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sábado, 1 de fevereiro de 2014

Exílio

Beija eu, beija eu, beija eu, me beija. Félix e Niko se entocaram três léguas tiranas adiante de onde o gato perdeu as botas, no oco do mundo à beira mar, lá no cafundó do Judas, na esperançazinha inocente de juntar os trapinhos de grife e os róseos lábios machos de amora, sem o risco de ninguém dar fé, sem pilhéria, sem aperreio, pobrezinhos. A gente quer ter chance de amar um pouco nessa vida confusa, não conheço quem não pretenda amar um pouco nessa vida besta, rogando ao Grande Rabi um mínimo de reciprocidade, de cumplicidade, a gente fica torcendo para amanhecer em teus braços, macumba para o relacionamento vingar, encorpar, dar um caldo, uma sustância, let it linger, baby..., virar um poema concreto, quem sabe, é desse jeito. Danado é que o povo toma tanta conta dos amantes, um caso sério. O povo sempre vê, no que vê, madame, já viu como é, assunto para três meses de mesa de bar, o povo fala, o povo fala mesmo. O gay pode fazer de si e do seu afeto o que bem lhe aprouver, but on the basement, nos pubs e nas boates, entre iguais, segregado, longe de papai e mamãe, longe dos pimpolhos em formação, afinal, o amanhã dirá, ninguém conhece direito os bons e maus efeitos dessa exposição homossexual desvairada, na mente e no peito de uma criança indefesa. Bullshit. Bobagens, meu filho, bobagens. Pois, quem quiser que comente a beiçada do ano, ando cheia dessa conversa, sinceramente. Completamente esgotada. Duvido que os meus leitores precisem de breve ou prolixa nota de esclarecimento, sinto que tudo soará estranhamente difuso, redundante, rarará, needless, meus compadres, thoroughly needless... Meus leitores são trinta e sete ilustres conhecedores do meu ponto de vista, nisso eu aposto meu fígado, a essa altura do baile, praticamente decepado.
Um prazer quase homossexual, rarará, receber esse telefonema inesperado de Iracema, a pequena que quebra o coco, rala o coco, engole o coco, e não arrebenta a sapucaia. Ira é uma edição exclusiva, cara, lamento que a senhora não desfrute do talento, o lauto banquete da convivência diária com a bamba da filosofia, mora? Maluca, lelé, pancada credenciada, louca de pedra, uma criatura simplesmente formidável. Perdi as contas das vezes em que Ira me implorou que repetisse para ela a nossa história – minha, de Ronaldo e dos que vibram na sintonia – Ira não se entedia de escutar de novo e de novo os detalhes todos, o encontro na net, o limão, as passagens aéreas parceladas em oitenta prestações irrisórias, o casório a prazo, a mudança para o Rio, Ira escuta e ri do inédito requentado, rarará, muito louca, ri como se não soubesse, tadinha. Encanto Ira, ilha de luz, maravilha. Ira me fez um pedido daqueles de com força, sugere que aproveite o afastamento para escrever sobre essa minha exigente, portanto transformadora experiência. Seu pedido é uma ordem, morena.
Estou no começo do meu desespero, e só vejo dois caminhos: ou viro doida, ou santa. Você tinha razão quando dizia que eu parecia muito doente, sua alma sensível, sem esforço, percebia. Não por acaso, foi tempo à beça rolando pelos consultórios, diagnósticos equivocados, lembra? Meus músculos estão duramente comprometidos. Esse hiato tinha que ser, tinha que ser, minha amiga. O tratamento é uma quimioterapia, às vezes, tomo quinze comprimidos numa manhã, fora o omeprazol, para segurar o tranco. Tem dia de sol e tem dia nublado, dependendo da náusea e do grau da azia. O médico mandou controlar o apetite, não posso engordar, já vou inchar um bocado por causa da cortisona. Pela graça divina, até o momento, continuo sem um tico de fome, que o fastio me acompanhe até a reta de chegada. Não sei para onde vou seguindo, Ira, o pior da estrada é esse seguir sozinha. O marido sai às nove e volta às nove, eu aqui chupando dedo, o olhar mendigo dos cães, por solução. Minha irmã mais velha, a aposentada, vem cuidar de mim, donde concluo que fiz algum arremedo de bem, ao menos, nas escalas da infinita viagem. Não nasci para quatro paredes, minha praia é a muvuca, a suruba, eu adoro, eu me amarro no chão da praça. Tamanho intervalo é um elefante: incomoda as pessoas que curtem minha doce companhia. É uma depuração, mulher, uma muda de pele, saca? Pedaços necrosados de mim, despregando-se do osso, um óbito interior, íntimos vãos se abrindo para o acolhimento do realmente, profundamente, assustadoramente novo. Penso demais no peso inútil que carreguei nas costas, um baú de lembranças entristecidas, que a débil carcaça, a muque, sustentava, tanta revolta, tanto abandono, tanta pena, tanto desconsolo, tanto sacrifício para arrimar minhas trêmulas verdades, particulares. A solidão abusa da hospitalidade, invade os espaços, rasga o fole, as flores da cortina, as perebinhas supurando, a parte bacana são os quebra-cabeças que, definitivamente, desisti de montar, larguei alhures, o que nunca entendi, jamais entenderei, pecinhas restantes, desemparelhadas, na caixa, tenho limitações importantes das quais nem por sonho me liberto, você sabe. Para que tanta perna, meu Deus?, pergunta meu coração. Porém, meus olhos não perguntam nada. Meu destino, depois do mergulho ornamental, é subir à tona, tomar um ar, beijar às claras, interminavelmente, até que os olhos mudem de cor, possivelmente plantar, no futuro do presente, a semente de um enredo diferente. 
   

Dedicada a Iracema, para quem eu sou ‘my love’. I love you too, ‘tatu’.

6 comentários:

  1. Lindo Dri!! Como vou sentir saudades de vocês duas... mulheres maravilhosas, sensíveis, amigas inesquecíveis! Beijos!
    Cibi

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    1. Eita, Cibel, vai ser muito foda... Prepara logo o quarto de hóspede, kkkkk... Jesus te cubra de felicidade, minha amiga...

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  2. Amizade é coisa forte, não acaba nunca. São almas que se completam e se acalmam. Ira sabe muito bem! Beijão ;)

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  3. Ahhh...adorei...lindo seu texto Dri ! Bjo grande. Evelyn

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  4. Querida, estou estudando com os meninos e meninas justamente o tema da amizade, da importância de termos amigos, aproveitarmos suas experiências, suas alegrias e tristezas, suas histórias como grandes aventuras existenciais. Vc mora no meu coração sua dona cheia de histórias para contar e e inventar!!! Bjs e aguardando por você com suas histórias que eu não vou cansar de ouvir! Iracema

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    1. Grande Criatura do mundo... Você, Dona Iracema... Você, hein...? :)

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