Pesquisar este blog

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Tromba

"Nunca mais eu chorei, nunca mais, e agora, eu até acho graça da chuva lá fora"... Madame, isso é antigo feito a gente... Ângela Maria convidou Caetano para a regravação, ficou tão, tão... Ou não. A memória apronta. Disfarça. Distorce. "Rodava as horas pra trás, roubava um pouquinho"... A memória é a maior falsificadora de pretéritos instantes. Dona Rita, minha saudosa mainha... Quando meu lábio superior estufava, o bico capricornianamente intumescido ameaçava ganhar as calçadas, dobrar a esquina, rarará, era muito ela quem me dizia "desmancha essa tromba, menina". Não sei as senhoras três leitoras remanescentes desse desafetado brogue sem um pífio suplente de estrela de papel, cada qual eleja o cosmético de emplastrar a fuça de pendurar na janela manhã cedo, a questão toda é que hoje não topo pintar os beiços. Indisposta. Não estou para bocas e acenos, ando azeda, rabugenta, cheinha do meu saco. Bicho, "minha tribo me perdeu", não tenho a menor loção de onde foi se entocar minha patota. Troquei umas concepções com minha irmã mais velha, irmã quase mãe substituta, foi uma conversa assim amolada, oxítona, faltosa de pausa e reticência, farta de queixa desiludida, uma comunicação pretendendo mesmo parecer um fundo desabafo. Iêda jura que se trata da menopausa, a dança dos hormônios, o outono da matriarca, tal e coisa. Bola fora. Me gusta duvidar. Duvido. É mais embaixo. Uma amiga me disse que ninguém precisa perguntar sobre mim, meu estado d'alma salta aos olhos, um letreiro neon na minha cara. Concordo porque transborda de verdade. Prossigo. Convivendo, ué? Do jeito que dá. Novos assombros, as pauladas de sempre, tudo devidamente acompanhado do questionamento reincidente: Por que dei guarida? Por que abri espaço? O que essa criatura faz aqui no meu batente? Cheguei ao improvável ponto de desacreditar de mim, essa guduxa outrora bacaninha, generosa, valente: uma brasa, mora? O homem, cabra vaidoso inveterado. Invertebrado. Não há limite para o desapontamento com a raça. O homem é um pobre coitado. Confete. Por um prato de reconhecimento, o homem inventa o melhor dos futuros, dos presentes e dos passados. A pessoa se desequilibra, não identifica onde, quando, se, de fato, algum dia, o encontro foi humano: amoroso, repleto da eternidade da sinceridade do momento. Sofro de uma saudade do que sequer existiu, talvez. Nostalgia de um lapso, uma onírica passagem de vida azul bebê. Suave, porém potente. Antes da religião, antes da política, antes da ciência, antes da nação, antes da língua, antes da maldade requintada, antes da grana, antes da certeza da individualidade. Saudade de sermos unidade numa gosma cósmica, vagando irmã, além do infinito. "Desmancha essa tromba d’água", São Pedro. Quero sair sol, sair sol. Suor no asfalto.

3 comentários:

  1. Concordo que tem horas que o povo se perde no meio da busca pelo reconhecimento. Numas aulas numa escola por aí ouvi uma professora dizer que na vida profissional o que importa de verdade é a pessoa ter "networking", ou seja, conhecer alguém que conhece alguém... De fato, legalizaram o relacionamento interesseiro e já tem regulamentação sancionada. O que importa é ter networking. Eu continuo me importando com o de sempre: vários nadas hahaha

    Um beijão!

    ResponderExcluir
  2. Faço minhas suas palavras. Entendo perfeitamente o sentimento. Amei, amei.

    ResponderExcluir
  3. Ja dizia o velho chico " tem dias que a gente se sente.. Como quem partiu ou morreu"... Eis que chega a roda viva e carrega a roseira pra lá.."

    ResponderExcluir