Conto com a reencarnação para ajustar meu descompasso
estrada afora, haja vista o quanto deixo tudo para depois, deixo e me
arrependo, sempre foi assim. Pela segunda vez, acreditem, escorre-me, entre os
artríticos dedos da mão, a oportunidade de votar em Cabo Frio. Quando me lembro de
procurar o endereço da birosca onde a gente cuida da transferência, pimba, passou o prazo, fica o exercício
da cidadania, de novo, procrastinado, uma lástima, meu velho nunca me criou
descomprometida assim. Seu Biu votou enquanto viveu, minha irmã mais velha,
Iêda, ficava uma arara, os dois votavam na mesma escola pública, na mesma
seção, saíam juntos, “o que o senhor vai
fazer naquela confusão, painho? Tem necessidade disso?” “Confusão não, Iêda, é
festa.” Seu Biu era o máximo, uma lenda. Via a televisão, lias as notícias,
conversava com as filhas letradas, com os genros doutores, com os vizinhos, com
o povo passando na rua, escutava, sobretudo, a voz da própria consciência, era
sensível, inteligente e muito justo, indignava-se, comprava briga, tinha e formava
opinião, um homem admirável, meu querido pai.
Hoje, sem chance de escapatória, participamos de uma
carreata, um candidato de cujo nome não me recordo, coisas da política. Será?
Ronaldo inventou de almoçar batata rostie,
a melhor da região é servida num restaurante lá em Búzios, tocamos para a
badalada cidade, de repente, tchan,
tinha um mar de bandeiras no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma
zoeira dos infernos, já que tá dentro, deixe, fiz foi gostar, zoeira não, é
festa. Um abraço da democracia. Política é isso. Será? Ruim foi almoçar
picanha, sonho frustrado, o estabelecimento estava fechado, acreditem. Pois bem,
estou sendo perseguida por esse assunto cabuloso, desde as duas horas da tarde,
tenho de escrever, do contrário, Morfeu, esta noite, não me faz visita.
Pensei em procurar, no
dicionário, o significado da galáxica palavra, desisti, em seguida,
envergonhada. Política? Tudo é política. Vivemos um momento político importantíssimo,
dentro da instituição de ensino onde exerço, a muque, mais ou menos plenamente,
minha profunda vocação, a profissão dos exibidos. Nunca soube de um professor
que não fosse, no frigir dos ovos, um vaidoso de carteirinha. Conquistamos o
direito de, no próximo dia 3 de outubro, eleger um diretor-geral com a cara da
gente, numa peleja do diabo com o dono do céu, diga-se de passagem. Ninguém
desconhece de que lado estou, fazer uma escolha desse quilate, assumindo todas
as responsabilidades e riscos inerentes ao ato, é a genética da minha família.
Por que Fulano de tal? Anderson? Empatia. Identificação pessoal e profissional. Respeito e
confiança. Quem não escolheu esse lado, ficou do lado de quem escolheu o outro
lado, é um ponto de vista diferente. Política é isso: festa. Entrada franca. Meu desconforto é a vertigem. Do alto do muro de onde
alguns colegas, estranhamente, jamais se lançam, na direção do futuro a que aspiram. São educadores? Uma postura
contraditória e esquisita demais para quem ganha a vida na vitrine.
Humpty Dumpty é um personagem do livro "Alice através do espelho" que vive em cima do muro. Ele tem o formato de um ovo, só que com braços, pernas e um rosto de gente. Apesar de seus traços antropomórficos, e de se vestir como gente (ele usa chapéu e bengala) ele não passa mesmo de um ovo. Há, fora da literatura, no mundo real, no nosso dia-a-dia mesmo, pessoas que são assim: parecem gente, mas não passam de um ovo. Tem diploma, mestrado, doutorado, mas não passam de um ovo. De um frágil e amedrontado ovo que insiste em não descer do muro. Do muro da indiferença, que, no fundo, ou é covardia, ou egoísmo (que é outro forma de covardia). Parabéns para você, Adriana, por mais uma crônica de admirável inteligência e coragem, que marca os dias memoráveis da nossa história local. E a respeito daqueles que não se manifestam e insistem em ser ovo, tomo emprestadas as palavras do próprio Cristo e as faço minhas palavras: "Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão”. No livro da Alice, Humpty Dumpty acabou descendo do muro, mas da pior maneira possível: se espatifou no chão. Assim como você, se é para escolher, entre ovo e pedra, escolho ser pedra!
ResponderExcluirBeijos,
Bruno Pereira.
Posicionar-se não é para todos.
ResponderExcluirFicar agarrado no trilho do trem enquanto ele vem a todo vapor para bater de frente, mesmo que seja para depois falar: Fiz merda!
É característica peculiar de alguns dos Oliveiras.
Azar dos outros. Vivem na sombra de alguém ou de alguma coisa.
Assinando o comentário: Manu Costa, a afilhada desbocada.
ResponderExcluirBeijoooo
:D
Excelente crônica Adriana :)
ResponderExcluirFelipe Santos