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domingo, 26 de maio de 2013

A ca(u)sa do poema

Minha senhora, acho uma doidice de minha parte, vir agora a público, digo logo, para fins de divulgação comprovadamente descabida, despropositada com pedigree, na cara dura do nó da madeira, uma doidice dessa o sujeito de juízo não espalha, não cochicha na outiva da própria sombra, a sujeita pensa que a superexposição ainda é pouca, abre o fole justamente aqui, no cândido, estreito basculante virtual entreaberto para os olhinhos afoitos do mundo, fico meio ressabiada, sabe como são os olhinhos afoitos do mundo, ‘fuchique’ e você: sem fronteiras, rarará, cada piscadela uma sentença de absolvição ou de morte, cortem-lhe a cabeça, cortem-lhe a cabeça!, rarará, o bagulho é doido, você é doida demais, doida, muito doida, você é doida demais, deveras. O espaço é escasso, a lauda é uma treliça, uma frestinha de nada esse humílimo bloguinho de retalhos de chita da mais fajuta, coitadinho do meu caderninho de notas falsas, rarará, entretantomente, a repercussão ressoa, o alcance, vou falar uma coisa séria, minha senhora, o alcance do blog é interestelar, são as constelações luzindo no rabo da gata, o blog desembestado: alerta, avante e para o alto!, além do alcance, o fuxico do ‘fuchique’ desalinha o horizonte, escancarado, a marreta a mil, demolindo as muralhas do cordato, do sensato, do coerente, do complacente, do conveniente, quem diabos liga!, o ‘fuchique’ vem que vem que vem com tudo, desarvorado, transpondo a barreira do sol e do som, o fuchique é o cara, minha cara, ultrapassa os limites do intangível, do insondável, do inimaginável, o meu gracioso rebento é um estilista, traçando e tecendo espalhafatoso bordado, confeccionando panos e panos de costurar manguinhas de botar para fora, que permanente, peremptoriamente, assim seja.
Houve um tempo aí, faz tempo, um tempo de pardais e verde nos quintais, rarará, um tempo besta em que, somente para desenfastiar o espírito errante entediado, eu adoeci do cabeção, essa minha predisposição a bater pino vem de muito longe, remonta a remotíssimas quimeras, sou meio pancada desde sempre, pois não é que sem ver de quê, cismei do cocuruto de fazer poesia? Paranóia, neurastenia, uma psicopatologia grave, não sei que bicho-grilo me mordeu, quando dei fé era a pena labutando, danei-me a rascunhar poesia a mais de metro, rarará, decerto uma psicografia sofrível, das piores, o desencarnado escrevendo ruim como o capeta, a febre do rato, eu ali, anotando, anotando, folhas soltas, avulsas, papel de embrulho, guardanapo, eu ali, concentrada, com a corda toda, virada no trem, me sentindo o bala, era o cabra assoprando e eu registrando, uma doidice. Um belo dia, me lembro como se fora anteontem, e faz uma data, meu camarada... me lembro de que decidi digitar minha pirita, juntei meus arremedos de batatinha quando nasce, rarará, tudo numa pasta intitulada ‘ouro de tolo’, a senhora acredita? Até publiquei umas coisinhas menos fraquinhas, isso em Petrolina, numa coletânea de poética ribeirinha contemporânea do eixo Petrolina - Juazeiro, um livro bem bacana chamado Poetas em Rebuliço, Poetas em Rebuliço é o livro das pedras raras do Velho Chico... e das minhas chulas bijuterias... Obviululantemente, uma ideia assim, tão disparatada, não foi minha, nem poderia – um doido precisa é de outro na porta – imagina se esse caramujo gordo e agorafóbico, nunca de núncares, jamais, em momento algum, inventaria de inventar de se embrenhar num embaraço dessa envergadura, rarará – sobressalto, ansiedade, uma vergonha do cão e um profundo cansaço. Aconteceu porque tinha de ser, porque tudo passa, passou, a correnteza do rio carregou, gostei de preservar apenas o doce esquecimento. Minha inútil Poesia Reunida perdeu-se em seguida, sem possibilidade de resgate; a dois passos de abraçar a morte, antes do penúltimo suspiro, meu computador cuidou de deglutir voraz cada estrofe, cada linha, todas as débeis palavras. Arrotou, saciado, faleceu depois, gosto mesmo é de preservar o doce esquecimento.
Se eu fosse poeta, o passeio matinal deste domingo absurdo – um domingo absurdo – se eu fosse poeta, bem que, pelo meu gosto, este domingo absurdo de beleza, o domingo está um descalabro de beleza!, se eu fosse poeta, o domingo resultava em fina massa de pão-palavra entre meus dedos entrevados, mãos entrevadas, porém vigorosas, dadivosas de amassar massa-palavra, vislumbrei um tonel violeta transbordando uvas frescas intumescidas, eclodindo polpas sob meus pés melados, ávidos de pisar a palavra-fruta, palavra-fruta rompendo roxa, lasciva, sangrando suculenta, meu movimento ritmado de macerar os cachos da palavra, calosos pés encarnados, encardidos da palavra-fruta, eu dançando uma dança alegre sobre a papa grená da palavra-fruta, o pão-palavra crescendo no forno à lenha... Pelo meu gosto, recolhia o sumo, a garapa, o espesso suco da palavra, pelo meu gosto era encher os copinhos de requeijão e de geleia, fatiar as rimas tenras, fofíssimas, ainda quentes, pelo prazer de atravessar a rua e convidar o irmão de caminhada sob o céu de pra que tanto azul, irmão de desilusão e covardia, quem não desatinou, atire a primeira, vá!, irmão cujos nome e sofrimento desconheço, mas acolho inteira a solidão, o fardo de tanta angústia, insisto, irmão, sinto-me tão frágil e forte, farta e solidária, se me restasse um breve sonho de poeta, ousaria convidá-lo a partilhar comigo a pobre e rica refeição de poesia: uma quadrinha, uma quadrilha, umas pequenas rimas esgarçadas, um soneto, uma redondilha, uma nova velha cantiga de ninar ou de despertar para a vida contente de continuar, vida caótica, vida concreta dentro deste domingo acintosamente deslumbrante, fascinante, estonteante - um domingo absurdo de beleza, um susto imenso, uma doidice! – vida em tudo, vida, apesar de tudo; vida, anos-luz maior que os contraversos de tudo.  

