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sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Entreato

“Não posso ficar nem mais um minuto com você. Sinto muito, amor, não pode ser”. Na real? Todas as instâncias do meu ego apresentam um hiato de personalidade, uma falha de caráter, um distúrbio de conduta, um desajuste psicossocial severo, tô vendo ainda como categorizo essa porra – debilidade emocional, descompasso cromossômico, manha, bico fino, ostentação, má educação, defeito de fabricação, vai ver é fisiológico..., anatômico: a moleira não fechou direito - sei lá que é isso, cara. A arte de fazer de conta que não é comigo, o instinto de auto-preservação em altíssima, sou mais eu fincando o mastro nos píncaros do Everest. SQN. Bicho, a pessoa nem disfarça, um constrangimentozinho escapando cá e acolá, a bonitinha tem certeza absoluta, jura de pés juntos registre-se, publique-se, cumpra-se, que aquela querela não é com ela. A pessoa debocha, ironiza de uma maneira, me imobiliza rente ao barro do terreiro, na base do chinelo. Faltei a todas as aulas de sobrevivência nessa selva indômita. Minha incompetência para soltar uma pilhéria das boas e deixar a merda para lá é patológica. Algum estudioso de responsa precisa debruçar-se sobre o meu caso perdido, queimar a beira das pestanas, redigir uns bons vinte e quatro livros a respeito. Ganhar um prêmio científico... ou literário, rarará. Passado o quiproquó das eleições, Dilma entronizada de novo, o playboy das galáxias dando ataque, tal e coisa, tirei merecidas férias do cenário político nacional, eu quero o silêncio das línguas cansadas, um tiquinho de nada, nem é para sempre. Poucos engolem a gravidade da minha doença, culpa dele, o velho sorriso escancarado entre as soberbas bochechas empapuçadas. Meu sorriso. Limpo, lindo e efetivo. Permanente, madame. Permanentemente permanente. Assim seja. Deveriam atinar que não corro da luta, não aprendi, não mesmo. Queria ser só um pouco mais denso, pra segurar na cabeça o que eu penso, pra libertar esse medo de rua... Fábio Júnior acerta pouco, gol de placa, entretanto, nessa pequena hora. Deus me deu essa densidade. Cresce por cima da pele uma crosta, rochedo, decerto. Atol de força, firmeza, estabilidade. Recife de coral. Recife à flor da água, fluido, afetivo, compassivo. Sensível, portanto, ao peixe, ao sal, às eternas mudanças de pressão e de temperatura. “Sobretudo, merecem a verdade aqueles que perderam familiares e parentes e que continuam sofrendo, como se eles morressem, de novo e sempre, a cada dia”. Que absurdo tão grande é esse que essa mulher disse, hein? É balela isso? Tortura nunca existiu, parece. Ditadura militar? Lêndea. Fricção. A presidenta do Brasil recebeu o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, o bacana estrilou: uma bosta! Viva a perene parcialidade! O bacana baixou o cacete na listra: e os filhos da puta blindados? Os intocáveis, hein? Requintes de crueldade nos comentários torpes do bacana. PT? Não presta. PT. SAUDAÇÕES. Chefia, às vezes, aposto que cochilei. Passou um pedaço do filme, eu não vi. Se a chaga ora devassada, cabendo aqui inquirir a leitora - quem foi que meteu os cornos na pereba antes??? - se a chaga nua, devassada, não é um momento histórico, augusto, exorbitante, então, me fala aí, o que seria?  Se não é para lançar sobre o acontecimento apinhado de equívocos, de irregularidades, de canalhice, o raio que o parta, se não é para lançar sobre o acontecimento os olhos verde-gafanhoto da fé - ilusão, confiança... - se não é assim, não entendo mais nada. Aliás, não entender lhufas é meu sobrenome, tem sido a minha especialidade. Enxergando pouquíssimo, o vulto e olhe lá, identifico o fura-bolo petista cutucando perebas maduras, passadas há muito do ponto. A presidenta discursou, emocionada, machucada, fodida, chorou vinte anos em vinte e cinco segundos, depois, pasmem, recompôs-se, seguiu adiante. Já a megapançuda... Desaguei. De carteirinha, demorado, sem sunglasses, sem fingir resfriado. Não dependo da senhora para as minhas catarses, menos ainda para abastecer a geladeira. Foda-se. Desejei atravessar a telinha, quis abraçar a presidenta da República. Foda-se. O choro é livre. O pranto é soberano. A lágrima é sagrada. Foda-se. Chorei pela perseguição atroz, pela repressão a um direito azul da cor do mar, cara. Chorei pelos esfolados até a morte, chorei pelos miseráveis, chorei pelos doentes, chorei pelos encarcerados, chorei pelos índios, pelos pretos, pelas bichas, pelas putas, pelas mulheres, meu Deus!, as mulheres e seu rosário de abusos, abusos intermináveis... Chorei pelos esquecidos, os marginalizados de toda sorte. Chorei pela ignorância, pela rudeza, pela desumanidade, pela perversidade das pessoas. Chorei por ela, a dona da banca, Dilmão e seu patético sopro boca à boca, o desfibrilador no peito de um partido político outrora gigante, agora ordinário copo de geleia, partido agonizante, partido desmoralizado... Chorei porque o poder corrompe mesmo, enruga o pano da costa, esgarça o tecido mais fino... Chorei porque a esculhambação grassa o público e o privado da Nação, mas tem cabra virado pra lua platinada, plim-plim!, tem cabra que dá pernada a três por quatro e nem se despenteia, malandro... Chorei por mim, tentando, a todo custo, reanimar os cadáveres do meu facebook – abismos, incompatibilidades fundas, fatais discordâncias? Houve um tempo em que estivemos, de alguma forma, irmanados, será que não vale mesmo a pena insistir? Meu Deus, meu Deus! Por que vivo de alimentar tolas esperanças?

