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domingo, 29 de setembro de 2013

Traços

A senhora ouviu por aí que perdi o bonde e a esperança de virar cronista juramentada: a melhor de todas as minhas historinhas pé-quebrado, no breve piscar dos olhinhos míopes, pluft!, sumiu, desapareceu, escafedeu-se. Fa-le-ceu, é mole? Intitulei-a Castelo de Areia, lembro-me bem, uma premonição, correto. Vamos combinar, o cume da nuca da pessoa chega arrepia, até parece que eu estava mesmo adivinhando. Historinha conceito A, nota máxima, o presente rabisco não lhe amarra o cadarço.
Passei a vida inteira morrendo de vergonha de que me vissem demais da conta: a estatura acrescida, a extravagância do corpinho, isso somado às idiossincrasias do signo solar, tal e coisa, a senhorinha sabe como é. Li, uma vez, num almanaque astrológico, que os capricornianos são constantes nos propósitos, persistentes e obstinados. Entretanto, a cabra é um bicho sem afetação, circunspecta a bichinha, reservada com farofa de dendê. As cabritas do zodíaco são idênticas nesse particular, rarará, discretíssimas por natureza, comedidas, as ‘eminências pardas’ da parada, ação e reação sob o sublime manto da parcimônia e da prudência, esclareçamos. Dia desses, casualmente, folheando uma inofensiva revista feminina, descobri, estupefata, que, em São Paulo, a mulherada pode alugar bolsas caríssimas, dessas de cinco mil patacas para cima, pela bagatela de cento e trinta e oito reais, e por apenas quarenta e oito horas! Um devaneio patético com data e hora para despertar! A mulherada dá lucro ao dono dessa banca, amiga! Mentira que essa necessidade existe dentro de uma alma feminina! Mentira que uma beldade pretenda conquistar algum respeito entre os meros mortais, mentira que uma formosa dama julgue manifestar valia, caráter, credibilidade, seus méritos e virtudes humanas, por meio de um anexo, um apetrecho de luxo que nem lhe pertence! Gastei uns minutinhos brandos pensando nessa inominável besteira. Em seguida, danei-me a escrevinhar, animada, virada na bala. Esbanjei tanto talento, do qual, by the way, não disponho, rarará, nas brilhantes considerações sobre a supervalorização da forma: queixo, coxa, busto, bunda, trapinhos chiques e onerosos acessórios: a fugacidade persuasiva, a transitoriedade turrona e caprichosa – essa opressão plástica comendo o juízo menos consistente, esse consumismo torpe e irrefletido, deveras solene e autoritário, cravejado de tamanha superficialidade... e contundência!, veja bem, a fazer da pessoa gato de marca e sapatinho de grife, endividando-nos com pedigree, degenerando-nos o bom senso e a consciência, corroendo-nos o nervo do pudor e do embaraço. Ficou um negócio tão espetacular a minha finada historinha acerca do assunto, madame, ainda mais agora que inventei de aprofundar a incisão na densa e diáfana (ninguém duvide!) epiderme da doutrina espírita: o porto, a porta, o consolo da humanidade. Mais alto o coqueiro, maior é o tombo. Capricorniano que se preza, nem cogita exibir-se. Aprendeu, pela dor, que não convém contar vantagens estéticas de qualquer ordem, menos ainda no resvaladiço departamento de seleção da palavra, rarará. Mister dispensar supérfluos artifícios.Vós sois deuses, vós sois a luz do mundo. Tendes não. Sois. Um deslize e o pavão pançudo estufou, gorducha insensata. Quando dei fé, pimba!, tome-lhe o machado no lombo de Joana Gibão, rarará: dei com o biquinho no meio do poste, o computador é um artefato cheio de personalidade e malícia, a memória é um dispositivo traiçoeiro do cão, não resgatei, portanto, sequer uma sentençazinha solta, menos ordinária, mais ajeitadinha, acredita? Flutuei no ar como se fosse sólida, rarará, caí feito um patinho, once again, no sítio do anonimato, as Esferas Superiores deceparam-me o texto anterior e as asinhas enxeridas. Ok, then. Rest in peace, sole sand castle back on the ground! Aquilo que o Mestre não quer, gentil leitora, nem peleje, jamais dará certo.
  

