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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

O amor é azulzinho

Se eu fosse uma contribuinte em quem a pessoa pudesse, de fato, confiar o rebento na véspera da viagem, aquele amigo de quem se compra um carro de segunda mão sem cogitar vistoriar o calhambeque, minha gente, na boa, se eu prestasse para alguma coisa besta nessa nada mole vida, tivera a minha pobre alma atabalhoada um dedo mínimo de ambição desmedida, o biscuit de prateleira de uma pretensão mais ancha e edificante, guardaria o meu bloquinho de notas falsas todas as informações fundamentais são mesmo os amores da gente do filme massa a que assisti anteontem, um negócio de cinema. Dá um tratado, uma dissertação de mestrado, a madame querendo. Tô fora. How else can I explain those rainbows when there is no rain? It’s magic. Once you feel the magic, nobre e meiga senhorinha, colha a rosa de fogo insidioso do destino, abrace a aurora inusitada, acolha o calor do mistério, sentindo só, sinta o sol bater, the stars desert the skies and rush to nestle in your eyes, it’s magic... Somente sinta, despojada do ‘kit fode da ciência’ - seus valorosos apetrechinhos de pesquisa. Porque não valho o que o gato enterra, deixo a tarefa pesada de dissecar a película, a partir da ficha técnica, aprofundando devagar o corte, blá-blá-blá, para quem se amarra nessas empreitadas, gosto é feito nariz, isso para não grafar aqui um nome bem feio, “cu é lindo”, Dona Adélia é lúcida de doida, gosto é cada um com o seu e acabou-se, quem quiser que vasculhe nome de artista, de diretor, o raio que o parta, o sujeito tendo curiosidade e disposição, madame, esse sujeito vai ler é de perder a pestana, para o bom entendedor meia palavra basta, o que não falta no script é sugestão de infinitos labirintos de leitura. Mais fatigada que um maratonista, músculos em franca degenerescência, sabemos, estômago ulcerado, fígado podre, tristeza sem pedigree, cem anos de solidão, escolho divagar, preciso urgentemente sonhar, sonhar um sonho mágico debutante, pelo que imploro me desculpem.
Era uma vez uma moça bonita de verdade na tela. Uma moça bonita vivendo sem malícia, entre o querido diário e as calcinhas, o espaguete e as aulinhas de literatura, os seus jovens dias de moça mais bonita. A moça curtia Inglês, filme americano, crianças, a moça curtia, principalmente, escrever para ninguém nunca perceber, claro, mas a moça se encantava mesmo era quando o professor lhe dava alguma condição de imaginar as suas coisinhas íntimas sossegada, uma raridade na realidade dos que esbanjam pedantismo de pesquisa. A moça gostava muito dos meninos também, gostava para namorar o gato da sala mesmo, como todo mundo, aquele beijo da menina da escola nem contava, a moça gostava, claro, ou achava que gostava, nesses assuntos cardisplicentes (cardíacos e displicentes), quem tem um pingo de juízo, sabemos, não se mete. A manhã sempre vem, a manhã pode trazer alguém. Anjo tem halo, não sexo. Não é que trouxe, menina? O primeiro amor é a impressão de morrer, cadê que a gente esquece. Uma história de amor igualzinha às outras, dor de poesia, dor de prazer, dor de sofrer, dor de perder, uma história de amor igualzinha às outras, tudo igual e diferente, alguém duvida? Duas meninas num vagão, fundindo-se fodendo, comendo as carnes, as entranhas, o coração uma da outra, a senhora nem se arrisque a ver, vai que a senhora simpatiza, o diabo atenta, o tesão aumenta, virar sapata tá na moda, a homossexualidade campeia, grassa, alastra-se no dorso das colinas, é quase uma imposição, a arma na cabeça, orai e vigiai, portanto, o inimigo espreita.
 Azul é a cor mais quente é um filme robusto, inúmeras, insondáveis portas e janelas abertas mar afora, amar adentro..., acessos sem taramelas, sem gelosias, pela graça divina. Impossível calcular a raiz da emoção, de onde vai brotar o jorro do peito. Minhas vísceras fêmeas revolveram-se porque a moça bonita aprendeu, apesar de tudo, a sobreviver, a preservar-se, meu Deus, a gente precisa tanto ter coragem para preservar, a todo custo, a própria consagrada natureza. Uma coragem de bicho. Coragem de visitar-se, de percorrer os buracos mornos, salivados. Coragem de revogar-se. Coragem de saltar, sem sinal de rede para amortecer o baque. Coragem de trincar os dentes. Coragem de beirar a loucura. Coragem de se humilhar, lamber o chão de estrelas, os astros que ela pisava, distraída, passas, deusa de fel e delícias, desatenta ao teu vigia... Humilhar-se, feito um cão sarnento. Coragem de chorar as pitangas, chorar de entorpecer as artérias. Coragem de partir, bem mamado, bem chumbado, atravessado, cambaleando num cordão, a vida sempre segue. Coragem intrínseca de enfrentar a audiência, afrontar a conferência internacional dos tontos de empáfia, para ser professora de crianças.  



Objeto de Amar 

De tal ordem é e tão precioso 
o que devo dizer-lhes 
que não posso guardá-lo 
sem que me oprima a sensação de um roubo: 
cu é lindo! 

Fazei o que puderdes com esta dádiva. 
Quanto a mim dou graças 
pelo que agora sei 
e, mais que perdoo, eu amo.


(Adélia Prado)

2 comentários:

  1. Vou aproveitar esse espaço escondido aqui embaixo para manifestar publicamente minha mais completa insatisfação com o tempo. Ele me priva de tudo e me dá quase nada. Por esses dias é só trabalho e escola. Eu queria tanto assistir os filmes concorrentes ao Oscar, adiantar minhas séries, ler meus cinco mil e seiscentos livros pela metade, passar mais tempo falando com Deus, o mundo e você no facebook...
    Esse filme "Azul é a cor mais quente" tá sendo muito comentado, tá na minha lista!
    Pode deixar que depois que terminar esse remendo de ano letivo eu resolvo isso tudo hahahah Beijão!

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    Respostas
    1. Se eu quiser falar com Deus, tenho que aceitar a dor... Assim seja. Um beijo, Felipe...

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