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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Entreato

“Não posso ficar nem mais um minuto com você. Sinto muito, amor, não pode ser”. Na real? Todas as instâncias do meu ego apresentam um hiato de personalidade, uma falha de caráter, um distúrbio de conduta, um desajuste psicossocial severo, tô vendo ainda como categorizo essa porra – debilidade emocional, descompasso cromossômico, manha, bico fino, ostentação, má educação, defeito de fabricação, vai ver é fisiológico..., anatômico: a moleira não fechou direito - sei lá que é isso, cara. A arte de fazer de conta que não é comigo, o instinto de auto-preservação em altíssima, sou mais eu fincando o mastro nos píncaros do Everest. SQN. Bicho, a pessoa nem disfarça, um constrangimentozinho escapando cá e acolá, a bonitinha tem certeza absoluta, jura de pés juntos registre-se, publique-se, cumpra-se, que aquela querela não é com ela. A pessoa debocha, ironiza de uma maneira, me imobiliza rente ao barro do terreiro, na base do chinelo. Faltei a todas as aulas de sobrevivência nessa selva indômita. Minha incompetência para soltar uma pilhéria das boas e deixar a merda para lá é patológica. Algum estudioso de responsa precisa debruçar-se sobre o meu caso perdido, queimar a beira das pestanas, redigir uns bons vinte e quatro livros a respeito. Ganhar um prêmio científico... ou literário, rarará. Passado o quiproquó das eleições, Dilma entronizada de novo, o playboy das galáxias dando ataque, tal e coisa, tirei merecidas férias do cenário político nacional, eu quero o silêncio das línguas cansadas, um tiquinho de nada, nem é para sempre. Poucos engolem a gravidade da minha doença, culpa dele, o velho sorriso escancarado entre as soberbas bochechas empapuçadas. Meu sorriso. Limpo, lindo e efetivo. Permanente, madame. Permanentemente permanente. Assim seja. Deveriam atinar que não corro da luta, não aprendi, não mesmo. Queria ser só um pouco mais denso, pra segurar na cabeça o que eu penso, pra libertar esse medo de rua... Fábio Júnior acerta pouco, gol de placa, entretanto, nessa pequena hora. Deus me deu essa densidade. Cresce por cima da pele uma crosta, rochedo, decerto. Atol de força, firmeza, estabilidade. Recife de coral. Recife à flor da água, fluido, afetivo, compassivo. Sensível, portanto, ao peixe, ao sal, às eternas mudanças de pressão e de temperatura. “Sobretudo, merecem a verdade aqueles que perderam familiares e parentes e que continuam sofrendo, como se eles morressem, de novo e sempre, a cada dia”. Que absurdo tão grande é esse que essa mulher disse, hein? É balela isso? Tortura nunca existiu, parece. Ditadura militar? Lêndea. Fricção. A presidenta do Brasil recebeu o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, o bacana estrilou: uma bosta! Viva a perene parcialidade! O bacana baixou o cacete na listra: e os filhos da puta blindados? Os intocáveis, hein? Requintes de crueldade nos comentários torpes do bacana. PT? Não presta. PT. SAUDAÇÕES. Chefia, às vezes, aposto que cochilei. Passou um pedaço do filme, eu não vi. Se a chaga ora devassada, cabendo aqui inquirir a leitora - quem foi que meteu os cornos na pereba antes??? - se a chaga nua, devassada, não é um momento histórico, augusto, exorbitante, então, me fala aí, o que seria?  Se não é para lançar sobre o acontecimento apinhado de equívocos, de irregularidades, de canalhice, o raio que o parta, se não é para lançar sobre o acontecimento os olhos verde-gafanhoto da fé - ilusão, confiança... - se não é assim, não entendo mais nada. Aliás, não entender lhufas é meu sobrenome, tem sido a minha especialidade. Enxergando pouquíssimo, o vulto e olhe lá, identifico o fura-bolo petista cutucando perebas maduras, passadas há muito do ponto. A presidenta discursou, emocionada, machucada, fodida, chorou vinte anos em vinte e cinco segundos, depois, pasmem, recompôs-se, seguiu adiante. Já a megapançuda... Desaguei. De carteirinha, demorado, sem sunglasses, sem fingir resfriado. Não dependo da senhora para as minhas catarses, menos ainda para abastecer a geladeira. Foda-se. Desejei atravessar a telinha, quis abraçar a presidenta da República. Foda-se. O choro é livre. O pranto é soberano. A lágrima é sagrada. Foda-se. Chorei pela perseguição atroz, pela repressão a um direito azul da cor do mar, cara. Chorei pelos esfolados até a morte, chorei pelos miseráveis, chorei pelos doentes, chorei pelos encarcerados, chorei pelos índios, pelos pretos, pelas bichas, pelas putas, pelas mulheres, meu Deus!, as mulheres e seu rosário de abusos, abusos intermináveis... Chorei pelos esquecidos, os marginalizados de toda sorte. Chorei pela ignorância, pela rudeza, pela desumanidade, pela perversidade das pessoas. Chorei por ela, a dona da banca, Dilmão e seu patético sopro boca à boca, o desfibrilador no peito de um partido político outrora gigante, agora ordinário copo de geleia, partido agonizante, partido desmoralizado... Chorei porque o poder corrompe mesmo, enruga o pano da costa, esgarça o tecido mais fino... Chorei porque a esculhambação grassa o público e o privado da Nação, mas tem cabra virado pra lua platinada, plim-plim!, tem cabra que dá pernada a três por quatro e nem se despenteia, malandro... Chorei por mim, tentando, a todo custo, reanimar os cadáveres do meu facebook – abismos, incompatibilidades fundas, fatais discordâncias? Houve um tempo em que estivemos, de alguma forma, irmanados, será que não vale mesmo a pena insistir? Meu Deus, meu Deus! Por que vivo de alimentar tolas esperanças?

domingo, 7 de dezembro de 2014

Pileque

Tragédia é uma lembrança sem doçura. Ninguém invente de me espremer os gomos do juízo, atrás de descobrir de onde tirei isso, não lembro mesmo, digo logo. Garanto que não fui eu quem cerziu a sabidona, quisera. Saltou de uma historinha de grife, só pode. Virei essa horrenda traça mutante, amanheço e anoiteço devorando as fibras de celulose, rarará, leio de um tudo, madame, de um tudo, sem comedimento, sem critério, as bulas das bolinhas, inclusive. Sobra braço, falta braço, as letrinhas folgadas, miúdas mãos nos joelhos, sacudindo os cachos, balançando bundinhas, uma novela mexicana, a senhora entende. Devidamente apetrechada – Ronaldo me comprou uma lupa! – mastigo até as bulas das bolinhas, para meu tremendo desconsolo. Milagre a gente resistir aos efeitos colaterais desses remédios, só Jesus Cristo Superstar dentro da causa, visse? Danado é que ando com a vista ruim demais, demais da conta, ruim para cacete, bicho, o oftalmo insistindo na tecla gasta, a fim de me subtrair o avassalador desânimo do nervo ótico, rarará: “vai melhorar, vai melhorar, é uma fase!”, eu mentindo inteira que acredito. Parece sabe o quê? Estado de embriaguez renitente. Permanente. Eu hoje me embriagando de uísque com guaraná... Só que não, violão. Sobriedade de dar pena. Meu sal de frutas é a crônica, alguém duvida? Coisinha à toa, cisco, célere suspiro mais humilde, mais despojado, mais lindo, mais sedutor, mais vasto, mais definitivo esse. Meu sonrisal é a crônica. Arrasto um bonde, um transatlântico, pelo superior escrevinhador do retalho, o imortal de chinelos, o ébrio busto no meio da praça (a bênção, eterno Braga!), tudo somente porque o cabra safado vai lá trocando as pernas, o gozador bebadosamba soca os grãos de qualquer acontecimento, apronta a massa, rejunta as finas camadas dos mundos num quadradito de nada. Seje breve, mas espalhe por aí o seu recado. Estupendo. Estupendo, meu camarada.  
Bom para o fígado, bom para o coração, bom para a pele é a pessoa não ser arrimo, não ser rei, não ser exemplo, não ser referência. Não ser candidata à síndica do prédio, sequer, na vida besta. Penso que alcancei o patamar. Corri tanto na direção contrária, me deixem seguir quietinha. Cruzei, finalmente, a linha, entre os tardios, os desclassificados. Tem hora que vigio o próprio rabo e fico abismada, espiando como, apesar de latente relutância, gás forjado, ainda assim, cheguei tão longe, acredita? Vivi o suficiente para reconhecer nas entranhas a brutal incapacidade para as pequenas, médias e grandes disputas. Já perdi batalhas adoidado, brigas de foice, pegapacapá de entrar de gaiata e sair gemendo, esfolada. Não temo fraturas, exposta, quantas vezes beijei a lona, publicamente. Apenas não disponho mais de saúde para novos golpes. Ringue, holofote, ovação, medalha, esse parangolé nunca me apeteceu. Nasci descomunal, cresci imensa, vou morrer inchada, rarará, sempre desejando muito posar de zerinho à esquerda, mínima, bem chinfrim moela de galinha. Tragédia é uma lembrança sem doçura. Recordo a casa, a escola, a caminhada. A memória não é nenhuma Brastemp de incorruptibilidade, rarará. A memória é sua, puxa, portanto, o cardume para o seu lado, a memória tende a preservar sua fuça, sua alegria, sua tranquilidade, questão de tempo. A seu bel-prazer, a memória enegrece uns traços, suaviza outros, a memória pinta o sete, malandro. A memória convida ao mergulho, decerto, mas estende a rede, ninguém pula para espatifar o quengo, relaxe. Existe aqui, na minha pupila, na minha cachola, nos meus sentidos, um fenômeno em processo: livramento, merecimento, tolice, doidice, bruxaria, amadurecimento, a leitora interprete do seu jeito. Três vivas para a felicidade da sã reminiscência. Não consigo mais me lembrar sem doçura, um bálsamo para quem comeu o pão do diabo. Vultos, vertigens, veneno, males turvos, falas foscas, ruídos abafados. Paredes embaçadas e móveis esmaecidos. Rostos mofados, de cera, de éter, súbito nuvem, desaparecendo. Feliz Ano Novo. Um brinde especial ao condão do esquecimento.


