o assunto, tudo demais é veneno, mais uma pitada da rançosa palavra, e afundaremos os catorze, eu e vocês, meus treze devotados leitores de fé, nesse mar de lamúria, irremediavelmente intoxicados de raiva, rancor e revolta, indago-lhes, adrede,... para quê? Helena, mulher, não vale a pena. Deixa a poeira assentar, quem sabe a gente conversa. Eu acredito em dois unguentos milagrosos para as dores da humanidade: falar e calar. O segredo é o indivíduo saber direitinho o que aplicar, resolvido esse impasse, o mais é questão de hora e lugar.
Meu marido decidiu fazer um extra no trabalho, sob a alegação da mais absoluta pindaíba, diz que é muita despesa, que precisa arrumar as contas, esse idioma dele eu domino perfeitamente, sou de uma fluência de dar gosto, liseu é minha especialidade, desde criancinha. Sempre fui rica mesmo é de criatividade para driblar as vacas magras, esquálidas, anoréxicas. Minha família tinha uma situação financeira muito boa, até eu nascer, acreditam? Foi a maré virar, pimba, na antessala da menopausa, minha mãe, assanhada como o diabo, ficou, de súbito, irremediavelmente fértil aos 43 anos, deu-se a merda, acometeu-lhe uma gravidez de alto risco, indesejada, adivinhem quem precipitou-se da escuridão do prejudicado ventre para a confusão da vida, antes tarde do que nunca, e para ser capricorniana com ascendente em libra, ainda por cima? É assunto para outra crônica, haja vista os desdobramentos do desmantelo. Contam-se histórias incríveis sobre a minha infância de privações, já cansei dos sinceros elogios ao meu comportamento de menina tão madura para a tenra idade, diante dos brinquedos que só podia olhar, aprendi muito cedo a ceder, conceder, renunciar, esquecer. Tia Luzia, a irmã solteira de mainha, morava conosco, era doida por mim, passeávamos a valer no parquinho da praça, ela voltava encantada com a minha boa educação, Adriana não quer nada, não pede nada, sequer uma maçã do amor. Mentira. Eu queria céus e terras. Um belo dia, quis tanto, mais tanto, comer um pedaço de galinha, que sucumbi ao desejo incontrolável, ousei pedir, nem sei como. Tia Luzia compadeceu-se, ficou arrasada, sacudiu a poeira, deu seu jeito: armou uma arapuca no quintal, ficou na entoca, tocaiou o artefato maior tempão. Conseguiu, por fim, pescar um pombo, depenou o bicho, temperou, guisou, foi a conta pela receita: regalei-me, extasiada, lambendo os dedos e os beiços. Há momentos que atravessam as muralhas do tempo e nos alcançam adiante, muito além da dor, a memória de um prazer assim, extemporâneo, eterno. Tia Luzia me livrou de ser para sempre triste, uma coisa espetacular. Quem quer me agradar, lá em Recife, conhece o segredo, prepara com carinho uma suculenta galinha guisada, ao molho pardo, de preferência, e me convida para o almoço especial. O suficiente para eu virar criança esperança. O mesmíssimo quintal do cativeiro de pombos abrigava um frondoso pé de fruta-pão, o prato principal de todas as refeições em casa. Nunca passei fome, pela graça divina. Também nunca me interessou investigar se a flora brasileira ainda ostenta exemplares da bendita árvore, por aí afora, quem quiser, pesquise de queimar a pestana, a minha pessoa tomou um tal abuso de fruta-pão, não posso sentir o cheiro, não consigo encarar um fruta-pão, nem sob a forma de ilustração, no compêndio de botânica, Deus me livre.
A minha nêga me pediu um vestido novo e colorido pra comemorar, eu disse: finja que não está descalça, dance alguma valsa, quero ser seu par. Despossuída de posses, sigo bailando conforme a música. Penso que nasci, cresci e vou morrer nessa pescaria, numa soma que jamais aumentou nem diminuiu, jamais mudará: 3. Se não pescar pela manhã, pescarei meus três peixes à tarde. Pescando um peixe pela manhã, à tarde pescarei mais dois. Dois pela manhã, um à tarde. Os três pela manhã... e a tarde para ver o mar. É a parte que me cabe nesse latifúndio, uma indecência eu me queixar. Cada um vale o que tem, de bens, eu tenho o bem de amar.

