A gente pobre
que gosta de colocar-se a par de uma fofoquinha café com leite, rarará, precisa
administrar melhor a pindaíba, arroche o nó, ajuste a fivela do cinto, amigo leitor por
ventura tão fodido quanto eu, seu pobretão desafortunado!, aperte o cinto: Dilmaquinista, o piloto, sumiu! A gente tem de ver sobrar a raspa, uma laminha que seja, no
fundo do tacho, a gente carece de adquirir aquela sonhada coletânea do Otto, do Rubem (meu pai e minha mãe - meu ídolo
absoluto...), do Caio, do Fabrício, do Antônio Maria, do Paulo Mendes Campos... Na
aurora da minha nada mole vida, à alvorada do 31 de março, março é um mês inquietante,
a gente fica contrariada de faltar salário para tantos intermináveis amanhãs, a
senhora sente isso, fala sério! Meu marido me sustenta desde o dia 16, 17 do
corrente, mais ou menos por aí, não sou de optar pela conveniência dos porões
da mentira deslavada, não faço de conta, cuspo, de chofre, a límpida verdade. É
um descalabro, no meu parco entendimento, uma vergonha para a desvalorizada
categoria docente; a minha humilde pessoa, de outra vez, confirmando-se, na
banca examinadora do andar de cima, a premente necessidade do recuo imediato,
de descer de novo, ligeirinho, para fins de purgar a outra banda podre dos
cabeludíssimos pecados, a minha pessoa não deixará nada por menos, pretendo usar
da máxima cara de peroba, perante os meus superiores, rarará, no gabinete
presidencial do céu, nos altíssimos escalões do paraíso, devo dispor de algum
prestígio, membros ilustríssimos do clã dos Oliveira abriram o caminho, quero porque
quero porque quero ser funcionária pública da Justiça, minha única
reivindicação: serventuária da Justiça, isso sim é pinico cheio, todo dia ele
faz tudo sempre igual: meu marido reclama que só da injustiça dos seus escassos
rendimentos, tal e coisa, agora a senhora veja bem, o meu digníssimo marido já
assumiu, além da dele todinha, praticamente a metade do rombo da minha despesa,
a senhora não acha interessante eu mexer meus pauzinhos para, quem sabe, futuramente,
reencarnar servidora da Justiça? Inveja dos diabos, esse povo da Justiça lê de cegar, rarará! O sujeito pobre demais devia nascer logo era anjo,
mortinho da silva, a minha pessoa pensa desse jeito, que me
perdoe o Ressuscitado. Ando atrás de um volume novo cabaço, para aliviar as agruras mais
corriqueiras, para enfeitar as manhãs raiadas e o criado-mudo, o meu lado da cabeceira,
isso não é de hoje – uma coletânea de causos inéditos para lá de interessantes
– aliás, sobre essa brilhante particularidade do cabra da peste escrever pouco,
aprumado e bonito, arrisco meu palpite: quando o escrevinhador entende da
intimidade dos pormenores do riscado, o ponto e vírgula equivale ao último parágrafo.
Quando o cronista é de grife, de grife mesmo, madame, não me refiro às réplicas, não mesmo, que fique a observação muito clara, muito bem compreendida!, venho manifestar de público, inclusive,
meu profundo escárnio diante daqueles que deformam, soltam as tiras e exalam
aquela inhaca de miolo de pote vencido e mofado (tipo eu assim, por exemplo,
rarará, cronista de porta de cadeia meia-tigela!!), quando o cronista é de grife, esbanja talento e puxa por ele, que
não é besta, rarará, o cronista original de fábrica vai e mata página e meia
com um certeiro golpe de cajado. As modestas prateleiras dos meus humílimos
aposentos, também as do quarto da bagunça, acomodam inúmeras preciosidades croniqueiras
do coração do Brasil, algumas caindo pelas tabelas, aos pedaços. Ah, se os meus
proventos dessem para o gasto... O mais extraordinário desse generozinho
chinfrim é a indiscutível possibilidade de refrigério no desconforto da espinhela
caída: uma crônica bacana, de repente, acende o farol, sacode a poeira, é o brevíssimo
intervalo de poesia, de encantamento, a providencial leitura nas coxas escancara
um riso há séculos contido, liberta um grito, uma lágrima, um barco à vela, uma tábua - um sentimento somente seu, do qual você estava tão desencontrado... É isso e o pirão no fogo, a
torneira aberta, a gente se enternecendo, com ou sem estrondo, entre o café e o