Para Delma, com carinho.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Suvenir

A madame almejando variar um tanto o cardápio das paradinhas saúde é o que interessa, rarará, a madame vá por mim, aposte nos liquidozinhos multicor saborosamente cativantes. No solar dos Barroso, é tudo adoçado com demerara, o doutor mandou, disse que não vê necessidade nenhuma da minha pessoa amanhecer e anoitecer atolada em aspartame, sucralose, nada disso, minhas taxas estão de causar inveja roxa, confirmou que é para eu dar um tempo, deixar de paranoia. Cenoura, maçã, limão, laranja e uma lasca de gengibre: massa. Suco de uva, limão, canela e outra lasca de gengibre: delícia. Ameixa-seca, abacaxi, hortelã e um cadim de farelo de linhaça: huuuuuuum! Couve, pepino, tome-lhe mais gengibre, outro cadim de farelo de linhaça e a frutinha de vez de sua preferência, esse néctar vira um suspense, é plural, legião, esse “eu adoro, eu me amarro”. Craro, Cróvis! Anteontem, exemplificando, bati com kiwi, ficou felomenal, bicho. Cada pirueta da lâmina é um flash, uma grata surpresa, sabe? Bem bacana. Se perdi peso, anote aí um quilo e duzentos grama, na generosidade, rarará... “Quem me chamar, ai, vai me encontrar nos teus olhinhos”, doutor... Dr. Luíz ordena: “CALMA! Calma na alma, Adriana!”, garante que o presente aspecto de hipopótama edemaciada: o estandarte do sanatório, qualquer dia, all of a sudden, vai passar!
Evocações da menina-moça triste de Recife. Ela mais ele. Ele e ela. “Memória não morrerá”. Suvenir de Seu Biu, cara – seu rugido e seu silêncio. Toda hora, conto a Ronaldo um causo testemunhado, especialmente protagonizado por meu velho pai, do banquete à embriaguez, do alarde dos dentes aos lábios duros, cerrados: o punhal, o soluço, o pranto convulso, desenfreado, e o perdão irrestrito dos pecados. Quem não sabia que Rui, o encanador oficial da nossa família, havia, de fato, num passado distante, dado cabo de uma pessoa? Quem não sabia? Seu Rui assassinara, comentavam, uma pessoa. Nunca conheci os detalhes dessa crônica antiga de Seu Rui, Seu Rui vivia enfiado lá em casa, trabalhando, consertando os enguiços de qualquer natureza, cabra habilidoso ali, o braço direito do velho, parece que estou ouvindo Mainha falar baixinho sobre esse assunto espinhoso: “eu tenho medo, Severino”. Seu Biu e seu inseparável copo de uísque, à sombra da árvere companheira, repetindo: “Dona Rita, não adianta. Pra frente é que se anda. Águas passadas não movem moinho”. Painho consentia que Seu Rui reparasse... Painho perdoava, leitora, Painho era o mestre da segunda, da terceira, da quarta e última chance. Assistencialista filho da puta, na linha PT, rarará, uma doação desordenada, necas de monitoramento decente – dinheiro, o almoço, a janta, os óculos, a roupa do corpo - um despautério, o cúmulo do exagero, seu trote de gente a circular entre a gente, gente de todas as fragrâncias, o que, às vezes, matava Mainha de susto, de raiva: “Dona Rita, um prato de comida pra um cidadão aí no portão”. “Que homem é esse, Severino? O almoço nem está pronto!” Seu Biu, rarará, era o tempo de abraçar a penca de bananas da fruteira e levar na rua pro moço: “É Cristo, Dona Rita. É Cristo”. Meu pai dava a maior trela, confiança pra mendigo, pode, cara? Agora, a madame contrariasse, rarará... Fuzuê, rarará... O cancão cantava, piava alto... "Eu não tenho palavra de rei".  Não tinha. Sua autocrítica explodia, despudoradamente, por todas as fendas do bangalô de praia, para aqueles de córneas de brigadeiro, asseadas. Filósofo, espírita, bufão comunista, rarará, caridade supurando das próprias feridas mal cicatrizadas, feito devia ser, no plano da Terra: uma personalidade ampla, densa, sedutora, apaixonante. As lembranças alfinetam as finas camadas do meu juízo mole de lembrar, pereba, lembrar sem dó nem piedade, lembrar a torto e a direito. Tudo me ardendo e tudo assoprando. Grande dor e consolo imenso: ingredientes misturados sem critério.
Mora em Cabo Frio um primo da banda paterna, há uns quarenta anos ou mais, suponho, difícil, difícil, dificílimo topar com Valdir pela cidade, entretanto, o cabra visita bastante os netos no Rio, visita a molecada e vai ficando, vai ficando, ele e a mulher tomando conta dos pequenos, os avós são assim mesmo, ninguém se iluda. Passou dos 70, o primo Valdir, decerto. Domingo passado, antes de votar, inventei de abastecer a geladeira, fui comprar minhas folhinhas, meus legumes. No caixa do Hortifruti, a demora foi levantar a vista, tomei um susto, a cabeça rodou, uma assombração, cara. Quanta semelhança, meu Deus... Quanta semelhança! Os braços, as mãos, a boca, as maçãs do rosto. Valdir e o tio, iguaizinhos. Seu queixo ficou inteiro no queixo de seu sobrinho, Painho. Guardamos as sacolas, conversamos uma boa meia hora no estacionamento, a madame querendo, acredite, de minha parte, respeito suas crenças, suas descrenças, "não me importa, honey", cada um acredita, desacredita, na medida das suas possibilidades humanas: nossos carros, uma enorme coincidência!, nossos carros, esperando, obedientes, lado a lado. Cheguei à seção eleitoral, aconchegada, tranquila, feliz da vida, convencida de que, dentro do clã dos Guimarães de Oliveira, não fui eu, em absoluto, que mudei. Conforme aprendi: à esquerda. À esquerda da esquerda atrofiada, camaleoa, ambidestra. Nunca mudei. “Ou bem se governa para os pobres, ou bem se governa para os ricos”. Por isso, na curva perigosa das cinquenta primaveras curtidas sol a sol sertanejo, não tenho medo de nada, noves fora perereca e lagartixa. Confio demais no espelho retrovisor: o estrado da minha história.

Bela Bela - Milton Nascimento/Ferreira Gullar

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Flávia Bittencourt/Quem me levará sou eu

Estilhaços

Tem vez que penso assim: isso é proposta de mente fraca, cabecinha de vento. Possa ser. Ou falta de uma atividade de fato insuspeita, axiomática, rarará, verdadeiramente nobre fundamental é mesmo o amor, um trem de ferro para eu conduzir ao menos a contento. Imagina aí: meu manifesto, meu traço, minha arquitetura... Um nome na capa. As pessoas vivem muito envolvidas em projetos maiúsculos, mirabolantes, extraordinários, artigo phyno, cara, chega tenho vergonha desse meu proletário poleiro de pato, só mexo com tábua de carne tabula rasa, rarará, mínimas vãs quinquilharias, desse jeito.
A galera dos idos de colégio, isso entre 1978 e 1983 Dondon no Andaraí, rarará, criou um grupo no Whatsapp, o povo cutucou, mas cutucou tanto, descobriram meu esconderijo, adeus lencinho ariano ao sossego, a madame acredita? Todos nós no mundo dos vivos, todos lindos, todos loiros, todos bem, todos vencedores, de fodida restou mesmo a que vos endereça o presente texto, rarará, eu só tenho amigo fazendo um bruto sucesso em Quixeramobim, cara. Amém, rarará? Fatinha endoidou quando me viu, “Adriana!!! Naninha CDF!!!! Lembra que eu copiava tuas respostas, sempre corretíssimas, das apostilas de Xênia, depois me ferrava nas provas?!! Minha enciclopédia querida, que saudade!!!”, isso equivale a me dar um tiro na testa, camarada. Estigma filho legítimo do demo: a criatura nasce, cresce, menstrua, multiplica-se, falece - não se livra nunca, bicho. Essa porra é minha outra polimiosite, fala sério. Um dia, neném, vou entender de onde tiraram a ideia de que aquela moça gorda e triste gostava tanto disso. Meu maior desejo era ser pequena, já contei aqui, bem pixototinha, em todos os sentidos. Estudei em escola particular, minha senhora, estudei lado a lado com gente muito da rica, a espada oscilando no alto do juízo mole, o espectro do deteriorado ensino público me rondando, proibido cochilar, deslizar, matar uma aula, a pena era o cachimbo escapulir, a bolsa sair voando pela janela. Menina, eu tinha que me sustentar no lustre, segurar essa maldita bolsa com o boletim, as unhas e os dentes. Duas alternativas de universidade para Adriana das dores e dos oratórios: a pública. Ou a pública. Podia escolher. Péssimo não foi, mas deixou marcas difíceis de apagar, pereba. Deixou lição boa de conservar.
Amigos a gente encontra, o mundo não é só aqui. Impressionante minha facilidade em passar do ‘oi’ para a próxima fase. Atravesso o abismo como quem baila. As alegrias e as agonias humanas são muito parecidas, só muda o domicílio. Não temo os homens, não mesmo. Uma virtude da minha alma atormentada, carcomida de mau funcionamento. Portanto, encaro com bastante naturalidade o chá de sumiço de feicibuquianos do meu feici, todos os encarnados da Terra têm direito a sair de circulação um instante, beber um trago, contemplar distintas alvoradas. Quem me levará sou eu, quem regressará sou eu. Ou não. A gente pode não retornar. Liberdade de ir e vir. A gente tem o direito. Isso é bossa nova. Indiscutivelmente. O cabra dana-se a badalar o sino no idioma grego que não combina, rarará, a gente espiando os pés do cabra, o afã de captar a mensagem, compreender a legenda, rarará, né? O sujeito chegado numa análise do discurso, hein, rarará? Viaja. Quantas vezes excluí feicibuquianos por não mais reconhecer um espaço, uma linha de convergência, dentro da visão de mundo do cabra? Não é pecado porque não há pecado. As visões de mundo resultam de referências diferentes, bibliográficas, inclusive, principalmente até, não dá para negar isso. Esse processo todo de eleição me proporcionou a possibilidade de leituras de opinião: ora sensíveis, sensatas, ora rijas, confusas, asfixiantes - revelações HD a respeito de quem me segue ou seguia, sei lá. Vieses de opinião que simplesmente não via. Aposto meu rim esquerdo que houve quem se surpreendesse comigo também, uma maluquice, mas houve. Três vivas para quem se posicionou na parada, para quem, segurando o forninho do nível, rarará, discutiu política, justificou sua postura com estilo e clareza. Eu aprendi que tudo é assunto, tudo se discute, cara, quando a discussão não anda mais, uma convicção abissal prevaleceu, a gente pega o banquinho e vai saindo de fininho. Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo. Quarta-feira, fui fazer o tratamento alternativo de praxe, uma bolinha de gude de cristal e teria faltado à sessão. O momento era meu, tô pagaaaan(d)o!: minhas palavras ou minhas reticências. Teria subornado o pontífice por meia hora de quietude, ‘silêncio, por favor’. O médico: uma matraca. Campanha dentro do consultório. Uma hemoptise: verbo embrutecido de preconceito, vertendo coágulos de sangue. Eu, na minha serena sobriedade, argumentando: você acha, de coração, que todo mundo tem as mesmas oportunidades? Eu dou minhas vísceras pela escola pública, eu quero a melhor escola pública do continente, os guris lá, usufruindo do caviar. Eu lido com jovens, bicho, que sem o Instituto Federal, não teriam perspectiva alguma de ingresso na universidade pública. Você não enxerga os que ainda ficam de fora, cara? Minha intenção era conversar de boas, cara. Aí, do nada, o idiota dispara: "Aécio é bem nascido, é bem criado, é bonito, é elegante, é culto, casado com uma galega linda, alíás, que primeira-dama a gente teria... Sabe que é por isso que ele não vai ganhar, não é? Tinha que ter se casado com uma crioula de cabelo crespo". Estarrecedor porque é o discurso do capataz, tenho certeza absoluta de que ele não é o senhor do engenho. Sonha, Creonice, sonha. Comentei assim: bicho, eu tô numas de voto crítico na dentuça, e bote crítico nisso, mas é muito na vibe de eu ser fêmea, preta, pobre e nordestina apreciadora inconteste de uma maciota. Pairou um constrangimento, craro, o idiota veio com um papo de ‘brincadeirinha’, auto-definiu-se um ‘gozador’. Não é. Desse particular, leitora, eu entendo. Morreu pela boca, feito um peixe palerma. Não diga que me perdi, não mande me procurar.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A corda

