Sei porque sei mesmo, sem confirmar nadinha na rede, eu
toda vida me pelei de medo dos achados e perdidos da mamãe zelosa e devotada de
todos os ignorantes de plantão – a internet gentil e generosa de todos os benditos
e satânicos dias da humanidade - nunca me incomodei de encabeçar a extensa e
constrangedora lista dos desconhecedores
oficiais dos assuntos importantes da vida, figuro, portanto, austera e
imponente, on top of the very list
dos mais ou menos jumentinhos, não havendo argumento plausível contra consumado
fato. Não refuto, não me queixo, sequer pondero, não pronuncio a nem bê, sei porque sei mesmo: sou mais um que desentende, com propriedade
e garbo, dos entretantos e dos finalmentes de tudo, sigo às cegas, burra de pai
e madrasta, sigo sã, na medida do possível, serenamente, pois que sei porque
sei mesmo, jamais seguirei sozinha nessa estrada de cascalho de brilhante,
caminha o caminho comigo um mar de gente. Na fria manhã que finda, do ventre do
sol gelado - cabisbaixo, descorado, decadente - irrompe, solene, o outono.
Respiramos outono desde abril, minha senhora. O pé de outono esgarçou o útero
da terra novamente, impunemente. Nu de vestes, trajado de poente: assim é o
outono, voraz e simplesmente. Reconheço a pálida estação pelo cheiro, um aroma
de cravo murcho açoitando as minhas carnes e peles, brisa embolorada
embaralhando meus sentidos e minha mente.
Houve um tempo em que estive muito longe de completar
cinquenta anos de idade. Tão longe, mas tão longe, que esqueci que o momento,
qualquer hora, de supetão, despontaria no horizonte. O tempo passou, ninguém conte com nove
novenas para deter o tempo, o tempo é foda, ele sempre vence. Não vejo por que
deva entrar nos sórdidos detalhes acerca dessa cronologia desconcertante, jovem
leitor com tanto futuro pela frente, poupe-me da especulação, da insistência no
abuso da calculadora científica, coisa mais antipática, deselegante e pedante,
vamos combinar, não revelo nem para o bispo que estou a dois passos de fechar a
conta. Três entre quatro mulheres de Atenas sofrem horrores com os tais
distúrbios do climatério, as estatísticas não mentem, a senhora sabia? A
menopausa é quando a gente deixa de sangrar feito esfaqueada, a senhora
concorda. Quanto ao climatério, minha amiga, o climatério é o oco do mundo, um buraco
muitíssimo mais embaixo, abissal, eu diria, fuja que é briga de foice, das
violentas, esse aí tem credencial para desmantelar a alma da gente. Eu comprei
a raspadinha premiada, acredita? Agora, bonitinha, aguente. Meu marido fala bem
assim: “puxado, hein, mãe?”. Nego
não, Ronaldo. Está bastante obscuro, complicado. Contando contigo para
sossegar, meu rei adorado, para tirar uma pestana, cochilar molinha na vastidão de um céu sem rasura, que é para mim, o teu abraço.
Minha professora de canto cantou a pedra: “Adriana, mulher! Esse berreiro à toa,
vontade de correr doida, o nó na goela, palpitação, ansiedade, frio do cão, calor
dos infernos, o sono ruim como o diabo, Adriana, mulher!, aposto meu piano,
isso é coisa de climatério.” Fui trocar uma ideia com Zé Luiz, o maior
ginecologista da América Latina, o cabra é médico para mais de metro, um homem
velho, a senhora dá licença? Impressionante como eu confio, olhinhos fechados e vendados, no jeito de olhar e ver dos velhos. O combinado foi ele me proporcionar alguma
condição de sobreviver à tormenta, tenho tanta esperança de despertar para um
inédito dia, um dia ostensivamente azul e quente, completamente limpo de agonia, o
combinado foi o devido minucioso acompanhamento, a partir do resultado de um
exame de sangue que fiz hoje pela manhã. Esse
exame a gente faz em jejum, doutor?, indaguei, ela é autêntica capricorniana, sofre a tua dor resignadamente, capricorniana autenticíssima. Atente para a resposta: “Não, Adriana.
