Estou
de volta pro meu aconchego, trazendo, na mala, bastante saudade.
Achava essa música muito da linda, depois tomei um abuso, que só vendo. Não
podia ouvir Dominguinhos, a carinha mais deslavada, soltando aquela vozinha
açucarada, no horário de propaganda política do safado do Joaquim Francisco, PFLista,
PSDBista, cria de Arenista dos infernos, que que é isso, companheiro??, lá na minha terra, isso em mil novecentos e
guaraná de rolha, a campanha era para governador do meu glorioso Estado – o
Leão do Norte, me lembro como se fosse ontem. Troquei de mal com Deus, com
Alceu Valença, com Dominguinhos – artista direitista enviesado na minha
estrábica mira, eu ficava fula da vida, uma besteira com pedigree, hoje canso
de saber. Basta um dia atrás do outro, o intervalo de uma noite parda, o tapume
do palanque vira um edema só, a casa da mãe Joana, vai adensando, dilatando o
taco, acomoda rato, gato, cachorro e papagaio perneta, a política é a arte do possível,
uma lástima. De volta pro aconchego,
tadinha, não tem nada com a política, sobrevive de doçura, de ternura, de pura
beleza, me alegro na hora de regressar,
parece que vou mergulhar na felicidade sem fim, óbvio ululante que fiz as
pazes com ela. A bem da verdade, a senhora bem que se embaraça no passo,
pressinto, desde a primeira palavra escrevinhada. O ninho de passarinho,
afinal, é carioca ou é pernambucano? É a estrada, minha amiga, é o meu
lentíssimo caminhar. A tenda dos milagres estende a lona puída sobre o céu do
meu destino insensato, here, there, any
and everywhere. Prossigo, obstinada, intransigente, no encalço do apreço, farejo o coração de qualquer
um, lançando laço, caçando tempo e espaço para o acolhedor abraço. Quando estou nos braços teus, sinto a vida
descansar, quando estás nos braços meus, sinto o mundo bocejar... Aquela nuvem que passa lá em cima sou eu,
mais o braseiro mambembe das fibras do meu regaço flamejante, assim seja.
Recife continua escandalosamente glamorosa, a
incontestável soberana do frevo e do maracatu, de Jaboatão dos Guararapes até
Olinda, passando por baixo de todas as pontes vestidas de gala, arrasou na
indumentária de fim de ano. As luzes do Recife, dessa vez, são espelhos d’água,
refletem a apaziguadora claridade sobre o tapete seda dos rios, ornamentam as
esplendorosas tiaras suspensas sobre as corredeiras do Capibaribe e do Beberibe, a
Duarte Coelho, a Maurício de Nassau, a Princesa Isabel, a Buarque de Macedo, a
Ponte Velha da minha infância, trajeto obrigatório de volta para Candeias, as
imponentes estruturas de ferro ancestral incandescente, tão familiares, súbito
inéditas, todas eternizadas ali, ali para depois de 21 de dezembro, ih,
transcendemos a data!, rá rá rá, para depois de mim e de ti, ali para sempre,
vergando ao peso da mais bela e nobre História do Brasil. Pela primeira vez, sem
entender a razão da delonga, coisas do mundo, minha nêga, fiz o passeio do
Catamarã, aquele barco que leva o turista para ver a cidade do ponto-de-vista
do peixe, uma travessia inesquecível, um deslumbramento para a retina fatigada.
Esse lugar é uma maravilha, mas, como é
que faz pra sair da ilha? Pela ponte! Aprenda uma coisa, minha senhora: uma
coisa é a senhora macerar seus insípidos dias, corroendo os cascos por cima do solo
da ponte, outra coisa é a senhora atravessar o arco-íris da vida, velejando por
baixo do abrigo dessa mesmíssima ponte, a senhora pode confiar.
Levei uma mochila, trouxe duas para casa, inúmeros
fuxicos cosidos à mão, muito bem escolhidos, dobrados com jeito, guardados com muito
gosto, no fundo do saco, fios de tecido de todas as fragrâncias, retalhos de
desfiar sem pressa, doce de comer mais demorado, para não enfarar, muito menos empanzinar
meus simpáticos leitores, Santa Rita dos Impossíveis me defenda do
inconveniente, nem pensar. Por falar em impossibilidade, esse dispositivo
desengonçado e extravagante, essa engenhoca maluca que, na minha modesta
opinião, se não deu pé, vai dar, tudo dependendo do seu grau de intimidade com
a esperança, essa destrambelhada. Questão de tempo, questão de fé. Pretendo
despedir-me de 2012 com o mesmo riso frouxo, com a mesma irrefreável alegria, que
perde o sentido, agoniza, mas não morre, é cedo. O sobrenatural me surpreendeu
com um inesperado encontro, uma experiência mítica, uma surrealidade no chão da
praça. Na véspera do meu retorno ao Rio, esbarrei numa criatura tão querida,
no Shopping Center Recife frango com trocentos mil encarnados dentro, um
negócio inacreditável, entrei no Shopping e esbarrei na minha irmã. Somos duas
irmãs de sangue, suor, amor e lágrimas, apartadas por um passado de agruras que
ficou supurando, fratura exposta, somos pessoas de quem a lâmina da vida não teve compaixão, fatiou
as vísceras, a carne nua, já sofremos tanto, nós já sofremos tanto, que
atraímo-nos, feito um ímã, do nada florescemos, plenamente, uma diante da outra, simples assim, por conta do acaso
de Santa Rita, para uma trégua, um afago, um amoroso abraço, no meio da
multidão. Tenho para mim que Jesus Cristo nasceu foi naquele preci(o)so instante. Um
brinde à vida, este privilégio absoluto.
Para Lili, minha irmã, pela feliz coincidência.