-Alô?
-Quem está falando?
-A senhora quer falar com quem?
-Fernando.
-Aqui não mora nenhum Fernando, senhora.
-A senhora tem a voz parecida com a dele.
Minha voz é idêntica à voz de Fernando, um contribuinte
da família de Anderson Silva, parente próximo do mito, muito possivelmente,
rarará. Fernando, meu camarada cabra macho, vai falar fino assim em Las Vegas,
Estados Unidos do Barak!!, rarará. Parece que Anderson mudou-se de mala e cuia,
tomou casebre por lá, soube recentemente, meu desinteresse por esse cara chega
a ser desconcertante. Aliás, ando mais desinteressada de coisas
desinteressantes do que nunca, a leitora experimente adoecer seriamente de
qualquer doença muito da chique, veja multiação, vigilante, o que se passa. Contrariando
a recomendação clínica, o doutor insiste, eu desconverso: por isso que ainda bebo
tanto. Por isso, também, não tão bem quanto gostaria, escrevo, escrevo de
empenar o chifre, e toda semana é a palavra para sempre varrida do solo marfim,
uma lástima, a palavra cigana, bandoleira, desaparecida das areias que pisei
descalça, esfolando a planta, justo aquelazinha, a palavra do clímax, a palavra do cigarro, a de
burilar a pedra, suavizar o contorno, a palavra de aparar as pelancas do eterno texto. Escrevo,
moço. Escrevo. Se está incomodado, achando a conferência ruim para cacete, o jovem mancebo dê seu jeito. Escrevinho sinceras abobrinhas de mentira, o povo aposta
na invencionice, “Adriana inventa, Adriana inventa!”, batata. A mulher desligou
e ligou de novo, Ronaldo que atendeu, bom é ter testemunha, Ronaldo voltando
pra cozinha, morrendo de rir: a mulher tá doidinha pra conversar com Fernando
bico fino, rarará. Obviululantemente, pois, tudo a mais cândida verdade. No pequeno
dia em que a minha pobre alma atormentada faltar com ela, a minha poeira de verdade,
terei faltado comigo, a falta mais grave. Comigo nunca mais fico em falta, acordo
interestelar, pro Das Esferas já fiz promessa. “A mentira é uma verdade que ainda não aconteceu”, com isso Mestre Quintana
e eu concordamos.
“Failure to prepare is preparing to fail”. Máxima da escola de grife onde trabalhei
quase vinte anos, avolumou-se-me tamanho trauma de excelência, o bichão
instalou-se na medula das entranhas, decerto por causa disso mesmo, hoje compreendo. Meus amigos guardavam cadernos e mais cadernos de planos bem
sucedidos, lesson plans certificados, pau de sangrar doido, minhas folhas avulsas morriam na lata do lixo,
a demora era o sino bater. Por quê? Porque eu abro espaço. Porque eu confio no
presente. Porque eu descarto aqui para colher adiante. Era tanto planejamento, moçada,
papéis, papéis, meus inconsistentes planos de aula à janela indiscreta, olhos
duros, cascos rijos, patas estritas, calosas, implacáveis, desacostumadas à humildade,
à partilha e à ternura, meio mundo de gente pitacando, apalpando minhas carnes,
com que direito, meu Deus? A gente pode interferir no coração da ideia do
outro, cara? Que o infeliz tenha a oportunidade de crer no sonho capenga, de tentar
uma manobra radical, um giro de dança, rarará, de quebrar a fuça e os dentes, de
que outro modo se aprende? Há que se respeitar as ideias alheias, existem
outras cabeças menos brilhantes, vivinhas da silva, espermatozoides menos
espertos que deram a maior sorte, cruzaram antes a linha de chegada, rarará, de
repente, pimba!, um belo e forte rebento, a gente vai afogar no lago porque não
pariu a criança, pereba? A madame, por acaso, num relance, perguntou aos botões
da blusa como é que não enlouqueceu até agora, do pé à ponta, com as cobranças
malucas e despropositadas, filhotinhos legítimos da frescura com pedigree, do orgulho
e da vaidade, a senhora dimensionou como não pirou com as mais estúpidas demonstrações de poder de
isopor, no decorrer da sua nada mole trajetória profissional?
Para não espalhar que não mencionei as flores, tenho
arrebentado a boca do balão no planejamento para as aulas de alfabetização de
Maria, a dona da história, a minha doce assistente para assuntos aleatórios: “Maria, o teu nome principia na palma da minha mão”. Arregaça, Maria. Maria percebeu
que tudo é pedaço de som enlaçado, significando o pote do seu alcance e o baú que
ela ainda não descobriu, tempo haverá para revolver e afagar a terra. Sílaba, Maria. Sílaba. A gente tem que se entender com
as letras, Maria, que, sem as letras, essas belezuras que mamãe beijou, sem as
letrinhas, a gente não pode enxergar esses sons, a gente não enxerga nada. E no
som se pode viajar, Maria. Todas as palavras são suas, o desenho, a melodia, cada sentido e apelo, tudo seu, jamais se esqueça. Nisso não consinta que alguém se meta. Todas as palavras são
suas, Maria. Conto com você para encontrar a minha.
Não existe definição melhor, "poder de isopor", é isso. Mandar pro quinto dos infernos toda a sanidade e educação com o aluno que pede revisão de nota é mostrar o poder de isopor.
ResponderExcluirVou acompanhar essa história da Maria de perto!
Maria é muito inteligente, muito dedicada, 'pinto no lixo' com as tarefas debaixo do braço... Vai longe, aposte. :)
ExcluirMaria tá dando mais IBOPE que a Copa !!! rsrsrs
ResponderExcluir"Maria, Maria, é um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
Maria, maria, é o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida"
Evelyn