A culpa é do Rubem, cara. Inventei de me enroscar com o
guru das horas tenras e tensas da minha caminhada sem espalhafato, três vivas
para o mestre querido, ‘meu Iaiá, meu Ioiô’, o Velho Braga imortal, imortal!!
Rubem Braga – o codificador da bagatela essencial, o artesão das vitais desimportâncias,
o catedrático da falta de assunto, o cronista que nasceu e viveu para redimir a vaidade da humanidade metida à besta. No dia que eu mentir, a senhora já sabe. Gastei a
semana inteirinha ruminando histórias cascudas, boas de refogar e servir à moda: uma cutucada impiedosa na
questão da gravidez na adolescência: Maria, a minha assistente presencial e
remota, rarará, descobriu que sua neta de quinze anos vai ter um bebê, água
morro abaixo, fogo morro acima e menina enjoada da boneca, doida pra dar, meu
camarada, quem segura? Pretendia arriscar também um novo gorjeio sobre
homossexualidade: Clara, Marina e Tânia Mara abrindo o fole, rarará, pense numa
musiquinha aporrinhante é o tema das donzelas apaixonadas da novela. Água morro
abaixo, fogo morro acima e duas mulheres enamoradas, doidas pra dar, ampla entrega absoluta, afã de comerem uma a outra, meu
camarada, quem segura? Outro comichão recente, madame, por conta do sumiço do
livro, confesso. Penso que cumprir a vida
seja simplesmente não roubar o que é dos outros. Não roubarás casa, coisa,
corpo, colo, consciência e coração dos outros, simples como a gota d’água. Água
morro abaixo, fogo morro acima e o sujeito sem moral nem bons costumes, o
degenerado a postos, de plantão, o patife doido pra tomar pra si o que não lhe
pertence, meu camarada, quem segura?
Duvido alguém se
interessar é por meu excesso de peso, papo inútil, quem diabos liga, cara? Conversinha fiada que sequer provoca cócegas. Escovando os
dentes, me olhei no espelho, pra quê? Gorda, profusa, avantajada. Graúda sim,
desmantelada, neném, jamais - meu norte, minha filosofia. Volume sexy,
suculento, apetecível, de devorar com dez talheres, cara. Maior que a média, isso desde o berçário,
ninguém duvide. Aliás, saí da maternidade deixando Dona Rita para trás, a ver
navios, coitada, fodida, acabada, estropiada, arrombada da peleja de parir um
rebolo de cinco quilos. Diz que quando ela finalmente recuperou-se, retornou ao
lar doce lar para eu dar de ombros, rarará, nem aí nem chegando, nem leite de
peito queria mais, habituada ao afável sabor das guloseimas em lata. O absurdo tem limite. Existe uma diferença
brutal entre a criatura perder a forma de barril fiu-fiu bem devagar, mordiscando
uma paçoca, um brigadeiro extra aqui e ali, a boca nervosa trabalhando
incansavelmente na poda da vestimenta, rarará, na derrocada da medida mais ou
menos certa, e a criatura adormecer fofinha para amanhecer obesa mórbida,
carecida de uma urgente urgentíssima cirurgia bariátrica. Desse jeito. A
prednisona infla o contribuinte no susto, overnight,
cara. Dá um desgosto, uma vontade de nada, a gente fica com aquele semblante de
‘comeram meu pudim’, such a devastated full moon face, uma melancolia, bicho, uma
lástima. Começo a fazer 10mg/dia exatamente hoje, uma lasca de alegria. A partir dessa dosagem,
garante o médico, o inchaço tende a lentamente regredir. Não que eu deseje ser
a mais bonita também por fora, rarará, não se trata disso, por
fora bela viola, por dentro pão bolorento. Mas, cá pra nós e pro povo, sem
mais delongas, na cara: tomara, meu Deus. Tomara.