domingo, 15 de setembro de 2013

Ciranda

Eu também preciso de mais um dia de sol, estrategicamente alojado entre os primaveris sábado azul-celeste e domingo magenta, especialmente enquanto não pinta um santo de alta patente, patrono da osteoporose, do esporão e da espondilite – o padroeiro do farelo de osso da espinhela caída da professorinha cinquentona – um Padim Ciço Romão para guardar o meu, sábado parece que foi ontem, sábado nasce morto, a senhora já notou? Sucinto sábado volátil, full gas evaporando inteiro num suspiro, de manhã, escapulindo célere pelas frestinhas de provinhas tão singelas. A fim de quê? Obviululantemente, minhas avaliações são de uma simplicidade franciscana - questão de princípio - tudo ostensiva e obscenamente modesto, os alunos sabem. Só que não. Não vou viver para entender os descaminhos do pupilo perdido na inóspita selva de concreto, whose fault is this?, “será que apenas os hermetismos pascoais, os tons, os miltons, seus sons e seus dons geniais nos salvam, nos salvarão dessas trevas?”. Vem de tão, tão distante o descompasso, escuto mesmo é a pancada: o samba atravessa, o moleque tropeça e rodopia na chapa quente, tomba feio, esfola a cara na recuperação semestral, a verificação suplementar acenando ali adiante, toda escola que se preza é assim: desventuras em série no solene cárcere desmantelado - uma melancolia, não tem jeito. Meus superiores de todas as instâncias têm tanto que fazer pela Educação, Deus lhes conserve a vontade e a sobriedade, o discernimento e a assertividade, meus chefes trabalham de empenar o chifre, coitadinhos, acho ótimo, um sujeito bastante sem tempo jamais perderá tempo com esse bloguinho ordinário e absolutamente inútil, razão por que jamais tomará conhecimento da minha legítima tomada de decisão 220 v, rarará: agora é brincar de viver. Eu quero aproximar o meu cantar vagabundo daqueles que velam pela alegria do mundo. Que ao menos os acentos e cedilhas da língua-mamãe sejam, em algum momento, razoavelmente bem empregados, ora! Deixa a moçada passar por média ‘how do you do?’ e queimar a bufa na ortografia e na regência verbal! Doravante, escolho a maciota, a irrestrita diversão: quem quiser que se vire nos trinta para desvendar o enigma da garrancheira do patrão - Sir Tio Sam, ninguém se importa.
A respeito da minha dor articular, aquela de estimação, cabe esclarecer o seguinte: vou de pior a pior, feito a cantiga da perua. Tanto que quinta-feira passada, pimba!, fui bater um lero com meu ginecologista, meu ginecologista, depois de Ronaldo meu marido, é o homem mais fundamental da minha vida besta, aposto que já falei aqui, incontinenti, entretanto, repito. Não pretende envelhecer, pobre moço, então desencarne menino, não é verdade? Os capricornianos são criaturinhas ancestrais, buliçosos fósseis falantes no meio do mundo, até aí tudo nos conformes astrológicos. Os capricornianos de nascença, desde o berçário, entendem que estão morrendo, e estamos combinados. Doutor, tem que ser doendo?
O plano de saúde não me acode, surpreendente seria se o fizesse. O bom reumatologista da cidade passa longe da Unimed, cobra os olhos da cara pela competência. Ando cansada demais desse circo - circuito fechado que nos arrasta, tontos e indefesos, de um lado para outro, círculo vicioso cuja carência de decência e integridade nos arrasa. Fui orientada a procurar uma ortopedista, Drª Andréa, que é especialista numa tal medicina de esforço, é isso ou coisa que o valha. Meu ginecologista indicou, confia cegamente na médica, mansa feito um cordeirinho branco anestesiado, pagarei o preço do talento, assunto encerrado. Parece que a Drª Andréa entende muito do riscado - essa história de articulação, tendão, ligamento, osso e associados. Parece que a Drª Andréa tem visão holística - central, periférica, empática, afetiva - consegue harmonizar o esqueleto, a mente e a alma da gente, uma raridade entre os profissionais dessa área, cartel de estúpidos tratando miúdos, membros esquartejados. Ando cansada demais de especificidades sem afago, frias, ineficazes e arrogantes. A consulta particular ficou para 10 de outubro, até lá, madame, haja meditação e sarapatel de diclofenaco, paracetamol, cafeína e a parceiraça nimesulida de todas as horas sentidas.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Candeia

