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domingo, 23 de setembro de 2012

Festa

“Estou sendo perseguido, covardemente, pelos adversários”... Sim, fidelíssimo leitor, domingo é dia de Fausto Silva, entremeado por Alair Corrêa (é onze!), a cada intervalo comercial, no chão de estrelas do palco da Vênus platinada – plim-plim. Alair perde todos os cabelos da peruca, perde o tom, muda a cor da íris psicodélica - lente de contato gelatinosa, salve, salve! - que vai de azul-bebê à violeta, o sujeito está injuriado com as calúnias, política é isso. Será? Justificarei a ausência, dia 7 de outubro, aqui na capital dos Lagos, Cabo Frio dos meus amores, em um espaço de votação qualquer, não transferi meu título de eleitor para esta tão acolhedora e esfuziante cidade, abigobalice com pedigree. Alair já foi prefeito, aprontou, dizem, roubou abaixadinho, achou pouco, deseja repetir a dose. Meu marido fica para morrer, “o cara tá enrolado com a Justiça até as amígdalas”, retruca, alterado. Meu marido trabalha no Fórum, deve estar a par das inúmeras falcatruas do candidato. Por aqui, parece que vai caber ao Tribunal Eleitoral a decisão da eleição. Tomara. O filme já passou. PSOL neles, pessoas. Com esse meu raciocínio naturalmente lerdo e picotado, aos primeiros acordes da musiquinha do Fantástico, o show da vida, sei não, o jeito é “entrar no acaso e amar o transitório”, torcendo para que o polêmico tema me conduza, sem mais delongas, a um porto seguro de sombra e de água fresca, preciso alinhavar a crônica, concluir o devaneio, atracar o barco e tirar uma pestana, minha presbiopia almeja descansar.
Conto com a reencarnação para ajustar meu descompasso estrada afora, haja vista o quanto deixo tudo para depois, deixo e me arrependo, sempre foi assim. Pela segunda vez, acreditem, escorre-me, entre os artríticos dedos da mão, a oportunidade de votar em Cabo Frio. Quando me lembro de procurar o endereço da birosca onde a gente cuida da transferência, pimba, passou o prazo, fica o exercício da cidadania, de novo, procrastinado, uma lástima, meu velho nunca me criou descomprometida assim. Seu Biu votou enquanto viveu, minha irmã mais velha, Iêda, ficava uma arara, os dois votavam na mesma escola pública, na mesma seção, saíam juntos, “o que o senhor vai fazer naquela confusão, painho? Tem necessidade disso?”  “Confusão não, Iêda, é festa.”  Seu Biu era o máximo, uma lenda. Via a televisão, lias as notícias, conversava com as filhas letradas, com os genros doutores, com os vizinhos, com o povo passando na rua, escutava, sobretudo, a voz da própria consciência, era sensível, inteligente e muito justo, indignava-se, comprava briga, tinha e formava opinião, um homem admirável, meu querido pai.
Hoje, sem chance de escapatória, participamos de uma carreata, um candidato de cujo nome não me recordo, coisas da política. Será? Ronaldo inventou de almoçar batata rostie, a melhor da região é servida num restaurante lá em Búzios, tocamos para a badalada cidade, de repente, tchan, tinha um mar de bandeiras no meio do caminho, no meio do caminho tinha uma zoeira dos infernos, já que tá dentro, deixe, fiz foi gostar, zoeira não, é festa. Um abraço da democracia. Política é isso. Será? Ruim foi almoçar picanha, sonho frustrado, o estabelecimento estava fechado, acreditem. Pois bem, estou sendo perseguida por esse assunto cabuloso, desde as duas horas da tarde, tenho de escrever, do contrário, Morfeu, esta noite, não me faz visita.
Pensei em procurar, no dicionário, o significado da galáxica palavra, desisti, em seguida, envergonhada. Política? Tudo é política. Vivemos um momento político importantíssimo, dentro da instituição de ensino onde exerço, a muque, mais ou menos plenamente, minha profunda vocação, a profissão dos exibidos. Nunca soube de um professor que não fosse, no frigir dos ovos, um vaidoso de carteirinha. Conquistamos o direito de, no próximo dia 3 de outubro, eleger um diretor-geral com a cara da gente, numa peleja do diabo com o dono do céu, diga-se de passagem. Ninguém desconhece de que lado estou, fazer uma escolha desse quilate, assumindo todas as responsabilidades e riscos inerentes ao ato, é a genética da minha família. Por que Fulano de tal? Anderson? Empatia. Identificação pessoal e profissional. Respeito e confiança. Quem não escolheu esse lado, ficou do lado de quem escolheu o outro lado, é um ponto de vista diferente. Política é isso: festa. Entrada franca.  Meu desconforto é a vertigem. Do alto do muro de onde alguns colegas, estranhamente, jamais se lançam, na direção do futuro a que aspiram. São educadores? Uma postura contraditória e esquisita demais para quem ganha a vida na vitrine.

4 comentários:

  1. Humpty Dumpty é um personagem do livro "Alice através do espelho" que vive em cima do muro. Ele tem o formato de um ovo, só que com braços, pernas e um rosto de gente. Apesar de seus traços antropomórficos, e de se vestir como gente (ele usa chapéu e bengala) ele não passa mesmo de um ovo. Há, fora da literatura, no mundo real, no nosso dia-a-dia mesmo, pessoas que são assim: parecem gente, mas não passam de um ovo. Tem diploma, mestrado, doutorado, mas não passam de um ovo. De um frágil e amedrontado ovo que insiste em não descer do muro. Do muro da indiferença, que, no fundo, ou é covardia, ou egoísmo (que é outro forma de covardia). Parabéns para você, Adriana, por mais uma crônica de admirável inteligência e coragem, que marca os dias memoráveis da nossa história local. E a respeito daqueles que não se manifestam e insistem em ser ovo, tomo emprestadas as palavras do próprio Cristo e as faço minhas palavras: "Asseguro-vos que, se eles se calarem, as próprias pedras clamarão”. No livro da Alice, Humpty Dumpty acabou descendo do muro, mas da pior maneira possível: se espatifou no chão. Assim como você, se é para escolher, entre ovo e pedra, escolho ser pedra!
    Beijos,
    Bruno Pereira.

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  2. Posicionar-se não é para todos.
    Ficar agarrado no trilho do trem enquanto ele vem a todo vapor para bater de frente, mesmo que seja para depois falar: Fiz merda!
    É característica peculiar de alguns dos Oliveiras.
    Azar dos outros. Vivem na sombra de alguém ou de alguma coisa.

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  3. Assinando o comentário: Manu Costa, a afilhada desbocada.
    Beijoooo
    :D

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  4. Excelente crônica Adriana :)

    Felipe Santos

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