“Não
posso ficar nem mais um minuto com você. Sinto muito, amor, não pode ser”. Na
real? Todas as instâncias do meu ego apresentam um hiato de personalidade, uma
falha de caráter, um distúrbio de conduta, um desajuste psicossocial severo, tô
vendo ainda como categorizo essa porra – debilidade emocional, descompasso
cromossômico, manha, bico fino, ostentação, má educação, defeito de fabricação,
vai ver é fisiológico..., anatômico: a moleira não fechou direito - sei lá que
é isso, cara. A arte de fazer de conta que não é comigo, o instinto de
auto-preservação em altíssima, sou mais eu fincando o mastro nos píncaros do
Everest. SQN. Bicho, a pessoa nem disfarça, um constrangimentozinho escapando cá e acolá, a bonitinha tem certeza absoluta, jura de pés juntos registre-se, publique-se, cumpra-se, que aquela querela não é com
ela. A pessoa debocha, ironiza de uma maneira, me imobiliza rente ao barro
do terreiro, na base do chinelo. Faltei a todas as aulas de sobrevivência nessa
selva indômita. Minha incompetência para soltar
uma pilhéria das boas e deixar a merda para lá é patológica. Algum
estudioso de responsa precisa debruçar-se sobre o meu caso perdido, queimar a
beira das pestanas, redigir uns bons vinte e quatro livros a respeito. Ganhar
um prêmio científico... ou literário, rarará. Passado o quiproquó das eleições,
Dilma entronizada de novo, o playboy das galáxias dando ataque, tal e coisa,
tirei merecidas férias do cenário político nacional, eu quero o silêncio das línguas cansadas, um tiquinho de nada, nem
é para sempre. Poucos engolem a gravidade da minha doença, culpa dele, o velho
sorriso escancarado entre as soberbas bochechas empapuçadas. Meu sorriso.
Limpo, lindo e efetivo. Permanente, madame. Permanentemente permanente. Assim
seja. Deveriam atinar que não corro da luta, não aprendi, não mesmo. Queria ser só um pouco mais denso, pra
segurar na cabeça o que eu penso, pra libertar esse medo de rua... Fábio
Júnior acerta pouco, gol de placa, entretanto, nessa pequena hora. Deus me deu
essa densidade. Cresce por cima da pele uma crosta, rochedo, decerto. Atol de
força, firmeza, estabilidade. Recife de coral. Recife à flor da água, fluido,
afetivo, compassivo. Sensível, portanto, ao peixe, ao sal, às eternas mudanças
de pressão e de temperatura. “Sobretudo,
merecem a verdade aqueles que perderam familiares e parentes e que continuam
sofrendo, como se eles morressem, de novo e sempre, a cada dia”. Que
absurdo tão grande é esse que essa mulher disse, hein? É balela isso? Tortura
nunca existiu, parece. Ditadura militar? Lêndea. Fricção. A presidenta do Brasil recebeu o relatório final da
Comissão Nacional da Verdade, o bacana estrilou: uma bosta! Viva a perene parcialidade! O bacana baixou o cacete na listra:
e os filhos da puta blindados? Os intocáveis, hein? Requintes de crueldade nos
comentários torpes do bacana. PT? Não presta. PT. SAUDAÇÕES. Chefia, às vezes, aposto que cochilei. Passou um
pedaço do filme, eu não vi. Se a chaga ora devassada, cabendo aqui inquirir a
leitora - quem foi que meteu os cornos na pereba antes??? - se a chaga nua,
devassada, não é um momento histórico, augusto, exorbitante, então, me fala aí,
o que seria? Se não é para lançar sobre
o acontecimento apinhado de equívocos, de irregularidades, de canalhice, o raio
que o parta, se não é para lançar sobre o acontecimento os olhos verde-gafanhoto
da fé - ilusão, confiança... - se não é assim, não entendo mais nada. Aliás,
não entender lhufas é meu sobrenome, tem sido a minha especialidade. Enxergando pouquíssimo, o vulto e olhe lá, identifico o fura-bolo petista cutucando perebas maduras, passadas há muito do ponto. A
presidenta discursou, emocionada, machucada, fodida, chorou vinte anos em vinte
e cinco segundos, depois, pasmem, recompôs-se, seguiu adiante. Já a
megapançuda... Desaguei. De carteirinha, demorado, sem sunglasses, sem fingir resfriado. Não dependo da senhora para as
minhas catarses, menos ainda para abastecer a geladeira. Foda-se. Desejei atravessar
a telinha, quis abraçar a presidenta da República. Foda-se. O choro é livre. O
pranto é soberano. A lágrima é sagrada. Foda-se. Chorei pela perseguição atroz,
pela repressão a um direito azul da cor do mar, cara. Chorei pelos esfolados até a morte, chorei pelos miseráveis,
chorei pelos doentes, chorei pelos encarcerados, chorei pelos índios, pelos
pretos, pelas bichas, pelas putas, pelas mulheres, meu Deus!, as mulheres e seu
rosário de abusos, abusos intermináveis... Chorei pelos esquecidos, os marginalizados de toda
sorte. Chorei pela ignorância, pela rudeza, pela desumanidade, pela perversidade das pessoas. Chorei por ela, a dona da banca, Dilmão e seu patético sopro boca à boca, o desfibrilador no peito de um
partido político outrora gigante, agora ordinário copo de geleia, partido agonizante, partido desmoralizado... Chorei porque o poder corrompe mesmo, enruga o pano da costa, esgarça o tecido mais fino... Chorei porque a esculhambação grassa o público e o privado da Nação, mas tem cabra virado pra lua platinada, plim-plim!, tem cabra que dá pernada a três por quatro e nem se despenteia, malandro... Chorei por mim, tentando, a todo custo, reanimar
os cadáveres do meu facebook – abismos, incompatibilidades fundas, fatais discordâncias?
Houve um tempo em que estivemos, de alguma forma, irmanados, será que não
vale mesmo a pena insistir? Meu Deus, meu Deus! Por que vivo de alimentar tolas esperanças?
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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
domingo, 7 de dezembro de 2014
Pileque
Tragédia
é uma lembrança sem doçura. Ninguém invente de me espremer os
gomos do juízo, atrás de descobrir de onde tirei isso, não lembro mesmo, digo
logo. Garanto que não fui eu quem cerziu a sabidona, quisera. Saltou de uma
historinha de grife, só pode. Virei essa horrenda traça mutante, amanheço e
anoiteço devorando as fibras de celulose, rarará, leio de um tudo, madame, de
um tudo, sem comedimento, sem critério, as bulas das bolinhas, inclusive. Sobra
braço, falta braço, as letrinhas folgadas, miúdas mãos nos joelhos, sacudindo
os cachos, balançando bundinhas, uma novela mexicana, a senhora entende. Devidamente
apetrechada – Ronaldo me comprou uma lupa! – mastigo até as bulas das bolinhas,
para meu tremendo desconsolo. Milagre a gente resistir aos efeitos colaterais
desses remédios, só Jesus Cristo Superstar dentro da causa, visse? Danado é que
ando com a vista ruim demais, demais da conta, ruim para cacete, bicho, o oftalmo insistindo na tecla gasta, a fim
de me subtrair o avassalador desânimo do nervo ótico, rarará: “vai melhorar,
vai melhorar, é uma fase!”, eu mentindo inteira que acredito. Parece sabe o
quê? Estado de embriaguez renitente. Permanente. Eu hoje me embriagando de uísque com guaraná... Só que não, violão.
Sobriedade de dar pena. Meu sal de frutas é a crônica, alguém duvida? Coisinha
à toa, cisco, célere suspiro mais humilde, mais despojado, mais lindo, mais
sedutor, mais vasto, mais definitivo esse. Meu sonrisal é a crônica. Arrasto um
bonde, um transatlântico, pelo superior escrevinhador do retalho, o imortal de
chinelos, o ébrio busto no meio da praça (a bênção, eterno Braga!), tudo
somente porque o cabra safado vai lá trocando as pernas, o gozador bebadosamba soca
os grãos de qualquer acontecimento, apronta a massa, rejunta as finas camadas
dos mundos num quadradito de nada. Seje
breve, mas espalhe por aí o seu recado. Estupendo. Estupendo, meu camarada.
Bom para o fígado, bom para o coração, bom para a pele é
a pessoa não ser arrimo, não ser rei, não ser exemplo, não ser referência. Não
ser candidata à síndica do prédio, sequer, na vida besta. Penso que alcancei o patamar. Corri tanto
na direção contrária, me deixem seguir quietinha. Cruzei, finalmente, a linha, entre os tardios, os desclassificados. Tem hora que vigio o próprio rabo e fico abismada,
espiando como, apesar de latente relutância, gás forjado, ainda assim, cheguei tão longe, acredita? Vivi o suficiente para
reconhecer nas entranhas a brutal incapacidade para as pequenas, médias e
grandes disputas. Já perdi batalhas adoidado, brigas de foice, pegapacapá de
entrar de gaiata e sair gemendo, esfolada. Não temo fraturas, exposta, quantas vezes beijei a lona, publicamente. Apenas não disponho mais de saúde para novos golpes. Ringue, holofote,
ovação, medalha, esse parangolé nunca me apeteceu. Nasci descomunal, cresci
imensa, vou morrer inchada, rarará, sempre desejando muito posar de zerinho à
esquerda, mínima, bem chinfrim moela de galinha. Tragédia é
uma lembrança sem doçura. Recordo a casa, a escola, a caminhada. A memória não é nenhuma Brastemp de
incorruptibilidade, rarará. A memória é sua, puxa, portanto, o cardume para o
seu lado, a memória tende a preservar sua fuça, sua alegria, sua tranquilidade,
questão de tempo. A seu bel-prazer, a memória enegrece uns traços, suaviza
outros, a memória pinta o sete, malandro. A memória convida ao mergulho,
decerto, mas estende a rede, ninguém pula para espatifar o quengo, relaxe. Existe
aqui, na minha pupila, na minha cachola, nos meus sentidos, um fenômeno em
processo: livramento, merecimento, tolice, doidice, bruxaria, amadurecimento, a leitora
interprete do seu jeito. Três vivas para a felicidade da sã reminiscência. Não
consigo mais me lembrar sem doçura, um bálsamo para quem comeu o pão do diabo.
Vultos, vertigens, veneno, males turvos, falas foscas, ruídos abafados. Paredes
embaçadas e móveis esmaecidos. Rostos mofados, de cera, de éter, súbito nuvem, desaparecendo.
Feliz Ano Novo. Um brinde especial ao condão do esquecimento.
Para Delma, com carinho.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
Suvenir
A madame almejando variar um tanto o cardápio das
paradinhas saúde é o que interessa,
rarará, a madame vá por mim, aposte nos liquidozinhos multicor saborosamente cativantes. No solar dos
Barroso, é tudo adoçado com demerara,
o doutor mandou, disse que não vê necessidade nenhuma da minha pessoa amanhecer e anoitecer atolada em aspartame, sucralose, nada disso, minhas taxas
estão de causar inveja roxa, confirmou que é para eu dar um tempo, deixar de
paranoia. Cenoura, maçã, limão, laranja e uma lasca de gengibre: massa. Suco de
uva, limão, canela e outra lasca de gengibre: delícia. Ameixa-seca, abacaxi,
hortelã e um cadim de farelo de linhaça: huuuuuuum! Couve, pepino, tome-lhe
mais gengibre, outro cadim de farelo de linhaça e a frutinha de vez de sua
preferência, esse néctar vira um suspense, é plural, legião, esse “eu adoro, eu me amarro”. Craro, Cróvis!
Anteontem, exemplificando, bati com kiwi, ficou felomenal, bicho. Cada pirueta da lâmina é um flash, uma grata surpresa, sabe? Bem bacana. Se perdi peso, anote
aí um quilo e duzentos grama, na generosidade, rarará... “Quem me chamar, ai, vai me encontrar nos teus olhinhos”, doutor...
