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quarta-feira, 8 de maio de 2013

O caso

Sei porque sei mesmo, sem confirmar nadinha na rede, eu toda vida me pelei de medo dos achados e perdidos da mamãe zelosa e devotada de todos os ignorantes de plantão – a internet gentil e generosa de todos os benditos e satânicos dias da humanidade - nunca me incomodei de encabeçar a extensa e constrangedora  lista dos desconhecedores oficiais dos assuntos importantes da vida, figuro, portanto, austera e imponente, on top of the very list dos mais ou menos jumentinhos, não havendo argumento plausível contra consumado fato. Não refuto, não me queixo, sequer pondero, não pronuncio a nem , sei porque sei mesmo: sou mais um que desentende, com propriedade e garbo, dos entretantos e dos finalmentes de tudo, sigo às cegas, burra de pai e madrasta, sigo sã, na medida do possível, serenamente, pois que sei porque sei mesmo, jamais seguirei sozinha nessa estrada de cascalho de brilhante, caminha o caminho comigo um mar de gente. Na fria manhã que finda, do ventre do sol gelado - cabisbaixo, descorado, decadente - irrompe, solene, o outono. Respiramos outono desde abril, minha senhora. O pé de outono esgarçou o útero da terra novamente, impunemente. Nu de vestes, trajado de poente: assim é o outono, voraz e simplesmente. Reconheço a pálida estação pelo cheiro, um aroma de cravo murcho açoitando as minhas carnes e peles, brisa embolorada embaralhando meus sentidos e minha mente.
Houve um tempo em que estive muito longe de completar cinquenta anos de idade. Tão longe, mas tão longe, que esqueci que o momento, qualquer hora, de supetão, despontaria no horizonte. O tempo passou, ninguém conte com nove novenas para deter o tempo, o tempo é foda, ele sempre vence. Não vejo por que deva entrar nos sórdidos detalhes acerca dessa cronologia desconcertante, jovem leitor com tanto futuro pela frente, poupe-me da especulação, da insistência no abuso da calculadora científica, coisa mais antipática, deselegante e pedante, vamos combinar, não revelo nem para o bispo que estou a dois passos de fechar a conta. Três entre quatro mulheres de Atenas sofrem horrores com os tais distúrbios do climatério, as estatísticas não mentem, a senhora sabia? A menopausa é quando a gente deixa de sangrar feito esfaqueada, a senhora concorda. Quanto ao climatério, minha amiga, o climatério é o oco do mundo, um buraco muitíssimo mais embaixo, abissal, eu diria, fuja que é briga de foice, das violentas, esse aí tem credencial para desmantelar a alma da gente. Eu comprei a raspadinha premiada, acredita? Agora, bonitinha, aguente. Meu marido fala bem assim: “puxado, hein, mãe?”. Nego não, Ronaldo. Está bastante obscuro, complicado. Contando contigo para sossegar, meu rei adorado, para tirar uma pestana, cochilar molinha na vastidão de um céu sem rasura, que é para mim, o teu abraço.
Minha professora de canto cantou a pedra: “Adriana, mulher! Esse berreiro à toa, vontade de correr doida, o nó na goela, palpitação, ansiedade, frio do cão, calor dos infernos, o sono ruim como o diabo, Adriana, mulher!, aposto meu piano, isso é coisa de climatério.”  Fui trocar uma ideia com Zé Luiz, o maior ginecologista da América Latina, o cabra é médico para mais de metro, um homem velho, a senhora dá licença? Impressionante como eu confio, olhinhos fechados e vendados, no jeito de olhar e ver dos velhos. O combinado foi ele me proporcionar alguma condição de sobreviver à tormenta, tenho tanta esperança de despertar para um inédito dia, um dia ostensivamente azul e quente, completamente limpo de agonia, o combinado foi o devido minucioso acompanhamento, a partir do resultado de um exame de sangue que fiz hoje pela manhã. Esse exame a gente faz em jejum, doutor?, indaguei, ela é autêntica capricorniana, sofre a tua dor resignadamente, capricorniana autenticíssima. Atente para a resposta: “Não, Adriana. Tome o seu desjejum normalmente, em seguida, vá para o laboratório fazer a coleta.”  Nessa estrada de cascalho de brilhante, caminha o caminho comigo um mar de gente. A moça do balcão do laboratório cismou do rabo que o exame precisava de jejum, pense aí numa novela. Querida, o médico disse que não carece não. A fila engrossando na telha das minhas costas e o bate-boca comendo solto. De repente, só ouvi foi o gasguito da moleca, aquela frase atravessada, que acelera os batimentos da pessoa, a gente pensa que vai desmaiar, a senhora sabe como é? “Muitas vezes, o próprio médico não sabe, minha senhora! Nós do laboratório é que sabemos!”  Uma fedelha ainda regurgitando leite Ninho Crescimento, visualize aí, madame, duvidando da palavra santa de Zé, não duvido que Zé tenha assistido o trabalho de parto da genitora dessa égua adolescente, Zé é um sujeito que cuida da mulherada moça e passada, rarará, desde que a mãe dessa moleca era menina, minha gente! Impaciência tem limite, desde que se queira. Não quis! Chutei o balde, me espalhei, ó! Pois eu não volto amanhã para realizar o exame coisíssima nenhuma, minha filha, mas nem que a vaca tussa! “A senhora queira aguardar um instante, que vou me informar.” Com mais um tanto, voltou a moleca: “a senhora tem razão, é sem jejum mesmo.”  Atravessado o primeiro deserto, mudei de sala. Sentei-me diante de uma garota que podia ser minha neta, a bichinha tadinha, boazinha que só, conversando tão direitinho, degringolou, de repente: “a senhora está em jejum, senhora?” O sintoma mais evidente do climatério é a irritabilidade. Menina de Deus! Tem misericórdia! Isso aqui é uma pegadinha, é? Quinze minutos de blá blá blá para convencer a loirinha de que a dúvida já havia sido esclarecida na recepção. Não blasfemo, devo merecer. Resolvida a pinimba, agradeci - a educadérrima de praxe - demorei um tiquinho de nada para afastar-me da simpática loirinha, a senhora compreende, minhas articulações me matam. Pois não é que a loirinha achou uma brecha, nesses exíguos dezoito segundos, para encaixar ali, no olho do furacão, o desfecho dessa história? “Dona Adriana, mas a senhora não fez uma refeição muito pesada não, não é?”  Por hoje, chega. Nos encontramos alhures, macacada.

