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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Pudim de passas

Porque eu não sou da informática, eu sou da invencionática, outro célere passarinho pantaneiro de Manoel de Barros, o guri artista caduco, o reverberador oficial do mais certeiro, do mais lúcido e encantador quinhão da poesia brasileira de todos os tempos. Sou sua fã, Manolito. Se eu tivesse que contar com intermediário, um pobre homem pecador, trêmulo, como eu, de pavor, face às multiplicadas inconsistências da minha tribo umbilical, das robustas e sombrias angústias daqui, dos arredores, e do plano astral, se eu tivesse que contar com algum semelhante racional, fervendo de fé no vácuo, para os contatos imediatos com o andar de cima – Jesus Cristinho, Pai e Mãe, mais a comitiva esperança, escolheria o pastor Manolito, o arauto maiúsculo da singela palavra. De Deus. Ele nasceu em Goiás, no longínquo ano de 1916, acumula 97 primaveras, portanto, digito os dígitos sobressaltada, em calafrios, rogando a todos os escalões das camadas do céu, por todos os anjos e santos, misericórdia. Quero a graça de morrer mais cedo, nem sei se alcanço, sigo amontoando tantos desvios e deslizes pelados e cabeludos na algibeira, falar dos outros, por exemplo, essa sórdida atividade inferior a que me dedico saltitante, rarará, com o maior e melhor afinco, a senhora acompanha a fofoca no bico do calcanhar, que eu sei, falar dos outros é falta gravíssima, não me lembro quantos pontos na carteira, trata-se de passaporte para o mármore gelado (não seria quente?) do subterrâneo, a quadrilha da fornalha assoprando a labareda, Satanás, em júbilo, fritando a gorduchinha devidamente espetadinha no tridente. A sina mais sofrida e humilhante para uma criatura sem talento e sem quaisquer habilidades dignas de nota, a pessoa que olha pedra e vê pedra mesmo, dia após dia, é envelhecer demais em cima do lombo da Terra, vamos combinar. Na minha superficial avaliação, não cavuco as entranhas de coisa nenhuma nessa minha vida, que eu pareço doida com pedigree, mas sou só mais ou menos, isso de sobrevida estendida, feito garantia de eletrodoméstico, tinha que ser privilégio dos extraordinariamente especializados em abstrações e agudos devaneios, qualquer carregador de água na peneira que não fosse capricorniano, rarará, tinha que ser privilégio dos bípedes pensantes emplumados superiores, em cujo jardim da pupila, a poesia, against all odds, rompe retina e floresce.  
Eu sou da invencionática. Recebo, efusivamente, a notícia da instalação de quadros interativos, para anteontem, nos laboratórios de idiomas da escola, um índio mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias. Conheço um quadro interativo como conheço a Capadócia. Quando a novidade assolou as salas de aula da Cultura, eu arrumava as malas para a lua de mel, não vou mentir. Acolho, entretanto, o artefato, sem um tostão de desassossego, não era, na ocasião em que juntei com meu bem as escovas de dente, tão velha que não pudesse casar, rarará, não sou tão irremediavelmente senil, a ponto de não apreender um leve sopro de modernidade. Eu nem tencionava me exibir, mas ando bastante amostrada, depois daquele papo de livrinho publicado, tal e coisa, compartilho, com a madame, uma qualidade do meu coração vagabundo, coisa meio rara entre os viventes acadêmicos do salgueiro do azulado planetinha. Graças ao meu protuberante e vaporoso bucho de piaba, se eu não sei, minha senhora, todo mundo sabe da minha brutal incapacidade. Minhas inúmeras limitações cognitivas são domínio público, culpa de Dona Rita: nunca esconda sua condição, nunca minta sobre sua (in)competência, minha filha! Pão é pão, queijo é queijo, sabe sabe, não sabe não sabe, fecha o bico, vai estudar e pronto! Não tinha jeito de minha mãe punir por mim no colégio, rarará, o dez era do professor (o professor é espetacular, um gênio, Adriana vai é bem em matemática, gabaritou o primeiro simulado, rarará!), o zero era meu (que burrice é essa, menina! Vai pro quarto estudar agorinha!), rarará, ponto final. Gosto do quadro por causa do seu nome de batismo, vejo reluzir em seu regaço, disfarçadinha de microchip, entre as lentes, placas e parafusos, a límpida semente – uma doce promessa de interação, interação é a palavra mais importante da minha profissão, juntamente com a palavra humildade, interação é um sentimento com movimento, a coisa mais querida, que, entretanto, jamais vigora no peito de algumas gentes. Existem pessoas que têm uma relação de amor profundo com as máquinas, etc e tal, eu penso que cada contribuinte interage com o restante da raça podre como pode, haja psicola!, psicologia é a profissão do passado, do presente e do futuro, deveras, acho mesmo que tudo se ajeita, dias melhores vieram e virão, prefiro conservar no bolso meu rapé de esperança.
