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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Morde e assopra?

Uma mulher espera oito meses e um tanto para ver a face rosada da sua cria, sua filha também mulher, finalmente fora da barriga, uma menininha linda como, no campo, uma flor do campo. Esquecida de si, uma mulher se esfalfa em buscas na internet, estuda significados, aprende numerologia, consulta o oráculo, combina as letras e os sons. Uma mulher olha os olhinhos claros de uma menina recém-nascida do tamanho de um botão, e, enlevada, entre lágrimas, decide que aquela criança tem a maior cara de... Flávia Alessandra. O Apocalipse Now em versão piorada, vamos combinar. Só pode ser uma maldição familiar, sua avó Gertrudes Aparecida, sua mãe Beatriz Eneida, Catarina Cecília ela própria.  É nome pra mais de metro, a menina há de transportá-lo numa jamanta, pela vida afora. É sabido que eu não tenho nem a metade de um filho, mas, cá pra nós e pro povo da rua, um nome pode lhe pesar nos ombros feito uma cruz de São Francisco. Perguntada uma vez acerca do seu desejo de futuro para a filha, Elis Regina, a maior cantora do Brasil, respondeu assim: “Eu quero que ela ria muito, que ela não fique pesada nunca...” A filha é Maria Rita, nome duplo também, pela proa, pra ver o que é bom pra tosse. Eu tenho essa leve suspeita de que um nomezinho só, levezinho, curtinho, inaugura linhagens de felicidade, galera.  Pois muito bem. No capítulo seguinte, tempos depois, o prefeito da cidade onde a supracitada mulher deu à luz (Catarina Cecília, lembram?), o prefeito da cidade, num daqueles insights geniais que se tem duas vezes por encarnação, bate o martelo, digo, o champanhe, na pedra do cais, e danou-se a nêga do doce. O nome de batismo da nova orla da Praia Grande, lá em Arraial, é FLÁVIA ALESSANDRA. Flávia Alessandra, pra quem não sabe, é aquela global que Walcyr Carrasco queria ser, a robô gostosona da novela das sete, deve ser porque Flávia Alessandra nasceu em Arraial, não sei direito, sei que os arraialdocabenses não gostaram nem um pouco, tão reclamando até agora. Se eu num tô esclerosando, parece que o nome do teatro de Friburgo mudou um dia desses, a última vez que estive em Friburgo, existiam um teleférico e um teatro, o Ariano Suassuna, mas diz que não pode chamar as obras públicas, bem ou mal feitas, de nome de gente encarnada, diz que é lei, não sei direito, o que eu sei é que a pessoa tratar uma beira de praia por Flávia Alessandra é o fim do mundo e o começo do outro, onde já se viu uma barbaridade dessa, até porque, as más línguas propalam que Flávia Alessandra tem raiva de quem sabe que ela nasceu por ali, não bota os pezinhos dela na terrinha desde que saiu da terrinha, tendo o cuidado de bater as tamancas uma na outra seis vezes, pra terrinha desgrudar da sola e ficar distante dela. Também não sei se o teatro de Friburgo,que se chamava Ariano Suassuna, palmas para o meu amantíssimo professor de Estética na universidade, está de pé, não sei se Friburgo está de pé, tem vez que me dá um medo de ir lá, eu vi uma Friburgo tão linda quando eu visitei Friburgo a primeira vez, que eu voltei lá a segunda, a terceira, a quarta, a quinta vez, eu quis ser daquele chão, eu quis ter sobrenome alemão ou suíço, eita pedaço de serra pra escancarar pra gente o bonito. O bonito é bonito e é bonito. O bonito é pra se mostrar e pra se preservar, exalando beleza pela vida afora. A chuva matou a cidade e uma pá de gente que morava na colina. Quem tem a responsabilidade da ressurreição, não se ocupa de juntar os nacos do cadáver de lama, carne e concreto.
A coisa mais fácil pra mim é falar bobagem, vivo de falar bobagens infinitas. Não me incomoda, não me assusta, não me acanha, portanto, escrevê-las. Ninguém pediu a minha opinião, mas eu dou assim mesmo. A orla nova é esquisita e o nome da orla nova é esquisito. Quedam-se os quiosques centenas de milhas longe da água, ou bem o sujeito bebe, ou bem mergulha. Essa história de loura gelada não me pertence mais, mas eu me lembrei dos áureos tempos, medi os palmos de duna, achei que as mesas e as cadeiras, encarapitadas no alto como estão, para os apreciadores da concomitância mar e cerveja, representam considerável estorvo. A pessoa caminha, caminha e não chega. Seguindo noutra direção,  a pessoa caminha, caminha e chega num largo, uma área mais ampla, uma quina para a lua, o lugar dos amigos, dos amantes, dos idosos aos pares, aos quartetos, se a gente contar as respectivas bengalas, dos carrinhos de bebê, um vão para a pessoa se encostar sem afobação e contemplar o que bem lhe aprouver. Para fotografar o entardecer, para passear com o cachorrinho, para fazer as pazes, para falar de amor sincero, para rezar, para pensar na morte da bezerra, para um rol de prazeres que eu poderia elencar aqui sem sacrifício, uma lista em que, de forma alguma, a pessoa vai ler ‘levar duas boladas no olho do quengo’. Só essa sujeita aqui consegue, no espaço de dez minutos, ser atingida, em cheio, por uma bola no meio dos cornos, e logo duas vezes, dobrado feito tapioca. Eu tenho pra mim que faltou cimento pra construírem o campinho dos marmanjos. Ou faltou um planejamento decente. Ou falta um guardinha municipal naquele canto, não é possível o cidadão ter de sair daquele espaço para abrir espaço para uma pelada toda errada, de gente grande, no coração da pracinha. Questão de hora e lugar. Absolutamente inadequados.
Eu prefeita, digo logo, dava um banho de democracia. Promovia era um concurso desses de votação bombando no site da prefeitura, um concurso para a escolha do nome da orla, neguinho inscrevia lá as sugestões, fazia-se uma triagem das legítimas, tudo às claras, divulgavam-se os nomes finalistas, com o ganhador ganhando um presente porreta, uma coisa que não me ocorre agora, eu ia pedir uma mãozinha pros meus correligionários, lascava um retrato no jornal, a porra toda. Garanto que a comunidade ia aprovar, gostar, o nome caía na boca do povo pra nunca mais se apagar.
“O filho que não fiz hoje seria homem. Apóia em meu ombro seu ombro nenhum. O filho que não fiz, faz-se por si mesmo”, querendo chamar-se João.

4 comentários:

  1. Que maravilha de texto! Sou sua fã! bjs

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  2. Bárbaro! Maravilhoso! Bjs (a) Marcio

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  3. Cada dia mais cronista!Séria e hilária,crítica e terna...verdadeira!Mais uma vez...parabéns!bj.

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  4. Minha madrinha é FODA!
    Texto bom do baralho!
    Aqui também temos o teatro Ariano Suassuna. Fica lá em Candeias. Diga aí?! Fiquei sabendo um dia desses no festival de Jaboatão. Amo escutar Ariano falar...
    Bjs
    Manu

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