Concomitâncias. Coincidências da nossa louca, esquizofrênica nada mole vida. A vida é muito breve para a gente se agastar agarrada em miudeza, moça bonita. Vida breve. Vida por acaso imensa. E uma doidice só, pelamô, camarada. A madame sabe que somente hoje me dei conta desse fato no mínimo curioso: os três médicos cuidadores da enferma que vos redige as mal traçadas, os três, repara na relevância dessa fofoca!!, os três atendem pela graça de ‘Luís’. Com ‘z’ ou com ‘s’? Escreve com bic, bela. Até porque foi sua pessoa quem pariu o inocente, batize o moleque como lhe der na telha, bolas. Luís Antônio, Luís Waldir, Luiz Octávio. Achei bacana perceber, né não? Lux, luz, quero luz e infinitas cortinas... Luís, respeita Januário... Não me interessa um tico posar de moderna. Estou tão velha, mas tão confortavelmente velha pendulando na minha rocking chair de palhinha puída, rarará, que até me lembrando de rock, o infeliz do rock é das antigas... Tem uma musiquinha, nem me pergunte qual é o cantor, escuto no rádio do carro, um verso aqui, ali, outro acolá, junto os cacos, de repente, pimba!, é a fisgada: o tolo teme a noite, como a noite vai temer o fogo. A claridade aniquila a escuridão. A escuridão dizima a claridade. O tolo teme as suscetibilidades, teme porque enxerga mal e os gatos quedam-se pardos. O tolo treme porque desconhece. Tem esse pedaço, também: eu voltei mais puro do céu. Sensacional. A menina pretende ver mais liso, menos empenado? A menina trepe num poste. Do poste, salte para a árvere. Dela para a asa do aeroplano. Daí, segure a vertigem, olhe bem para baixo. Espie o todo todinho. Depois, empine a coruja a mil no anarriê para o solo da pátria. Retorne menos contaminada. Menos agressiva. A vontade era rabiscar uma historinha supimpa aproveitando essa efervescência eleitoral, tome tempo que meus textos não rendem um caldo, uma desavença - sorvete de chuchu - perdi a mão, o tempero, culpa da doença, Cróvis, craro. Aquela cantiga: sei que às vezes uso palavras repetidas, mas quais as palavras que nunca são ditas? Nenhuma da Silva. Isso de internet é um empata-foda, um estraga-prazer. Pronto, falei. O mote acode, o raciocínio buliçoso, instigante, irreverente, rarará, a mente brilhante da mepançuda, ui, vai engendrando considerações inteligentes, adequadas, interessantes, divertidas, férteis, na linha sou muito criativa, brou, rarará... Quando a criatura se achando dá fé, quarenta e sete blogueiros lhe passaram a perna: barquinhos siameses a deslizar no macio azul do mar das redes. Aaaaafe. Que pressa! Seu bote esquálido encolhe, míngua, tadinho, naufraga na hora, maior sem coração essa galera genial, antenadona, articuladérrima (diferentemente da gaga hipotensa ;)), hiperativa, acelerada, gente sem pão, sem poesia, sem noção de fraternidade, cara.
Compreendo inteiramente o sentido de votar nulo, sério. Anteontem, a minha pessoa pretendia fazer o mesmo. Já conversei bastante a respeito desse governo atravessado na minha goela, fui PT de corpo e de espírito de igualdade, igualdade sem subterfúgios, igualdade de Jesus Cristo, o Socialista do meu destino. Fui PT mais ou menos engajada, fui PT ressabiada, fui PT enraivecida, com o arado, entretanto, ainda amarrado à estrela, atualmente, parece que estamos mesmo nos divorciando. Qualquer trabalhador deveria sentir orgulho da origem de um partido nascido nessa conjuntura de fortalecimento do movimento popular, fruto partido da ascensão das lutas operárias, Fernando Henrique e Lula panfletando juntos, que nascer bonito, visse? Complicada foi a virada ao centro... e a guinada à direita, camarada. Pelos seus filhinhos... Na avaliação política mais rasteira de que se tem notícia, bicho, longe léguas de entender do assunto, sendo só essa pobre alma sem Hanseníase, bastam-me as patologias de praxe, trazendo, portanto, a sensibilidade humana de doer à flor da pele, como éééééééé que um partido dos trabalhadores pode tratar essa energia, esse rompante social: as recentes manifestações de rua – não é o camarote, é a pipoca, pessoas identificadas e identificando-se com a pipoca!! – é a voz do povo, cara pálida, é manifestação de rua... Como éééééééé que o partido dos trabalhadores trata um professor em greve clamando pelo justo, assim, bebê, desse jeitinho manso, mimoso e conciliador? Tufo. Como é que o partido dos trabalhadores ou o que restou dele, sei lá, abraça tapinha nas costas um Maluf? Um Sarney? Um Fernando Collor de Melo? Prevaricação explícita. Alianças tão inescrupulosas quanto as celestes pflistas de outrora e as azulzinhas psdbistas de sempre, I’m sorry. Pelo meu bem é que não é, camarada. Visualizo uma cord(j)a de guaiamum gigante, o gancho das patolas descomunais agitando-se, soltando veneno e beijinhos doces. Melhor uma solidão de lascar o cano. Ou se amigar com belzebu, o capiroto. Nas ondas petistas, a bonança dos ricos continua, multiplica-se, feito preá dando cria. Os banqueiros e os milionários seguem rindo à toa. E é para reeleger Dilma, cara pálida? Perfeitamente. Pelos acertos, que os há, acertos passíveis de regulagem, de ajustes, concordo, acertos passíveis, sobretudo, de reconhecimento. Ajudo a reeleger Dilma para arregaçar as manguinhas segunda-feira. Ajuda, Luciana. Porque o cavaleiro solitário, vocês viram o debate, o criador das vogais travestiu-se de cavaleiro solitário. Pois bem, o gingado da cadeira de balanço range uma toada caduca: o cavaleiro solitário, o paladino do sudeste, o sem partido espúrio e sem passado que o condene, é mais vilão que todos os malfeitores da auriverde Gotham City irmanados, nesse surreal expediente. Ensinamento. Acorda.  

domingo, 12 de outubro de 2014

Cachinhos dourados

Estava lendo ainda agorinha sobre Ensino, a vocação para a nobilíssima tarefa, essa baboseira toda, bastante desinteressadamente, Cróvis, craro! Isso a dois passos de 15 de outubro, dia de titia lavar a égua, rarará, um golpe de mestre, meu camarada, um indefectível golpe de mestre. Doida de atirar pedra, disposta a facultar um quarto ao chifrudo príncipe das trevas, danada para esbarrar numa frase de efeitos colaterais lacrimejantemente contundentes, um aforismo potente barganhado na lata por um perfume novo do botecaro, menina, o negócio é o seguinte: as árveres somos nozes e declaro oficialmente aberta a temporada de ganhar presentes. Quando era mocinha, avalie, rarará!, no filó esgarçado do tempo que Dondon jogava no Andaraí!, a minha pessoa era uma mocinha XXG, toda vida fui esse transformer desorientado no meio do caminho, uma desmesura desordenada derrubando os cones, as jarras e os cálices, rarará... Tímida. Arrogantemente tímida. Tímida de querer ser a prata da bala, se é que a madame me entende... Na escola, lembro-me como se anteontem fora, rarará, meu maior sonho era ser pequena... Meu Deus! Concedei-me a graça de amanhecer pequena, rarará! A senhora saiba de uma constatação: daquela tela descolaram-se para engolir o esquecimento os que me enxergaram no fim do mundo do fundo da sala, onde meus mais íntimos conflitos, onde meus mais rústicos excessos escondiam-se. Restaram na memória os professores meia boca, média 8.5, imperfeitos de cultura, os de voltar atrás com o mesmo gás de seguir adiante, sobretudo, aqueles de olhar para mim. Um olhar para mim. Se a megapançuda dona dessa banca, no dia animado de um surto psicótico, resolvesse virar uma estudiosa da Educação, ela difundiria: no juízo final, salvo estará o professor que tenha finalmente aprendido a olhar. Olhar é a nossa missão. Isso de estudar rings a bell, cara, rarará... Na capa do meu trabalho de conclusão da disciplina Literatura Portuguesa XXXIV, rarará, Zé Rodrigues escreveu assim: fôlego para dissertação de mestrado... A heteronímia no Pessoa, espia só o enxerimento... Zé é um sujeito que o vento não carregou, melhor dizendo, carregou sim, trouxe da Universidade para o meu portfólio de saudade. Sempre quis descobrir que erva braba aquele professor puxava, rarará, porque o cara achar que minhas pernas bambas sustentariam essa empreitada... Logo eu, conservada no viandalho da mais legítima preguiça. Estudem pacas, meus pimpolhos. Estudem, que não há mesmo de haver alternativa.
A alternativa é o partido necessário. PSOL? Vai se tornar PT, pode anotar. Stick around, it may show... Garanto que conto, nunca fui baú pa guardar segredo. Votei em Luciana Genro Socialismo e Liberdade, galera acompanhou, entre entusiasmada, abismada e profundamente contrariada. Lá em casa, bicho, deu o que falar. Minha irmã teve a audácia de afirmar que foi apenas porque saí de Pernambuco, um comentário que decidi não comentar, ela é cardiopata, tem sérios problemas de saúde, pretendo, portanto, poupá-la. Votei vez primeira num candidato a estadual pelo partido, ainda morava em Recife... Deixa pa lá essa porra... Sou forte, sou por acaso, minha metralhadora cheia de mágoas... Eu apanhei de Fernando Henrique e CIA anos a fio, descomposturadamente. Jamais gostei deles, entretanto. Aprendi com Painho. É diferente. Com o PT, eu tinha um caso de amor, uma estrela brilhando no peito. Dói demais, cara. Trata-se de uma traição tão funda, mas tão funda, meu anjo da guarda vê meu sentimento ao optar por Dilma no segundo turno, ele vê, cara. Talvez Luciana tenha me fisgado aí: ‘parei contigo!’, entendesse? Renunciando àquilo que até um guri buchudo sabe que o partido dos trabalhadores, no frigir dos ovos de ouro, tornou-se. Essa minha licença forneceu, sem aliança, sem contrapartida, rarará, rolos de pano para as mangas, tenho lido tanto sobre o PSOL, o PSOL acolhe em seu regaço o melhor deputado federal desse país, assim como a melhor bancada do Parlamento, saiu nO Globo, vigiasse? O PSOL discute homofobia, maconha, aborto, na esquina da rua, saboreando um caldo de cana e um pastel de feira. Propõe que se pense a respeito do respeito. Aproveitando a célebre de Lula, rarará: nunca antes na história do meu país interior, nunca antes nas minhas entranhas, esses assuntos espinhosos renderam tanto pensar. No momento em que se oferece a Bolsonaro e sua trupe um estoque extra de mamadeira de espinafre, fortalecendo no Congresso, no Senado, uma base que não é religiosa, bom se fosse, é uma tribo torpe, truculenta... Bolsonaro é aquele degenerado do arranca com Preta Gil, o que disse não correr o risco de ver seus filhos envolvidos com negros, porque seus filhos foram bem educados... No momento em que a histeria grotesca, preconceituosa, doente, esvaziada de lógica, de sentido, de um dedo de humanidade, no momento em que Malafaia toma assento no sofá da minha residência...  E eu confesso que não visualizo o estalo, como foi que, de repente?, isso aconteceu, cara? Sei que foi assim... Nesse momento, a plenos pulmões, Luciana brada: uma ova!! Pois, muito bem: uma ova!!! Ninguém é a favor do aborto, ninguém. Esse questionamento não me atingia antes. Hoje me alcança. E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal... O feto anencéfalo, o feto do estupro, o feto que, desenvolvendo-se, matará seu próprio regaço... Faca no feto. Uma mulher que, pelas razões as quais você nem se atreva a tocar, não julgue, madame, não julgue, uma mulher que decida interromper uma gravidez, com uma agulha de crochê, vai fazê-lo, não adianta. Que os anjos lhe concedam alguma assistência intergalática, que ela, por Deus do céu, sobreviva. Uma mulher de posses vai comprar um médico, dois, três, vai comprar um hospital inteiro, acredite. A pena existe, é individual, varia de doze a vinte e quatro horas, passando pra dois, cinco, doze anos, até prisão perpétua, a culpa algemada no calabouço da alma. Depende de como a maluca se sente. Sinta. Há mulheres católicas, há mulheres evangélicas, há mulheres espíritas, budistas, umbandistas, há mulheres agnósticas, mulher à toa, mulher ateia... Nossa missão é olhar. Olhar limpo. Igualzinha a Adélia, não dou conta de envelhecer sem uma fé. Tem fêmea que até prefere, cara, o mundo é desse jeito. É preciso proteger as mulheres. É preciso protegê-las. Debate encerrado? Tenho lido tanto sobre essa mulher doce e raçuda e bonita, a Luciana. Googlei assim: Luciana Genro escândalos. E li, li, li, depois li mais um pouquinho. Aparecia a palavra patrocínio, a palavra doação, a palavra empresário, era eu danada lendo. Descobri, afinal, o que é o Emancipa, essa máquina mortífera de roubar, de fazer dinheiro. Pelo amor de qualquer deus, gente... Li mesmo, li procurando deslizes políticos mínimos, baques alarmantes, um escândalo de grande monta, que lhe marcasse em definitivo o caráter, a falta dele, algo que desabonasse minha aposta no que vai por baixo do caracol desses cabelos. Luciana tem que matar o pai à paulada e fazer voto de pobreza, depois a gente começa, se for o caso, a conversa. O mais engraçado é que essa história dos cachos tresemmé de Luciana remeteu-me imediatamente à fabula, adoro fábulas. O ‘princípio de Goldilocks’ vem daí, aplica-se a rodo, nas ciências em geral, pode consultar. Não vou dispensar meu cochilo pra isso. Nunca disfarcei: criei-me vala comum, cova rasa, rasa, poleiro de pato, pires de porcelana, dragão partido, flor branca. Ouço o galo cantar e invento o resíduo da carochinha, rarará. Era uma vez a menina Cachinhos Dourados passeando na floresta. Cachinhos Dourados topou com a mansão da família Urso Papai, Mamãe Ursa, Ursinho Filhinho. Porque todas as ausências são atrevidas, e porque Cachinhos Dourados não é bolinho, Cachinhos Dourados foi cutucar o cão com a vara curta. Diz que já experimentou o mingau, refestelou-se na poltrona e na cama. O quarto principal mantém-se trancado a sete chaves, tenho para mim que tudo é questão de ajustar o PESO e o passo, nessa disputa tão desigual, briga de cachorro grande, de fera ferida. Cachinhos Dourados é uma observadora inteligente e perspicaz, Cachinhos Dourados é tarada numa análise fria e honesta dos casos. Juro pela minha mãe mortinha que desconheço o fim desse babado, desconfio que Cachinhos Dourados esgueirou-se porta afora, nunca desculpou-se pela invasão ao domicílio. Vai dar um rolé na outra banda do bosque. Deve imaginar que voltando ali, no calor da emoção da coisa toda, Zé Colmeia vai comer o fiofó da garota. 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Rosa