Dr. Luíz ordena: “CALMA! Calma na alma,
Adriana!”, garante que o presente aspecto de hipopótama edemaciada: o
estandarte do sanatório, qualquer dia, all
of a sudden, vai passar!
Evocações da menina-moça triste de Recife. Ela mais ele. Ele
e ela. “Memória não morrerá”. Suvenir
de Seu Biu, cara – seu rugido e seu silêncio. Toda hora, conto a Ronaldo um causo
testemunhado, especialmente protagonizado por meu velho pai, do banquete à
embriaguez, do alarde dos dentes aos lábios duros, cerrados: o punhal, o
soluço, o pranto convulso, desenfreado, e o perdão irrestrito dos pecados. Quem
não sabia que Rui, o encanador oficial da nossa família, havia, de fato, num passado
distante, dado cabo de uma pessoa? Quem não sabia? Seu Rui assassinara, comentavam, uma pessoa. Nunca conheci os detalhes
dessa crônica antiga de Seu Rui, Seu Rui vivia enfiado lá em casa, trabalhando,
consertando os enguiços de qualquer natureza, cabra habilidoso ali, o braço
direito do velho, parece que estou ouvindo Mainha falar baixinho sobre esse
assunto espinhoso: “eu tenho medo,
Severino”. Seu Biu e seu inseparável copo de uísque, à sombra da árvere companheira, repetindo: “Dona Rita, não adianta. Pra frente é que se
anda. Águas passadas não movem moinho”. Painho consentia que Seu Rui reparasse... Painho perdoava, leitora, Painho
era o mestre da segunda, da terceira, da quarta e última chance. Assistencialista
filho da puta, na linha PT, rarará, uma doação desordenada, necas de
monitoramento decente – dinheiro, o almoço, a janta, os óculos, a roupa do
corpo - um despautério, o cúmulo do exagero, seu trote de gente a circular
entre a gente, gente de todas as fragrâncias, o que, às vezes, matava Mainha de
susto, de raiva: “Dona Rita, um prato de
comida pra um cidadão aí no portão”. “Que homem é esse, Severino? O almoço nem
está pronto!” Seu Biu, rarará, era o tempo de abraçar a penca de bananas da
fruteira e levar na rua pro moço: “É
Cristo, Dona Rita. É Cristo”. Meu pai dava a maior trela, confiança pra mendigo, pode, cara? Agora, a madame contrariasse, rarará...
Fuzuê, rarará... O cancão cantava, piava alto... "Eu não tenho palavra de rei". Não tinha. Sua autocrítica explodia, despudoradamente, por todas as fendas do bangalô de praia, para aqueles de córneas de brigadeiro, asseadas. Filósofo, espírita, bufão comunista, rarará, caridade supurando das próprias feridas mal cicatrizadas, feito devia ser, no plano da Terra: uma personalidade ampla, densa, sedutora, apaixonante. As lembranças alfinetam as finas
camadas do meu juízo mole de lembrar, pereba, lembrar sem dó nem piedade, lembrar
a torto e a direito. Tudo me ardendo e tudo assoprando. Grande dor e consolo
imenso: ingredientes misturados sem critério.
Mora em Cabo Frio um primo da banda paterna, há uns
quarenta anos ou mais, suponho, difícil, difícil, dificílimo topar com Valdir
pela cidade, entretanto, o cabra visita bastante os netos no Rio, visita a
molecada e vai ficando, vai ficando, ele e a mulher tomando conta dos pequenos,
os avós são assim mesmo, ninguém se iluda. Passou dos 70, o primo Valdir,
decerto. Domingo passado, antes de votar, inventei de abastecer a geladeira,
fui comprar minhas folhinhas, meus legumes. No caixa do Hortifruti, a demora
foi levantar a vista, tomei um susto, a cabeça rodou, uma assombração, cara. Quanta
semelhança, meu Deus... Quanta semelhança! Os braços, as mãos, a boca, as maçãs
do rosto. Valdir e o tio, iguaizinhos. Seu queixo ficou inteiro no queixo de seu sobrinho, Painho. Guardamos
as sacolas, conversamos uma boa meia hora no estacionamento, a madame
querendo, acredite, de minha parte, respeito suas crenças, suas descrenças, "não me importa, honey", cada um acredita, desacredita, na medida das suas possibilidades humanas: nossos carros, uma enorme coincidência!, nossos carros, esperando, obedientes, lado
a lado. Cheguei à seção eleitoral, aconchegada, tranquila, feliz da vida, convencida de
que, dentro do clã dos Guimarães de Oliveira, não fui eu, em absoluto, que mudei. Conforme aprendi: à esquerda. À esquerda da esquerda atrofiada, camaleoa, ambidestra. Nunca mudei. “Ou bem se governa para os pobres, ou bem se governa para os ricos”.
Por isso, na curva perigosa das cinquenta primaveras curtidas sol a sol sertanejo, não tenho medo de nada, noves fora perereca e lagartixa. Confio demais no espelho retrovisor: o estrado da minha história.
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
Estilhaços
Tem vez que penso assim: isso é proposta de mente fraca,
cabecinha de vento. Possa ser. Ou
falta de uma atividade de fato insuspeita, axiomática, rarará, verdadeiramente
nobre fundamental é mesmo o amor, um
trem de ferro para eu conduzir ao menos a contento. Imagina aí: meu manifesto,
meu traço, minha arquitetura... Um nome na capa. As pessoas vivem muito
envolvidas em projetos maiúsculos, mirabolantes, extraordinários, artigo phyno, cara, chega tenho vergonha desse
meu proletário poleiro de pato, só mexo com tábua de carne tabula rasa, rarará, mínimas vãs quinquilharias, desse jeito.
A galera dos idos de colégio, isso entre 1978 e 1983
Dondon no Andaraí, rarará, criou um grupo no Whatsapp, o povo cutucou, mas cutucou tanto, descobriram meu
esconderijo, adeus lencinho ariano ao sossego, a madame acredita? Todos nós no mundo dos vivos,
todos lindos, todos loiros, todos bem, todos vencedores, de fodida restou mesmo
a que vos endereça o presente texto, rarará, eu só tenho amigo fazendo um bruto
sucesso em Quixeramobim, cara. Amém, rarará? Fatinha endoidou quando me viu,
“Adriana!!! Naninha CDF!!!! Lembra que eu copiava tuas respostas, sempre
corretíssimas, das apostilas de Xênia, depois me ferrava nas provas?!! Minha
enciclopédia querida, que saudade!!!”, isso equivale a me dar um tiro na testa,
camarada. Estigma filho legítimo do demo: a criatura nasce, cresce, menstrua, multiplica-se,
falece - não se livra nunca, bicho. Essa porra é minha outra polimiosite, fala sério. Um dia, neném,
vou entender de onde tiraram a ideia de que aquela moça gorda e triste gostava tanto
disso. Meu maior desejo era ser pequena, já contei aqui, bem pixototinha, em
todos os sentidos. Estudei em escola particular, minha senhora, estudei lado a
lado com gente muito da rica, a espada oscilando no alto do juízo mole, o
espectro do deteriorado ensino público me rondando, proibido cochilar,
deslizar, matar uma aula, a pena era o cachimbo escapulir, a bolsa sair voando
pela janela. Menina, eu tinha que me sustentar no lustre, segurar essa maldita
bolsa com o boletim, as unhas e os dentes. Duas alternativas de universidade
para Adriana das dores e dos oratórios: a pública. Ou a pública. Podia
escolher. Péssimo não foi, mas deixou marcas difíceis de apagar, pereba. Deixou
lição boa de conservar.
Amigos
a gente encontra, o mundo não é só aqui. Impressionante minha
facilidade em passar do ‘oi’ para a próxima fase. Atravesso o abismo como quem
baila. As alegrias e as agonias humanas são muito parecidas, só muda o
domicílio. Não temo os homens, não mesmo. Uma virtude da minha alma
atormentada, carcomida de mau funcionamento. Portanto, encaro com bastante
naturalidade o chá de sumiço de feicibuquianos
do meu feici, todos os encarnados da
Terra têm direito a sair de circulação um instante, beber um trago, contemplar
distintas alvoradas. Quem me levará sou
eu, quem regressará sou eu. Ou não. A gente pode não retornar. Liberdade de
ir e vir. A gente tem o direito. Isso é bossa nova. Indiscutivelmente. O cabra dana-se a badalar o sino no idioma grego que não combina, rarará, a gente espiando os pés do cabra, o afã de captar a mensagem, compreender a legenda, rarará, né? O sujeito chegado numa análise do discurso, hein, rarará? Viaja. Quantas
vezes excluí feicibuquianos por não
mais reconhecer um espaço, uma linha de convergência, dentro da visão de mundo do cabra? Não é pecado porque não há pecado. As visões de
mundo resultam de referências diferentes, bibliográficas, inclusive, principalmente até, não dá para negar isso. Esse processo todo de eleição me
proporcionou a possibilidade de leituras de opinião: ora sensíveis, sensatas, ora rijas, confusas, asfixiantes - revelações HD a respeito de
quem me segue ou seguia, sei lá. Vieses de opinião que simplesmente não via. Aposto
meu rim esquerdo que houve quem se
surpreendesse comigo também, uma maluquice, mas houve. Três vivas para quem se
posicionou na parada, para quem, segurando o forninho do nível, rarará,
discutiu política, justificou sua postura com estilo e clareza. Eu aprendi que
tudo é assunto, tudo se discute, cara, quando a discussão não anda mais, uma
convicção abissal prevaleceu, a gente pega o banquinho e vai saindo de fininho.
Tudo é uma questão de manter a mente
quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Quarta-feira, fui fazer o tratamento alternativo de praxe, uma
bolinha de gude de cristal e teria faltado à sessão. O momento era meu, tô pagaaaan(d)o!: minhas palavras ou
minhas reticências. Teria subornado o pontífice por meia hora de quietude, ‘silêncio,
por favor’. O médico: uma matraca. Campanha dentro do consultório. Uma
hemoptise: verbo embrutecido de preconceito, vertendo coágulos de sangue. Eu, na minha serena sobriedade,
argumentando: você acha, de coração, que todo mundo tem as mesmas
oportunidades? Eu dou minhas vísceras pela escola pública, eu quero a melhor escola pública do continente, os guris lá, usufruindo do caviar. Eu lido com jovens, bicho, que sem o Instituto Federal, não
teriam perspectiva alguma de ingresso na universidade pública. Você não enxerga
os que ainda ficam de fora, cara? Minha intenção era conversar de boas, cara.
Aí, do nada, o idiota dispara: "Aécio é
bem nascido, é bem criado, é bonito, é elegante, é culto, casado com uma galega linda, alíás,
que primeira-dama a gente teria... Sabe que é por isso que ele não vai ganhar,
não é? Tinha que ter se casado com uma crioula de cabelo crespo".
Estarrecedor porque é o discurso do capataz, tenho certeza absoluta de que ele
não é o senhor do engenho. Sonha, Creonice, sonha. Comentei assim: bicho, eu tô numas de voto crítico
na dentuça, e bote crítico nisso, mas é muito na vibe de eu ser fêmea, preta,
pobre e nordestina apreciadora inconteste de uma maciota. Pairou um constrangimento, craro,
o idiota veio com um papo de ‘brincadeirinha’, auto-definiu-se um ‘gozador’. Não
é. Desse particular, leitora, eu entendo. Morreu pela boca, feito um peixe
palerma. Não diga que me perdi, não mande
me procurar.
segunda-feira, 20 de outubro de 2014
A corda
Concomitâncias. Coincidências da nossa louca, esquizofrênica
nada mole vida. A vida é muito breve para a gente se agastar agarrada em
miudeza, moça bonita. Vida breve. Vida por acaso imensa. E uma doidice só,
pelamô, camarada. A madame sabe que somente hoje me dei conta desse fato no
mínimo curioso: os três médicos cuidadores da enferma que vos redige as mal
traçadas, os três, repara na relevância dessa fofoca!!, os três atendem pela
graça de ‘Luís’. Com ‘z’ ou com ‘s’? Escreve com bic, bela. Até porque foi sua pessoa quem pariu o inocente, batize
o moleque como lhe der na telha, bolas. Luís
Antônio, Luís Waldir, Luiz Octávio. Achei bacana perceber, né
não? Lux, luz, quero luz e infinitas
cortinas... Luís, respeita Januário... Não me interessa um tico posar de
moderna. Estou tão velha, mas tão confortavelmente velha pendulando na minha rocking chair de palhinha puída, rarará,
que até me lembrando de rock, o infeliz do rock é das antigas... Tem uma
musiquinha, nem me pergunte qual é o cantor, escuto no rádio do carro, um verso
aqui, ali, outro acolá, junto os cacos, de repente, pimba!, é a fisgada: o tolo teme a noite, como a noite vai temer
o fogo. A claridade aniquila a escuridão. A escuridão dizima a claridade. O
tolo teme as suscetibilidades, teme porque enxerga mal e os gatos quedam-se
pardos. O tolo treme porque desconhece. Tem esse pedaço, também: eu voltei mais puro do céu. Sensacional.
