Pesquisar este blog

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Curta e grossa

A historinha em cima da hora apertada, dentro da manhã luminosa e escassa de vagareza, vai ser mesmo curta e grossa. Se avexe não, minha senhora. Tire um cochilo na rede, que a minha vida é explicar, nos mais mínimos detalhes, os miúdos e os avantajados, o que ninguém pediu para conhecer, com a conversa mole de hoje não há de ser diferente. Esclarecimento é o meu sobrenome e a minha especialidade. Ser compreendida são outros mil e quinhentos. Minha felicidade é a íntima e pessoal certeza absoluta de que meus alunos dividem-se em duas muito específicas e valorosas categorias, a saber: a primeira metade já aprendeu um bom bocado de Inglês, mais do que eu demais, coisas do mundo, minha nêga. A segunda metade vai aprender Inglês a rodo, cedo ou tarde, apesar de mim, outras coisas do mundo, minha nêga. Existe maior tranquilidade no coração do espírito de um docente? A paz que a senhora procurava, fale a verdade. Morro de explicar, sem querer e querendo, para o circunstancial sossego de minhas próprias profundas inconsistências d’alma, deve ser. Meu dia encolheu consideravelmente, é muito isso. A pasmaceira da sexta-feira jaz pretérita, o que era doce acabou-se, o pau agora é para comer sabão e para saber que sabão não se come. Desde que eu me entendo por professora (faz uma era...), é assim, desejo passar de fino, escapulir para o olho da rua – a estufa da palavra, sem dar um pio de pinto, fantasiada de árvore, paralisada feito um dois de paus, penso que as favas estão contadas. Aí, estripulia do diabo, o diabo vem, e cutuca. Uma extravagância à-toa, um solto som, danou-se tudo. O demônio acena, minha consciência consente. Desisto de rejeitar serviço porque me lembro de Seu Biu – “minha religião é o trabalho”. Me lembro da jura feita na noite de gala da formatura, trinta anos atrás, aquela cantilena besta com farofa, blá blá blá – tatuagem incrustada no miolo - odor de cigarro vagabundo, até hoje entranhado nos grisalhos fios do meu cabelo escovado. A brincadeira, doravante, inclui aulas à mancheia, de segunda à sexta-feira, sábado aqui e sábado acolá, cipó de aroeira no lombo da que vos dirige o verbo, salvem a professorinha. Esfolo os prejudicados joelhos, mas não me queixo. Do jeito que a vida quer, é desse jeito.
Viciadíssima em diários virtuais alheios anos-luz mais interessantes que o meu, este espaço fubeca e fajuto (na natureza, tudo se copia), tomei um choque essa semana, fiquei desalentada. Thelma escreveu: este blog termina aqui. Justo quando me apaixonei pelo delicioso blog de Thelma, que nunca vi mais gorda, Thelma me esculachou: este blog termina aqui! Uma lixa, um papel de embrulhar prego. Este blog termina aqui? E o nosso vínculo? E o nosso compromisso? Perdi meu chão de estrelas. Ainda ontem, depois do trampo violento, partilhei pizza e amenidades com os amigos da escola, que o bom da brincadeira reside no perder e fazer amigos, insano movimento cata-vento da vida. Giseli, a esposa de Flávio, me falou sobre uma aluna, uma moça de quem Gi esqueceu o nome, ali no fecundo momento da conversa fiada, não captei direito a mensagem, sou muito ruim de entender, minha nêga. Parece que a moça estuda com ela não sei onde, não sei como foi, sei que a tal moça é uma discreta leitora do meu blog, uma jovem leitora anônima, uma doce criatura entre as doces criaturas da terra, uma pessoa comum, acompanhando os sucessivos devaneios cotidianos bem ou mal registrados aqui, sabe-se lá por quê. Olhar curioso de menina-mulher recém-desabrochada. Olhar inquieto que cativei, olhar do qual pretendo cuidar, zelosa feito mamãe lua. Às vezes, mais vezes do que teria preferido, sinto a humanidade de cabeça para baixo, desencontrada de si e do vizinho, tateando, às tontas, na escuridão da solidão do individualismo, fechada em copas, abrindo nesgas esporádicas para um eventual superficial encontro marcado sob a navalha, encontro obtuso, sob o eterno risco da súbita desintegração, no mais tardar amanhã de manhã. Quem puder com o pote da ingratidão, minha senhora, segure a rodilha. Desenlace sem vestígio de culpa, como se um mais um não fosse mais que dois. Não atino na razão pela qual a gente se desvencilha do outro assim, tão desavergonhadamente, tão sem dó e sem piedade, como se a magia do apego, do afeto, da cumplicidade, como se o condão do tempo jamais houvesse estreitado tanto aquele abraço. De que etérea matéria se faz um cristal amigo, espatifado ao mais suave giro da bailarina?  As relações virtuais são relações humanas, minha senhora. Gigabytes de sangue, suor, sorriso e lágrimas. Autossuficiência, no meu precário vocabulário, consiste em lidar direito com a temida bem-aventurada dependência do irmão ("ah, que bom que você veio e você chegou tão linda"...), e sem sofrer ansiedade. Comigo não, violão. "Junte tudo que é seu, seu amor, seus trapinhos, junte tudo que é seu e saia do meu caminho". Vá derreter seus cornos e sua indiferença no quinto dos infernos, Dona Thelmaligna! Vá-se embora e fique por lá, meu bem, refogando tamanha falta de jeito, como lhe convém, no sobrado do tinhoso, que é lugar bastante quente.