“À sombra do mundo errado, murmuraste um protesto tímido”. É isso só. A pessoa sem um pequeno grande verso drummondiano em que se encostar para tomar um fôlego, essa pessoa perde o bonde, o equilíbrio, a frágil noção de limite e uma boa banda do juízo, pode apostar. Não se mate, Carlos... Ah, não te matem... Não te matem nunca, celeste amigo traqueostômico: minha eterna musa-inspiração, ar de tule, balão anil de respirar... Outro jovem brutalmente assassinado, circunspecto Carlos, outro crime medonho, massacre assinado por gente muito da sabida, especialista em trucidar e ficar tudo por conta do bode, meu poeta conhece a figurinha tantas vezes repetida, desde que o mundo velho sem porteira é o velho mundo. Essa raça LGBT é um problema sério encravado no pelo da sociedade, cara, é preá fêmea, parceiro, essa raça prolifera feito rato, o negócio é torar os bigodes e as patas, cortar o aleijão pela raiz, ou será que pretendem assumir de vez as rédeas do planeta tornando-se de repente a imensa, etérea bolota cor-de-rosa flutuando no espaço sideral, meu camarada? Cabe aos ‘machos alfa adultos brancos sempre no comando’ a espinhosa tarefa do providencial saneamento, a dedetização: acabar com a praga e desinfetar ligeiro o ambiente: ghostbusters!! A debilidade mental da humanidade alcança raias bestiais, o êxtase da aberração. Deixe estar: ao homem de bem o homem de bem ainda vai agradecer tanto, questão de tempo e do devido reconhecimento.
Depois da consulta, anteontem, umas dez e meia mais ou menos, apeei as ancas no Lagoa Shopping, aquele cappuccino da hora, o de turbinar o coração e as ideias, a senhora me entende. Com dez minutos de conversa fiada mais a moça do quiosque, entrou um rapaz, deve trabalhar num andar ali de cima, um charme, uma simpatia o menino, madame. Atrasou-se para o serviço, decerto, porque cumprimentou o povo de todas as lojas, bora resumir: a mais generosa lançadeira de bom-dia que já vi é esse menino, cara. O menino deixou um rastro de luz, um perfume de alegria, uma coisa impressionante. O menino passou por mim de dente no quarador, sabe aquele sorriso abrupto, adventício, o de alvejar o encardido da franja da manhã mais esfumada? Assim. "Estás nu na areia, dorme, meu filho", dorme pesado no colinho ninho de Maria, sussurrei, lembrada da dor na carne do poema. Na falta do que fazer, fiquei matutando uma montanha de besteira. Quantos amigos o guri tem naquele lugar? Quantos desfrutaram daquela energia bacana, quantos gentilmente lhe acenaram, imaginando que poderiam lhe querer algum bem legítimo, se ele não fosse tão irremediavelmente boiola? Quantos fingiram direitinho que ele é um indivíduo normal, igualzinho a nós, não é verdade? Quantos acharam que o menino vem pedindo uma robusta camada de cacete, que alguém ainda lhe acerta a tampa, a senhora não enxerga como ele desrespeita, provoca, ofende a família brasileira, nojento dando tanta pinta? Quantos visualizaram seu corpo esfolado, os rubros pedaços sangrando, quantos arquitetaram um plano perfeito naquele instante, aproveitando aquela mesmíssima espada pairando reluzente sobre a sua cabeça de vento? Quantos dariam cabo dele e da sua maldita corja esvoaçante, largando nas mãos de Deus a tal adaga manchada da barbárie? É tão elementar, que a galera perversa não compreende, coitada: plante uma bananeira, transmute-se, vire do avesso, viva apenas uma semana uma vida que não é a sua, sendo quem você não é, para ficar melhor para o capricho do seu vizinho temente, sob pena de deceparem-lhe os culhões para dar para o gato, aí depois a gente troca uns preconceitos. Pimenta no rabo alheio é refresco de atemoia. Bato pa tu pa tu bater pa tua patota, palhaço. Vá capinar um lote na cadeia. Nelson Rodrigues dizia que o pior da bofetada é o som. Uma porrada muda não humilha ninguém, acaba em pizza, algoz e vítima em festiva confraternização. Façamos um barulho infame, ensurdecedor, molecada.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Overdose

A culpa é do Rubem, cara. Inventei de me enroscar com o guru das horas tenras e tensas da minha caminhada sem espalhafato, três vivas para o mestre querido, ‘meu Iaiá, meu Ioiô’, o Velho Braga imortal, imortal!! Rubem Braga – o codificador da bagatela essencial, o artesão das vitais desimportâncias, o catedrático da falta de assunto, o cronista que nasceu e viveu para redimir a vaidade da humanidade metida à besta. No dia que eu mentir, a senhora já sabe. Gastei a semana inteirinha ruminando histórias cascudas, boas de refogar e servir à moda: uma cutucada impiedosa na questão da gravidez na adolescência: Maria, a minha assistente presencial e remota, rarará, descobriu que sua neta de quinze anos vai ter um bebê, água morro abaixo, fogo morro acima e menina enjoada da boneca, doida pra dar, meu camarada, quem segura? Pretendia arriscar também um novo gorjeio sobre homossexualidade: Clara, Marina e Tânia Mara abrindo o fole, rarará, pense numa musiquinha aporrinhante é o tema das donzelas apaixonadas da novela. Água morro abaixo, fogo morro acima e duas mulheres enamoradas, doidas pra dar, ampla entrega absoluta, afã de comerem uma a outra, meu camarada, quem segura? Outro comichão recente, madame, por conta do sumiço do livro, confesso. Penso que cumprir a vida seja simplesmente não roubar o que é dos outros. Não roubarás casa, coisa, corpo, colo, consciência e coração dos outros, simples como a gota d’água. Água morro abaixo, fogo morro acima e o sujeito sem moral nem bons costumes, o degenerado a postos, de plantão, o patife doido pra tomar pra si o que não lhe pertence, meu camarada, quem segura?
Duvido alguém se interessar é por meu excesso de peso, papo inútil, quem diabos liga, cara? Conversinha fiada que sequer provoca cócegas. Escovando os dentes, me olhei no espelho, pra quê? Gorda, profusa, avantajada. Graúda sim, desmantelada, neném, jamais - meu norte, minha filosofia. Volume sexy, suculento, apetecível, de devorar com dez talheres, cara. Maior que a média, isso desde o berçário, ninguém duvide. Aliás, saí da maternidade deixando Dona Rita para trás, a ver navios, coitada, fodida, acabada, estropiada, arrombada da peleja de parir um rebolo de cinco quilos. Diz que quando ela finalmente recuperou-se, retornou ao lar doce lar para eu dar de ombros, rarará, nem aí nem chegando, nem leite de peito queria mais, habituada ao afável sabor das guloseimas em lata. O absurdo tem limite. Existe uma diferença brutal entre a criatura perder a forma de barril fiu-fiu bem devagar, mordiscando uma paçoca, um brigadeiro extra aqui e ali, a boca nervosa trabalhando incansavelmente na poda da vestimenta, rarará, na derrocada da medida mais ou menos certa, e a criatura adormecer fofinha para amanhecer obesa mórbida, carecida de uma urgente urgentíssima cirurgia bariátrica. Desse jeito. A prednisona infla o contribuinte no susto, overnight, cara. Dá um desgosto, uma vontade de nada, a gente fica com aquele semblante de ‘comeram meu pudim’, such a devastated full moon face, uma melancolia, bicho, uma lástima. Começo a fazer 10mg/dia exatamente hoje, uma lasca de alegria. A partir dessa dosagem, garante o médico, o inchaço tende a lentamente regredir. Não que eu deseje ser a mais bonita também por fora, rarará, não se trata disso, por fora bela viola, por dentro pão bolorento. Mas, cá pra nós e pro povo, sem mais delongas, na cara: tomara, meu Deus. Tomara.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Doutor Malogro