A menina pretende ver mais liso, menos empenado? A menina trepe num poste. Do
poste, salte para a árvere. Dela para
a asa do aeroplano. Daí, segure a vertigem, olhe bem para baixo. Espie o todo
todinho. Depois, empine a coruja a mil no anarriê para o solo da pátria.
Retorne menos contaminada. Menos agressiva. A vontade era rabiscar uma
historinha supimpa aproveitando essa efervescência eleitoral, tome tempo que
meus textos não rendem um caldo, uma desavença - sorvete de chuchu - perdi a
mão, o tempero, culpa da doença, Cróvis, craro. Aquela cantiga: sei que às vezes uso palavras repetidas, mas
quais as palavras que nunca são ditas? Nenhuma da Silva. Isso de internet é
um empata-foda, um estraga-prazer. Pronto, falei. O mote acode, o raciocínio
buliçoso, instigante, irreverente, rarará, a mente brilhante da mepançuda, ui, vai engendrando considerações
inteligentes, adequadas, interessantes, divertidas, férteis, na linha sou muito criativa, brou, rarará...
Quando a criatura se achando dá fé, quarenta e sete blogueiros lhe passaram a
perna: barquinhos siameses a deslizar no macio azul do mar das redes. Aaaaafe. Que
pressa! Seu bote esquálido encolhe, míngua, tadinho, naufraga na hora, maior
sem coração essa galera genial, antenadona, articuladérrima (diferentemente da
gaga hipotensa ;)), hiperativa, acelerada, gente sem pão, sem poesia, sem noção
de fraternidade, cara.
Compreendo inteiramente o sentido de votar nulo, sério.
Anteontem, a minha pessoa pretendia fazer o mesmo. Já conversei bastante a
respeito desse governo atravessado na minha goela, fui PT de corpo e de espírito de igualdade, igualdade sem subterfúgios, igualdade de Jesus Cristo, o Socialista do meu destino. Fui
PT mais ou menos engajada, fui PT ressabiada, fui PT enraivecida, com o arado,
entretanto, ainda amarrado à estrela, atualmente, parece que estamos mesmo nos
divorciando. Qualquer trabalhador deveria sentir orgulho da origem de um partido
nascido nessa conjuntura de fortalecimento do movimento popular, fruto partido
da ascensão das lutas operárias, Fernando Henrique e Lula panfletando juntos, que
nascer bonito, visse? Complicada foi a virada ao centro... e a guinada à direita,
camarada. Pelos seus filhinhos... Na avaliação política mais rasteira de que se
tem notícia, bicho, longe léguas de entender do assunto, sendo só essa pobre
alma sem Hanseníase, bastam-me as patologias de praxe, trazendo, portanto, a
sensibilidade humana de doer à flor da pele, como éééééééé que um partido dos
trabalhadores pode tratar essa energia, esse rompante social: as recentes manifestações de rua – não é o camarote, é a
pipoca, pessoas identificadas e identificando-se com a pipoca!! – é a voz do
povo, cara pálida, é manifestação de rua... Como éééééééé que o partido dos
trabalhadores trata um professor em greve clamando pelo justo, assim, bebê,
desse jeitinho manso, mimoso e conciliador? Tufo. Como é que o partido dos
trabalhadores ou o que restou dele, sei lá, abraça tapinha nas costas um Maluf?
Um Sarney? Um Fernando Collor de Melo? Prevaricação explícita. Alianças tão inescrupulosas quanto as
celestes pflistas de outrora e as azulzinhas psdbistas de sempre, I’m
sorry. Pelo meu bem é que não é, camarada. Visualizo uma cord(j)a de
guaiamum gigante, o gancho das patolas descomunais agitando-se, soltando veneno e beijinhos doces. Melhor
uma solidão de lascar o cano. Ou se amigar com belzebu, o capiroto. Nas ondas petistas, a bonança dos ricos continua, multiplica-se, feito preá dando cria.
Os banqueiros e os milionários seguem rindo à toa. E é para reeleger Dilma,
cara pálida? Perfeitamente. Pelos acertos, que os há, acertos passíveis de regulagem,
de ajustes, concordo, acertos passíveis, sobretudo, de reconhecimento. Ajudo a
reeleger Dilma para arregaçar as manguinhas segunda-feira. Ajuda, Luciana. Porque
o cavaleiro solitário, vocês viram o debate, o criador das vogais travestiu-se
de cavaleiro solitário. Pois bem, o gingado da cadeira de balanço range uma toada caduca: o cavaleiro solitário, o paladino do sudeste,
o sem partido espúrio e sem passado que o condene, é mais vilão que todos os
malfeitores da auriverde Gotham City irmanados, nesse surreal expediente. Ensinamento. Acorda.
domingo, 12 de outubro de 2014
Cachinhos dourados
Estava lendo ainda agorinha sobre Ensino, a vocação para
a nobilíssima tarefa, essa baboseira toda, bastante desinteressadamente,
Cróvis, craro! Isso a dois passos de 15 de outubro, dia de titia lavar a égua,
rarará, um golpe de mestre, meu camarada, um indefectível golpe de mestre.
Doida de atirar pedra, disposta a facultar um quarto ao chifrudo príncipe das
trevas, danada para esbarrar numa frase de efeitos colaterais lacrimejantemente
contundentes, um aforismo potente barganhado na lata por um perfume novo do botecaro, menina, o negócio é o
seguinte: as árveres somos nozes e declaro
oficialmente aberta a temporada de ganhar presentes. Quando era mocinha,
avalie, rarará!, no filó esgarçado do
tempo que Dondon jogava no Andaraí!, a minha pessoa era uma mocinha XXG,
toda vida fui esse transformer desorientado
no meio do caminho, uma desmesura desordenada derrubando os cones, as jarras e
os cálices, rarará... Tímida. Arrogantemente tímida. Tímida de querer ser a
prata da bala, se é que a madame me entende... Na escola, lembro-me como se
anteontem fora, rarará, meu maior sonho era ser pequena... Meu Deus!
Concedei-me a graça de amanhecer pequena, rarará! A senhora saiba de uma constatação: daquela tela descolaram-se para engolir o esquecimento os que me enxergaram no
fim do mundo do fundo da sala, onde meus mais íntimos conflitos, onde meus mais
rústicos excessos escondiam-se. Restaram na memória os professores meia boca,
média 8.5, imperfeitos de cultura, os de voltar atrás com o mesmo gás de seguir
adiante, sobretudo, aqueles de olhar para mim. Um olhar para mim. Se a
megapançuda dona dessa banca, no dia animado de um surto psicótico, resolvesse
virar uma estudiosa da Educação, ela difundiria: no juízo final, salvo estará o
professor que tenha finalmente aprendido a olhar. Olhar é a nossa missão. Isso
de estudar rings a bell, cara,
rarará... Na capa do meu trabalho de conclusão da disciplina Literatura
Portuguesa XXXIV, rarará, Zé Rodrigues escreveu assim: fôlego para dissertação
de mestrado... A heteronímia no Pessoa, espia só o enxerimento... Zé é um
sujeito que o vento não carregou, melhor dizendo, carregou sim, trouxe da
Universidade para o meu portfólio de saudade. Sempre quis descobrir que erva
braba aquele professor puxava, rarará, porque o cara achar que minhas pernas
bambas sustentariam essa empreitada... Logo eu, conservada no viandalho da mais
legítima preguiça. Estudem pacas, meus pimpolhos. Estudem, que não há mesmo de
haver alternativa.
A alternativa é o partido necessário. PSOL? Vai se tornar PT, pode anotar. Stick around, it may show... Garanto que conto, nunca fui baú pa guardar segredo. Votei em Luciana
Genro Socialismo e Liberdade, galera acompanhou, entre entusiasmada, abismada e
profundamente contrariada. Lá em casa, bicho, deu o que falar. Minha irmã teve a audácia de afirmar que foi apenas porque saí de Pernambuco, um comentário
que decidi não comentar, ela é cardiopata, tem sérios problemas de saúde,
pretendo, portanto, poupá-la. Votei vez primeira num candidato a estadual pelo partido, ainda morava em Recife... Deixa pa lá essa porra... Sou forte,
sou por acaso, minha metralhadora cheia de mágoas... Eu apanhei de Fernando
Henrique e CIA anos a fio, descomposturadamente. Jamais gostei deles,
entretanto. Aprendi com Painho. É diferente. Com o PT, eu tinha um caso de
amor, uma estrela brilhando no peito. Dói demais, cara. Trata-se de uma traição
tão funda, mas tão funda, meu anjo da guarda vê meu sentimento ao optar por
Dilma no segundo turno, ele vê, cara. Talvez Luciana tenha me fisgado aí: ‘parei
contigo!’, entendesse? Renunciando àquilo que até um guri buchudo sabe que o
partido dos trabalhadores, no frigir dos ovos de ouro, tornou-se. Essa minha
licença forneceu, sem aliança, sem contrapartida, rarará, rolos de pano para as
mangas, tenho lido tanto sobre o PSOL, o PSOL acolhe em seu regaço o melhor
deputado federal desse país, assim como a melhor bancada do Parlamento, saiu nO
Globo, vigiasse? O PSOL discute homofobia, maconha, aborto, na esquina da rua,
saboreando um caldo de cana e um pastel de feira. Propõe que se pense a
respeito do respeito. Aproveitando a célebre de Lula, rarará: nunca antes na
história do meu país interior, nunca antes nas minhas entranhas, esses assuntos
espinhosos renderam tanto pensar. No momento em que se oferece a Bolsonaro e
sua trupe um estoque extra de mamadeira de espinafre, fortalecendo no
Congresso, no Senado, uma base que não é religiosa, bom se fosse, é uma tribo torpe, truculenta... Bolsonaro
é aquele degenerado do arranca com Preta Gil, o que disse não correr o risco de
ver seus filhos envolvidos com negros, porque seus filhos foram bem educados...
No momento em que a histeria grotesca, preconceituosa, doente, esvaziada de lógica,
de sentido, de um dedo de humanidade, no momento em que Malafaia toma assento
no sofá da minha residência... E eu
confesso que não visualizo o estalo, como foi que, de repente?, isso aconteceu, cara? Sei que foi assim... Nesse
momento, a plenos pulmões, Luciana brada: uma ova!! Pois, muito bem: uma ova!!!
Ninguém é a favor do aborto, ninguém. Esse questionamento não me atingia antes. Hoje me alcança. E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal... O feto anencéfalo, o feto do estupro, o feto que, desenvolvendo-se, matará seu próprio regaço... Faca no feto. Uma mulher que, pelas razões as quais você nem se atreva a
tocar, não julgue, madame, não julgue, uma mulher que decida interromper uma
gravidez, com uma agulha de crochê, vai fazê-lo, não adianta. Que os anjos lhe
concedam alguma assistência intergalática, que ela, por Deus do céu, sobreviva.
