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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Rebento

Eu não faço ideia de como se sentem os duvidosos da veridicidade dessa história desse menino santo nascido da menina Maria e do Criador, concebido sem penetração, e adotado, sem qualquer registro de alvoroço, pelo nobre carpinteiro José. Minto. Parece que José não caiu na conversa de Maria, assim, de primeira, não senhor. Parece que um anjo teve de confirmar tudo direitinho. O enredo desse samba tem anjo do abre-alas até o último carro, anjos trabalhados no lamê e no paetê, todos os serafins, querubins e afins, sendo palavra de anjo, palavra de rei. Eu sou muito fã de José, de carteirinha. José devia ser um cara muito do especial, muito do correto, muito do íntegro, muito do caboclo com sangue no olho e muito do furado na venta por Maria, essa última expressão aí - furado na venta - sendo muito da comumente usada na minha terra, isso se a pessoa quiser se referir a um homem muito do enrabichado por um determinado rabo de saia. Além do mais, José era muito do avançadinho para a época, isso é ponto passivo. O anjo revelou, ele acatou, achou que era isso mesmo, podia com o pote, pegou na rodilha, pagou para ver. ‘Já que tá dentro, deixe’, que é como tem de ser. Assumiu a criança, indiferente à lâmina afiada da língua do povo, e fez História. Seu filho nasceu igualzinho a ele, na fisionomia e no caráter, veio ao mundo naquele canto aonde vêm ao mundo as crias das vacas e das jumentas, igual em tudo, à exceção daquele dom de que o povo até hoje fala: Jesus nasceu e cresceu para ser milagreiro. Jesus Homem de Deus, o mago da colina, a alegria dos homens seus semelhantes, o cabra macho turrão, o inconformado, o afoito, o forte, o fraco, o consolador dos aflitos, o curador de todas as perebas, o ressuscitador dos mortos, o produtor de vinho do bom, o multiplicador do pão de cada dia, o salvador de cada filho fiel, e de todos os ímpios. O filho de José fez História. Quanto à Nossa Senhora, creio em Deus Pai todo poderoso, e no meu glorioso São José, não existe, no céu e na terra, devoção maior do que essa que lhe devoto, Minha Mãe Rainha, rogo a vós conceder-me a graça de dormir em paz com a minha consciência e com as minhas tímidas certezas,  cobri-me, Virgem Maria, na escuridão das noites infinitas, com vosso sagrado manto. Todas as mulheres do mundo deviam chamar-se Maria, declaro aqui, solenemente, o que penso. De que tamanho eu seria, se me chamasse Adriana Maria? Os historiadores, os antropólogos, os filósofos, os filólogos e os ufólogos mergulham tão fundo nas controvérsias relacionadas a esse acontecimento, cegam, de tanto cascavilhar o fundo do pote, remover as quinquilharias do baú do tempo, porque o passado é preciso conhecer, para melhor prosseguir. Vai ver o Nazareno nem existiu, ou até existiu, aniversariando em fevereiro ou março, existiu menor do que o folclore propala, longe léguas de ser essa brastemp toda.  Confesso que não acompanho as escavações, sou de uma ignorância lamentável, no que se refere a assuntos cristãos, morro de medo de que me convençam de que esse realismo maravilhoso é conversa fiada de Cortázar, de Izabel Allende ou do fantástico Gabriel, não o anjo, o Garcia Márquez, dos Cem Anos, cuja leitura, confidencio-lhes, jamais concluí. Da solidão de não acreditar, vou escapando, mais ou menos, como posso.
Eu não faço ideia de como se sentem os duvidosos, sei que euzinha da silva, entro no clima natalino, no dia trinta de novembro, permanecendo intoxicada até seis de janeiro, na pior das hipóteses. Acredito em tudo, sã e salva. Vejo Maria parir o pequeno dentro do meu quintal. O bom do Natal são as providências a serem tomadas para a ceia e para a reforma íntima de todo ano. Dezembro é o mês do meu inferno astral, a torcida do Santa Cruz em peso, mais a do Flamengo, além da galera Gaviões da Fiel, não é segredo para absolutamente  ninguém, todo mundo está farto de saber que o meu aniversário natalício é dia 14 de janeiro. Aguardo, portanto, os cumprimentos. Meu inferno astral fica mais e mais infernal, as time goes by, deve ser coisa da idade. Entretanto, se tem uma coisa que me enche de alegria de viver, uma coisa que eu adoro, essa coisa é preparar o meu coração, a minha familinha e a minha casinha para o Natal. É fim de ano, em ritmo alucinante. A gente sempre quer comprar um eletrodoméstico novo, a gente quer mudar o pano dos sofás da sala, a gente sempre abre novos crediários, a gente vai até o centro da cidade vinte e oito vezes, entre o dia 1 e o dia 23 de dezembro, a gente ainda dá um jeito de dar um pulinho daquela loja da Francisco Mendes, no dia 24 à tarde, porque a gente decidiu, de última hora, que o marido merece demais aquela camisa que voltou para a prateleira, porque ela era muito cara. Muita gente testemunhou, o povo da rua viu, das vinte e oito idas ao centro, vinte e sete idas foram muito bem assessoradas pelo marido,  ele comportou-se feito um rapazinho, não deu um pio de pinto, sorriu até, na fila do caixa, ele merece outra camisa cara, além da que já compõe a decoração, ao pé da árvore estrangeira, desde a semana passada. A gente tenta ser muito melhor do que tem sido, ninguém duvide disso.
O perigo é Papai Noel abrir as asinhas e querer mandar no pedaço. Não adianta a gente gastar dinheiro demais em dezembro, comprar presente até para o Papa, se a gente perder o foco. O foco é sentir-se gestante prestes a dar à luz um grande amor. O foco é a faxina. Arreganhar as portas, as janelas, os basculantes, iluminar  as sombras. Tirar o pó dos móveis e das almofadas. Arrumar o quarto, a alma e a vida para a chegada de um principezinho, como se o principezinho fosse o seu primeiro e único rebento, tarefa das mais desafiadoras, difícil pra danar, vamos combinar. Colorir de azul-bebê as paredes em torno do berço de Sua Majestade o bebê. Mister jogar no lixo os entulhos da velharia carcomida e embolorada, acumulada ao longo dos quase doze meses, pelos cantos de todos os cômodos da casa. Mister arejar todos os espaços. Mister descartar rancores e sentimentos maus e mesquinhos, empilhados nas quinas do espírito, dois, dez, vinte, quarenta anos a fio. Livrar-se de imensurável mala sem alça, como se extrai um siso, ou dois, que os sisos não servem para nada. Fundamental chorar um pouco, de saudade, de arrependimento, de medo, de tristeza extrema. Fundamental, sobretudo, escancarar todos os dentes restantes para o futuro do mundo: abrir para gato e cachorro o doce e largo sorriso da maternidade. Só as mamães são felizes, a mais pura verdade.

4 comentários:

  1. Lindo, Adri! Adorei seu blog, voltarei mais vezes! Bjão, Michelle

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  2. Bela crônica de Natal... fundamental também é fazer a famosa listinha de coisas para pedir ao universo... por que não? quem sabe? os nossos sonhos, que ficarão para o ano que vai chegar.
    Eu também amo o Natal, tia!! beijos, saudades
    Lu

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  3. Ronaldo disse: O espírito de Natal toma conta de todos. Concordo que todas as mulheres deveriam se chamar Maria, minha mãe era Maria-mãe de todos nós.

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  4. Adri... é isso. É o Natal! Ler vc facilita tudo!

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