6 comentários:

  1. Deve ter sido muito ruim perder seus poemas, a gente se apega a tudo o que é nosso, quanto mais o que sai de dentro da gente, o que é sincero, que vai pro papel. Eu ficaria desolado.
    Essa crônica foi tão bonita, tão versada... acho que é uma "crônica poema" kkkk se isso existe eu não sei, mas se não existia, acabou de ser inventado. Beijão ;)

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    1. Nem sei se ficou bonita, Felipe... Passar pelo meu crivo é nó cego, quase uma impossibilidade, kkkkk... Uma coisa é certa: foi fácil, extremamente fácil, e tem mais, foi muito prazeroso escrevê-la. Um beijo.

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  2. “Obviululantemente, uma ideia assim, tão disparatada, não foi minha, nem poderia – um doido precisa é de outro na porta...”
    Por falar em poema, poesia e gente doida, essa parte da sua crônica-poema (existe sim, Felipe, “crônica-poema”) me fez lembrar muito “Tecendo a manhã”, de João Cabral de Melo Neto.
    Daí fiz esse poeminha pra gente beliscar com café.


    DESCENDO A MONTANHA
    Para Adriana Barroso e Felipe Santos

    Um louco sozinho não assalta o céu
    Ele precisará sempre de outros loucos.
    De um que arranque essa pedra do calçamento que ele
    E a arremesse a outro: de outro louco
    que apanhe a pedra que um louco antes
    e a taque em outro; e de outros loucos
    que com muitos outros loucos se cifram e decifram,
    jorro de luz dorido de seus olhos de louco.
    Para que as pedras, desde um monte de pedras esparsas,
    se ajuntem e clamem, diante de todos os loucos.

    E se amontoando em um só monte, diante de todos,
    se erguendo edifício, que abrigue a todos,
    vista para o mar, da janela de todos, no edifício
    (a montanha) de pedras, paralelepípedos e cacos
    que flutua construção sem viga nem fundação.
    A montanha, belvedere de pedras aladas
    que, no ápice, ponta do pináculo do céu,
    condomínio de loucos,
    se arremesse por si só: avalanche.

    Bruno Pereira

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    1. Que poema mais lindo Bruno!! Construir uma imagem mental de cada verso, principalmente dos últimos (com a avalanche de pedrinhas) é algo fantástico. Minha mãe sempre diz "Fulano é tão louco que tá jogando pedra no céu", é muito bom ter essa linda recordação ao ler seu poema, muito obrigado pelas emoções. Agradeço também pela dedicatória (tô me achando agora hein, já aviso hahahahaha!)

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  3. Crônica massa...adorei!!!
    Que tenha sempre um louco disponível para bater em nossas portas!
    Bjo
    Evelyn

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