cigarro, a pessoa corre ali, pega o livro, vapt-vupt, abriu, gostou,
praticamente decorou... e acabou-se, forever and ever repetindo-se. Sigo relendo os meus fuxicos favoritos,
vou com a maré, mudo de autor com a mudança dos ventos. De sexta-feira para cá,
avalie, voltei ao Melhor das Comédias da Vida Privada, de cabo a rabo,
revisitei todas as pérolas, Luís Fernando é sobrenatural, minha senhora,
sinceramente, o que o cara economiza na forma, subitamente, espoca: leve,
intenso conteúdo. Resgatei Estuário do fundo do baú, precisava relembrar
doçuras de Samarone Lima, a inesquecível Metáforas, pelo menos, aquela história
do trem azul, uma cor meio que me atravessando, de um lado a outro, rasgando, picotando o meu rascunho, o meu retrato. Não me refiro à réplica. Réplica me lembra a 25 de março, em São Paulo,
eita lugarzinho para eu apreciar é aquela Rua 25 de março, adoro aquela muvuca,
a gente chega lá e enriquece, se ilude que levou um bocado de dinheiro, a senhora
também tem a sensação? Pois eu tenho. Estive na Rua 25 de março, não faz muito
tempo, num dia qualquer que não me lembro agora, aposto que era uma data longe
de 25, no dia 25, minha senhora, em geral, não disponho de meia pataca
descompromissada, para comprar um cacete de dar num gato, mais um trio de
paçoca. Foi muito engraçado esse dia da Rua 25 de março, me lembro tanto desse
episódio na 25, me lembro que topei com um quiosque repleto de bolsas
belíssimas, show de bola, bolsas de todas as fragrâncias, baratinhas, vendidas
a preço de banana, fiquei enlouquecida, escolhendo, escolhendo, separei umas
seis, teve uma hora que comentei com a vendedora: ‘Nossa, essas imitações são
perfeitas, não é?’, para que, madame, para quê. A mulher mudou de humor, franziu
o cenho, trancafiou a cara, foi retrucando, depressinha, ofendidíssima, indignada:
‘IMITAÇÕES NÃO, minha senhora! Meus
produtos são RÉPLICAS, RÉPLICAS perfeitas, de primeira!’ Os meus produtos não são não, violão,
minha escrevinhatura é fake, tudo imitação, rarará! - pedra falsificada.
"no dia 25, minha senhora, em geral, não disponho de meia pataca descompromissada, para comprar um cacete de dar num gato" kkkkkkkkkkkkk eu amo essas expressões, lendo crônicas você sempre esbarra numas dessas!
ResponderExcluirEu li em algum lugar que não me lembro (pra variar né?), sobre as crônicas sobre falta de assunto. Aquelas sem pé nem cabeça, tronco ou membros. Que falam de tudo e/ou nada sem sair do foco, que simplesmente não existe, e se existe está bem escondido! Acho que toda crônica boa tem que ter um pouco disso aí, a crônica tem que ser livre, leve e forte. Seja engraçada ou não, precisa de um pouco de tudo. As suas sempre tem um pouquinho dessas coisas. Quantas vezes já não terminei de lê-las rindo de me acabar ou com um nó na garganta? É assim que tem que ser, sem ficar se prendendo em nada, indo e voltando. A crônica zomba da cara dos outros gêneros textuais.
Quando fui à finada feirinha de livros lá do centro comprar “O Anjo Caído”, vi o livro do Luiz Fernando Veríssimo que você falou. Não o comprei porque estava com o “Anjo” na cabeça. Indicaram-me, fizeram propaganda, disseram que o autor escreve como Dan Brown (meu escritor favorito), li umas resenhas muito boas, me convidaram pro lançamento, enfim... Encheram tanto o saco que eu acabei achando o livro o máximo. De fato não é ruim, mas preferia ter levado o livro do Luiz Fernando. Não só pelo preço mais em conta, mas principalmente pelo desaforo que o autor me fez passar, depois de autografar sua obra... Qualquer dia te conto meu king kong hahaha.
Com essa vendedora da 25, você deveria ter usado um bom preâmbulo, vai que dava certo? Kkkkk “Não que esteja desconfiando da legitimidade da mercadoria devidamente fiscalizada pela receita federal, que com certeza não foi contrabandeada da China ou adjacências... Mas essas imitações são perfeitas!” kkkkkkkkkkk aí ela não olhava mais na sua cara, coitada! Beijão Drica.
Discordo! Suas "escrevinhaturas" são réplicas de seu brilhantismo!!! Bjs!!!
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