Acabo de ler uma lista dos trinta piores livros brasileiros, não me pergunte quem desperdiçou seus preciosos minutos na peleja de elencar os títulos, que nem vi o nome, a infeliz ideia revela uma pernosticidade sem precedentes, não existe isso de livro ruim, o que acontece mesmo é que o volume fica ali, diante dos seus grandes olhinhos amendoados, coçando-se para abrir as vestes, aguardando a vez de, finalmente, desnudar-se, a preferência é do freguês, que tem de estar sempre certo, ora. Há livros que nos matam e há livros que nos salvam, esse assassinato ou esse resgate com pulso são tão delicadamente particulares, questão de foro íntimo, a senhora concorda? Vá tratar a pereba da babaquice, meu camarada, que extrapola o limite do tolerável! Entre os piores livros do Brasil, a senhora acredite, figura Mar Morto, do capitão do mar Jorge Amado. Que sacanagem filha da puta da minha professora! Exigiu que eu lesse um dos piores livros do Brasil, quando eu nem sabia ainda que era essa flor de gente! Esse livro de que nunca me esqueci, rapaz, zelou pela minha combalida, conturbada mais que a média, adolescência, isso sim. Graças à filha da puta, comi Jorge Amado cru, de cabo a rabo, incendiada. Pastoreávamos a noite como se ela fosse um bando de irrequietas virgens na idade do homem ou coisa parecida, eita, uma coisa de corar a face cálida da menina enjoada da boneca. Por falar em pastor, mulher, a sexta-feira em curso tinha certeza absoluta de desembocar no culto, confesso que gastei a semana febril, turbinada para escrever a respeito da barbárie Malafraude, minha sorte foi a revolta imediata do povo de juízo, acompanhei, nos cascos, a inevitável, providencialíssima insurgência, o milagre da insurreição agigantando-se, fazendo frente à orgia do farsante, generosíssimas pessoas de inteligência, discernimento, conhecimento e coragem, de altíssimo gabarito humano e social, os que, de fato, amam o amor, a vida, a liberdade - palavra de muitos, que se aprende a sós, que custa tão caro, que eu nem comparo - baixando o cacete naquele desequilibrado feudal. Penso que fiz a minha parte, quando manifestei, de pronto, meu completo repúdio, na rede, para o esclarecimento de quem, por ventura, desejasse descobrir o que penso. Quem cala sobre o teu corpo, consente na tua morte, talhada a ferro e fogo nas profundezas do corte. Quem grita, vive contigo. Por falar em pastor e em negras ovelhas desgarradas, recomendo o templo, o livro e o rijo cajado, rarará, dos colegas Maycon Bezerra, Bruno Aragão e Wagner Terra, homens de ciência, senso, sensibilidade e bravura, agradecendo aos dois últimos, a enorme gentileza de batizar e crismar os bois das mal traçadas de hoje. Pudim de passas grudou feito um chiclete, impedindo outro título de aportar. Pudim de passas? Ninguém segura os bebês cientistas, obstinados jovens pesquisadores do meu lugar! Assim seja!


Para Professor Wagner, pela estupenda Feira de Ciências, mensageira de novos, belíssimos horizontes. Mas você crê, se quiser.

Um comentário:

  1. Adorei a notícia dos quadros interativos, prevejo altas aventuras nas aulinhas de inglês kkkkkk vai ser divertido.

    A feira de ciências foi ótima, parabéns ao Wagner, chegou a pouquinho tempo e já abalou o iff hahaha

    O pior livro que li foi Dom Quixote (não me apedreje!!!!). Achei o livro de uma chatísse sem precedentes, e olha que era uma versão com linguagem mais contemporânea e reduzida, somente com a história dos dois "cavaleiros". Depois fui pesquisar sobre a história e vi que era uma grande crítica às histórias de qualidade duvidosa que circulavam com popularidade impressionante na Espanha, se não me engano. Desenvolvi um por cento de simpatia pelo título, mas não voltarei a lê-lo não. Miguel de Cervantes que me perdoe.

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