Toda sua, Cícero, toda sua.
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quinta-feira, 4 de abril de 2013
As cicatrizes da vida
Acho que amanheci kitsch,
parece que é assim que o povo sabido fala. Kitsch
de crachá de otária, de carteirinha devidamente revalidada, válida por mais
trinta e poucos anos, talvez nem isso, nesta nada mole vida, morre-se tão
inesperadamente. Oversentimentalismo babaca, à flor dos pelos eriçados,
sentimentalismo redundante, espalhafatoso e sem critério: sentimental eu sou, eu sou demais; sentimental, sentimental, um coração saliente: os incomodados com a
cor da fita, minha senhora, eu já cansei de aconselhar, os incomodados, que se
mudem daqui para uma pacífica freguesia, meu caderninho de notas, hasta ahora, sobrevive de estremecer,
atormentado. Era uma vez o tempo dos pardais, de verde nos quintais, há muito tempo
atrás, quando ainda havia fadas... Era uma vez, num pobre país remoto e impreciso,
uma pobre mulher lanhada de abandono e sofrimento, uma mulher estupefata, pasma
de espanto, ante o fulgor azul de seu próprio despudorado sentimento, era uma
vez uma mulher acabrunhada da vergonha de sentir tamanho sentimento. Adriana perdeu, muito recentemente, o seu mais devotado
parceiro. No sumidouro do espelho, o
bloco dos Napoleões retintos botou logo pra quebrar, evoluiu a toda, defronte
a sua janela, levantando a massa, seduzindo os pares, ostentando alegorias
impossíveis de um fragílimo cachorro bom de samba ignorar. Era dia de carnaval,
galera!, não houve aquele que contivesse seu fidelíssimo companheiro; bem mamado, bem chumbado, atravessado, o
grande Nhafas acedeu, pudera: espanando a rabichola pelo meio da cidade, foi por aí, cambaleando, se acabando num
cordão, o reco-reco na patinha para o alto: ‘Napoleão, o breve’ partiu, de
vez, para as bandas do insondável mistério da eternidade. A nobre dama da noite
permanente venceu, desferiu sobre o indefeso corpinho a austera e reluzente
foice laminada. Subitamente, Napa morreu. Prematuramente, Napa morreu. Irremediavelmente,
Napoleão Bonaparte morreu. Não me concedeu um instante sequer, de sua
existência de bicho feliz, para me fazer feliz também, feliz por um momento. Se eu tivesse mais alma pra dar, Isadora,
eu daria. A dor debocha da suposta
superioridade da espécie humana, da racional presunção da gente, pois a gente,
madame, a gente é de uma arrogância sem limites e sem medida. A dor machuca
feio, a dor golpeia sujo demais, a dor amputa os seres na raiz da coxa, a dor
nivela os desiguais por baixo, quedamo-nos aflitos, todos da mesmíssima
estatura da minhoca tísica cheia de tosse, é desse jeito. Em situações
extremas, na hora da fratura exposta, o sangue jorrando, escorrendo, minha
senhora, quero ver o sujeito apostar as fichas nos Árticos, na ponderação, na
sobriedade. Eu penso que todo caçador tem seu dia de caça, tudo é questão de
desesperar no melhor estilo, sem se incomodar com a língua ferina, com
disparatados julgamentos, até porque a dor interdita os canais do pensamento,
quem nunca soube, deixe estar, saberá. Com o músculo involuntário a ponto de rebentar,
há que se contar com o coração comovido de outro homem, para um homem
consentir, perante os presentes, no calor do colo amigo, para um homem
consentir em desmoronar. Nicolau bate um bolão, no segundo tempo da prorrogação,
uma coisa impressionante. Meu adorável ancião adoeceu essa semana, ficou bem
ruinzinho, muito, muito debilitado, foi internado, vi a morte rondar as ancas
do meu cachorro, vi de pertinho, em cima do meu nariz, padeci feito uma mãe
desconsolada, à beira do leito de seu menino moribundo, mais ou menos isso. Eu
perdi o prumo, descompensei como qualquer dono de cachorro tem direito
adquirido de descompensar, merece descompensar: é um turbilhão de afeto, de
compaixão e de pavor, não dá para um ser humano segurar. Surpreendentemente,
Nicolau, once again, resistiu. Ele
sobrevive de amor, não há por que duvidar. O meu amor, o amor de Ronaldo, o amor
de Valentim – o irmão dedicado e aflito, os olhinhos grelados, fitando a porta,
aguardando, aguardando, aguardando dia e noite, o seu irmão retornar. Nicolau
sobrevive do amor de Dr. Cícero Geraldo, seu cardiologista, um veterinário como
poucos, meu Deus, as desastrosas experiências já vividas aqui, me conferem autorização
para afirmar: nessa área, Cabo Frio é um balaio de egos inflados, os donos do
mundo e da verdade exercem pessimamente o seu sagrado ofício em Cabo Frio, são
profissionais gananciosos e incompetentes, tão pedantes quanto incapacitados,
uma lástima. Dr. Cícero é um sonho de gente, um transbordamento de otimismo e
de solidariedade sobre a minha cabeça, quando meu desejo mesmo é só morrer de
chorar. Foi Dr. Cícero quem me deu o tom dessa historinha. Em consulta,
enquanto realizava o exame, ontem, de repente, poetizou: “o pulmão de Nicolau
tem as cicatrizes da vida, Adriana. Não é, meu velho Nick?” Disse isso e
acarinhou Nicolau, com tanta ternura, sinceramente emocionado. Muito obrigada,
doutor. Vem da sua digníssima atitude a certeza absoluta de jamais abandonar esse
animal, como você mesmo diz, maravilhoso, um animal extraordinário. Prometo acompanhá-lo
doravante, Niquinho, cada um de seus lúbricos, lentíssimos, hesitantes passos; prometo amparar sua
velhice na nuvem do meu regaço, vou cercá-lo de cuidados e denguinhos, meu
querido, para sempre, até o fim.
