Os produtos da Pantene
são para lá de Bagdá de bons, desacredite piamente do cabeleireiro de grife – no
mais das vezes, o cara é aquela esquisitice no bojo das calças, androgênese inconclusiva
com pedigree, a gente não encontra nexo nos trinta e sete sexos que o sujeito
arregimenta para a cosmogonia de si mesmo, frango com tudo dentro da fisiologia tênue, quebradiça... e da cabecinha de vento, fosforescência magrinha de torar, rarará, criaturinhas
tanto mirradas quanto espalhafatosas, cacatuas dando ideia, caleidoscópicas calopsitas: espécimes
genuinamente psicodélicos os respeitáveis profissionais da chapa quente, fala
sério, rarará, haja transformação, transmutação! Haja transcendência! Bicho doido é cabeleireiro, a senhora desacredite. Piamente. Meu cabeleireiro (e os
que moram nele, rarará!) é supimpa - o melhor cabeleireiro do Rio de Janeiro em
peso. Vive de ser do bem, de me fazer bonita e de comer meu juízo de paçoca com essa gosma de conversa de xampu importado,
tome-lhe papa rala de papo, furado e pegajoso, o mingau de saliva grudando nos
cachos da pessoa, uma meleca. O kit
resgate da hora é alemão, salvo engano, coisa finíssima, garante revitalização imediata
da cor das mechas, hidratação profunda, das camadas mais intrínsecas para fora,
assim como da superfície desvalida para os recônditos do fio, nutrição da raiz
às pontas duplas e triplas, completa regeneração, reforma íntima, rarará, “gente besta é a imagem do cão!”, do
topo da juventude acumulada parideira e instruideira de todas as coisas,
sabidinha de tudo, alive and kicking,
asseverava a dona da banca: Dona Rita. Comigo não, violão! De Pantene é que eu vou sambar até cair no chão. Gente besta é a imagem do cão. A bênção, Dona Rita, minha
saudosa mãezinha – meu oásis, a rainha do deserto!
O tambor de todos
os ritmos marca da marcha a cadência: passa boi, passa boiada, no duro rufar
do tempo. Time goes by, não dá para
acontecer de outra maneira, perdão pela ríspida sentença. Os contumazes pesquisadores
da Pantene, na tenra aurora de um
pequeno dia, all of a sudden - pimba! - realized/realised
(os ingleses expressam-se plenos, magnificamente, nesse particular, admitamos!), perceberam,
assimilaram, apreenderam, absorveram, realizaram
a mais pura verdade: o cabelo envelhece, a senhora já viu isso? Perna bamba e
boca seca! Engoli não, engasguei, estupefata! Por muito menos lassos maços de
dinheiro, madame, há dois mil e trezentos anos, desapegada que sempre fui, pela
graça divina, desapegada de posses e distraída, rarará, desinteressada de patente, rarará, teria
partilhado euzinha, com os pares e ímpares da fraterna comunidade científica, a invencionice, a
esplêndida descoberta: o cabelo envelhece. Roça, rancor, rinoceronte, tatu, cachorro, calombo e cabelo, meu camarada! Nasceu? No que nasceu, envelhece. Decepe pela raiz. Do contrário, floresce num sorriso. E esvanece.
Atravessamos semanas
aflitas, velando nosso amado ancião do reino de tão, tão distante. Nada de mau,
nada de mais, “a vida é mesmo coisa muito
frágil, uma bobagem, uma irrelevância” : trata-se do pobre cão debilitado desmaiando, ensaiando entregar os pontos, visivelmente esgotado de insistir na dolorosa
caminhada. Em casa, carne tensa sobre a alma densa. Queremos ver. Só que não. Foda. À noite, as mãos, os olhos
e os ouvidos proliferam: zelo sobre o pelo grisalho. A morte insone, em cima, diligente na tocaia. Morre-se
muitas mortes antes do fim. De volta ao começo. O sentimento do mundo açoitando a gente no arfar do
bicho. Quase dezessete anos, para um dachshund,
é idade: um escândalo, uma extravagância. Portanto, transbordamento de caridade do bicho. Dos quase dezessete
anos de Nicolau, os cinco últimos, Nicolau vai vivendo somente para doar-se, para me ensinar
eternidade. Consinto na despedida porque aprendi a lição, nobilíssimo amigo.
Segue em paz o teu destino de infinita luz. Dói quando respiro, apenas.Te amo.
:'(
ResponderExcluirAdriana, estava com saudades das suas crônicas. Volte para ficar, na demanda que o tempo lhe permitir, obviamente.
Amor, eu tava doida pra voltar... Catando um tempinho... Beijos.
ExcluirEssa história toda do cabeleireiro me lembrou aquele dia no carro em que você comentou comigo sobre a foto do seu cabeleireiro no ponto de ônibus, das mil cirurgias plásticas de um cara com a alto estima nas nuvens segundo ele. Segundo ele e somente ele, ninguém assina embaixo disso, não com um currículo tão vasto no bisturi.
ResponderExcluirEssas crônicas maravilhosas que aumentam meu vocabulário na língua do patrão e me fazem lembrar de músicas lindas estavam fazendo falta, só tenho lido ultimamente sobre política, matérias (chatíssimas) da escola e um mesmo livro. Tem hora que cansa.
Sobre Nick, força Adriana, as coisas não são fáceis, amar também dói.