Bando escasso, arraia miúda: eu mais dois ou três felinos, pingados e silentes. Calados, embatucados, prostrados, consternados. Leitora do meu afeto, sem tirar nem acrescentar um trema, é o seguinte: o laboratório parecia um templo budista. A minguada plebe rude não abria o bico outrora aceso, palestrante, estrepitoso de palpites. Jazíamos, cara, inertes, catatônicos. Isso me deu um amargo na língua, um desgosto só, só a criatura vendo. Observei meus pares e ímpares, pensei assim: somos da banda pobre, a gente deve ser ‘muito da’ pobre, meu chapa. Somos podres de pobres, parceiros, só pode. Pobres e capricornianos. Concílio de ‘cabras’ da peste, pois, uma modesta fatia de caprinos autênticos, sim, não resta vulto de dúvida: nenhum capricorniano da gema cai feito um patinho no papo furado ‘a taça é nossa!’, esquecido de berrar da arruela saltar do miolo inflamado, o justo protesto ‘se hay gobierno filho da puta, soy contra!’ do chão da praça. Acaso despencando, para erguer-se é uma novela. Capricorniano não cai para levantar no susto, sacudindo disfarçadamente a poeira do tombo, dando a volta assim, vapt-vupt, num piscar de turvas retinas de lince, com destreza de ginasta e duas risadas, duas sonoras gargalhadas de Fafá. Ninguém tem pressa de vestir azul, bola para o cume, a vida segue, não mesmo. O capricorniano sabe honrar o luto, acolhe o momento da tristeza como abraça um seu recém-desencarnado, chora todos os brotos da pitanga, abona o pranto propício e farto. Desfavorecidos de capital, sim senhora. Miseráveis. Duvido o contribuinte abastado, montado na lenha, na bufunfa, o dinheiro escapulindo pelo colarinho de grife, o pereba se achando, sentindo-se o dono do jogo e da banca, duvido perder o sono e a alegria para uma reles semifinal de copa do mundo, não mesmo. Rico perde uma alegria de manhã, compra três de tarde, é desse jeito. Viaja para Porto. Seguro, de Galinhas, do raio que o parta. Ou afoga as mágoas em Frankfurt, vai se recuperar em Munique, um bom refazimento no coração de Berlim é o que há, tô errada? Se lhe parece... Somente no peito machucado do fodido é que a humilhação da vida inteira, num segundo, aflora, lascando tudo. A síndrome de vira-latas acomete quem não tem um pau para bater no gato que não tem nada com isso. Coitado do torcedor fodido. Coitado do gato. Aquela dor sentida, inesperada, abre um leque de mazelas, desfia um rosário de descontentamento. Parece até que o pobre nunca teve um pequeno dia da mais louca alegria. Eu disse ‘parece’?
Entendo de futebol como entendo de análise combinatória. Entretanto, sofro de nascença. No que sofro, rumino. No que rumino, aprendo. No auge do flagelo, a ferida supurando, minha senhora, o sujeito querendo ou não, cedo ou tarde demais, aprende. Um currículo esporte espetacular nunca alimentou canarinho. Arraste seu passado glorioso cravejado de pedrinhas de brilhante - uma maçaroca dessa idade! – estrada afora, carregue o calhamaço de títulos num carrinho de mão, para aliviar o peso, take it everywhere, terá desperdiçado um transatlântico de energia e tempo. Quem precisa do passado é museu, companheiro. Se o passado servisse para alguma coisa, seria um presente. A vida exige da pessoa uma abertura, um despojamento, um frescor, sei lá, uma atitude bastante diferente. Um deslocamento de intenção: o desejo de crescimento a partir do seu redor, da novidade medrando à sua frente. Um olhar buliçoso, neófito, calouro, estagiário, sempre aprendiz, menos altivo, menos ‘doutor’ e muito mais ‘paciente’. Um profundo reconhecimento da imperfeição humana, uma humildade íntima, entranhada nas células, humildade serena e permanente. Curriculum vitae é currículo morto. Cada noite, um óbito. Cada madrugada, um trabalho de parto. Cada manhã, uma semente.  

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Meanwhile

Assim é, se lhe parece.”, o que tem pra hoje. E pra todos os vindouros dias do pra sempre, até que a morte não separe, simpatizo demais com a Doutrina, essa onda de depuração ad infinitum me dá um consolo... Ademais, sou chegada num Gasparzinho fantasminha camarada, digo logo, nem sei se meu leitor já sabe. Hei de assumir, perante a humanidade atônita, rarará, a condição e a opção espíritas - minha lei, minha questão. Reconheço, entretanto, que é bastante cedo, permaneço vergada de deslizes, transgressões e delitos vários, para tanto, preciso melhorar um bom bocado. Assim é, se lhe parece. Isso é Pirandello, madame, romancista e poeta italiano, cabra da peste esbanjando um tonel de inspiração existencial, rarará, no exato, precioso instante em que proclama a grande verdade. A senhora experimente, no próximo arranca-rabo das ideias surdas, fanáticas, desarvoradas, espumando, bufando, mordendo-se reciprocamente, rarará, no calor do embate, a ilustre leitora deixe escapar, assim como quem não quer nada, e querendo dar o assunto por encerrado: assim é, se lhe parece. Uma economia de calmante. Um santo remédio. Vou esclarecer por que funciona: o interlocutor não pretende mudar de opinião, decerto. História de cada um, vaidade, orgulho, arrogância, fragilidade, insegurança, aquela convicção irrefutável de uma razão demente. O interlocutor pode estar redondamente enganado. Ou absolutamente certo. O contraditório da vida. Deus anda nu pelo subterrâneo da alma atormentada, Deus é intimus gel das vicissitudes do contribuinte, Deus entende as mazelas humanas, a gente nunca. A gente não pretende mudar de opinião coisíssima nenhuma, a gente é o cara, gente. Assim é, se lhe parece é feito reconhecer-se elemento da multidão no meio do caminho, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, aprendendo a jogar. É declarar publicamente: não consigo assimilar seu raciocínio, sua fala, sua justificativa, seu comportamento, seu sentimento ou completa falta dele; não aceito um milímetro disso aí, purgante, mas tolero. Não consta nos autos do processo que temos que nos afinar a qualquer custo, amarmo-nos profundamente, abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim, não vá por aí, ainda não existe esse conto de fadas. Tempo haverá, colega. Degolar é pecado. Respira. Tolera. Há relacionamentos tão duros, tão ásperos, tão complexos, há rivalidades tão antigas, que só mesmo o esquecimento... Minha quarentena de cinco meses tem sido providencial nesse sentido, acredita? Sem autorização para o oco do mundo, a pessoa pega o beco que desemboca no pavilhão de dentro. Resignação. Tolerância. Auto-conhecimento. “Conhece-te a ti mesmo.”, uma provocação robusta, a danada. Recua, procura identificar a raiz da pereba. Descobre por que te apraz afiar o dente, abocanhar o ombro, atravessar a pele, arrancar um pedaço da carne do teu irmão oponente. Um jeitinho fofo de tentar derrotar... Conhece-te a ti mesmo... Máxima de Sócrates, que desencarnou de beber, parece que enchia a lata, coitado. Mas batia um bolão existencial, rarará. Futebol chique, de respeito, meu chapa.  

terça-feira, 27 de maio de 2014

Pancada

A carne mais barata do mercado é a carne docente, francamente! Ando com minha cabeça já pelas tabelas com esse desgoverno do PT, de mais a mais, ando pelas tampas é com o alfabeto inteiro, P da minha nada mole vida, cordial correligionário! Impressionante a mudança das letrinhas, a dança das cadeiras, o balé da batuta, a imutabilidade pétrea da soberba, do egocentrismo, da pilantragem e da safadeza. Qualquer poder, qualquer, qualquer mesmo, no frigir dos ovos, estapeia o visual, enfeita o maracá, turva, contamina e perverte, é desse jeito. Não se iluda, não me iludo: o sujeito virou chefe do almoxarifado, no mesmíssimo dia, à tardinha, é batata, favas somadas: perdeu uma banda do seu caráter reconhecidamente ilibado, assim caminha a humanidade. Até pensei em escrever uma historinha perfurocortante acerca da sova dramática na bunda do operário em construção imorredoura: o mestre, amado mestre, ilustre mestre com carinho. O Governo espanca, esfola o couro da gente, madame, beliscão de arrancar o pedaço.Tal é, afinal de contas; a bolha translúcida queimando, o vergão na polpa que mainha beijou, ali, latejando, trauma no íntimo da alma, indelével marca também sobre a carne de terceira, a mais barata do mercado, ferida dessas mal cicatrizadas, lesão renitente, daqui para trás e daqui para adiante. Esse Governo rabisca história às avessas, trama igual e diferente, uma bela bosta, sabe? A Lei da Palmada vai com mais de mil para o picadeiro do Senado, a rainha dos baixinhos beirando os quarenta, rarará, Xuxa na câmera da Câmara, rarará, soletrando serena a lição para casa: con-ver-se-mos: con-ver-san-do é que a gen-te se en-ten-de. Dilmaligna tem ouvido de mascate, deduzo, surda de pai e madrasta ao apelo do mais prejudicado, ‘conversar é o cacete!, vão trabalhar, vagabundos!’, pau literal, pau para comer sabão e pau para saber que sabão não se come. Nem de futebol eu gosto, manja? Aliás, leitora querida, confesso que jamais cogitei vir a sentir, pela trupe do Partido dos Trabalhadores, o que aurora sinto, meu peito toda vida palpitou no tambor da rubra estrela Lulalá, a companheira acredita? Chorei três noites, legítimo contentamento, do Presidente da República ser aquele genial torneiro desdedado. Quem quiser que defenda essa INDIgestão, ando pelas tampas. Do alto da torre, irmão, meu olho empapado vistoria um país tão longe de ser pátria boa e justa, Brasilzão descontente, distante léguas da alegria. Entre porta-níqueis e pochetes, alguma coisa melhorou, decerto, estudo os números, Cróvis, craro. Deve ter melhorado também, e bastante, a condição de tão facilmente penhorar a jóia de um ideal, princípios, decência. Melhorou muito a possibilidade de mamar nosso dinheiro e brio, sem culpa, melhorou o meio de roubar o povo, descaradamente. Meu asco, minha agonia, minha vergonha é a lama encarnada do momento, essa pereba moral, essa corcova ética, um aleijão. Corrupção é corrupção - magenta, violeta, verde, azul ou amarela - é sempre o déjà vu, o eterno ranço, quem diria... A confirmação de que ninguém parece saltar do tremzinho do Palácio com as mãos simples e limpas. E vazias. A bem da verdade, pretendia era desabafar, desisti da função em seguida, convém respirar, respira, pois, megapançuda. Reconsiderar, retroceder, mais que navegar, é preciso. Once and for all, aprender a manter a ‘pressão, pressão, vou explodir!’ arterial abaixo das raias da loucura, pulsando ali em treze por oito, no máximo, nunca de never more acima disso - meu dever, minha salvação: from now on, caro comparsa, é o seguinte: nem vem de garfo porque a janta é sopa: ninguém mais me toma a paz, que não consinto.
Avalio o deserto, o precipício, a inclemente escuridão da mastodôntica falta que faço, rarará. Quantas visitas ao brogue, nenhuma novidade. Visualizei a senhora desmanchando outra vez o sorriso, fechando o outrora faceiro semblante, “me sentia tão rico deste dia, e lá se foi secreto”, sem vestígio de Fuchique, rarará. Perdão, pessoas. Três meses e meio de edema, náuseas, vômitos, distúrbios abdominais, cefaleia, tremores, sudorese, arrepios, disfunção menstrual, gengivite, cistite, visão turva e o raio que o parta justificam a ausência, espero. Há travessias solitárias com pedigree, sabe? Irremediavelmente nuas, frias, cruas, sombrias, absolutamente não compartilháveis. Quando a dor e o pavor suplantam qualquer nesga de entendimento, o verbo não comporta o peso, a gente sofre às cegas, desacompanhada. A gente emudece, em respeito ao sábio tempo da consciência de todas as coisas.