sábado, 18 de agosto de 2012

Mania de você

Acabo de ler, no Estuário, a mais recente crônica do meu amigo Samarone Lima. Sama, para os íntimos, é um jornalista cearense que conheci em Recife, ele mora na minha terra adorada faz é tempo, por demais interessante a historinha de como a gente se encontrou no miolo do Poço da Panela, contarei tudinho, tim-tim por tim-tim, sem reservas, sem subterfúgios encabulados, aos meus treze ilustríssimos leitores seguidores, a posteriori, no belo dia em que ela, a historinha interessante decidir, por sua conta e risco, debruçar-se sobre o parapeito do meu decoroso blog, nunca fui de tirar leite do asfalto, Deus me livre, todo aquele que desfruta de boa convivência com a minha pessoa, já assimilou esse aleijo horroroso de personalidade, entende a indolência, até perdoa. Se é para sofrer, abandono o balaio na primeira encruzilhada. A história querendo ser contada, faz fácil um strip-tease, aí eu conto, do contrário, larita-banana-frita, morra entocada, que nem ligo. Por hora, adianto a informação mais relevante: Sama é um escrevinhador porreta, de grife, o google existe é para pesquisa do que presta e do que não presta, a senhora interessando-se pela fecunda obra desse sujeito de nome feio para raio, portanto, vá lá com seus pés e confira por si mesma.
Depois que descobri, aliviada, que a literatura de qualquer calão é, a priori, o vasto território onde nada se cria, todo samba-enredo, bem ou mal, minha senhora, comedida ou desmedidamente, se copia (assim segue o drama sobre a estrada de papel), cismei de alimentar este espaço um tanto mais frequentemente, a exemplo de piolho circulando pela cabeça dos outros. Um assunto é um caleidoscópio, vira uma coisa que vira outra coisa que vira outra coisa que vira, conforme o juízo da gente os coloridos, vítreos fragmentos... revira. Mania é coisa que a gente tem e não sabe por quê, canção jurássica. Entre as manias que eu tenho, uma é gostar de roubar ideia dos outros. Sama diz que tem mania de corrida, fenômeno muito comum entre os viventes contemporâneos, menos a bonita aqui, me inclua fora, por obséquio. A gente agora aonde vai, vê o povo com o pé na bunda, na carreira, era de noite e era de dia, na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê. Corrida me lembra  aquele filme de uma idiotice sem precedentes, o tal Forrest Gump, quem não viu, relaxe, que não perdeu nada, até hoje me pergunto se realmente não tinha coisa melhor para fazer naquela ocasião, uma aula de origami, imagino, a mim, que não dobro um reles forro de cama, teria mais apetecido. Engraçado é que, contraditoriamente, adoro caminhar, o que me empurra de volta ao começo: se é para sofrer... Por uma extraordinária coincidência, que aprendi que não existe, a tal coincidência, uma corredora acaba de afirmar, na TV, aquilo que eu presumia: “correndo estou comigo, não vejo, não escuto, não penso, meu foco é meu limite e ultrapassá-lo.” A felicidade é que tem gente com gosto para tudo nesse mundo, ainda sobrando dois para tocar gaita. A senhora já experimentou andar por aí, sem pressa, sem lenço e sem documento? Caminhar abre um canal de comunicação extraordinário entre a sua e a alma da vida, minha senhora. Pau, pedra, luar, olhar e semente. Mais que de perfume e de sapato, minha mania ainda é a velha e boa mania de gente.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Azul da cor do mar