Para ela, que reconheceu-se na crônica, decerto. Estamos juntas. Aquele abraço.

10 comentários:

  1. Muito bem minha senhora !!! Gostei de ver o respeito às suas leitoras e a nossa relação virtual..."mandamos" ontem e hoje vejo que não escreveu na língua do patrão...obediente ! kkkkkkkkkk Bloguinho sendo levado pelos ventos de Cabo Frio...rs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vamos brincar de assinar os comentários, kkkkk? Suspeito de Evelyn, só suspeito, kkkkk...

      Excluir
    2. Abigobal...esqueci de me identificar...vc acertou! Bjo. Evelyn

      Excluir
    3. Hummm... O que dizer sobre isso, minha nega? Amei demais, minha nega.
      Me diverti muito como se sentiu "violada" pela danada da Dona Thelma. Como pode, esse ser humano romper esse laço assim? Tem coração?
      Adoro suas analogias, adoro essa forma simples, porém nobre de escrever, encantar, persuadir e elevar as nossas mentes em um estado de êxtase. Me divirto demais lendo-as e faço sem o menor esforço, quando apercebo-me... Ué já acabou? Só isso, minha nega? O bom é que toda semana tem uma nova, e não vá cortar esse nosso laço hein, minha nega? Não vá me deixar órfão!!! Ainda tenho muito o que ler dessa mente arretada!!!

      Excluir
  2. Ai aiai, como é que Dona Thelma se desprende dos outros assim? Pode ser descaso, ou um ato de coragem.
    Não tenho blogs, mas eu me fiz personagem dentro do texto. Estou diante do mesmo dilema de Dona Thelma. E nossa fuchiqueira abigobal, uma das mães que tenho (e que se cite as outras, pois são ciumentas: Patrícia e Lúcia...rsrsr), conseguiu traduzir a vida em texto.

    Beijos
    Gustavo

    ResponderExcluir
  3. Verdade, minha querida, os laços que se estabelecem através das palavras desse mundo virtual são eternos, talvez. Quem os escreve, jamais deve esquecer que além de alento para almas solitárias, as escritas também tornam-se hábitos, difíceis de largar. Por isso uma vez te disse ao pé do ouvido, nada de acabar com blog, ele é seu. Lembra-se?
    bjs

    Mônica Athayde (assinei, viu?)

    ResponderExcluir
  4. "Helena, mulher"! Se me permite, tenho outra suspeita: quem foi que ameaçou não entender patavinas caso vc concretizasse a ideia de escrever na língua do patrão??? Lembra? A propósito,grata por mais essa belezura!

    ResponderExcluir
  5. Tia, você é um E.T!
    Passei a semana pra baixo pensando nessas relações cagadas que existem por aí. E eu não estou me excluindo, ok?! Pra terminar de lascar, sou geminiana. A idade está me ensinando que a coisa pior do mundo é caminhar vazio... :/
    Bjinho
    Manu

    ResponderExcluir
  6. Ronaldo disse: É difícil compreender o rumo da vida em alguns momentos. Mas de uma coisa não se pode esquecer:Nada é a toa. Às vezes, o melhor parece ser o pior, e o certo aparenta ser errado, mas tudo faz parte, tudo contribui ao crescimento e tem um porquê.
    Viver vai muito além de explicações e ultrapassa todo e qualquer entendimento. Te amo, estamos juntos.

    ResponderExcluir
  7. isso chama-se cuidado com o outro, cuidando a gente esquece de si e das mazelas da vida... so olhando para o outro curamos nossa solidao e nosso vazio de vida e alma se vai. a arte do cuidado, é o sair de si... essa cronica foi bem budista..kkkk
    cuidando desse vinculo nos mantem unidos. e isso é muito belo e bom. cuidamos de ti tbem ao virmos aqui te ver.
    te amo, tia.

    ResponderExcluir