domingo, 7 de dezembro de 2014

Pileque

Tragédia é uma lembrança sem doçura. Ninguém invente de me espremer os gomos do juízo, atrás de descobrir de onde tirei isso, não lembro mesmo, digo logo. Garanto que não fui eu quem cerziu a sabidona, quisera. Saltou de uma historinha de grife, só pode. Virei essa horrenda traça mutante, amanheço e anoiteço devorando as fibras de celulose, rarará, leio de um tudo, madame, de um tudo, sem comedimento, sem critério, as bulas das bolinhas, inclusive. Sobra braço, falta braço, as letrinhas folgadas, miúdas mãos nos joelhos, sacudindo os cachos, balançando bundinhas, uma novela mexicana, a senhora entende. Devidamente apetrechada – Ronaldo me comprou uma lupa! – mastigo até as bulas das bolinhas, para meu tremendo desconsolo. Milagre a gente resistir aos efeitos colaterais desses remédios, só Jesus Cristo Superstar dentro da causa, visse? Danado é que ando com a vista ruim demais, demais da conta, ruim para cacete, bicho, o oftalmo insistindo na tecla gasta, a fim de me subtrair o avassalador desânimo do nervo ótico, rarará: “vai melhorar, vai melhorar, é uma fase!”, eu mentindo inteira que acredito. Parece sabe o quê? Estado de embriaguez renitente. Permanente. Eu hoje me embriagando de uísque com guaraná... Só que não, violão. Sobriedade de dar pena. Meu sal de frutas é a crônica, alguém duvida? Coisinha à toa, cisco, célere suspiro mais humilde, mais despojado, mais lindo, mais sedutor, mais vasto, mais definitivo esse. Meu sonrisal é a crônica. Arrasto um bonde, um transatlântico, pelo superior escrevinhador do retalho, o imortal de chinelos, o ébrio busto no meio da praça (a bênção, eterno Braga!), tudo somente porque o cabra safado vai lá trocando as pernas, o gozador bebadosamba soca os grãos de qualquer acontecimento, apronta a massa, rejunta as finas camadas dos mundos num quadradito de nada. Seje breve, mas espalhe por aí o seu recado. Estupendo. Estupendo, meu camarada.  
Bom para o fígado, bom para o coração, bom para a pele é a pessoa não ser arrimo, não ser rei, não ser exemplo, não ser referência. Não ser candidata à síndica do prédio, sequer, na vida besta. Penso que alcancei o patamar. Corri tanto na direção contrária, me deixem seguir quietinha. Cruzei, finalmente, a linha, entre os tardios, os desclassificados. Tem hora que vigio o próprio rabo e fico abismada, espiando como, apesar de latente relutância, gás forjado, ainda assim, cheguei tão longe, acredita? Vivi o suficiente para reconhecer nas entranhas a brutal incapacidade para as pequenas, médias e grandes disputas. Já perdi batalhas adoidado, brigas de foice, pegapacapá de entrar de gaiata e sair gemendo, esfolada. Não temo fraturas, exposta, quantas vezes beijei a lona, publicamente. Apenas não disponho mais de saúde para novos golpes. Ringue, holofote, ovação, medalha, esse parangolé nunca me apeteceu. Nasci descomunal, cresci imensa, vou morrer inchada, rarará, sempre desejando muito posar de zerinho à esquerda, mínima, bem chinfrim moela de galinha. Tragédia é uma lembrança sem doçura. Recordo a casa, a escola, a caminhada. A memória não é nenhuma Brastemp de incorruptibilidade, rarará. A memória é sua, puxa, portanto, o cardume para o seu lado, a memória tende a preservar sua fuça, sua alegria, sua tranquilidade, questão de tempo. A seu bel-prazer, a memória enegrece uns traços, suaviza outros, a memória pinta o sete, malandro. A memória convida ao mergulho, decerto, mas estende a rede, ninguém pula para espatifar o quengo, relaxe. Existe aqui, na minha pupila, na minha cachola, nos meus sentidos, um fenômeno em processo: livramento, merecimento, tolice, doidice, bruxaria, amadurecimento, a leitora interprete do seu jeito. Três vivas para a felicidade da sã reminiscência. Não consigo mais me lembrar sem doçura, um bálsamo para quem comeu o pão do diabo. Vultos, vertigens, veneno, males turvos, falas foscas, ruídos abafados. Paredes embaçadas e móveis esmaecidos. Rostos mofados, de cera, de éter, súbito nuvem, desaparecendo. Feliz Ano Novo. Um brinde especial ao condão do esquecimento.


Para Delma, com carinho.