6 comentários:

  1. Tem dias que as coisas dão errado mesmo, não tem jeito kkkkkkk
    Agora, que moça desaforada essa da recepção do laboratório hein? Eu esfregaria o diploma de médico do Doutor Zé Luiz na cara dela até fazer ferida, recolheria o sangue escorrendo e falaria "Ihhhh, a senhorita não está em jejum né? Volte amanhã" kkkkkkkk nunca, claro que não faria isso, minha reação nesse caso é sempre ficar me contorcendo de raiva e bater boca. Quem já me viu em aulas de filosofia ou sociologia sabe que adoro uma discussão kkkkkk. O povo lá da turma me "zoa" até hoje por causa de um debate em uma aula de Ira que me exaltei e fiquei repetindo incansavelmente e em um tom que não é de meu costume usar "Quer que eu traga as pesquisas?! Tudo o que eu disse é científico, documentado!", me referindo a umas informações sobre sexualidade humana e afins que tinha acabado de dizer e fui veementemente contrariado, como se fosse mentira.
    Segura nas mãos de Deus e vai kkkk esse climatério há de passar (pra mim climatério e menopausa era a mesma coisa!).

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  2. nunca te vi se definindo tão bem: ignorante, ingênua. Acredita em tudo o que te dizem!
    Na época das eleições achou até que tinha ganhado amigos e leitores, que sumiram logo depois.
    Fique tranquila! Voltarão a te usar na próxima.

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    1. Me desculpe! Mim não entende sutilezas e ironias.

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    2. Bem, vamos falar do que importa.
      Zé Luiz realmente é o cara, e eu sei disso desde do meu primeiro suspiro no mundo. Foi ele que fez o parto da minha mãe quando nasci! E certamente esse climatério, assim como alguns comentários, vai passar, porque você é passarinho...

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    3. POEMA DA SÉRIE
      "PERDIDAS MESMO FORAM AS PALAVRAS DE AMOR QUE CALEI"

      - Êi, isso que tá passando aê é um episódio especial de "Walking Dead"???
      - Não sei, não... parece uma reprise de "Lost".
      - Ãããh! Deliga isso aê, então. Nem na primeira vez isso teve graça...
      - "Desliga aê?" Desligar e fazer o quê?
      - Deliga e... vem me beijar aqui, NA BOCA.
      - Pronto! Já desliguei.

      Bruno Pereira.

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  3. Diva!!!Vc se lembra com que pé levantou neste bendito dia???rs'.Mas que menina mais insolente em duvidar da digníssima palavra do Dr.Zé Luiz!!!Fez bem em rodar a baiana,diva.Eu faria o mesmo.kkkk.Quase morri de tanto rir do ''regurgitando leite''.kkkkkk.Parabéns pela crônica,Adriana!!Vc como sempre,''divando"!Bjs

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