Três vivas para o nove de setembro! Hoje é dia do médico veterinário, duvido que a senhora se importe de tomar ciência desse cisco de fato. O fato é que sei que eu sou bonita e gostosa, e sei que você me olha e me quer, rarará... No que olha, nitidamente enxerga a cláusula pétrea, rarará, bloco de óbvio ululante irrevogável: a minha humilde pessoa arrasta um trem por um cachorro, claro. Nicolau entende tanto da vida, que recuperou-se!! A senhora acredita? Do cume de uma generosidade sem obstáculos, sem limites, para o solo fértil da vida contente de continuar. Nicolau segue vivendo, concedendo-nos o tempo da fé. O tempo exato de aprender a confiar no afeto permanente: sol que nunca se apaga. Na linha acesa do horizonte, não mais que de repente, despontará o pálido momento de acenar goodbye, o lencinho branco, flor de ir embora é uma flor que se alimenta do que a gente chora, todo carnaval tem seu fim, toda história de amor tem adeus, é desse jeito. Nicolau recuperou-se, pelo que dou graças a Jesus Cristo, à Virgem Maria e aos amigos Érica, Cícero e Manuel – a santíssima trindade veterinária de Cabo Frio. Érica é a dermato, Cícero é o cardio, Manuel é o das urgências urgentíssimas. Não existe moeda forte, circulando pelo meio do mundo, que pague a conta de tamanho cuidado com meu bicho. Por tanto amor, por tanta emoção, (e)ternamente, obrigada, meus queridos.
A felicidade há de se espalhar com toda intensidade. Minha doce e bruta sobrinha e afilhada Manu mora com o namorado, agora, em São Luís do Maranhão. Ninguém pode conversar sobre cachorro sem tocar no nome de Manuela, Manu também arrasta um trem pelos vira-latas da casa. Ainda ontem, conversava com sua mãe, a dela, rarará, minha amada irmã Nilde, sobre como ela está lidando com a perda do bebê, perder um filho - homem, menino ou caroço de feijão – não é mesmo lição para principiantes, a barra é um bocado pesada, a gente não precisa provar o jiló da pereba alheia para sofrer, contam como foi, pimba!, a gente vai e sofre, na lata, é desse jeito. Apesar do pesar, parece que anda tudo nos conformes, na medida das possibilidades e vulnerabilidades humanas, decerto: a casa nova, outro trabalho, outra cidade com gente dentro, uma coisa bacana: a gente tem que sacar que gente é gente, aqui e em Birigui, vamos combinar que não há razão para duvidar das grandes chances desse fresco e viçoso relacionamento dar muito certo, gente é gente. Nilde está apreensiva, naturalmente, e desconsolada de saudade, coitada. Danço eu, dança você. Queixou-se de solidão. Ausência de filha, ausência de irmão.
Seu Biu e Dona Rita sempre foram, do mar, misterioso mar, o límpido farol. Meu pai e minha mãe irradiavam máxima luz. Dispunham de uma energia vital, de um magnetismo, de uma densidade emocional e psicológica - a estatura moral que mantinha a prole unida, imantada, orbitando em torno deles e em torno de si mesma. Amo meus irmãos, como os amei no passado. Desconfio que amarei meus irmãos, depois de amanhã, além desta vida. Aliás, de minha parte, não me lembro de consumir meia hora sequer, da dor e delícia da convivência em família, questionando a natureza, a qualidade, os cinquenta tons do amor por meus irmãos, ninguém gastava dia de beira de praia pensando nisso, love was in the air, favas contadas. O amor nos envolvia e alentava. O amor nos feria, mutilava-nos, e a gente sobrevivia de amor, amando mais. A resposta mais curta é fazer, percebe? Amor a gente fazia. O amor remove a montanha e aniquila a impermanência. Assim seja. Seu Biu e Dona Rita, estrelas luminosas, concederam-nos o tempo do fruto da fé. O tempo de aprender a confiar na chama do amor, calor que fica: sol que nunca se apaga. Seu Biu e Dona Rita semearam nos filhos lanternas de amor, lá dentro, bem no escuro no peito. A cada um o direito e o dever de ajustar o foco e varrer as sombras imaginárias do caminho.