Uma mulher de posses vai comprar um médico, dois, três, vai comprar um hospital
inteiro, acredite. A pena existe, é individual, varia de doze a vinte e quatro horas, passando pra dois, cinco, doze
anos, até prisão perpétua, a culpa algemada no calabouço da alma. Depende de como a maluca se sente. Sinta. Há mulheres
católicas, há mulheres evangélicas, há mulheres espíritas, budistas,
umbandistas, há mulheres agnósticas, mulher à toa, mulher ateia... Nossa missão é olhar. Olhar limpo. Igualzinha a Adélia, não dou conta de envelhecer sem uma fé. Tem fêmea que até prefere, cara, o mundo é desse jeito. É preciso
proteger as mulheres. É preciso protegê-las. Debate encerrado? Tenho lido tanto sobre essa mulher
doce e raçuda e bonita, a Luciana. Googlei assim: Luciana Genro escândalos. E
li, li, li, depois li mais um pouquinho. Aparecia a palavra patrocínio, a palavra doação, a palavra empresário, era eu danada lendo. Descobri, afinal, o que é o Emancipa,
essa máquina mortífera de roubar, de fazer dinheiro. Pelo amor de qualquer
deus, gente... Li mesmo, li procurando deslizes políticos mínimos, baques alarmantes,
um escândalo de grande monta, que lhe marcasse em definitivo o caráter, a falta
dele, algo que desabonasse minha aposta no que vai por baixo do caracol desses
cabelos. Luciana tem que matar o pai à paulada e fazer voto de pobreza, depois a gente começa,
se for o caso, a conversa. O mais engraçado é que essa história dos cachos tresemmé de Luciana remeteu-me
imediatamente à fabula, adoro fábulas. O ‘princípio de Goldilocks’ vem daí,
aplica-se a rodo, nas ciências em geral, pode consultar. Não vou dispensar meu
cochilo pra isso. Nunca disfarcei: criei-me vala comum, cova rasa, rasa,
poleiro de pato, pires de porcelana,
dragão partido, flor branca. Ouço o galo cantar e invento o resíduo da
carochinha, rarará. Era uma vez a menina Cachinhos Dourados passeando na floresta.
Cachinhos Dourados topou com a mansão da família Urso Papai, Mamãe Ursa, Ursinho Filhinho. Porque todas as ausências são atrevidas,
e porque Cachinhos Dourados não é bolinho, Cachinhos Dourados foi cutucar o cão
com a vara curta. Diz que já experimentou o mingau, refestelou-se na poltrona e na
cama. O quarto principal mantém-se trancado a sete chaves, tenho para mim que
tudo é questão de ajustar o PESO e o passo, nessa disputa tão desigual, briga
de cachorro grande, de fera ferida. Cachinhos Dourados é uma observadora inteligente
e perspicaz, Cachinhos Dourados é tarada numa análise fria e honesta dos casos.
Juro pela minha mãe mortinha que desconheço o fim desse babado, desconfio que
Cachinhos Dourados esgueirou-se porta afora, nunca desculpou-se pela invasão ao domicílio. Vai dar um rolé na outra banda do bosque. Deve imaginar
que voltando ali, no calor da emoção da coisa toda, Zé Colmeia vai comer o fiofó da garota.
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
Rosa
“À
sombra do mundo errado, murmuraste um protesto tímido”. É
isso só. A pessoa sem um pequeno grande verso drummondiano em que se encostar para tomar um fôlego, essa pessoa
perde o bonde, o equilíbrio, a frágil noção de limite e uma boa banda do juízo,
pode apostar. Não se mate, Carlos... Ah, não te matem... Não te matem nunca,
celeste amigo traqueostômico: minha eterna musa-inspiração, ar de tule, balão
anil de respirar... Outro jovem brutalmente assassinado, circunspecto Carlos,
outro crime medonho, massacre assinado por gente muito da sabida, especialista
em trucidar e ficar tudo por conta do bode, meu poeta conhece a figurinha
tantas vezes repetida, desde que o mundo velho sem porteira é o velho mundo. Essa
raça LGBT é um problema sério encravado no pelo da sociedade, cara, é preá
fêmea, parceiro, essa raça prolifera feito rato, o negócio é torar os bigodes e
as patas, cortar o aleijão pela raiz, ou será que pretendem assumir de vez as rédeas do
planeta tornando-se de repente a imensa, etérea bolota cor-de-rosa flutuando no espaço sideral, meu camarada? Cabe
aos ‘machos alfa adultos brancos
sempre no comando’ a espinhosa tarefa do providencial saneamento, a
dedetização: acabar com a praga e desinfetar ligeiro o ambiente: ghostbusters!! A debilidade mental da humanidade alcança raias bestiais, o êxtase da aberração. Deixe estar: ao homem de bem o homem de bem ainda
vai agradecer tanto, questão de tempo e do devido reconhecimento.
Depois da consulta, anteontem, umas dez e meia mais ou
menos, apeei as ancas no Lagoa Shopping, aquele cappuccino da hora, o de turbinar o coração e as ideias, a senhora
me entende. Com dez minutos de conversa fiada mais a moça do quiosque, entrou
um rapaz, deve trabalhar num andar ali de cima, um charme, uma simpatia o
menino, madame. Atrasou-se para o serviço, decerto, porque cumprimentou o povo
de todas as lojas, bora resumir: a mais generosa lançadeira de bom-dia que já vi é esse menino, cara. O
menino deixou um rastro de luz, um perfume de alegria, uma coisa
impressionante. O menino passou por mim de dente no quarador, sabe aquele
sorriso abrupto, adventício, o de alvejar o encardido da franja da manhã mais
esfumada? Assim. "Estás nu na areia, dorme, meu filho", dorme pesado no colinho ninho de Maria, sussurrei, lembrada da dor na carne do poema. Na falta do que fazer, fiquei matutando uma montanha de
besteira. Quantos amigos o guri tem naquele lugar? Quantos desfrutaram daquela
energia bacana, quantos gentilmente lhe acenaram, imaginando que poderiam lhe
querer algum bem legítimo, se ele não fosse tão irremediavelmente boiola?
Quantos fingiram direitinho que ele é um indivíduo normal, igualzinho a nós,
não é verdade? Quantos acharam que o menino vem pedindo uma robusta camada de
cacete, que alguém ainda lhe acerta a tampa, a senhora não enxerga como ele
desrespeita, provoca, ofende a família brasileira, nojento dando tanta pinta? Quantos
visualizaram seu corpo esfolado, os rubros pedaços sangrando, quantos
arquitetaram um plano perfeito naquele instante, aproveitando aquela mesmíssima
espada pairando reluzente sobre a sua cabeça de vento? Quantos dariam cabo dele
e da sua maldita corja esvoaçante, largando nas mãos de Deus a tal adaga manchada da barbárie?
É tão elementar, que a galera perversa não compreende, coitada: plante uma bananeira, transmute-se, vire do avesso, viva apenas uma semana uma vida que não
é a sua, sendo quem você não é, para ficar melhor para o capricho do seu
vizinho temente, sob pena de deceparem-lhe os culhões para dar para o gato, aí depois a
gente troca uns preconceitos. Pimenta no rabo alheio é refresco de atemoia. Bato pa tu pa tu bater pa tua patota, palhaço. Vá
capinar um lote na cadeia. Nelson Rodrigues dizia que o pior da bofetada é o
som. Uma porrada muda não humilha ninguém, acaba em pizza, algoz e vítima em
festiva confraternização. Façamos um barulho infame, ensurdecedor, molecada.
sexta-feira, 18 de julho de 2014
Overdose
A culpa é do Rubem, cara. Inventei de me enroscar com o
guru das horas tenras e tensas da minha caminhada sem espalhafato, três vivas
para o mestre querido, ‘meu Iaiá, meu Ioiô’, o Velho Braga imortal, imortal!!
Rubem Braga – o codificador da bagatela essencial, o artesão das vitais desimportâncias,
o catedrático da falta de assunto, o cronista que nasceu e viveu para redimir a vaidade da humanidade metida à besta. No dia que eu mentir, a senhora já sabe. Gastei a
semana inteirinha ruminando histórias cascudas, boas de refogar e servir à moda: uma cutucada impiedosa na
questão da gravidez na adolescência: Maria, a minha assistente presencial e
remota, rarará, descobriu que sua neta de quinze anos vai ter um bebê, água
morro abaixo, fogo morro acima e menina enjoada da boneca, doida pra dar, meu
camarada, quem segura? Pretendia arriscar também um novo gorjeio sobre
homossexualidade: Clara, Marina e Tânia Mara abrindo o fole, rarará, pense numa
musiquinha aporrinhante é o tema das donzelas apaixonadas da novela. Água morro
abaixo, fogo morro acima e duas mulheres enamoradas, doidas pra dar, ampla entrega absoluta, afã de comerem uma a outra, meu
camarada, quem segura? Outro comichão recente, madame, por conta do sumiço do
livro, confesso. Penso que cumprir a vida
seja simplesmente não roubar o que é dos outros. Não roubarás casa, coisa,
corpo, colo, consciência e coração dos outros, simples como a gota d’água. Água
morro abaixo, fogo morro acima e o sujeito sem moral nem bons costumes, o
degenerado a postos, de plantão, o patife doido pra tomar pra si o que não lhe
pertence, meu camarada, quem segura?
Duvido alguém se
interessar é por meu excesso de peso, papo inútil, quem diabos liga, cara? Conversinha fiada que sequer provoca cócegas. Escovando os
dentes, me olhei no espelho, pra quê? Gorda, profusa, avantajada. Graúda sim,
desmantelada, neném, jamais - meu norte, minha filosofia. Volume sexy,
suculento, apetecível, de devorar com dez talheres, cara. Maior que a média, isso desde o berçário,
ninguém duvide. Aliás, saí da maternidade deixando Dona Rita para trás, a ver
navios, coitada, fodida, acabada, estropiada, arrombada da peleja de parir um
rebolo de cinco quilos. Diz que quando ela finalmente recuperou-se, retornou ao
lar doce lar para eu dar de ombros, rarará, nem aí nem chegando, nem leite de
peito queria mais, habituada ao afável sabor das guloseimas em lata. O absurdo tem limite. Existe uma diferença
brutal entre a criatura perder a forma de barril fiu-fiu bem devagar, mordiscando
uma paçoca, um brigadeiro extra aqui e ali, a boca nervosa trabalhando
incansavelmente na poda da vestimenta, rarará, na derrocada da medida mais ou
menos certa, e a criatura adormecer fofinha para amanhecer obesa mórbida,
carecida de uma urgente urgentíssima cirurgia bariátrica. Desse jeito. A
prednisona infla o contribuinte no susto, overnight,
cara. Dá um desgosto, uma vontade de nada, a gente fica com aquele semblante de
‘comeram meu pudim’, such a devastated full moon face, uma melancolia, bicho, uma
lástima. Começo a fazer 10mg/dia exatamente hoje, uma lasca de alegria. A partir dessa dosagem,
garante o médico, o inchaço tende a lentamente regredir. Não que eu deseje ser
a mais bonita também por fora, rarará, não se trata disso, por
fora bela viola, por dentro pão bolorento. Mas, cá pra nós e pro povo, sem
mais delongas, na cara: tomara, meu Deus. Tomara.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Doutor Malogro
Bando escasso, arraia miúda: eu mais dois ou três felinos,
pingados e silentes. Calados, embatucados, prostrados, consternados. Leitora do
meu afeto, sem tirar nem acrescentar um trema, é o seguinte: o laboratório
parecia um templo budista. A minguada plebe
rude não abria o bico outrora aceso, palestrante, estrepitoso de palpites. Jazíamos,
cara, inertes, catatônicos. Isso me deu um amargo na língua, um desgosto só, só
a criatura vendo. Observei meus pares e ímpares, pensei assim: somos da banda pobre,
a gente deve ser ‘muito da’ pobre, meu chapa. Somos podres de pobres, parceiros,
só pode. Pobres e capricornianos. Concílio de ‘cabras’ da peste, pois, uma
modesta fatia de caprinos autênticos, sim, não resta vulto de dúvida: nenhum
capricorniano da gema cai feito um patinho no papo furado ‘a taça é nossa!’, esquecido
de berrar da arruela saltar do miolo inflamado, o justo protesto ‘se hay gobierno filho
da puta, soy contra!’ do chão da praça. Acaso despencando, para erguer-se é uma novela. Capricorniano não cai para levantar no
susto, sacudindo disfarçadamente a poeira do tombo, dando a volta assim, vapt-vupt, num piscar de turvas retinas
de lince, com destreza de ginasta e duas risadas, duas sonoras gargalhadas de Fafá. Ninguém tem pressa de vestir azul, bola para o cume, a vida segue, não
mesmo. O capricorniano sabe honrar o luto, acolhe o momento da tristeza como
abraça um seu recém-desencarnado, chora todos os brotos da pitanga, abona o
pranto propício e farto. Desfavorecidos de capital, sim senhora. Miseráveis. Duvido
o contribuinte abastado, montado na lenha, na bufunfa, o dinheiro escapulindo
pelo colarinho de grife, o pereba se achando, sentindo-se o dono do jogo e da
banca, duvido perder o sono e a alegria para uma reles semifinal de copa do mundo, não
mesmo. Rico perde uma alegria de manhã, compra três de tarde, é desse jeito. Viaja
para Porto. Seguro, de Galinhas, do raio que o parta. Ou afoga as mágoas em
Frankfurt, vai se recuperar em Munique, um bom refazimento no coração de Berlim
é o que há, tô errada? Se lhe parece... Somente no peito machucado do fodido é que a humilhação
da vida inteira, num segundo, aflora, lascando tudo. A síndrome de vira-latas
acomete quem não tem um pau para bater no gato que não tem nada com isso. Coitado
do torcedor fodido. Coitado do gato. Aquela dor sentida, inesperada, abre um
leque de mazelas, desfia um rosário de descontentamento. Parece até que o pobre
nunca teve um pequeno dia da mais louca alegria. Eu disse ‘parece’?