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sexta-feira, 18 de julho de 2014
quinta-feira, 10 de julho de 2014
Doutor Malogro
Bando escasso, arraia miúda: eu mais dois ou três felinos,
pingados e silentes. Calados, embatucados, prostrados, consternados. Leitora do
meu afeto, sem tirar nem acrescentar um trema, é o seguinte: o laboratório
parecia um templo budista. A minguada plebe
rude não abria o bico outrora aceso, palestrante, estrepitoso de palpites. Jazíamos,
cara, inertes, catatônicos. Isso me deu um amargo na língua, um desgosto só, só
a criatura vendo. Observei meus pares e ímpares, pensei assim: somos da banda pobre,
a gente deve ser ‘muito da’ pobre, meu chapa. Somos podres de pobres, parceiros,
só pode. Pobres e capricornianos. Concílio de ‘cabras’ da peste, pois, uma
modesta fatia de caprinos autênticos, sim, não resta vulto de dúvida: nenhum
capricorniano da gema cai feito um patinho no papo furado ‘a taça é nossa!’, esquecido
de berrar da arruela saltar do miolo inflamado, o justo protesto ‘se hay gobierno filho
da puta, soy contra!’ do chão da praça. Acaso despencando, para erguer-se é uma novela. Capricorniano não cai para levantar no
susto, sacudindo disfarçadamente a poeira do tombo, dando a volta assim, vapt-vupt, num piscar de turvas retinas
de lince, com destreza de ginasta e duas risadas, duas sonoras gargalhadas de Fafá. Ninguém tem pressa de vestir azul, bola para o cume, a vida segue, não
mesmo. O capricorniano sabe honrar o luto, acolhe o momento da tristeza como
abraça um seu recém-desencarnado, chora todos os brotos da pitanga, abona o
pranto propício e farto. Desfavorecidos de capital, sim senhora. Miseráveis. Duvido
o contribuinte abastado, montado na lenha, na bufunfa, o dinheiro escapulindo
pelo colarinho de grife, o pereba se achando, sentindo-se o dono do jogo e da
banca, duvido perder o sono e a alegria para uma reles semifinal de copa do mundo, não
mesmo. Rico perde uma alegria de manhã, compra três de tarde, é desse jeito. Viaja
para Porto. Seguro, de Galinhas, do raio que o parta. Ou afoga as mágoas em
Frankfurt, vai se recuperar em Munique, um bom refazimento no coração de Berlim
é o que há, tô errada? Se lhe parece... Somente no peito machucado do fodido é que a humilhação
da vida inteira, num segundo, aflora, lascando tudo. A síndrome de vira-latas
acomete quem não tem um pau para bater no gato que não tem nada com isso. Coitado
do torcedor fodido. Coitado do gato. Aquela dor sentida, inesperada, abre um
leque de mazelas, desfia um rosário de descontentamento. Parece até que o pobre
nunca teve um pequeno dia da mais louca alegria. Eu disse ‘parece’?
Entendo de futebol
como entendo de análise combinatória. Entretanto, sofro de nascença. No que
sofro, rumino. No que rumino, aprendo. No auge do flagelo, a ferida supurando, minha
senhora, o sujeito querendo ou não, cedo ou tarde demais, aprende. Um currículo
esporte espetacular nunca alimentou canarinho. Arraste seu passado glorioso cravejado
de pedrinhas de brilhante - uma maçaroca dessa idade! – estrada afora, carregue
o calhamaço de títulos num carrinho de mão, para aliviar o peso, take it everywhere, terá desperdiçado um
transatlântico de energia e tempo. Quem precisa do passado é museu, companheiro.
Se o passado servisse para alguma coisa, seria um presente. A vida exige da
pessoa uma abertura, um despojamento, um frescor, sei lá, uma atitude bastante
diferente. Um deslocamento de intenção: o desejo de crescimento a partir do seu
redor, da novidade medrando à sua frente. Um olhar buliçoso, neófito, calouro, estagiário,
sempre aprendiz, menos altivo, menos ‘doutor’ e muito mais ‘paciente’. Um
profundo reconhecimento da imperfeição humana, uma humildade íntima, entranhada
nas células, humildade serena e permanente. Curriculum
vitae é currículo morto. Cada noite, um óbito. Cada madrugada, um trabalho de parto. Cada manhã, uma semente.
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