Dedo-mindinho, seu-vizinho, fura-bolo, cata-piolho e maior-de-todos: o insuperável Francisco Buarque de Hollanda, no som de casa. "Acenda o refletor, apure o tamborim" ! Delirium tremens de manhã cedo... É a abstinência de Chico, assevero-lhes. Muito curioso isso da gente envelhecer sem estar preparada para o baque, para as indesejáveis prioridades inerentes à difícil condição. Um belo dia, a gente entra na fila do idoso e ninguém se sente incomodado, ali fora sempre o seu lugar. No supermercado apinhado, apontam-lhe a preferencial mais adiante, e você tem de sorrir, reconhecida. Não adianta a senhora prometer dignidade, sobriedade e bom senso para os anos de chumbo que se anunciam, isso feito com todos os vincos da mão esquerda (ou será a direita?), solenemente pousados sobre o livro santo, a senhora nem gaste seus breves e cada dia mais preciosos instantes nesse empreendimento, o corpo amado e idolatrado, do dia para a noite, vai desabar, vai encriquilhar feito maracujá de gaveta, do pé à ponta, desembestar na frente do lépido e jovial espírito, despencar ladeira abaixo, cruzar com folga a linha de chegada, a alma e seus combalidos brônquios estufados de poeira, arrastando-se quilômetros atrás. É da senhora surtar, é pagar com os trocados da aposentadoria para ver o desfecho da trama, assombrada, batendo pino. “A velhice é o castigo de se ter vivido”, do auge dos seus 60 e poucos anos de saúde e vitalidade, Tia Dau já sentencia, coberta de razão, a mais nua, crua e flácida verdade.
Os capricornianos nascem velhos, li outro dia, não sei onde, não sei quando, minha memória é fogo, li e concordei de pronto, lembrada de mim. Sou velha desde criancinha, nasci do tamanho de um bebê de dois meses, fui me criando assim, grande para a idade, madura para a idade, lia e fazia conta muito antes do jardim da infância, nem sei por que não assumi o posto da professora, para alfabetizar eu mesma os queridos coleguinhas da sala de aula, estatura e discernimento eu tinha de sobra, muito mais que a tia, teria realizado um excelente trabalho, suponho. Não bastasse tamanha maldição astrológica, cresci cercada de adultos metidos à besta, uma contribuição importantíssima para a minha formação de anciã prematura. No dia em que eu assisti ao extraordinário O curioso caso de Benjamin Button, um filme que, a propósito, recomendo para todas as faixas etárias, do berçário à casa de repouso, chorei, chorei e chorei, "requintada e esquisita como uma dama", explicações aqui obviamente desnecessárias, esclarecer demais é uma coisa que cansa pacas, quem não viu a película, cuide de ver, enquanto há tempo, cinema é a maior diversão.
Na curva perigosa das 47 primaveras ‘de praga’, vez por outra, ansiosa por novidade, buscando ampliar meus horizontes melódicos, reciclar o tom, remoçar  o ouvido, virei cantora meia-boca, não sei se sabem, desprezo Francisco Buarque de Hollanda, aventuro-me por outros oceanos azuis, pesquiso revelações  musicais, escancaro o peito para os jovens intérpretes e compositores nacionais, sem quaisquer entretantos, sem um pingo de preconceito, juro por minha mãe mortinha. Faço descobertas fabulosas, chego a decorar uns versos, para cantarolar depois, alegre da vida, debaixo do chuveiro. Por outro lado, o lado bom da canção, "pra mim basta um dia, não mais que um dia, um meio-dia e eu faço desatar a minha fantasia." Que barcos virão pra resgatar os sobreviventes da paixão?  Francisco Buarque de Hollanda injetável, inoculado nas veias abertas da sexta-feira. A droga é pesada, o bagulho é doido, transcendental, sobrenatural até. Francisco Buarque de Hollanda, o maior de todos os homens do Brasil, recentemente completou 68 anos de beleza e de genialidade, pela graça divina. Vida longa para o rei. Tremo de pensar no seu desencarne, que já esteve bem mais distante, vamos combinar. Tenho certeza igual à certeza de que ambos morreremos um dia, de que jamais haverá, no íntimo das letras brasileiras, uma criatura equivalente, em forma e no conteúdo da redentora poesia.