segunda-feira, 17 de março de 2014

A voz do outro

A moça abanou a asa um segundo, foi a conta, derrubou as guias de atendimento, voou ficha, cartão de plano, carteira de identidade, tudo para tudo quanto é canto. Outra moça, menos moça, acercou-se do fuá, nariz aceso, braba siri na lata, escalpelando a guria, coitada. Um constrangimento a criatura ser repreendida assim, na frente do povo, e sem o sobrepeso da culpa, ainda por cima. Porque, sinceramente, vamos combinar um negócio: se aquela jovem, dentro daquele furdunço de laboratório apinhado, àquela hora conturbada da matina, com os devoradores de compromissos a mil, a patota futuro da nação parindo gêmeos, dando ataques epilépticos, se aquela jovem, ali, deliberadamente, de caso pensadíssimo, preferiu espalhar a papelada no soalho, arriscando-se a perder o emprego e a pele de pêssego, aquela jovem está desenganada dos psiquiatras, ela mesma amarrasse os laços da camisa e adentrasse o camburão descorado, o comboio branco leite espalhafatoso disposto a empacar o trânsito para a maluca sozinha desfilar, rarará, aquela jovem rumasse atônita, desorientada de crachá, para o acolhedor regaço do sanatório geral vai passar, concorda? Doida de beber veneno, né não? Pena que não consigo me ajoelhar, entrevada feito o cão reumático, não movi a palha. Ajudei ajuda pouquíssima, disse a ela que era besteira, menina, acidentes acontecem, ora. Ninguém pode matar, ninguém pode morrer por um atraso. Fez de propósito? Fez para ter trabalho dobrado? Fez para apanhar dos contribuintes presentes ao recinto? Ando muito ressabiada com a humanidade, sabe? Que fim levou a piedade, a doçura das pessoas? Trocar de lugar um instante, other shoes for a while, existe esse fenômeno psicossocial aterrorizante, cara, o profundo desconhecimento do outro, que não é uma escultura, é gente! Uma omissão, uma insensibilidade, indiferença por seus pares, cara, ou sua raça é desigual, meu camarada? Fico bege com um trem desses! “Não conheço nem vou, que não disponho de prazo, muito menos de paciência, tolerância, respeito, cidadania e vontade”. É como observar as crianças extemporâneas, lamentavelmente tão prematuramente adultizadas, mulheresinhas e homenzinhos aguardando a seringa, nenhuma lágrima, anões acompanhados de seus papais amorosos, diligentes, autossuficientes a duras penas, onipotentes e refratários. Em que momento elas desaprendem? Por que os pais não desejam mais que seus filhos vinculem-se? Que grande perigo pode haver? Mínima abertura, tanto melhor, as ameaças açoitam. A senhora se lembra de quando as crianças eram crianças? Eu toda vida reconheci uma criança pela janelinha aberta para o meio do mundo, o sorriso amplo, desdentado, a persiana do olhinho escancarada, vão, canal, fresta, festa, uma flor do campo convidando a brincar, a achar graça, criança é convite, qualquer criança quer relação, troca, encontro, a criança vive de convidar a gente para ser seu amigo, pode reparar. Uma temeridade isso, cara. Não é minha mentira que, esbanjando essa saúde de ferro, desde 2009, frequento o laboratório em questão, com a fidelidade de um cachorro adestrado, até porque não me concedem outra possibilidade. Não é minha mentira: faz cinco anos que repito a frase: a Unimed Vale do São Francisco está no registro de vocês como Unimed Petrolina, repito para entender que sou ouvida, lida e amada, quem não quer experimentar uma vez, cara? Faz cinco anos que as funcionárias do estabelecimento insistem em me reservar a saleta dos nunca te vi mais gorda, a cela dos estranhos, as peruas erguem-se da cadeira, vão confirmar com o Papa, retornam meia hora depois, admitindo “a senhora tem razão”. A leitora avalie o bem que me proporcionaria um modesto gesto de carinho, uma aprovação, um assentimento, uma desobediência à toa, um gozo na alma é o homem perceber uma nesga de confiança na sua palavra, por Deus, é a sua palavra. Um dedo de rua e a sombria constatação: a humanidade está programada para foder o irmão, para dificultar o passo das pessoas, seus semelhantes na Terra, já atinou para isso? O prazer supremo, o regozijo de dificultar. O júbilo de encrencar, atravancar os processos. No semblante, pupilas dilatadas, a galera cegueta de pai e mãe, nutrindo distâncias, vertendo abismos de autoridade máxima – “seu coração é uma ilha a centenas de milhas daqui” - no tom da voz, na má escolha do verbo. Impressionante. A coisa mais rara das galáxias é a gente topar com alguém como nós, um peão um tiquim mais antenado nos umbigos diversos, um cadim mais empenhado em promover o visgo, o engate, facilitar, de alguma sorte, o lado frágil, o pedaço de cá, a banda da(e) gente. Simplificar a própria vida e a vida dos outros é o nosso dever e a nossa salvação. É caminhar para o amor, gente. Fico atarantada com essa fartura de falta. Falta de quê? Da ideologia do contato, porra. De projeto humano efetivo: afetivo, solidário, coletivo. De ponte, de calço, de impulso, de aproximação, de dendrito, gente! A quantas anda a conexão de almas na sua jurisprudência?

sábado, 15 de março de 2014

A casa da palavra

-Alô?
-Quem está falando?
-A senhora quer falar com quem?
-Fernando.
-Aqui não mora nenhum Fernando, senhora.
-A senhora tem a voz parecida com a dele.
Minha voz é idêntica à voz de Fernando, um contribuinte da família de Anderson Silva, parente próximo do mito, muito possivelmente, rarará. Fernando, meu camarada cabra macho, vai falar fino assim em Las Vegas, Estados Unidos do Barak!!, rarará. Parece que Anderson mudou-se de mala e cuia, tomou casebre por lá, soube recentemente, meu desinteresse por esse cara chega a ser desconcertante. Aliás, ando mais desinteressada de coisas desinteressantes do que nunca, a leitora experimente adoecer seriamente de qualquer doença muito da chique, veja multiação, vigilante, o que se passa. Contrariando a recomendação clínica, o doutor insiste, eu desconverso: por isso que ainda bebo tanto. Por isso, também, não tão bem quanto gostaria, escrevo, escrevo de empenar o chifre, e toda semana é a palavra para sempre varrida do solo marfim, uma lástima, a palavra cigana, bandoleira, desaparecida das areias que pisei descalça, esfolando a planta, justo aquelazinha, a palavra do clímax, a palavra do cigarro, a de burilar a pedra, suavizar o contorno, a palavra de aparar as pelancas do eterno texto. Escrevo, moço. Escrevo. Se está incomodado, achando a conferência ruim para cacete, o jovem mancebo dê seu jeito. Escrevinho sinceras abobrinhas de mentira, o povo aposta na invencionice, “Adriana inventa, Adriana inventa!”, batata. A mulher desligou e ligou de novo, Ronaldo que atendeu, bom é ter testemunha, Ronaldo voltando pra cozinha, morrendo de rir: a mulher tá doidinha pra conversar com Fernando bico fino, rarará. Obviululantemente, pois, tudo a mais cândida verdade. No pequeno dia em que a minha pobre alma atormentada faltar com ela, a minha poeira de verdade, terei faltado comigo, a falta mais grave. Comigo nunca mais fico em falta, acordo interestelar, pro Das Esferas já fiz promessa. “A mentira é uma verdade que ainda não aconteceu”, com isso Mestre Quintana e eu concordamos.
“Failure to prepare is preparing to fail”. Máxima da escola de grife onde trabalhei quase vinte anos, avolumou-se-me tamanho trauma de excelência, o bichão instalou-se na medula das entranhas, decerto por causa disso mesmo, hoje compreendo. Meus amigos guardavam cadernos e mais cadernos de planos bem sucedidos, lesson plans certificados, pau de sangrar doido, minhas folhas avulsas morriam na lata do lixo, a demora era o sino bater. Por quê? Porque eu abro espaço. Porque eu confio no presente. Porque eu descarto aqui para colher adiante. Era tanto planejamento, moçada, papéis, papéis, meus inconsistentes planos de aula à janela indiscreta, olhos duros, cascos rijos, patas estritas, calosas, implacáveis, desacostumadas à humildade, à partilha e à ternura, meio mundo de gente pitacando, apalpando minhas carnes, com que direito, meu Deus? A gente pode interferir no coração da ideia do outro, cara? Que o infeliz tenha a oportunidade de crer no sonho capenga, de tentar uma manobra radical, um giro de dança, rarará, de quebrar a fuça e os dentes, de que outro modo se aprende? Há que se respeitar as ideias alheias, existem outras cabeças menos brilhantes, vivinhas da silva, espermatozoides menos espertos que deram a maior sorte, cruzaram antes a linha de chegada, rarará, de repente, pimba!, um belo e forte rebento, a gente vai afogar no lago porque não pariu a criança, pereba? A madame, por acaso, num relance, perguntou aos botões da blusa como é que não enlouqueceu até agora, do pé à ponta, com as cobranças malucas e despropositadas, filhotinhos legítimos da frescura com pedigree, do orgulho e da vaidade, a senhora dimensionou como não pirou com as mais estúpidas demonstrações de poder de isopor, no decorrer da sua nada mole trajetória profissional?
Para não espalhar que não mencionei as flores, tenho arrebentado a boca do balão no planejamento para as aulas de alfabetização de Maria, a dona da história, a minha doce assistente para assuntos aleatórios: “Maria, o teu nome principia na palma da minha mão”. Arregaça, Maria. Maria percebeu que tudo é pedaço de som enlaçado, significando o pote do seu alcance e o baú que ela ainda não descobriu, tempo haverá para revolver e afagar a terra. Sílaba, Maria. Sílaba. A gente tem que se entender com as letras, Maria, que, sem as letras, essas belezuras que mamãe beijou, sem as letrinhas, a gente não pode enxergar esses sons, a gente não enxerga nada. E no som se pode viajar, Maria. Todas as palavras são suas, o desenho, a melodia, cada sentido e apelo, tudo seu, jamais se esqueça. Nisso não consinta que alguém se meta. Todas as palavras são suas, Maria. Conto com você para encontrar a minha.