Entendo de futebol
como entendo de análise combinatória. Entretanto, sofro de nascença. No que
sofro, rumino. No que rumino, aprendo. No auge do flagelo, a ferida supurando, minha
senhora, o sujeito querendo ou não, cedo ou tarde demais, aprende. Um currículo
esporte espetacular nunca alimentou canarinho. Arraste seu passado glorioso cravejado
de pedrinhas de brilhante - uma maçaroca dessa idade! – estrada afora, carregue
o calhamaço de títulos num carrinho de mão, para aliviar o peso, take it everywhere, terá desperdiçado um
transatlântico de energia e tempo. Quem precisa do passado é museu, companheiro.
Se o passado servisse para alguma coisa, seria um presente. A vida exige da
pessoa uma abertura, um despojamento, um frescor, sei lá, uma atitude bastante
diferente. Um deslocamento de intenção: o desejo de crescimento a partir do seu
redor, da novidade medrando à sua frente. Um olhar buliçoso, neófito, calouro, estagiário,
sempre aprendiz, menos altivo, menos ‘doutor’ e muito mais ‘paciente’. Um
profundo reconhecimento da imperfeição humana, uma humildade íntima, entranhada
nas células, humildade serena e permanente. Curriculum
vitae é currículo morto. Cada noite, um óbito. Cada madrugada, um trabalho de parto. Cada manhã, uma semente.
segunda-feira, 30 de junho de 2014
Meanwhile
Assim
é, se lhe parece.”, o que tem pra hoje. E pra todos os
vindouros dias do pra sempre, até que a morte não separe, simpatizo demais com
a Doutrina, essa onda de depuração ad
infinitum me dá um consolo... Ademais, sou chegada num Gasparzinho
fantasminha camarada, digo logo, nem sei se meu leitor já sabe. Hei de assumir,
perante a humanidade atônita, rarará, a condição e a opção espíritas - minha lei, minha questão. Reconheço,
entretanto, que é bastante cedo, permaneço vergada de deslizes, transgressões e
delitos vários, para tanto, preciso melhorar um bom bocado. Assim é, se lhe parece. Isso
é Pirandello, madame, romancista e poeta italiano, cabra da peste esbanjando um
tonel de inspiração existencial, rarará, no exato, precioso instante em que proclama a
grande verdade. A senhora experimente, no próximo arranca-rabo das ideias surdas,
fanáticas, desarvoradas, espumando, bufando, mordendo-se reciprocamente,
rarará, no calor do embate, a ilustre leitora deixe escapar, assim como quem
não quer nada, e querendo dar o assunto por encerrado: assim é, se lhe parece. Uma
economia de calmante. Um santo remédio. Vou esclarecer por que funciona: o
interlocutor não pretende mudar de opinião, decerto. História de cada um, vaidade,
orgulho, arrogância, fragilidade, insegurança, aquela convicção irrefutável de
uma razão demente. O interlocutor pode estar redondamente enganado. Ou
absolutamente certo. O contraditório da vida. Deus anda nu pelo subterrâneo da alma atormentada, Deus é intimus gel das vicissitudes do
contribuinte, Deus entende as mazelas humanas, a gente nunca. A gente não pretende mudar de
opinião coisíssima nenhuma, a gente é o cara, gente. Assim é, se lhe parece é feito reconhecer-se elemento da multidão no
meio do caminho, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, aprendendo a jogar.
É declarar publicamente: não consigo assimilar seu raciocínio, sua fala, sua
justificativa, seu comportamento, seu sentimento ou completa falta dele; não
aceito um milímetro disso aí, purgante, mas tolero. Não consta nos autos do processo que temos que
nos afinar a qualquer custo, amarmo-nos profundamente, abraços e beijinhos e
carinhos sem ter fim, não vá por aí, ainda não existe esse conto de fadas. Tempo
haverá, colega. Degolar é pecado. Respira. Tolera. Há relacionamentos tão
duros, tão ásperos, tão complexos, há rivalidades tão antigas, que só mesmo o
esquecimento... Minha quarentena de cinco meses tem sido providencial nesse sentido,
acredita? Sem autorização para o oco do mundo, a pessoa pega o beco que desemboca
no pavilhão de dentro. Resignação. Tolerância. Auto-conhecimento. “Conhece-te a ti mesmo.”, uma provocação
robusta, a danada. Recua, procura identificar a raiz da pereba. Descobre por que te apraz afiar o dente, abocanhar
o ombro, atravessar a pele, arrancar um pedaço da carne do teu irmão oponente. Um jeitinho fofo de tentar derrotar... Conhece-te a ti mesmo... Máxima de Sócrates, que desencarnou de beber, parece
que enchia a lata, coitado. Mas batia um bolão existencial, rarará. Futebol chique, de
respeito, meu chapa.
terça-feira, 27 de maio de 2014
Pancada
A
carne mais barata do mercado é a carne docente, francamente! Ando com minha cabeça já pelas tabelas
com esse desgoverno do PT, de mais a mais, ando pelas tampas é com o alfabeto
inteiro, P da minha nada mole vida, cordial correligionário! Impressionante a mudança
das letrinhas, a dança das cadeiras, o balé da batuta, a imutabilidade pétrea da
soberba, do egocentrismo, da pilantragem e da safadeza. Qualquer poder,
qualquer, qualquer mesmo, no frigir dos ovos, estapeia o visual, enfeita o
maracá, turva, contamina e perverte, é desse jeito. Não se iluda, não me iludo: o sujeito virou chefe do almoxarifado,
no mesmíssimo dia, à tardinha, é batata, favas somadas: perdeu uma banda do seu
caráter reconhecidamente ilibado, assim caminha a humanidade. Até pensei em
escrever uma historinha perfurocortante acerca da sova dramática na bunda
do operário em construção imorredoura: o mestre, amado mestre, ilustre mestre
com carinho. O Governo espanca, esfola o couro da gente, madame, beliscão de
arrancar o pedaço.Tal é, afinal de contas; a bolha translúcida queimando, o
vergão na polpa que mainha beijou, ali, latejando, trauma no íntimo da alma,
indelével marca também sobre a carne de terceira, a mais barata do mercado, ferida
dessas mal cicatrizadas, lesão renitente, daqui para trás e daqui para adiante.
Esse Governo rabisca história às avessas, trama igual e diferente, uma bela
bosta, sabe? A Lei da Palmada vai com mais de mil para o picadeiro do Senado, a
rainha dos baixinhos beirando os quarenta, rarará, Xuxa na câmera da Câmara, rarará,
soletrando serena a lição para casa: con-ver-se-mos: con-ver-san-do é que a
gen-te se en-ten-de. Dilmaligna tem ouvido de mascate, deduzo, surda de pai e
madrasta ao apelo do mais prejudicado, ‘conversar é o cacete!, vão trabalhar,
vagabundos!’, pau literal, pau para comer sabão e pau para saber que sabão não
se come. Nem de futebol eu gosto, manja? Aliás, leitora querida, confesso que
jamais cogitei vir a sentir, pela trupe do Partido dos Trabalhadores, o que aurora
sinto, meu peito toda vida palpitou no tambor da rubra estrela Lulalá, a
companheira acredita? Chorei três noites, legítimo contentamento, do Presidente
da República ser aquele genial torneiro desdedado. Quem quiser que defenda essa
INDIgestão, ando pelas tampas. Do alto da torre, irmão, meu olho empapado
vistoria um país tão longe de ser pátria boa e justa, Brasilzão descontente,
distante léguas da alegria. Entre porta-níqueis e pochetes, alguma coisa melhorou,
decerto, estudo os números, Cróvis, craro. Deve ter melhorado também, e bastante,
a condição de tão facilmente penhorar a jóia de um ideal, princípios, decência.
Melhorou muito a possibilidade de mamar nosso dinheiro e brio, sem culpa,
melhorou o meio de roubar o povo, descaradamente. Meu asco, minha agonia, minha
vergonha é a lama encarnada do momento, essa pereba moral, essa corcova ética, um aleijão. Corrupção é corrupção - magenta, violeta, verde, azul ou amarela - é sempre o déjà vu, o eterno ranço, quem diria... A confirmação de
que ninguém parece saltar do tremzinho do Palácio com as mãos simples e limpas.
E vazias. A bem da verdade, pretendia era desabafar, desisti da função em
seguida, convém respirar, respira, pois, megapançuda. Reconsiderar, retroceder,
mais que navegar, é preciso. Once and for
all, aprender a manter a ‘pressão, pressão, vou explodir!’ arterial abaixo
das raias da loucura, pulsando ali em treze por oito, no máximo, nunca de never more acima disso - meu dever,
minha salvação: from now on, caro
comparsa, é o seguinte: nem vem de garfo porque a janta é sopa: ninguém mais me
toma a paz, que não consinto.