Tome o seu desjejum normalmente, em seguida, vá para o laboratório fazer a
coleta.” Nessa estrada de cascalho de brilhante, caminha o caminho comigo
um mar de gente. A moça do balcão do laboratório cismou do rabo que o exame
precisava de jejum, pense aí numa novela. Querida, o médico disse que não carece não. A fila engrossando na telha das
minhas costas e o bate-boca comendo solto. De repente, só ouvi foi o gasguito
da moleca, aquela frase atravessada, que acelera os batimentos da pessoa, a
gente pensa que vai desmaiar, a senhora sabe como é? “Muitas vezes, o próprio médico não sabe, minha senhora! Nós do
laboratório é que sabemos!” Uma fedelha ainda regurgitando leite Ninho
Crescimento, visualize aí, madame, duvidando da palavra santa de Zé, não duvido que Zé tenha assistido o trabalho de parto da genitora dessa égua adolescente, Zé é um sujeito
que cuida da mulherada moça e passada, rarará, desde que a mãe dessa moleca era
menina, minha gente! Impaciência tem limite, desde que se queira. Não quis! Chutei o balde, me espalhei, ó! Pois eu não volto amanhã para realizar o
exame coisíssima nenhuma, minha filha, mas nem que a vaca tussa! “A senhora
queira aguardar um instante, que vou me informar.” Com mais um tanto,
voltou a moleca: “a senhora tem razão, é
sem jejum mesmo.” Atravessado o
primeiro deserto, mudei de sala. Sentei-me diante de uma garota que podia ser
minha neta, a bichinha tadinha, boazinha que só, conversando tão direitinho, degringolou,
de repente: “a senhora está em jejum, senhora?” O sintoma mais evidente do climatério é a irritabilidade. Menina de Deus! Tem misericórdia! Isso aqui
é uma pegadinha, é? Quinze minutos de blá blá blá para convencer a loirinha
de que a dúvida já havia sido esclarecida na recepção. Não blasfemo, devo
merecer. Resolvida a pinimba, agradeci - a educadérrima de praxe - demorei um
tiquinho de nada para afastar-me da simpática loirinha, a senhora compreende,
minhas articulações me matam. Pois não é que a loirinha achou uma brecha, nesses exíguos dezoito segundos, para encaixar ali, no olho do furacão, o desfecho dessa história? “Dona Adriana, mas a senhora não fez uma
refeição muito pesada não, não é?” Por hoje, chega. Nos encontramos alhures,
macacada.
Tem dias que as coisas dão errado mesmo, não tem jeito kkkkkkk
ResponderExcluirAgora, que moça desaforada essa da recepção do laboratório hein? Eu esfregaria o diploma de médico do Doutor Zé Luiz na cara dela até fazer ferida, recolheria o sangue escorrendo e falaria "Ihhhh, a senhorita não está em jejum né? Volte amanhã" kkkkkkkk nunca, claro que não faria isso, minha reação nesse caso é sempre ficar me contorcendo de raiva e bater boca. Quem já me viu em aulas de filosofia ou sociologia sabe que adoro uma discussão kkkkkk. O povo lá da turma me "zoa" até hoje por causa de um debate em uma aula de Ira que me exaltei e fiquei repetindo incansavelmente e em um tom que não é de meu costume usar "Quer que eu traga as pesquisas?! Tudo o que eu disse é científico, documentado!", me referindo a umas informações sobre sexualidade humana e afins que tinha acabado de dizer e fui veementemente contrariado, como se fosse mentira.
Segura nas mãos de Deus e vai kkkk esse climatério há de passar (pra mim climatério e menopausa era a mesma coisa!).
nunca te vi se definindo tão bem: ignorante, ingênua. Acredita em tudo o que te dizem!
ResponderExcluirNa época das eleições achou até que tinha ganhado amigos e leitores, que sumiram logo depois.
Fique tranquila! Voltarão a te usar na próxima.
Me desculpe! Mim não entende sutilezas e ironias.
ExcluirBem, vamos falar do que importa.
ExcluirZé Luiz realmente é o cara, e eu sei disso desde do meu primeiro suspiro no mundo. Foi ele que fez o parto da minha mãe quando nasci! E certamente esse climatério, assim como alguns comentários, vai passar, porque você é passarinho...
POEMA DA SÉRIE
Excluir"PERDIDAS MESMO FORAM AS PALAVRAS DE AMOR QUE CALEI"
- Êi, isso que tá passando aê é um episódio especial de "Walking Dead"???
- Não sei, não... parece uma reprise de "Lost".
- Ãããh! Deliga isso aê, então. Nem na primeira vez isso teve graça...
- "Desliga aê?" Desligar e fazer o quê?
- Deliga e... vem me beijar aqui, NA BOCA.
- Pronto! Já desliguei.
Bruno Pereira.
Diva!!!Vc se lembra com que pé levantou neste bendito dia???rs'.Mas que menina mais insolente em duvidar da digníssima palavra do Dr.Zé Luiz!!!Fez bem em rodar a baiana,diva.Eu faria o mesmo.kkkk.Quase morri de tanto rir do ''regurgitando leite''.kkkkkk.Parabéns pela crônica,Adriana!!Vc como sempre,''divando"!Bjs
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