quinta-feira, 13 de março de 2014

A fada do dente

“Morrer é só não ser visto”. Ponto para a pessoa do Pessoa. Recebo um telefonema, vindo de lá, diretamente da batcaverna – a celula mater - uma moça boazinha que só, a moça me informando o dia e a hora da perícia médica, em Campos dos Goytacazes. Esclareci que não posso viajar, e nem é porque não quero conhecer a instituição, nada disso, “eu amo o longe e a miragem, amo os abismos, as torrentes, os desertos”... O problema é que o doutor não deixa mesmo, nem que a vaca tussa. A alternativa que gentilmente me oferecem é esperar. Devo ligar para remarcar a perícia quando estiver liberada para a viagem, noutras vãs palavras insensatas, completamente curada. Tenho um baú abarrotado de retalhos multicoloridos para cerzir a crônica definitiva a respeito disso, a senhora jamais duvide. Obviululantemente, declino o convite à contradança indignada “à sombra do mundo errado, murmuraste um protesto tímido”, posso agora não, passe mais tarde, há que minimamente resguardar-se, polimiosítica ‘inflamada’, rarará, e desmiolada. Do alto do manso, a contribuinte sem saúde reivindica, pois, um breve intervalo, café e dois dedos de paz na alma, se tem uma coisa inútil que incrustei na profundidade da pele, ao longo dessa minha doce vida besta, é aquela máxima não sei de quem, nem pretendo pesquisar, porque posso, não faço, Aldous Huxley ‘rings a bell’, acho que é citação dele: os mártires penetram na arena de mãos dadas, mas são sacrificados (ou será crucificados?) sozinhos. Bairrista atrevida, petulante, sem papas na língua, ratifico: em Pernambuco, uma dificuldade dessa fragrância, simplesmente, não existe, isso não acontece, palavra de quem foi meio filial e meio matriz, decerto. “A morte é a curva da estrada”, Fernando Pessoas. “Morrer é só não ser visto”.
Minha dentista confirmou a suspeita, dissipou-se uma camada das presas, fale aí a leal leitora dos meus esdrúxulos percalços, madame do céu, quando, em seus piores dias, a senhora imaginaria uma doidice assim? Alguma substância do tinhoso corroeu o meu sorriso, querendo, acredite. Fiquei tão impressionada com a novidade dando à praia, bem que eu já sentia uma intrusão, uma esquisitice, como se a gengiva, do nada, despertasse, virasse um organismo cheio de vontades, tudo túmido, rarará, sensível, me ardendo, o fio e a escovação produzindo uma areia de dente, uma farinha de esmalte, arre, égua! O capítulo mais interessante do tratamento odontológico é o preço módico, pela fé. Minha felicidade é a teima, a pirraça, uma confiança inabalável na plena recuperação das faculdades físicas e psicológicas, só penso em trabalhar de morrer, de cair o panamá, sei de alguém que não logrará escapar de pagar essa abrupta despesa, “barco perdido, bem carregado”, Dona Rita repetia, que Deus me ajude. E Deus ajuda, pereba. Deus ajuda. Ameaça: Deus. Covardia: Deus. Dor: Deus. Pavor: Deus. Solidão: Deus. Compaixão: Deus. Perdão: Deus. Transformação: Deus. Destino: Deus. Deus morde e assopra, caçoa, consola, Deus. Deus de mola. Deus demole e edifica o íntimo altar do mamulengo. Condenados à eternidade, lembremo-nos: o mafuá conta com excelsa Gerência, o time tem Diretoria.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O segundo sol

Uma saudade enorme come, deita e dorme no meu coração. Ainda bem que eu sei cantar, digníssimos leitores do meu respeito, ainda bem. Canto de morrer, de deturpar as cordas vocais, toda vida fui assim, gosto de música para escutar e para acompanhar no gogó da siriema, rarará, dois tons acima, esganiçada... Isso da saudade enorme é um forró forrado, danado danadim de bom, uma saudade enorme come, deita e dorme no meu coração, remédio indicado pra quem está errado é pedir perdão... Ontem, na boquinha da noite insensata, rarará, Ronaldo me flagrou foi no seio do chororô, maior vexame, cara. Ronaldo fica injuriado quando me surpreende derramando as rubras e vultosas pitangas, rarará, o macho adulto da espécie tem essa besteira, fala a verdade, madame, essa dificuldade ancestral com transbordamentos de qualquer ordem, tanto os pessoais, subjetivos, quanto os alheios, chega dá pena. Complicado administrar tais momentos Manoel Carlos em família, porque engasgo na hora, do susto de engolir ligeiro o sal das compotas, a lágrima empedra no miolo da laringe, balbucio equações primárias incompreensíveis, vou grunhindo nanicas notas de rodapé, rarará, uivando para a lua meus mais entrecortados e cristalinos esclarecimentos, os quais, by the way, meu doce homem da cor brasileira, obviululantemente, não entende, rarará, é desse jeito.
Todo aquele que, a essa altura da peleja com a poli, não faz a menor ideia do que se passa no espírito e na musculatura da blogueira mais famosa aqui de casa, faça à dona deste probo blog ursinhos carinhosos a gentileza: levante o traseiro daí, juntamente com o seu sebento acampamento, e troque imediatamente de freguesia, siga seu caminho na paz dos covardes uniformes e regulamentados, à espessa sombra da insensibilidade desumana, peregrina com o anjo mau que te escolta a carne e o nervo indiferentes, vai para o diabo que te carregue, árido irmão de alma vil, vai se queixar para o bispo, vai mesmo, e se puderes, não voltes. Não gasto mais uma tira de imbira da minha nada mole existência aventureira atrás de angariar um aplauso e uma lambida: o rabinho abanando, a simpatia e a consideração de quem quer que seja. Dane-se, meu negócio para o instante e sem demora é a liberdade dos afetos espontâneos, aquela querência recíproca desabalada, à superfície do lindo lago do amor, silvestre florzinha mística, miúda e branca, perolada, nasceu lá porque quis, ora, iluminada ao sol do novo velho mundo, e desprovida de entretantos, de estranhezas, de infantilidades, de ofensas bicudas, de percalços e de condições tão adversas, amém.
Minha reclusão provoca a dor de uma saudade, decerto. Doeu, deságuo, não tem jeito. Sabe aquela saudade roxa, blue e esverdeada, cintilante: um hematoma sorridente? Pronto. Cada mergulho no perene açude da saudade é um flash, o holofote queimando lenha nos becos escuros das cruas intimidades, um insight, um brusco entendimento de quem ela era e de quem vai, pouco a pouco, se tornando, sua mais firme, funda e fatal identidade. Saudade inconsolável dos que me amam sem renúncia, sem confronto, sem conversa fiada, sem sofrimento nenhum, amam a gorda escrevinhadeira e acabou-se, essa gente esplêndida, valente na coragem mansa de amar e revelar publicamente “Adriana, mulher, eu te amo, esqueça nunca não, eu te amo”, mobilizando céus e terras, um volume de luz, de vibração do e no bem, de energia limpa, positiva, que é como um alazão de fogo em movimento, galopando ao redor de mim, erguendo do chão o pó dos astros, das estrelas, a nuvem de pirilampos pousada leve na polpa de um profano véu de incertezas, temores e vulnerabilidades. Um cobertor de mais de um milhão de vagalumes. Meu aluno me conta que reza por minha recuperação toda calada santa madrugada, e não é porque pedi, que sou esse exemplar, fêmea ainda bastante envergonhada, Dona Adélia, o menino reza porque o menino quer. Meu amigo me garante de pés juntos que a minha dificuldade o reaproximou de Deus: “me lembrei de Deus, Adriana, bato papo com Ele à vontade, os cascos no sofá da sala, numa saliência que só vendo, e a culpa é toda sua”. Segunda vez já que a mãe da aluna telefona para me dar uma atenção, fofocar um pouquinho, “você deve se sentir tão sozinha, Adriana, muito ruim, eu imagino!”. De manhã, é o telefone piando, minha irmã Iêda, lógico, logo cedo atentando, perguntando se dormi, o que comi, o que não comi, se estou com azia, se tomo leite, como está Ronaldo meu cunhado querido nessa confusão toda se virando. Felipe não escapole para a cama sem me mandar um beijo face de boa noite, isso todo dia. Olhares tão ternos, palavras tão quentes e serenas, gestos tão nobres, o amor só procurando uma brecha, uma desculpa, para mostrar na cara de pau a cara. O amor cutuca, se importa. Não me resta alternativa, choro. Ungida do mais sublime, poderoso amor, choro. Ninguém pense que retornarei à ativa para calorosos embates, grandes participações, competições e conquistas, feitos espetaculares, tal e coisa, rarará, nada disso. Escolho as últimas posições do ranking, um conforto, uma cadeira de palha para a idade avançando, o sossego de quem vislumbra prioridades completamente prioritárias. Vou deixar o rio me levar para o lugar da paz da simplicidade: carinho e caridade, graça, riso, preguiiiiiça, essas tolas insignificâncias. Eu quero o silêncio das línguas cansadas. Eu quero a esperança de óculos e um filho de cuca legal. Meu filho, leitora, por que não? A maternidade, essa sim, é uma baita de uma honra.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Balangandãs

Um rosário de ouro, uma bolota assim, ai, quem não tem balangandãs não vai no Bonfim! Oi, não vai no Bonfim! Oi, num vai no Bonfim! O cara é a cara da riqueza: Dorival Caymmi sai com mais de mil, relacionando os penduricalhos e borogodós dos quais a baiana se gaba, a coisa mais linda da pessoa escutar para sair gingando vida afora. Dorival Caymmi do Brasil – serena lenda sob a tenda ao pé do mar, o painho ilustre de Nana Diva – a musa de qualquer estação primeira, Nana: o sentimento sentido da música da gente. Nana Caymmi cantando ‘atirei o pau no gato’  me representa inteira, minhas digitais, meu pedigree, representa também a categoria premium da senhora, madame, aposto. Já que tá dentro, amorzinho, deixe, né não? Recuar, nem se eu quisesse. Uma vez iniciado o pedregoso tratamento, seus males, flor de formosura, espante como puder, é desse jeito. Desço as escadas imitando Carmen Miranda, bracinhos roliços agitando-se sobre a cabeça de minhoca com gravíssimos distúrbios sinápticos, uma bolota assim, uma bolota assim, Ronaldo rosna, as promissoras manhãs encontram Ronaldo pelo avesso, mal humorado de carteirinha: ‘deixa disso, palhaça!’, rarará, tudo porque vou precisar destapar, à britadeira, a rolha da goela. Todo dia é uma agonia para engolir os botões de cortisona, cada bolacha, uma broa dessa idade assim, não me lembro se comentei, experimento uma dificuldade absurda para deglutir qualquer alimento, não consigo comer carne, por exemplo, faz tempo que nem tento, tudo emperra no alto do gogó, a felicidade foi esse doutor escapulir da aldeia dos anjos para esclarecer que faz parte, querida, faz parte, o sintoma é próprio da polimiosite madura, minha sofisticada enfermidade de incontestável prestígio, que num sou fraca, beijo a lona, mas no salto fino, ora. A musculatura da garganta está comprometida, ah, bom, agora caiu a ficha, esfolando a mucosa. Do contrário, leitora, a essa altura do engasgo, estaria residindo numa clínica psiquiátrica, enlaçadinha na camisa, sem força. Multiplico os graúdos m&m's por dois, os bichos vão dando cria, preciso quebrar os comprimidos ao meio, a medicação tem porque tem que apear no piso do bucho, uma NO-VE-LA, uma aventura para três metros de crônica de uma morte anunciada, sinceramente. Tem hora que nem pra cima, nem pra baixo, meu desejo é correr doida. A loucura é a gare derradeira, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José, para onde? Sanatório geral, última parada. A loucura é, portanto, caos e cais, a salvação da humanidade, que se necesita una locura, ninguém duvide. Acabo de ler uma informação interessante, sei lá, me identifico, rarará, negócio sério, abalizado, estatísticas leais, adormecidas e despertas nos anais dos estudiosos da alucinação e da demência, dados cadastrados no maior respeito. Diz que os portadores de problemas mentais preferem a cor azul, minha favorita, viu essa notícia por aí? Desde que tomei conhecimento desse badulaque fundamental para o entendimento da minha mais recôndita natureza, rarará, os chacras alinharam-se, minha filha, a consciência expandiu-se de uma maneira, meu infinito particular ganhou uma tonalidade celeste, uma compreensão, a santa sanca gris, a tal iluminação, rastreada encarnações a fio, jamais antes alcançada, rarará, Buda mergulhando de bunda no índigo abismo do meu espírito outrora atormentado. Azul é a cor do céu, da água da minha praia, da beleza, da verdade, da calma, da deficiência crônica de siso, azul é a cor mais quente, gente! Vesti azul, minha sorte, então, mudou! A senhora sabia que o chacra do desfiladeiro do pescoço é azul? Estúpido tubo entupido e desorientado do cacete, vou te contar, hein? Minha garganta estranha, rarará... Pensando justamente nisso, acondicionei os remédios numa graciosa necessaire lilás, uma prenda, menina, um mimo, uma bonequinha, rarará... Lilás é a cor do silêncio, é proteção e purificação, transforma as energias negativas em positivas, realça a individualidade, muito útil para os da pá virada, os profundamente tensos e desequilibrados, tadinhos. Uma mão na roda da reabilitação física e psicológica dos sequelados sem um real de saúde na fuça. Maluco é quem deixa para outra oportunidade aquilo de que ainda vai se arrepender amargamente, porque o oco do mundo um dia virou fumaça e o que era importante de o babaca fazer por si mesmo, pluft, dissipou-se, não foi feito. Lilás será destaque, amiúde, na ornamentação da casa e no meu guarda-roupa, de 2014 em diante. Fuchiqueiros de plantão, vocês aguardem.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Exílio