Para os fãs... de Chico, claro.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Andarilha

Já fui consumista demais, preciso admitir, minha faxineira do apartamento da Caxangá, em Recife, a querida Neide, de quem gosto tanto, nunca mais soube de Neide, de sua filhinha chamada Isabela, por minha causa... Neide não me deixaria mentir, fosse meu desejo convencê-los do contrário. Devidamente asseada, enrolada na toalha, escolhendo o que vestir para o trabalho, gritava:  Neide, me ajuda aqui, que não sei o que usar hoje! Lá vinha Neide, frouxa de rir: “taí um problema que pobre não tem, cadê que perco tempo escolhendo roupa, coisa nenhuma, é uma só, na água e no sal, e acabou-se!” O consumismo desenfreado virou pretérito perfeito e distante, fato. Não deduza tão precipitadamente, dileto leitor, tratar-se de voto de pobreza, filantropia, evolução espiritual, reforma íntima estrutural e estruturante ou coisa que o valha, não vá por aí, aconselho. PTitia Dilma dividiu a classe média de um jeitinho maroto aí só dela, não sei como foi, só sei que foi assim, eu ascendi financeiramente, aparentada a um rojão de festejo junino, fui parar numa categoria especial, já cheirando a franja do patamar de Eike Batista, para seu esclarecimento. Meu salário é especial, privilegiado, a ministra do planejamento jura perante Cristo, na TV. Especial é meu cheque estropiado e menstruado, nunca mais saí do boi bumbá garantido, vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão, coitada. Andei de secar o tornozelo inchado, atrás de comprar uma bolsa boa, uma coisa fina, com pedigree, não consegui, vou andar de bolsa velha, amor, meu rico dinheirinho não deu nem pra primeira parcela.
“Anda, tira essa dor do peito, anda, despe essa roupa preta e manda teu corpo desmembrar... Calma, dê o tempo ao tempo, calma, a alma põe cada coisa em seu lugar, e o dia virá, qualquer dia, virá, sem aviso... Então, anda”. A filha de Elis Regina sabe escolher repertório, fato. Tudo que ela canta me dá esse nó na goela, essa dormência por dentro do organismo, fale dela quem quiser falar, fale toda tolice que lhe der na telha, minha musa Maria Rita não se importa um tico... Nem eu. A verdade sempre desfilou altaneira, bem diante do meu nariz, hoje decifrei-a, de frente para trás e para os lados: enquanto me acontecerem sextas-feiras, crônicas haverá. Depois do advento da sexta-feira, dispo-me desavergonhadamente da roupa preta, de toda e qualquer obrigação, de todo e qualquer compromisso, de toda e qualquer aporrinhação, sempre às sextas-feiras, reservando-me o direito constitucional de permanecer calada, munida de silêncio apenas, e da lauda em branco, cidade