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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Vitrine

Quando eu parar de trabalhar, pelas minhas contas falta pouco, vou dedicar minha nada mole vida à baixa literatura, àquela dos ratos do porão, de rodapé de brochura de quinta mesmo, que a minha humilde pessoa produz aos borbotões – chuchu na serra – escrevo inutilidades públicas como ninguém, diga-se de passagem, a senhora cale-se para sempre ou desembuche agora a mais cristalina verdade: esse sorrisinho, brotando rasteiro nos lábios, no vão das bochechinhas rosadas, denuncia: a senhora concorda, madame, sinto sem ver, sem conseguir, sem desejar explicar. Pressinto, pressinto não, apalpo as rosadas bochechinhas: nem dissimule, madame, a senhora concorda. Minha intenção é perseverar na leitura e releitura dos bons, meu apaixonante e apaixonado dever de casa, Deus me livre de um dia acontecer de abandoná-los, minha intenção é morrer lembrada do céu que me separa dos melhores do mundo, do tanto de reencarnação que me aguarda, até chegar o momento da minha asmática, tatibitática palavra amarrar, dos carcomidos, ilustres sapatos de Rubem Braga (meu pai e minha mãe, meu mestre, meu guru iluminado, a bênção!), o cadarço. Nem deveria compartilhar uma coisa feia desse jeito, venho confirmando, estrada afora, o que fora outrora uma leve suspeita: a idade tem essa capacidade de fomentar cidadãos para lá de sem vergonha, a pessoa assume, de bermuda, a safadeza, rarará: consumi o grosso das horas da terça-feira dormindo, dormi de roncar, dormi de rachar o bico, coma profundo, das 14:00 às 19:00 h, pronto, despejei, que se dane, minha reputação não anda lá essas brastemp, “lerda, lesa, acomodada, preguiçosa, não martela um prego numa barra de sabão de côco”, e isso, respeitável leitor, é o de menos, entre cositas mais xexelentas e desmoralizantes, rarará, quem se importa? A fofoqueira bata com a cara na porta até ficar torta.
Mentira minha que passei o grosso da terça-feira dormindo, parto, armadurada, em minha própria defesa: precisamente às onze o’clock e alguns o’clockinhos, a atleta fora de forma que vos dirige o verbo, estava asfixiada, bufando, vomitando as tripas, nos amplos salões da Academia. De ginástica, madame, academia de ginástica, né possível que o seu miolo de galinha deduziu outra coisa, sinceramente. Por falar nesse assunto antipático, na linha ‘já que tá dentro, deixe’, rarará, desabrochou a pulga no jardim detrás da minha orelha de burro, uma suspeita no meu pensamento, um fantasminha encasquetado no juízo, sobre a fantástica realidade das academias, os fitness clubs ou fitness centers, talvez devesse referir-me dessa maneira àqueles espaços, para elevar o nível, para enfeitar o maracá desse terreno. Pise lento no tatame, para a senhora ter certeza de entender direito, é líquido e certo: seu rei mandou dizer que sua flacidez está encurralada, seu destino é sucumbir, das cinzas brotará sua nova identidade: Maria da Rocha Sarada Turbinada. Tenho para mim que, aos camundongos de academia, caberá a chapa quente do mármore do inferno, ninguém se iluda: é derreter a empáfia e a musculatura na chama da fogueira da vaidade exacerbada, pode apostar. Tudo demais é veneno, Dona Rita sabia. Não é segredo para a senhora, nem para o povo da rua, que eu acho que todo gordo devia nascer morto, o planetinha azul pertence, de papel passado, com firma reconhecida, ao contribuinte classificado ali naquela faixa entre a esquálida magreza Olívia Palito e a anorexia galopante. O problema é que, apesar das taxas completamente descontroladas, da gordura no fígado, das articulações irreversivelmente comprometidas, apesar do fio da navalha suspenso por um fio, no cocuruto da cabeça oca, o gordo, de gaiato, sobrevive. Sobrevive de pirraça. Aí é que são elas, madame. Aí é que são elas.
No horário promocional da academia, titia escrevinhadeira oficial do fuchique vem a ser a única bastante gorda do pedaço, a senhora avalie o constrangimento do peixe-boi fora d’água, eu sou só, eu só, eu só, eu. Não conto com a metade do culote sequer, de uma coleguinha avantajada, para socializar os pecados da gula e a alcachofra, meu derredor é hipertrofiado, da moleira à panturrilha, quem se engana que academia é ambiente para gordo, acorde, amor!, livre-se cedo, ao menos da bainha da manta lipídica, meses antes de matricular-se, academia é reduto de esqueletos ambulantes, é desse jeito. Emagreça ligeirinho, madame, anteontem, até porque a senhora nunca vai entrar num modelito GG de lojinha de trajes típicos de academia, a senhora sugiro que desista, compre o pano, mande costurar uma roupitcha sob medida, mais larguinha. Escanchada no selim da bicicleta que não anda, todo castigo para gordo é pouco, a senhora imagine, observo a movimentação da mulherada, dos homens também, dos homenssexuais, inclusive, rarará, o pau que mais dá na academia, é impressionante como essa gente se parece, por isso que tenho tanto medo dessa engenharia de uniformizar a massa, de confeccionar por encomenda os lotes de bunda, de coxa, de abdome, olhando aquela profusão de espelhos, parece que tô vendo a esteira rolando, os bonequinhos enfileirados - as Barbies e os namoradinhos das Barbies - escoando da linha de montagem para a embalagem, da embalagem direto para a prateleira. Francamente, count me out, não tenho condição de participar da brincadeira. Minha distração de academia é lorotar miolo de pote, adoro. Falo mais que o homem da cobra, é o suor descendo e a língua ferina trabalhando, rarará, falta grave, nem sei como ainda não sofri uma repreensão, uma advertência, o cartão amarelo. Ou vermelho. A avaliação física é um episódio à parte, vamos combinar. De uma frieza traumatizante para os fracotes de alma mais sensível, o questionário é enxuto, aponta para o ponto e atira, metralha a caixa dos peitos, confunde a cabeça da gente, são demais os perigos dessa vida pra quem tem paixão por uma conversinha transversa, um tiquinho mais diagonal, rarará, uma troca de ideias mais difusa. Nome? Idade? Peso? Altura? Bebe? Fuma? Escoliose? Lombalgia? Diabética? Hipertensa? Casos na família? Alguma doença degenerativa? Outras informações relevantes? Objetivo? Objetivo? Madame, objetivo? O que a senhora busca? Manhã de sol, meu iaiá... Manhã de sol e noite de lua. O de comer, o de vestir, uma casinha de sapê, amor ilimitado e amizade que não decepcione a camaradagem da gente. Cachorrinhos. Circo, sonho e poesia. Alguma saúde para perder para o implacável tempo. O tempo é foda, rapaz, ele sempre vence. Sinto o abraço do tempo apertar e redesenhar minhas escolhas... Envelhecer. Definhar no salto, deteriorar na classe, perecer dignamente. Busco isso e uma cerveja, se não for pedir muito. Dar as costas. Caminhar, decidida, pela estrada que, ao findar, vai dar em nada. Nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada, nada do que eu pensava encontrar.

