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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Doutor Malogro

Bando escasso, arraia miúda: eu mais dois ou três felinos, pingados e silentes. Calados, embatucados, prostrados, consternados. Leitora do meu afeto, sem tirar nem acrescentar um trema, é o seguinte: o laboratório parecia um templo budista. A minguada plebe rude não abria o bico outrora aceso, palestrante, estrepitoso de palpites. Jazíamos, cara, inertes, catatônicos. Isso me deu um amargo na língua, um desgosto só, só a criatura vendo. Observei meus pares e ímpares, pensei assim: somos da banda pobre, a gente deve ser ‘muito da’ pobre, meu chapa. Somos podres de pobres, parceiros, só pode. Pobres e capricornianos. Concílio de ‘cabras’ da peste, pois, uma modesta fatia de caprinos autênticos, sim, não resta vulto de dúvida: nenhum capricorniano da gema cai feito um patinho no papo furado ‘a taça é nossa!’, esquecido de berrar da arruela saltar do miolo inflamado, o justo protesto ‘se hay gobierno filho da puta, soy contra!’ do chão da praça. Acaso despencando, para erguer-se é uma novela. Capricorniano não cai para levantar no susto, sacudindo disfarçadamente a poeira do tombo, dando a volta assim, vapt-vupt, num piscar de turvas retinas de lince, com destreza de ginasta e duas risadas, duas sonoras gargalhadas de Fafá. Ninguém tem pressa de vestir azul, bola para o cume, a vida segue, não mesmo. O capricorniano sabe honrar o luto, acolhe o momento da tristeza como abraça um seu recém-desencarnado, chora todos os brotos da pitanga, abona o pranto propício e farto. Desfavorecidos de capital, sim senhora. Miseráveis. Duvido o contribuinte abastado, montado na lenha, na bufunfa, o dinheiro escapulindo pelo colarinho de grife, o pereba se achando, sentindo-se o dono do jogo e da banca, duvido perder o sono e a alegria para uma reles semifinal de copa do mundo, não mesmo. Rico perde uma alegria de manhã, compra três de tarde, é desse jeito. Viaja para Porto. Seguro, de Galinhas, do raio que o parta. Ou afoga as mágoas em Frankfurt, vai se recuperar em Munique, um bom refazimento no coração de Berlim é o que há, tô errada? Se lhe parece... Somente no peito machucado do fodido é que a humilhação da vida inteira, num segundo, aflora, lascando tudo. A síndrome de vira-latas acomete quem não tem um pau para bater no gato que não tem nada com isso. Coitado do torcedor fodido. Coitado do gato. Aquela dor sentida, inesperada, abre um leque de mazelas, desfia um rosário de descontentamento. Parece até que o pobre nunca teve um pequeno dia da mais louca alegria. Eu disse ‘parece’?
Entendo de futebol como entendo de análise combinatória. Entretanto, sofro de nascença. No que sofro, rumino. No que rumino, aprendo. No auge do flagelo, a ferida supurando, minha senhora, o sujeito querendo ou não, cedo ou tarde demais, aprende. Um currículo esporte espetacular nunca alimentou canarinho. Arraste seu passado glorioso cravejado de pedrinhas de brilhante - uma maçaroca dessa idade! – estrada afora, carregue o calhamaço de títulos num carrinho de mão, para aliviar o peso, take it everywhere, terá desperdiçado um transatlântico de energia e tempo. Quem precisa do passado é museu, companheiro. Se o passado servisse para alguma coisa, seria um presente. A vida exige da pessoa uma abertura, um despojamento, um frescor, sei lá, uma atitude bastante diferente. Um deslocamento de intenção: o desejo de crescimento a partir do seu redor, da novidade medrando à sua frente. Um olhar buliçoso, neófito, calouro, estagiário, sempre aprendiz, menos altivo, menos ‘doutor’ e muito mais ‘paciente’. Um profundo reconhecimento da imperfeição humana, uma humildade íntima, entranhada nas células, humildade serena e permanente. Curriculum vitae é currículo morto. Cada noite, um óbito. Cada madrugada, um trabalho de parto. Cada manhã, uma semente.  

2 comentários:

  1. Nunca entendi aquelas análises do Galvão "essa seleção é difícil, tem três títulos. HaAaAaAaAja coração!!!", parece que é o mesmo time que ganhou os três canecos que vai jogar de novo. Isso no máximo mete um medinho mas na hora do "vamo vê", até a penta campeã perde de 7x1. Quem ainda não engoliu a derrota foi meu pai. Não que ele levasse fé no título, nunca escondeu o pessimismo e cravou que nós não passaríamos da semifinal, isso com muita sorte. O problema foi o jeito da derrota, uma surra!
    Não vou entrar nessa picuinha provinciana de Brasil x Argentina. 1) Já estamos fora da disputa pela taça, não faz sentido. 2) O Brasil precisa ser vingado hahaha. 3) Essa rivalidade me parece muito mais latente do lado de cá do que do de lá, leia só isso http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/07/140707_wc2014_brasil_argentina_mdb_mc.shtml. Os hermanos são gente fina, já conversei (ou tentei conversar hahah) por alguns minutos com um casal argentino que estava vindo pra Praia do Peró, só o fato de eles não terem rido do meu espanhol é motivo de profunda admiração e respeito. 4) Eu sinceramente não entendo e não sei de onde vem essa rivalidade. Se tem uma seleção que o Brasil deveria odiar é o Uruguai, por 50 motivos diferentes hahahaaha

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  2. Resolvi também "cronicar" por aqui...adorei esse texto, me arrepiei ao final! Bjo. Evelyn

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