afora, deixando o rio da rua me levar. Tem vez que não levo um real na bolsa gasta, vou falar a verdade. É de vinte minutos o trajeto de casa  até o centro. Hoje nem cronometrei, passou de meia hora, decerto, porque demorei para notar a presença desse cachorrinho me seguindo feito uma sombra, um salsichinha caramelo do olhinho claro, vi logo que era cão com dono, eles ficam meio bobinhos, aquela carinha abestada, olhos nos olhos... Fiz foi retornar no ato, ele me acompanhando, avistei um portão, esquecido aberto, provavelmente, emburaquei jardim adentro, meu amiguinho veio junto, a porta da frente escancarada, ouvi vozes, uma visita de cabeça na lua, quem sabe, nem lembrou-se que o bichinho podia fugir, deve ser essa gente que não tem cachorro, nem gosta, dei uma topada numa bolinha plástica, num osso de borracha, disfarcei por ali um instante, brincando, brincando, ele distraiu-se, fiz a volta pelo meio da grama, com mais de mil, saltei para a calçada, fechei o portão. Missão cumprida. Atravessei a avenida, sorrindo, feliz da vida,“ that’s one small step for a man, one giant leap for mankind.”
Toda sexta-feira eu tomo um cappuccino no coração da cidade, sendo três os meus preferidos, o da Livraria Boulevard, o do Parada Obrigatória e o do Rei do Mate, o eleito de hoje. O Rei do Mate fica bem pertinho do lugar onde uma galerinha bem simpática revela foto para minha pessoa também bem simpática, revelar foto é coisa que, aliás, raramente faço, hoje em dia a gente fica com 680.000 fotos no computador, a coisa mais difícil é uma pose especial escapar para um porta-retrato. Vou falar a verdade, só levei para revelar porque Tia Dau é artigo que não se imita, a gente quando promete uma coisa a ela, fica pensando, pensando, ruminando aquilo no juízo e no peito, o jeito é cumprir logo a promessa e experimentar a paz. Tia Dau ainda não informatizou-se, sorte grande a dela. Quando Tia Dau deseja interagir com o povo, ela anda, bota o pé no caminho, bate coxa, vai para onde o povo está, materializa-se diante daquele de quem sente falta, a pessoa querendo ou não, e pronto, acho isso um negócio formidável. Quando menos espero,Tia Dau arria a bagagem na minha sala, falante, disposta, animada, vinda de um Recife teletransportado para a minha esquina, avisto daqui a Guararapes e a Aurora, acho isso um negócio formidável. Pois muito bem, as chapas vão chegar é pelo correio mesmo, dentro de três ou quatro dias. Manuseadas serão, à exaustão, sei demais, parece até que estou vendo as imagens circularem por entre as lentes marejadas e os fungados e mais fungados dos narizes congestionados de saudade. “ Mais uma, Nilde? Por favor, a saideira e a conta.”