Avalio o deserto, o
precipício, a inclemente escuridão da mastodôntica falta que faço, rarará. Quantas
visitas ao brogue, nenhuma novidade. Visualizei a senhora desmanchando outra
vez o sorriso, fechando o outrora faceiro semblante, “me sentia tão rico deste dia, e lá se foi secreto”, sem vestígio
de Fuchique, rarará. Perdão, pessoas. Três meses e meio de edema, náuseas, vômitos,
distúrbios abdominais, cefaleia, tremores, sudorese, arrepios, disfunção
menstrual, gengivite, cistite, visão turva e o raio que o parta justificam a
ausência, espero. Há travessias solitárias com pedigree, sabe? Irremediavelmente nuas, frias, cruas, sombrias, absolutamente não compartilháveis. Quando a dor e o pavor suplantam qualquer nesga de entendimento,
o verbo não comporta o peso, a gente sofre às cegas, desacompanhada. A gente emudece, em respeito ao sábio tempo da consciência de todas as coisas.
segunda-feira, 17 de março de 2014
A voz do outro
A moça abanou a asa um segundo, foi a conta, derrubou as
guias de atendimento, voou ficha, cartão de plano, carteira de identidade, tudo
para tudo quanto é canto. Outra moça, menos moça, acercou-se do fuá, nariz
aceso, braba siri na lata, escalpelando a guria, coitada. Um constrangimento a
criatura ser repreendida assim, na frente do povo, e sem o sobrepeso da culpa,
ainda por cima. Porque, sinceramente, vamos combinar um negócio: se aquela
jovem, dentro daquele furdunço de laboratório apinhado, àquela hora conturbada
da matina, com os devoradores de compromissos a mil, a patota futuro da nação
parindo gêmeos, dando ataques epilépticos, se aquela jovem, ali, deliberadamente,
de caso pensadíssimo, preferiu espalhar a papelada no soalho, arriscando-se a
perder o emprego e a pele de pêssego, aquela jovem está desenganada dos
psiquiatras, ela mesma amarrasse os laços da camisa e adentrasse o camburão
descorado, o comboio branco leite espalhafatoso disposto a empacar o trânsito
para a maluca sozinha desfilar, rarará, aquela jovem rumasse atônita,
desorientada de crachá, para o acolhedor regaço do sanatório geral vai passar,
concorda? Doida de beber veneno, né não? Pena que não consigo me ajoelhar,
entrevada feito o cão reumático, não movi a palha. Ajudei ajuda pouquíssima,
disse a ela que era besteira, menina, acidentes acontecem, ora. Ninguém pode
matar, ninguém pode morrer por um atraso. Fez de propósito? Fez para ter
trabalho dobrado? Fez para apanhar dos contribuintes presentes ao recinto? Ando
muito ressabiada com a humanidade, sabe? Que fim levou a piedade, a doçura das
pessoas? Trocar de lugar um instante, other
shoes for a while, existe esse fenômeno psicossocial aterrorizante, cara, o
profundo desconhecimento do outro, que não é uma escultura, é gente! Uma
omissão, uma insensibilidade, indiferença por seus pares, cara, ou sua raça é
desigual, meu camarada? Fico bege com um trem desses! “Não conheço nem vou, que
não disponho de prazo, muito menos de paciência, tolerância, respeito, cidadania
e vontade”. É como observar as crianças extemporâneas, lamentavelmente tão
prematuramente adultizadas, mulheresinhas e homenzinhos aguardando a seringa, nenhuma
lágrima, anões acompanhados de seus papais amorosos, diligentes,
autossuficientes a duras penas, onipotentes e refratários. Em que momento elas
desaprendem? Por que os pais não desejam mais que seus filhos vinculem-se? Que
grande perigo pode haver? Mínima abertura, tanto melhor, as ameaças açoitam. A
senhora se lembra de quando as crianças eram crianças? Eu toda vida reconheci
uma criança pela janelinha aberta para o meio do mundo, o sorriso amplo,
desdentado, a persiana do olhinho escancarada, vão, canal, fresta, festa, uma
flor do campo convidando a brincar, a achar graça, criança é convite, qualquer
criança quer relação, troca, encontro, a criança vive de convidar a gente para
ser seu amigo, pode reparar. Uma temeridade isso, cara. Não é minha mentira
que, esbanjando essa saúde de ferro, desde 2009, frequento o laboratório em questão,
com a fidelidade de um cachorro adestrado, até porque não me concedem outra
possibilidade. Não é minha mentira: faz cinco anos que repito a frase: a Unimed
Vale do São Francisco está no registro de vocês como Unimed Petrolina, repito para
entender que sou ouvida, lida e amada, quem não quer experimentar uma vez, cara? Faz cinco anos que as
funcionárias do estabelecimento insistem em me reservar a saleta dos nunca te
vi mais gorda, a cela dos estranhos, as peruas erguem-se da cadeira, vão
confirmar com o Papa, retornam meia hora depois, admitindo “a senhora tem razão”.
A leitora avalie o bem que me proporcionaria um modesto gesto de carinho, uma aprovação, um assentimento, uma
desobediência à toa, um gozo na alma é o homem perceber uma nesga de confiança
na sua palavra, por Deus, é a sua palavra. Um
dedo de rua e a sombria constatação: a humanidade está programada para foder o
irmão, para dificultar o passo das pessoas, seus semelhantes na Terra, já
atinou para isso? O prazer supremo, o regozijo de dificultar. O júbilo de
encrencar, atravancar os processos. No semblante, pupilas dilatadas, a galera
cegueta de pai e mãe, nutrindo distâncias, vertendo abismos de autoridade máxima
– “seu coração é uma ilha a centenas de
milhas daqui” - no tom da voz, na má escolha do verbo. Impressionante. A
coisa mais rara das galáxias é a gente topar com alguém como nós, um peão um tiquim mais antenado nos umbigos diversos, um cadim mais empenhado em promover o visgo, o engate, facilitar, de alguma sorte, o lado frágil, o pedaço de cá, a banda da(e) gente. Simplificar a própria
vida e a vida dos outros é o nosso dever e a nossa salvação. É caminhar para o
amor, gente. Fico atarantada com essa fartura de falta. Falta de quê? Da
ideologia do contato, porra. De projeto humano efetivo: afetivo, solidário, coletivo. De ponte,
de calço, de impulso, de aproximação, de dendrito, gente! A quantas anda a
conexão de almas na sua jurisprudência?
sábado, 15 de março de 2014
A casa da palavra
-Alô?
-Quem está falando?
-A senhora quer falar com quem?
-Fernando.
-Aqui não mora nenhum Fernando, senhora.
-A senhora tem a voz parecida com a dele.
Minha voz é idêntica à voz de Fernando, um contribuinte
da família de Anderson Silva, parente próximo do mito, muito possivelmente,
rarará. Fernando, meu camarada cabra macho, vai falar fino assim em Las Vegas,
Estados Unidos do Barak!!, rarará. Parece que Anderson mudou-se de mala e cuia,
tomou casebre por lá, soube recentemente, meu desinteresse por esse cara chega
a ser desconcertante. Aliás, ando mais desinteressada de coisas
desinteressantes do que nunca, a leitora experimente adoecer seriamente de
qualquer doença muito da chique, veja multiação, vigilante, o que se passa. Contrariando
a recomendação clínica, o doutor insiste, eu desconverso: por isso que ainda bebo
tanto. Por isso, também, não tão bem quanto gostaria, escrevo, escrevo de
empenar o chifre, e toda semana é a palavra para sempre varrida do solo marfim,
uma lástima, a palavra cigana, bandoleira, desaparecida das areias que pisei
descalça, esfolando a planta, justo aquelazinha, a palavra do clímax, a palavra do cigarro, a de
burilar a pedra, suavizar o contorno, a palavra de aparar as pelancas do eterno texto. Escrevo,
moço. Escrevo. Se está incomodado, achando a conferência ruim para cacete, o jovem mancebo dê seu jeito. Escrevinho sinceras abobrinhas de mentira, o povo aposta
na invencionice, “Adriana inventa, Adriana inventa!”, batata. A mulher desligou
e ligou de novo, Ronaldo que atendeu, bom é ter testemunha, Ronaldo voltando
pra cozinha, morrendo de rir: a mulher tá doidinha pra conversar com Fernando
bico fino, rarará. Obviululantemente, pois, tudo a mais cândida verdade. No pequeno
dia em que a minha pobre alma atormentada faltar com ela, a minha poeira de verdade,
terei faltado comigo, a falta mais grave. Comigo nunca mais fico em falta, acordo
interestelar, pro Das Esferas já fiz promessa. “A mentira é uma verdade que ainda não aconteceu”, com isso Mestre Quintana
e eu concordamos.
“Failure to prepare is preparing to fail”. Máxima da escola de grife onde trabalhei
quase vinte anos, avolumou-se-me tamanho trauma de excelência, o bichão
instalou-se na medula das entranhas, decerto por causa disso mesmo, hoje compreendo. Meus amigos guardavam cadernos e mais cadernos de planos bem
sucedidos, lesson plans certificados, pau de sangrar doido, minhas folhas avulsas morriam na lata do lixo,
a demora era o sino bater. Por quê? Porque eu abro espaço. Porque eu confio no
presente. Porque eu descarto aqui para colher adiante. Era tanto planejamento, moçada,
papéis, papéis, meus inconsistentes planos de aula à janela indiscreta, olhos
duros, cascos rijos, patas estritas, calosas, implacáveis, desacostumadas à humildade,
à partilha e à ternura, meio mundo de gente pitacando, apalpando minhas carnes,
com que direito, meu Deus? A gente pode interferir no coração da ideia do
outro, cara? Que o infeliz tenha a oportunidade de crer no sonho capenga, de tentar
uma manobra radical, um giro de dança, rarará, de quebrar a fuça e os dentes, de
que outro modo se aprende? Há que se respeitar as ideias alheias, existem
outras cabeças menos brilhantes, vivinhas da silva, espermatozoides menos
espertos que deram a maior sorte, cruzaram antes a linha de chegada, rarará, de
repente, pimba!, um belo e forte rebento, a gente vai afogar no lago porque não
pariu a criança, pereba? A madame, por acaso, num relance, perguntou aos botões
da blusa como é que não enlouqueceu até agora, do pé à ponta, com as cobranças
malucas e despropositadas, filhotinhos legítimos da frescura com pedigree, do orgulho
e da vaidade, a senhora dimensionou como não pirou com as mais estúpidas demonstrações de poder de
isopor, no decorrer da sua nada mole trajetória profissional?
Para não espalhar que não mencionei as flores, tenho
arrebentado a boca do balão no planejamento para as aulas de alfabetização de
Maria, a dona da história, a minha doce assistente para assuntos aleatórios: “Maria, o teu nome principia na palma da minha mão”. Arregaça, Maria. Maria percebeu
que tudo é pedaço de som enlaçado, significando o pote do seu alcance e o baú que
ela ainda não descobriu, tempo haverá para revolver e afagar a terra. Sílaba, Maria. Sílaba. A gente tem que se entender com
as letras, Maria, que, sem as letras, essas belezuras que mamãe beijou, sem as
letrinhas, a gente não pode enxergar esses sons, a gente não enxerga nada. E no
som se pode viajar, Maria. Todas as palavras são suas, o desenho, a melodia, cada sentido e apelo, tudo seu, jamais se esqueça. Nisso não consinta que alguém se meta. Todas as palavras são
suas, Maria. Conto com você para encontrar a minha.
quinta-feira, 13 de março de 2014
A fada do dente
“Morrer
é só não ser visto”. Ponto para a pessoa do Pessoa. Recebo um
telefonema, vindo de lá, diretamente da batcaverna – a celula mater - uma moça boazinha que só, a moça me informando o dia
e a hora da perícia médica, em Campos dos Goytacazes. Esclareci que não posso
viajar, e nem é porque não quero conhecer a instituição, nada disso, “eu amo o longe e a miragem, amo os abismos,
as torrentes, os desertos”... O problema é que o doutor não deixa mesmo,
nem que a vaca tussa. A alternativa que gentilmente me oferecem é esperar. Devo
ligar para remarcar a perícia quando estiver liberada para a viagem, noutras vãs
palavras insensatas, completamente curada. Tenho um baú abarrotado de retalhos
multicoloridos para cerzir a crônica definitiva a respeito disso, a senhora
jamais duvide. Obviululantemente, declino o convite à contradança indignada “à sombra do mundo errado, murmuraste um
protesto tímido”, posso agora não, passe mais tarde, há que minimamente
resguardar-se, polimiosítica ‘inflamada’, rarará, e desmiolada. Do alto do
manso, a contribuinte sem saúde reivindica, pois, um breve intervalo, café e dois
dedos de paz na alma, se tem uma coisa inútil que incrustei na profundidade da
pele, ao longo dessa minha doce vida besta, é aquela máxima não sei de quem,
nem pretendo pesquisar, porque posso, não faço, Aldous Huxley ‘rings a bell’,
acho que é citação dele: os mártires penetram na arena de mãos dadas, mas são
sacrificados (ou será crucificados?) sozinhos. Bairrista atrevida, petulante,
sem papas na língua, ratifico: em Pernambuco, uma dificuldade dessa fragrância,
simplesmente, não existe, isso não acontece, palavra de quem foi meio filial e meio
matriz, decerto. “A morte é a curva da
estrada”, Fernando Pessoas. “Morrer é
só não ser visto”.