Beija eu, beija eu, beija eu, me beija. Félix e Niko se entocaram três léguas tiranas adiante de onde o gato perdeu as botas, no oco do mundo à beira mar, lá no cafundó do Judas, na esperançazinha inocente de juntar os trapinhos de grife e os róseos lábios machos de amora, sem o risco de ninguém dar fé, sem pilhéria, sem aperreio, pobrezinhos. A gente quer ter chance de amar um pouco nessa vida confusa, não conheço quem não pretenda amar um pouco nessa vida besta, rogando ao Grande Rabi um mínimo de reciprocidade, de cumplicidade, a gente fica torcendo para amanhecer em teus braços, macumba para o relacionamento vingar, encorpar, dar um caldo, uma sustância, let it linger, baby..., virar um poema concreto, quem sabe, é desse jeito. Danado é que o povo toma tanta conta dos amantes, um caso sério. O povo sempre vê, no que vê, madame, já viu como é, assunto para três meses de mesa de bar, o povo fala, o povo fala mesmo. O gay pode fazer de si e do seu afeto o que bem lhe aprouver, but on the basement, nos pubs e nas boates, entre iguais, segregado, longe de papai e mamãe, longe dos pimpolhos em formação, afinal, o amanhã dirá, ninguém conhece direito os bons e maus efeitos dessa exposição homossexual desvairada, na mente e no peito de uma criança indefesa. Bullshit. Bobagens, meu filho, bobagens. Pois, quem quiser que comente a beiçada do ano, ando cheia dessa conversa, sinceramente. Completamente esgotada. Duvido que os meus leitores precisem de breve ou prolixa nota de esclarecimento, sinto que tudo soará estranhamente difuso, redundante, rarará, needless, meus compadres, thoroughly needless... Meus leitores são trinta e sete ilustres conhecedores do meu ponto de vista, nisso eu aposto meu fígado, a essa altura do baile, praticamente decepado.
Um prazer quase homossexual, rarará, receber esse telefonema inesperado de Iracema, a pequena que quebra o coco, rala o coco, engole o coco, e não arrebenta a sapucaia. Ira é uma edição exclusiva, cara, lamento que a senhora não desfrute do talento, o lauto banquete da convivência diária com a bamba da filosofia, mora? Maluca, lelé, pancada credenciada, louca de pedra, uma criatura simplesmente formidável. Perdi as contas das vezes em que Ira me implorou que repetisse para ela a nossa história – minha, de Ronaldo e dos que vibram na sintonia – Ira não se entedia de escutar de novo e de novo os detalhes todos, o encontro na net, o limão, as passagens aéreas parceladas em oitenta prestações irrisórias, o casório a prazo, a mudança para o Rio, Ira escuta e ri do inédito requentado, rarará, muito louca, ri como se não soubesse, tadinha. Encanto Ira, ilha de luz, maravilha. Ira me fez um pedido daqueles de com força, sugere que aproveite o afastamento para escrever sobre essa minha exigente, portanto transformadora experiência. Seu pedido é uma ordem, morena.
Estou no começo do meu desespero, e só vejo dois caminhos: ou viro doida, ou santa. Você tinha razão quando dizia que eu parecia muito doente, sua alma sensível, sem esforço, percebia. Não por acaso, foi tempo à beça rolando pelos consultórios, diagnósticos equivocados, lembra? Meus músculos estão duramente comprometidos. Esse hiato tinha que ser, tinha que ser, minha amiga. O tratamento é uma quimioterapia, às vezes, tomo quinze comprimidos numa manhã, fora o omeprazol, para segurar o tranco. Tem dia de sol e tem dia nublado, dependendo da náusea e do grau da azia. O médico mandou controlar o apetite, não posso engordar, já vou inchar um bocado por causa da cortisona. Pela graça divina, até o momento, continuo sem um tico de fome, que o fastio me acompanhe até a reta de chegada. Não sei para onde vou seguindo, Ira, o pior da estrada é esse seguir sozinha. O marido sai às nove e volta às nove, eu aqui chupando dedo, o olhar mendigo dos cães, por solução. Minha irmã mais velha, a aposentada, vem cuidar de mim, donde concluo que fiz algum arremedo de bem, ao menos, nas escalas da infinita viagem. Não nasci para quatro paredes, minha praia é a muvuca, a suruba, eu adoro, eu me amarro no chão da praça. Tamanho intervalo é um elefante: incomoda as pessoas que curtem minha doce companhia. É uma depuração, mulher, uma muda de pele, saca? Pedaços necrosados de mim, despregando-se do osso, um óbito interior, íntimos vãos se abrindo para o acolhimento do realmente, profundamente, assustadoramente novo. Penso demais no peso inútil que carreguei nas costas, um baú de lembranças entristecidas, que a débil carcaça, a muque, sustentava, tanta revolta, tanto abandono, tanta pena, tanto desconsolo, tanto sacrifício para arrimar minhas trêmulas verdades, particulares. A solidão abusa da hospitalidade, invade os espaços, rasga o fole, as flores da cortina, as perebinhas supurando, a parte bacana são os quebra-cabeças que, definitivamente, desisti de montar, larguei alhures, o que nunca entendi, jamais entenderei, pecinhas restantes, desemparelhadas, na caixa, tenho limitações importantes das quais nem por sonho me liberto, você sabe. Para que tanta perna, meu Deus?, pergunta meu coração. Porém, meus olhos não perguntam nada. Meu destino, depois do mergulho ornamental, é subir à tona, tomar um ar, beijar às claras, interminavelmente, até que os olhos mudem de cor, possivelmente plantar, no futuro do presente, a semente de um enredo diferente. 
   

Dedicada a Iracema, para quem eu sou ‘my love’. I love you too, ‘tatu’.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O amor é azulzinho

Se eu fosse uma contribuinte em quem a pessoa pudesse, de fato, confiar o rebento na véspera da viagem, aquele amigo de quem se compra um carro de segunda mão sem cogitar vistoriar o calhambeque, minha gente, na boa, se eu prestasse para alguma coisa besta nessa nada mole vida, tivera a minha pobre alma atabalhoada um dedo mínimo de ambição desmedida, o biscuit de prateleira de uma pretensão mais ancha e edificante, guardaria o meu bloquinho de notas falsas todas as informações fundamentais são mesmo os amores da gente do filme massa a que assisti anteontem, um negócio de cinema. Dá um tratado, uma dissertação de mestrado, a madame querendo. Tô fora. How else can I explain those rainbows when there is no rain? It’s magic. Once you feel the magic, nobre e meiga senhorinha, colha a rosa de fogo insidioso do destino, abrace a aurora inusitada, acolha o calor do mistério, sentindo só, sinta o sol bater, the stars desert the skies and rush to nestle in your eyes, it’s magic... Somente sinta, despojada do ‘kit fode da ciência’ - seus valorosos apetrechinhos de pesquisa. Porque não valho o que o gato enterra, deixo a tarefa pesada de dissecar a película, a partir da ficha técnica, aprofundando devagar o corte, blá-blá-blá, para quem se amarra nessas empreitadas, gosto é feito nariz, isso para não grafar aqui um nome bem feio, “cu é lindo”, Dona Adélia é lúcida de doida, gosto é cada um com o seu e acabou-se, quem quiser que vasculhe nome de artista, de diretor, o raio que o parta, o sujeito tendo curiosidade e disposição, madame, esse sujeito vai ler é de perder a pestana, para o bom entendedor meia palavra basta, o que não falta no script é sugestão de infinitos labirintos de leitura. Mais fatigada que um maratonista, músculos em franca degenerescência, sabemos, estômago ulcerado, fígado podre, tristeza sem pedigree, cem anos de solidão, escolho divagar, preciso urgentemente sonhar, sonhar um sonho mágico debutante, pelo que imploro me desculpem.
Era uma vez uma moça bonita de verdade na tela. Uma moça bonita vivendo sem malícia, entre o querido diário e as calcinhas, o espaguete e as aulinhas de literatura, os seus jovens dias de moça mais bonita. A moça curtia Inglês, filme americano, crianças, a moça curtia, principalmente, escrever para ninguém nunca perceber, claro, mas a moça se encantava mesmo era quando o professor lhe dava alguma condição de imaginar as suas coisinhas íntimas sossegada, uma raridade na realidade dos que esbanjam pedantismo de pesquisa. A moça gostava muito dos meninos também, gostava para namorar o gato da sala mesmo, como todo mundo, aquele beijo da menina da escola nem contava, a moça gostava, claro, ou achava que gostava, nesses assuntos cardisplicentes (cardíacos e displicentes), quem tem um pingo de juízo, sabemos, não se mete. A manhã sempre vem, a manhã pode trazer alguém. Anjo tem halo, não sexo. Não é que trouxe, menina? O primeiro amor é a impressão de morrer, cadê que a gente esquece. Uma história de amor igualzinha às outras, dor de poesia, dor de prazer, dor de sofrer, dor de perder, uma história de amor igualzinha às outras, tudo igual e diferente, alguém duvida? Duas meninas num vagão, fundindo-se fodendo, comendo as carnes, as entranhas, o coração uma da outra, a senhora nem se arrisque a ver, vai que a senhora simpatiza, o diabo atenta, o tesão aumenta, virar sapata tá na moda, a homossexualidade campeia, grassa, alastra-se no dorso das colinas, é quase uma imposição, a arma na cabeça, orai e vigiai, portanto, o inimigo espreita.
 Azul é a cor mais quente é um filme robusto, inúmeras, insondáveis portas e janelas abertas mar afora, amar adentro..., acessos sem taramelas, sem gelosias, pela graça divina. Impossível calcular a raiz da emoção, de onde vai brotar o jorro do peito. Minhas vísceras fêmeas revolveram-se porque a moça bonita aprendeu, apesar de tudo, a sobreviver, a preservar-se, meu Deus, a gente precisa tanto ter coragem para preservar, a todo custo, a própria consagrada natureza. Uma coragem de bicho. Coragem de visitar-se, de percorrer os buracos mornos, salivados. Coragem de revogar-se. Coragem de saltar, sem sinal de rede para amortecer o baque. Coragem de trincar os dentes. Coragem de beirar a loucura. Coragem de se humilhar, lamber o chão de estrelas, os astros que ela pisava, distraída, passas, deusa de fel e delícias, desatenta ao teu vigia... Humilhar-se, feito um cão sarnento. Coragem de chorar as pitangas, chorar de entorpecer as artérias. Coragem de partir, bem mamado, bem chumbado, atravessado, cambaleando num cordão, a vida sempre segue. Coragem intrínseca de enfrentar a audiência, afrontar a conferência internacional dos tontos de empáfia, para ser professora de crianças.  



Objeto de Amar 

De tal ordem é e tão precioso 
o que devo dizer-lhes 
que não posso guardá-lo 
sem que me oprima a sensação de um roubo: 
cu é lindo! 

Fazei o que puderdes com esta dádiva. 
Quanto a mim dou graças 
pelo que agora sei 
e, mais que perdoo, eu amo.


(Adélia Prado)