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Estrela

Você veja mesmo o que a vagabundagem não é capaz de promover dentro da falta de juízo do juízo de uma pessoa. A vagabundagem, ontem, hoje e para sempre, será o pai, a mãe e a madrinha de todos os vícios e virtudes da humanidade, daí a ferrenha defesa da que ora dirige-lhes o verbo capenga, no que se refere ao prevalecimento e à primazia da minha, sobre todas as coisas importantes da vida, até o dia do meu risível desencarne, amém. Risível, decerto, porque isso da pessoa viver a vida e morrer no melhor da festa, cá para nós, parece brincadeira. A pessoa tem todo o direito de desacreditar, ninguém precisa engolir tamanha conversa fiada, a conversa fiada, a propósito, resulta da salutar e profícua vadiagem humana, constituindo, em parceria com a radio e a quimioterapia, o mais poderoso aliado no combate ao câncer de próstata, mama, útero e afins, não sei se sabem. Não se trata de conversa para boi dormir, no dia que eu mentir o mundo se acaba, em uníssona gargalhada: meu dileto amigo, o gigante Bruno, caçando arte, no lugar de arrumar uma lavagem de roupa, telefonou-me, dia desses, na intenção de encomendar uma crônica, o palhaço. Olhando assim de relance, a pessoa não dá uma pataca de cartaz para os dois desengonçados metros do gigante Bruno. O gigante Bruno é, entretanto, cinquenta e três vezes mais cronista que eu, além de contista de mão cheia de imaginação e de poesia. Uma mente ociosa é a oficina do diabo, a de Bruno vai pegando no tranco, liberada para pensar asneiras infinitas, em função da greve dos servidores públicos federais da educação, aquela peleja interminável, na medida exata do descaso do governo, o governo anda sempre mais preocupado com assuntos mais prementes e edificantes, uma piada. Bruno, do ápice do balanço da cadeira de balanço da sua falta do que fazer, aciona o fairy-tale delivery, quer que eu discorra sobre a grandeza da gentileza de um simples sorriso, logo ele, de cujos lábios emana a nossa bem-aventurada graça cotidiana, avalie  o sem cabimento do pedido sem sentido.
Questionado pela minha pessoa, quando nos casamos, sobre as minhas grandes qualidades, mulher é um bicho esquisito, especialista em mexer em vespeiro e cutucar a onça, Ronaldo me disse um negócio sobre a minha pessoa, que me deixou deveras surpresa e satisfeita: “você é muito boa e tem muito senso de humor, gosto disso”. Numa manhã de sábado, em Nova Friburgo, num sinal vermelho, tive a oportunidade de conhecer a ex-mulher do meu marido, sobre quem sempre tive uma informação apenas, no conceito dele: “ela é muito bonita”. A ex-mulher do meu marido é muito bonita, meus olhos viram, impossível discordar. Muito bonita e absurdamente feia, pois não sorri nem por um decreto, emparelhada nessa característica de temperamento, com uma meia dúzia de coleguinhas meus e de Bruno, lá do estabelecimento de ensino onde labutamos, pobrezinhos.  Conversamos eu e ele, Ronaldo, bem entendido,  horas depois, sobre o seu pouco talento, o da ex-mulher, bem entendido, para a irreverência.  Nunca mais toquei no assunto, que não sou besta, escolho enterrar a prosa. Vem dessa experiência, no entanto, uma das minhas precárias, ínfimas certezas, uma certeza absoluta, robusta e redonda: simpatia é generosidade, assim como generosidade é simpatia. Só mostra os dentes quem é bom o suficiente para reconhecer-se no outro, homem entre homens, igual nas venturas e desventuras de estar vivo, nem no início, nem no fim, no meio da caminhada de um mais um, irmãos que somos sobre a face da terra. Sorri quem não teme perder. Sorri quem, definitivamente, desaprende onde ficam os limites do íntimo, do pessoal, do social e do público, misturando as estações, sem pudor e sem pavor. Sorri quem padece da dor alheia, sorri quem celebra a vitória alheia. Quanto já se ensinou que menos músculos contraem-se para um sorriso que para um franzir de testa... Tanto já se estudou sobre as substâncias liberadas pelo cérebro no instante da emoção que desencadeia um sorriso aberto, um ruidoso e epidêmico  gargalhar. O sorriso anui, aprova, consente. O sorriso desarma. O sorriso abre a guarda. O sorriso convida. O sorriso acolhe.  O sorriso descerra as portas do entendimento. Deveria ser fácil, mas não é. Desde que o mundo é mundo, o mundo é dos competidores individualistas e sérios, para quem uma distração é um passaram-me a perna, um açoite, os focados e compenetrados até as raízes dos poucos fios que lhes restam no quengo borbulhante de metas e ambições desmedidas. Ninguém consegue vencer na vida, levando a vida na valsa, sabe não? "Muito riso, pouco siso", disparava Dona Rita, minha saudosa  mãe, quando uma galhofa ocasional ultrapassava todos os limites da minha infância triste. Vai ver é isso, a velha infância triste faz da gente um gozador inconsequente, desavisado.

Estrela

(Gilberto Gil)

Há de surgir
Uma estrela no céu
Cada vez que você sorrir
Há de apagar
Uma estrela no céu
Cada vez que você chorar
O contrário também
Bem que pode acontecer
De uma estrela brilhar
Quando a lágrima cair
Ou então
De uma estrela cadente se jogar
Só pra ver
A flor do seu sorriso se abrir
Hum!
Deus fará
Absurdos
Contanto que a vida
Seja assim
Sim
Um altar
Onde a gente celebre
Tudo o que Ele consentir