Minha dentista
confirmou a suspeita, dissipou-se uma camada das presas, fale aí a leal leitora
dos meus esdrúxulos percalços, madame do céu, quando, em seus piores dias, a
senhora imaginaria uma doidice assim? Alguma substância do tinhoso corroeu o
meu sorriso, querendo, acredite. Fiquei tão impressionada com a novidade dando
à praia, bem que eu já sentia uma intrusão, uma esquisitice, como se a gengiva,
do nada, despertasse, virasse um organismo cheio de vontades, tudo túmido, rarará,
sensível, me ardendo, o fio e a escovação produzindo uma areia de dente, uma
farinha de esmalte, arre, égua! O capítulo mais interessante do tratamento
odontológico é o preço módico, pela fé. Minha felicidade é a teima, a pirraça, uma
confiança inabalável na plena recuperação das faculdades físicas e psicológicas, só penso em
trabalhar de morrer, de cair o panamá, sei de alguém que não logrará escapar de
pagar essa abrupta despesa, “barco perdido, bem carregado”, Dona Rita repetia, que
Deus me ajude. E Deus ajuda, pereba. Deus ajuda. Ameaça: Deus. Covardia: Deus. Dor: Deus. Pavor: Deus. Solidão: Deus. Compaixão:
Deus. Perdão: Deus. Transformação: Deus. Destino: Deus. Deus morde e assopra,
caçoa, consola, Deus. Deus de mola. Deus demole e edifica o íntimo altar do mamulengo.
Condenados à eternidade, lembremo-nos: o mafuá conta com excelsa Gerência, o time tem
Diretoria.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
O segundo sol
Uma
saudade enorme come, deita e dorme no meu coração.
Ainda bem que eu sei cantar, digníssimos leitores do meu respeito, ainda bem.
Canto de morrer, de deturpar as cordas vocais, toda vida fui assim, gosto de
música para escutar e para acompanhar no gogó da siriema, rarará, dois tons
acima, esganiçada... Isso da saudade enorme é um forró forrado, danado danadim
de bom, uma saudade enorme come, deita e
dorme no meu coração, remédio indicado pra quem está errado é pedir perdão...
Ontem, na boquinha da noite insensata, rarará, Ronaldo me flagrou foi no seio
do chororô, maior vexame, cara. Ronaldo fica injuriado quando me surpreende
derramando as rubras e vultosas pitangas, rarará, o macho adulto da espécie tem
essa besteira, fala a verdade, madame, essa dificuldade ancestral com
transbordamentos de qualquer ordem, tanto os pessoais, subjetivos, quanto os
alheios, chega dá pena. Complicado administrar tais momentos Manoel Carlos em família, porque engasgo na hora, do
susto de engolir ligeiro o sal das compotas, a lágrima empedra no miolo da
laringe, balbucio equações primárias incompreensíveis, vou grunhindo nanicas
notas de rodapé, rarará, uivando para a lua meus mais entrecortados e
cristalinos esclarecimentos, os quais, by
the way, meu doce homem da cor brasileira, obviululantemente, não entende, rarará,
é desse jeito.
Todo aquele que, a essa altura da peleja com a poli, não faz a menor ideia do que se
passa no espírito e na musculatura da blogueira mais famosa aqui de casa, faça
à dona deste probo blog ursinhos carinhosos a gentileza: levante o traseiro
daí, juntamente com o seu sebento acampamento, e troque imediatamente de
freguesia, siga seu caminho na paz dos covardes uniformes e regulamentados, à
espessa sombra da insensibilidade desumana, peregrina com o anjo mau que te
escolta a carne e o nervo indiferentes, vai para o diabo que te carregue, árido
irmão de alma vil, vai se queixar para o bispo, vai mesmo, e se puderes, não
voltes. Não gasto mais uma tira de imbira da minha nada mole existência aventureira atrás de
angariar um aplauso e uma lambida: o rabinho abanando, a simpatia e a consideração
de quem quer que seja. Dane-se, meu negócio para o instante e sem demora é a
liberdade dos afetos espontâneos, aquela querência recíproca desabalada, à
superfície do lindo lago do amor, silvestre florzinha mística, miúda e branca,
perolada, nasceu lá porque quis, ora, iluminada ao sol do novo velho mundo, e desprovida
de entretantos, de estranhezas, de
infantilidades, de ofensas bicudas, de percalços e de condições tão adversas,
amém.
Minha reclusão provoca a dor de uma saudade, decerto. Doeu,
deságuo, não tem jeito. Sabe aquela saudade roxa, blue e esverdeada, cintilante: um hematoma sorridente? Pronto. Cada
mergulho no perene açude da saudade é um flash,
o holofote queimando lenha nos becos escuros das cruas intimidades, um insight, um brusco entendimento de quem
ela era e de quem vai, pouco a pouco, se tornando, sua mais firme, funda e
fatal identidade. Saudade inconsolável dos que me amam sem renúncia, sem
confronto, sem conversa fiada, sem sofrimento nenhum, amam a gorda
escrevinhadeira e acabou-se, essa gente esplêndida, valente na coragem mansa de
amar e revelar publicamente “Adriana,
mulher, eu te amo, esqueça nunca não, eu te amo”, mobilizando céus e
terras, um volume de luz, de vibração do e no bem, de energia limpa, positiva, que
é como um alazão de fogo em movimento, galopando ao redor de mim, erguendo do
chão o pó dos astros, das estrelas, a nuvem de pirilampos pousada leve na polpa de
um profano véu de incertezas, temores e vulnerabilidades. Um cobertor de mais de um milhão de vagalumes. Meu aluno me conta que
reza por minha recuperação toda calada santa madrugada, e não é porque pedi, que sou esse exemplar, fêmea ainda bastante envergonhada, Dona Adélia, o menino reza porque o menino
quer. Meu amigo me garante de pés juntos que a minha dificuldade o reaproximou
de Deus: “me lembrei de Deus, Adriana, bato
papo com Ele à vontade, os cascos no sofá da sala, numa saliência que só vendo,
e a culpa é toda sua”. Segunda vez já que a mãe da aluna telefona para me
dar uma atenção, fofocar um pouquinho, “você
deve se sentir tão sozinha, Adriana, muito ruim, eu imagino!”. De manhã, é
o telefone piando, minha irmã Iêda, lógico, logo cedo atentando, perguntando se
dormi, o que comi, o que não comi, se estou com azia, se tomo leite, como está
Ronaldo meu cunhado querido nessa confusão toda se virando. Felipe não escapole
para a cama sem me mandar um beijo face
de boa noite, isso todo dia. Olhares tão ternos, palavras tão quentes e
serenas, gestos tão nobres, o amor só procurando uma brecha, uma desculpa, para
mostrar na cara de pau a cara. O amor cutuca, se importa. Não me resta alternativa, choro. Ungida do mais
sublime, poderoso amor, choro. Ninguém pense que retornarei à ativa para calorosos
embates, grandes participações, competições e conquistas, feitos espetaculares,
tal e coisa, rarará, nada disso. Escolho as últimas posições do ranking, um conforto, uma cadeira de palha para a idade avançando, o sossego de quem vislumbra prioridades completamente prioritárias. Vou deixar o rio me levar para o lugar da paz
da simplicidade: carinho e caridade, graça, riso, preguiiiiiça, essas tolas
insignificâncias. Eu quero o silêncio das línguas cansadas. Eu quero a
esperança de óculos e um filho de cuca legal. Meu filho, leitora, por que não?
A maternidade, essa sim, é uma baita de uma honra.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
Balangandãs
Um
rosário de ouro, uma bolota assim, ai, quem não tem balangandãs não vai no
Bonfim! Oi, não vai no Bonfim! Oi, num vai no Bonfim! O
cara é a cara da riqueza: Dorival Caymmi sai com mais de mil, relacionando os
penduricalhos e borogodós dos quais a baiana se gaba, a coisa mais linda da
pessoa escutar para sair gingando vida afora. Dorival Caymmi do Brasil – serena
lenda sob a tenda ao pé do mar, o painho
ilustre de Nana Diva – a musa de qualquer estação primeira, Nana: o sentimento
sentido da música da gente. Nana Caymmi cantando ‘atirei o pau no gato’ me representa inteira, minhas digitais, meu
pedigree, representa também a categoria premium
da senhora, madame, aposto. Já que tá dentro, amorzinho, deixe, né não? Recuar,
nem se eu quisesse. Uma vez iniciado o pedregoso tratamento, seus males, flor
de formosura, espante como puder, é desse jeito. Desço as escadas imitando Carmen
Miranda, bracinhos roliços agitando-se sobre a cabeça de minhoca com gravíssimos
distúrbios sinápticos, uma bolota assim, uma
bolota assim, Ronaldo rosna, as promissoras manhãs encontram Ronaldo pelo avesso, mal humorado de carteirinha: ‘deixa disso, palhaça!’, rarará, tudo
porque vou precisar destapar, à britadeira, a rolha da goela. Todo dia é uma agonia para engolir os
botões de cortisona, cada bolacha, uma broa dessa idade assim, não me lembro se comentei, experimento uma dificuldade absurda para deglutir qualquer alimento, não consigo comer
carne, por exemplo, faz tempo que nem tento, tudo emperra no alto do gogó, a
felicidade foi esse doutor escapulir da aldeia dos anjos para esclarecer que faz parte, querida, faz parte, o
sintoma é próprio da polimiosite madura, minha sofisticada enfermidade de incontestável prestígio, que num sou fraca, beijo a lona, mas no salto fino, ora. A musculatura da garganta está comprometida, ah, bom, agora caiu a ficha, esfolando a mucosa. Do contrário, leitora, a essa altura
do engasgo, estaria residindo numa clínica psiquiátrica, enlaçadinha na camisa,
sem força. Multiplico os graúdos m&m's por dois, os bichos vão dando cria, preciso
quebrar os comprimidos ao meio, a medicação tem porque tem que apear no piso do bucho, uma NO-VE-LA, uma
aventura para três metros de crônica de uma morte anunciada, sinceramente. Tem hora que nem pra cima, nem pra baixo, meu desejo é correr doida. A
loucura é a gare derradeira, sem cavalo
preto que fuja a galope, você marcha, José, para onde? Sanatório geral,
última parada. A loucura é, portanto, caos e cais, a salvação da humanidade, que se necesita una locura, ninguém
duvide. Acabo de ler uma informação interessante, sei lá, me identifico, rarará,
negócio sério, abalizado, estatísticas leais, adormecidas e despertas nos anais
dos estudiosos da alucinação e da demência, dados cadastrados no maior
respeito. Diz que os portadores de problemas mentais preferem a cor azul, minha
favorita, viu essa notícia por aí? Desde que tomei conhecimento desse badulaque
fundamental para o entendimento da minha mais recôndita natureza, rarará, os
chacras alinharam-se, minha filha, a consciência expandiu-se de uma maneira, meu
infinito particular ganhou uma tonalidade celeste, uma compreensão, a santa sanca
gris, a tal iluminação, rastreada encarnações a fio, jamais antes alcançada,
rarará, Buda mergulhando de bunda no índigo abismo do meu espírito outrora
atormentado. Azul é a cor do céu, da água da minha praia, da beleza, da
verdade, da calma, da deficiência crônica de siso, azul é a cor mais
quente, gente! Vesti azul, minha sorte, então, mudou! A senhora sabia que o
chacra do desfiladeiro do pescoço é azul? Estúpido tubo entupido e desorientado do cacete, vou te
contar, hein? Minha garganta estranha,
rarará... Pensando justamente nisso, acondicionei os remédios numa graciosa necessaire lilás, uma prenda, menina, um
mimo, uma bonequinha, rarará... Lilás é a cor do silêncio, é proteção e purificação,
transforma as energias negativas em positivas, realça a individualidade, muito
útil para os da pá virada, os profundamente tensos e desequilibrados, tadinhos. Uma mão na roda da
reabilitação física e psicológica dos sequelados sem um real de saúde na fuça. Maluco é quem deixa para outra oportunidade aquilo de que ainda vai se arrepender amargamente, porque o oco do mundo um dia virou fumaça e o que era importante de o babaca fazer por si mesmo, pluft, dissipou-se, não foi feito. Lilás será destaque, amiúde, na ornamentação da casa e no
meu guarda-roupa, de 2014 em diante. Fuchiqueiros de plantão, vocês aguardem.