4 comentários:

  1. Ai meu Deus, essa foi a crônica mais louca que eu já li. Amostra grátis de premunição nos primeiros momentos (só fez o sorriso aumentar nas bochechas rosadas!) e todo o resto da mais pura besteira com pedigree (kkkkk) da nossa escrivinhadeira favorita.
    Como um genuíno representante da raça dos gordos, me sinto obrigado a manifestar aqui minhas posições contra esse mundo que nos exclui, feito sob medida para aqueles que quando estão de frente parece que estão de lado e quando estão de lado, parecem que já foram embora. OS MAGROS.
    Poderia fazer uma análise sociológica e histórica das gordurinhas sobrando, mas não. Todos nós sabemos que o que empurra o mundo pra magreza desmedida são os padrões de consumo capitalistas e blá blá blá.... O tempo dos gordos já passou, fui lá pelos lados do século XIII, quando o padrão de beleza das mulheres era o padrão Niemeyer (o das curvas!).
    No último dia de aula do ano letivo passado escutei da boca de uma colega de sala (Gizelly, falei mesmo!) que gente gorda irrita os motoristas dos ônibus! Kkkkkkkk me senti uma pessoa horrível! Eu irritando os motoristas de ônibus somente por respirar no mesmo ambiente? Atirem-me na fogueira! Quem sabe a culpa daquele ônibus ter caído lá no Rio, não foi de um gordinho despretensioso, sentado ali no cantinho...
    Arrisco a dizer que quem é gordo hoje em dia, é na verdade um iconoclasta revolucionário em pleno século XXI! Um protesto ambulante contra esse mundo tamanho “P” que ainda faz favor de encolher depois que lava.
    Tem uma crônica ótima do Luiz Fernando Veríssimo “Os come e não engorda” que fala sobre esses alienígenas (como ele mesmo diz) que conseguem esse feito de comer e continuar um “vara pau”. Recomendo a leitura. Beijão Drica, fique sabendo que essa crônica ficou “uma Brastemp”, é obrigatória em seu livro e entrou pro hall das favoritas já no primeiro parágrafo.

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  2. Menina... imagem uma linha de montagem construindo um fila de magros iguais com roupa de "malhação" bem no estilo Tempos Modernos do Chaplin.. seria engraçado se não fosse trágico (para os gordos claro)
    Vc acertou cada definição, cada detalhe...
    Proponho uma campanha abaixo a ditadura da magreza.... sai fora o P, PP.. vamos ao povo real G, GG etc, etc..kkkkk
    O mundo precisa mudar o olhar....

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  3. Muito boa! me identifiquei, hahaha... Veja essa video: http://www.youtube.com/watch?v=2V43d0YpQOs
    Faço dele as minhas palavras... hahaha.

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  4. Perfeito, tia!
    Bjs
    Manu

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