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Os meus gatinhos não tiveram finais muito agradáveis... o primeiro saiu um dia e não voltou nunca mais, o segundo desenvolveu uma doença que afetou o tecido do nariz completamente e outras partes do corpo. Fugiu devido ao tratamento (ele tinha que ficar trancado dentro de casa sem contato com nenhum outro bicho durante todo o tratamento de 6 meses, o que é interminável para um bichano), acredito que tenha falecido devido a dificuldade em respirar, ele estava muito mal. O terceiro morreu de uma forma muito estranha, pois simplesmente parou de comer. Eu achei que era só algum problema com a ração, mas ele começou a ficar mais fraco e ter dificuldade de respirar. Dei um beijinho de boa noite nele no domingo à noite, quando acordei na segunda de manhã ele estava estendido em um canto diferente da sala, com uma poça de líquido (possivelmente água) ao redor. Talvez ele tenha comido algo estragado na rua e eu não dei a devida atenção. Nas duas ocasiões eu fiquei muito triste, mas depois passou. A dor passou. A saudade nunca. O meu 2º gato (Willie ou "bê" pros íntimos kkk) conversava! Exatamente isso! Eu chegava pra ele e dizia "Oi bê!", e ele falava "Miau!". Não diga que é coisa da minha cabeça, ele realmente parecia entender. Não só o meu "oi", mas qualquer outra coisa que se perguntasse. Ele não ficava te olhando com cara de paisagem... ele interagia, conversava comigo (na língua dele, mas conversava!),eu quase podia sentir seu esforço para aprender a língua portuguesa! O 3º gato, Lourenço (nome devido aos seus pelos louros: Louro => LOURenço kkkkkk pior trocadilho da história). Ele permaneceu comigo por pouco tempo, menos de um ano. Encontrei-o na rua da esquina da minha casa e o adotei (contra a vontade do meu pai e mais 30 condôminos sem coração kkkkkk). Meu primeiro gato era filhote da gata da minha prima (Lupita) e nem chegou a receber um nome, pois quando ele fugiu ainda era muito novo, tinha uns 4 meses de idade e ainda não tinha pensado num nome legal. Eu o chamava de gato, mas isso é muito genérico kkkkk.
ResponderExcluirUm livro muito bom que inclusive recomendo, é Marley e Eu. Esqueça completamente do filme caso já tenha o visto, não faz jus a obra literária nem forçando barra!!! A história é belíssima, tem uma narrativa emocionante e vai fazer você se apaixonar pelo Marley. O final do livro é extremamente triste. Os últimos momentos do Marley são de cortar o coração, mas tudo vale à pena. O amor do ser humano pelos bichos é lindo e deve ser eternizado em filmes, livros, crônicas e nos comentários desse blog. Beijos Drica!
Quanta história, Felipe! Tudo muito lindo... Cadê seu blog, hein??? Eu li Marley e eu, fiquei mole de chorar... Beijo.
ExcluirTia, que coisa mais linda!
ResponderExcluirEnquanto lia essa crônica, imaginava uma esquete.
Acho que ficaria linda!
Quem sabe não uso uma dessas crônicas para apresentar em algum lugar. :D
Eu morro de chorar nos ensaios e na apresentação eu tento me controlar mais. kkkkkkkk
Pierre está com um problema sério.
E no caso dele é pior pq só posso fazer alguma coisa no final de semana e olhe lá. Amanhã vou levá-lo ao veterinário. O olho esquerdo está totalmente colado por causa do tumor que nasceu... :~(
Eu passo o dia todo pensando nele e nem aguento olhar p ele por causa disso. Já chorei, pedi ajuda, mas quem tem que resolver sou eu do meu jeito.
Bjos
Manu
Maravilhoso e emocionante, obrigada pela força Adriana! Essa saudade interminável dói, dói muito e sei como... Esses bichinhos passavam a vida inteira no nosso lado em todos os momentos, é injusto na parte mais difícil e dolorosa eles n estarem conosco. Napa foi um cão especial, era um fofo, sempre alegre e brincalhão, pena que partiu tão cedo... Agora ele é meu anjinho da guarda
ResponderExcluirQuerida, obrigada. Muitas vezes imaginei - imaginamos, eu e Isa - como seria a velhice de Napoleão. Não tivemos essa felicidade, ele se foi de forma absurda e inesperada,muito jovem, sem aviso, sem que pudéssemos, minimamente, nos preparar para lidar com essa dor. Foi(é...) profundamente amado, mas por algum motivo, não merecemos o privilégio de poder cuidar da velhice dele. E a dor se arrasta, embora pacificada. Vc, Ronaldo e Valentim tem o privilégio de amparar e cuidar da velhice de Nicolau, "o bravo". A "moratória" que ele consegue a cada dia é mérito do amor e dedicação de vcs. Minha admiração eterna por tamanha sensibilidade e sentimento! Torço por Nick como se fosse meu. Bjs
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