sábado, 1 de fevereiro de 2014
Exílio
Beija
eu, beija eu, beija eu, me beija. Félix e Niko se entocaram
três léguas tiranas adiante de onde o gato perdeu as botas, no oco do mundo à
beira mar, lá no cafundó do Judas, na esperançazinha inocente de juntar os
trapinhos de grife e os róseos lábios machos de amora, sem o risco de ninguém
dar fé, sem pilhéria, sem aperreio, pobrezinhos. A gente quer ter chance de
amar um pouco nessa vida confusa, não conheço quem não pretenda amar um pouco
nessa vida besta, rogando ao Grande Rabi um mínimo de reciprocidade, de
cumplicidade, a gente fica torcendo para amanhecer em teus braços, macumba para
o relacionamento vingar, encorpar, dar um caldo, uma sustância, let it linger, baby..., virar um poema
concreto, quem sabe, é desse jeito. Danado é que o povo toma tanta conta dos
amantes, um caso sério. O povo sempre vê, no que vê, madame, já viu como é,
assunto para três meses de mesa de bar, o
povo fala, o povo fala mesmo. O gay
pode fazer de si e do seu afeto o que bem lhe aprouver, but on the basement, nos pubs
e nas boates, entre iguais, segregado, longe de papai e mamãe, longe dos
pimpolhos em formação, afinal, o amanhã dirá, ninguém conhece direito os bons e
maus efeitos dessa exposição homossexual desvairada, na mente e no peito de uma
criança indefesa. Bullshit. Bobagens,
meu filho, bobagens. Pois, quem quiser que comente a beiçada do ano, ando cheia
dessa conversa, sinceramente. Completamente esgotada. Duvido que os meus
leitores precisem de breve ou prolixa nota de esclarecimento, sinto que tudo
soará estranhamente difuso, redundante, rarará, needless, meus compadres, thoroughly
needless... Meus leitores são trinta e sete ilustres conhecedores do meu
ponto de vista, nisso eu aposto meu fígado, a essa altura do baile,
praticamente decepado.
Um prazer quase homossexual, rarará, receber esse
telefonema inesperado de Iracema, a pequena que quebra o coco, rala o coco,
engole o coco, e não arrebenta a sapucaia. Ira é uma edição exclusiva, cara,
lamento que a senhora não desfrute do talento, o lauto banquete da convivência
diária com a bamba da filosofia, mora? Maluca, lelé, pancada credenciada, louca
de pedra, uma criatura simplesmente formidável. Perdi as contas das vezes em
que Ira me implorou que repetisse para ela a nossa história – minha, de Ronaldo
e dos que vibram na sintonia – Ira não se entedia de escutar de novo e de novo
os detalhes todos, o encontro na net, o limão, as passagens aéreas parceladas
em oitenta prestações irrisórias, o casório a prazo, a mudança para o Rio, Ira escuta e ri do inédito requentado,
rarará, muito louca, ri como se não soubesse, tadinha. Encanto Ira, ilha de
luz, maravilha. Ira me fez um pedido daqueles de com força, sugere que aproveite o afastamento para escrever sobre
essa minha exigente, portanto transformadora experiência. Seu pedido é uma ordem,
morena.
Estou
no começo do meu desespero, e só vejo dois caminhos: ou viro doida, ou santa.
Você tinha razão quando dizia que eu parecia muito doente, sua alma sensível,
sem esforço, percebia. Não por acaso, foi tempo à beça rolando pelos
consultórios, diagnósticos equivocados, lembra? Meus músculos estão duramente
comprometidos. Esse hiato tinha que ser, tinha que ser, minha amiga. O
tratamento é uma quimioterapia, às vezes, tomo quinze comprimidos numa manhã,
fora o omeprazol, para segurar o
tranco. Tem dia de sol e tem dia nublado, dependendo da náusea e do grau da
azia. O médico mandou controlar o apetite, não posso engordar, já vou inchar um
bocado por causa da cortisona. Pela graça divina, até o momento, continuo sem
um tico de fome, que o fastio me acompanhe até a reta de chegada. Não sei para
onde vou seguindo, Ira, o pior da estrada é esse seguir sozinha. O marido sai
às nove e volta às nove, eu aqui chupando dedo, o olhar mendigo dos cães, por solução. Minha irmã mais velha, a
aposentada, vem cuidar de mim, donde concluo que fiz algum arremedo de bem, ao
menos, nas escalas da infinita viagem. Não nasci para quatro paredes, minha praia é a muvuca, a suruba, eu adoro, eu me amarro no chão da praça. Tamanho intervalo é um elefante: incomoda as pessoas que curtem minha doce companhia. É uma depuração, mulher, uma muda de
pele, saca? Pedaços necrosados de mim, despregando-se do osso, um óbito interior,
íntimos vãos se abrindo para o acolhimento do realmente, profundamente,
assustadoramente novo. Penso demais no peso inútil que carreguei nas costas, um
baú de lembranças entristecidas, que a débil carcaça, a muque, sustentava, tanta
revolta, tanto abandono, tanta pena, tanto desconsolo, tanto sacrifício para
arrimar minhas trêmulas verdades, particulares. A solidão abusa da
hospitalidade, invade os espaços, rasga o fole, as flores da cortina, as perebinhas supurando, a parte
bacana são os quebra-cabeças que, definitivamente, desisti de montar, larguei
alhures, o que nunca entendi, jamais entenderei, pecinhas restantes, desemparelhadas, na caixa, tenho
limitações importantes das quais nem por sonho me liberto, você sabe. Para que tanta perna, meu Deus?, pergunta
meu coração. Porém, meus olhos não perguntam nada. Meu destino, depois do
mergulho ornamental, é subir à tona, tomar um ar, beijar às claras, interminavelmente, até que os olhos mudem de cor, possivelmente plantar, no futuro do presente, a semente de um enredo diferente.
Dedicada a Iracema, para quem eu sou ‘my love’. I love
you too, ‘tatu’.
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
O amor é azulzinho
Se eu fosse uma contribuinte em quem a pessoa pudesse, de
fato, confiar o rebento na véspera da viagem, aquele amigo de quem se compra um
carro de segunda mão sem cogitar vistoriar o calhambeque, minha gente, na boa,
se eu prestasse para alguma coisa besta nessa nada mole vida, tivera a minha
pobre alma atabalhoada um dedo mínimo de ambição desmedida, o biscuit de prateleira
de uma pretensão mais ancha e edificante, guardaria o meu bloquinho de notas
falsas todas as informações fundamentais
são mesmo os amores da gente do filme massa a que assisti anteontem, um
negócio de cinema. Dá um tratado, uma dissertação de mestrado, a madame querendo.
Tô fora. How else can I explain those rainbows when there is no rain? It’s magic.
Once you feel the magic, nobre e meiga senhorinha, colha a rosa de fogo insidioso
do destino, abrace a aurora inusitada, acolha o calor do mistério, sentindo só,
sinta o sol bater, the stars desert the
skies and rush to nestle in your eyes, it’s magic... Somente sinta, despojada
do ‘kit fode da ciência’ - seus valorosos
apetrechinhos de pesquisa. Porque não valho o que o gato enterra, deixo a
tarefa pesada de dissecar a película, a partir da ficha técnica, aprofundando
devagar o corte, blá-blá-blá, para quem se amarra nessas empreitadas, gosto é
feito nariz, isso para não grafar aqui um nome bem feio, “cu é lindo”, Dona Adélia é lúcida de doida, gosto é cada um
com o seu e acabou-se, quem quiser que vasculhe nome de artista, de diretor, o
raio que o parta, o sujeito tendo curiosidade e disposição, madame, esse
sujeito vai ler é de perder a pestana, para o bom entendedor meia palavra
basta, o que não falta no script é
sugestão de infinitos labirintos de leitura. Mais fatigada que um maratonista, músculos
em franca degenerescência, sabemos, estômago ulcerado, fígado podre, tristeza
sem pedigree, cem anos de solidão, escolho divagar, preciso urgentemente sonhar, sonhar um sonho mágico debutante, pelo que imploro me desculpem.
Era uma vez uma moça bonita de verdade na tela. Uma moça
bonita vivendo sem malícia, entre o querido diário e as calcinhas, o espaguete
e as aulinhas de literatura, os seus jovens dias de moça mais bonita. A moça curtia
Inglês, filme americano, crianças, a moça curtia, principalmente, escrever para
ninguém nunca perceber, claro, mas a moça se encantava mesmo era quando o
professor lhe dava alguma condição de imaginar as suas coisinhas íntimas
sossegada, uma raridade na realidade dos que esbanjam pedantismo de pesquisa. A
moça gostava muito dos meninos também, gostava para namorar o gato da sala
mesmo, como todo mundo, aquele beijo da menina da escola nem contava, a moça gostava,
claro, ou achava que gostava, nesses assuntos cardisplicentes (cardíacos e
displicentes), quem tem um pingo de juízo, sabemos, não se mete. A manhã sempre
vem, a manhã pode trazer alguém. Anjo tem halo, não sexo. Não é que trouxe,
menina? O primeiro amor é a impressão de morrer, cadê que a gente esquece. Uma história de amor igualzinha
às outras, dor de poesia, dor de prazer, dor de sofrer, dor de perder, uma
história de amor igualzinha às outras, tudo igual e diferente, alguém duvida? Duas
meninas num vagão, fundindo-se fodendo, comendo as carnes, as entranhas, o
coração uma da outra, a senhora nem se arrisque a ver, vai que a senhora
simpatiza, o diabo atenta, o tesão aumenta, virar sapata tá na moda, a homossexualidade campeia, grassa, alastra-se no dorso das colinas, é quase uma imposição, a arma na cabeça, orai e
vigiai, portanto, o inimigo espreita.
Azul é a cor mais quente é um filme robusto,
inúmeras, insondáveis portas e janelas abertas mar afora, amar adentro..., acessos sem taramelas, sem gelosias, pela graça
divina. Impossível calcular a raiz da emoção, de onde vai brotar o jorro do
peito. Minhas vísceras fêmeas revolveram-se porque a moça bonita aprendeu,
apesar de tudo, a sobreviver, a preservar-se, meu Deus, a gente precisa tanto ter coragem
para preservar, a todo custo, a própria consagrada natureza. Uma coragem de
bicho. Coragem de visitar-se, de percorrer os buracos mornos, salivados. Coragem de revogar-se. Coragem de saltar, sem sinal de rede para amortecer o baque. Coragem de trincar os dentes. Coragem de beirar a
loucura. Coragem de se humilhar, lamber o chão de estrelas, os astros que ela pisava, distraída, passas, deusa de fel e delícias, desatenta ao teu vigia... Humilhar-se, feito um cão
sarnento. Coragem de chorar as pitangas, chorar de entorpecer as artérias. Coragem
de partir, bem mamado, bem chumbado, atravessado, cambaleando num cordão, a vida sempre segue. Coragem intrínseca de enfrentar a audiência, afrontar a conferência internacional dos tontos de empáfia, para ser professora
de crianças.
De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdoo, eu amo.
Objeto de Amar
De tal ordem é e tão precioso
o que devo dizer-lhes
que não posso guardá-lo
sem que me oprima a sensação de um roubo:
cu é lindo!
Fazei o que puderdes com esta dádiva.
Quanto a mim dou graças
pelo que agora sei
e, mais que perdoo, eu amo.
(Adélia Prado)
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