Isso do sujeito morar longe é muito complicado, a senhora
não acha? Eu sou muito do quintal de casa, toda vida fui, perdi cedo a fome de estrada, o fogo no rabo, a impetuosidade propulsora. Toda vida a mula empacou no batente da frente, toda
vida prevaleceu, sobre o nobre desejo de ganhar o oco do mundo – ah, ganas
cosmopolitas de ganhar o mundo, madame!, de posse do mundo, ganas de espanar as alas bien abiertas, conquistar o cume da
pequeña florecita libertad mariposa, rarará, barganhar algum
tolo, pragmático respeito, uma forjada, estúpida credibilidade – no coração da
minha vida besta, à pedra e precipício, em cima da hora h, prevaleceu mesmo the back yard, o esparramo à sombra do oitão; nem
sei se meus leitores conhecem essa palavra oitão,
tem um bar no Recife, tem ou tinha, vai ver fechou e eu não tomei ciência,
rarará, Oitão é o nome do bar, ou era, verei depois se ainda existe, eu frequentei
aquele espaço, o Oitão, pense numa birosca boa do pacato cidadão apear o
jumento, para o refresco das amídalas, um sonho isso do cidadão puxar a cordinha
e apear, para fins de molhar o bico, tomar um caldo, um trago, uma loura, uma ‘gelomática’,
diria o amigo Crisógomo, o maior apreciador de cerveja, de Campina Grande, da
Paraíba e do Brasil, rarará, um cálice, na companhia daquele parceiraço de bar, me
lembrei de Marcelo agora, Marcelo era meu amor de bar, rarará, Marcelo e eu
estávamos sempre mamados, duas doses acima dos demais meros mortais, a gente
sentava e bebia com pendor para encher a lata, numa disposição para discutir e resolver todos os
assuntos devidamente umedecidos (umedecidos umas tamancas, encharcadinhos da silva!), obviululantemente, tanto as mínimas pendengas
cotidianas, como os grandes, complexos conflitos da humanidade, uma coisa de
causar inveja, rarará, a gente bebia, bebia para cacete, bebia para arrumar as
ideias, quiçá escangalhá-las de vez, rarará, perder, sem cerimônia, o tampo do
juízo, quanta cachaça na minha dor..., em
volta dessa mesa, velhos e moços, vivendo seu normal, em volta dessa mesa,
existem outras, falando tão igual, em volta dessas mesas, uma cidade.
Farinha pouca, meu pirão primeiro: o céu e o sol do meu lugar. A genética aldeã
é bússola e compasso - favinhas contadas – cadeira vazia, o ninho reclama, meu
passado me condena: prisioneira do lar, nem me arrisco a prescindir de
regressar.
O bom de ser uma criatura entre as criaturas da Terra é a
gente andar por aí, tropeçando no calcanhar dos outros, experimentando de tudo,
atando e desatando, gostando e desgostando das coisinhas que só acontecem com
gente, me lembrei de Bruno Giga agora, Bruno é quem esclarece, muito bonito e
bendito: “Isso só acontece com gente! Você já viu, por acaso, um poste de rua,
alguma vez na vida, passar por isso? Não. Uma britadeira? Não. Um meio-fio?
Nananinanão. Isso é coisa de gente, Adriana! É coisa de gente...” Bruno é um
irmão querido, um parente de alma. Nessa
condição, na condição de irmão querido, Bruno envolveu-se, pau para toda obra, no
meu desalento, sem, entretanto, abrir mão do humor, da graça que lhe constitui
cada risível membrana. Bruno procurou, de todas as maneiras que há de amar,
serenar a minha angústia esganada, no meio dessa confusão toda com Ivomar – o susto
imenso, a U.T.I., a espera infinita pelo melhor momento para realizar o tal
procedimento delicado: o implante de stent
na carótida, o day after, um pouco mais
de espera, eu acompanhando de longe, aflita, tino desparafusado, perdendo a linha,
Bruno Clown ali, bufão brincante, batendo um dedobolão, demonstrando seu carinho, abraçando, aliviando, na farra, o peso da agonia. Acabo
de receber um telefonema de minha irmã, Tia Nilde, contando as novidades da
taba, historinhas que posso dividir com meus leitores do peito, é certo, sem
medo e sem constrangimento de ser a mais feliz (nem a palavra mais louca consegue significar tamanha felicidade!), pedindo licença para dedicá-las todas ao meu amigo de
todas as horas. Rola uma briga de foice em Recife, o povo se rasgando para
chegar num acordo sobre quem vai nos hospedar em abril, no feriado de São
Jorge. Tia Dau já mandou o recado: “meu apartamento está um brinco, troquei o
piso e troquei o guarda-roupa; dou casa, comida, roupa lavada e o carro na mão
de Ronaldo, com o tanque cheio na boca”, rarará! Tia Isis avisou que vai chegar
mais tarde, trazendo, a tiracolo, o namorado psiquiatra aposentado, rarará,
teremos, finalmente, o enorme prazer de conhecer o santo homem, rarará, cá pra
nós e pra torcida do Santinha, pro sujeito topar uma love story com Tia Isis, aquela figuraça kardecista da ladeira da folia,
rarará, tô pagando pra ver, esse sujeito deve ser mesmo uma figura... de cromo. Um brinde aos pombinhos enamorados, à panela e ao respectivo tacho, rarará! A voz de
Tia Nilde embargou somente quando ela mencionou o nome do nosso velho moleque
palhaço... Por um instante, Tia Nilde deixou o sal da lágrima expressar-se lento, pudera: “Ivomar
está muito bem, Adriana, passei o domingo com ele, conversamos muito, rimos
muito, ele pediu que lhe dissesse que vai ao teatro no sábado, ele quer ver a
peça de Manu com a gente, depois a gente vai sair pra jantar, fazer uma
bagunça, fazer festa num bar qualquer dessa cidade Dona Doida de saudade. Pode
sossegar, já pedi a ele para não morrer nunca, expliquei bem direitinho que a
gente não tem como viver sem ele, já disse que a gente não aguenta, ele achou
muito engraçado, disse para eu ficar tranquila, você também, que isso ele
garante. Ainda bem que você vem, Adriana, ainda bem que você vem... Quando comentei com ele, 'Ivomar, tu sabe que Adriana tá pra chegar?', ele me olhou com aquele olhar
só dele, olhar de cachorro que caiu da mudança, né?, Ivomar desatou a chorar,
chorou feito um menino, Adriana, feito um menino triste sem alento, conto porque fui eu que vi,
ninguém mais estava lá, conto porque vi, meninos, eu vi!, sei que você tem alma de acreditar!” O bom de
ser uma criatura entre as criaturas da Terra, fiéis leitores das fibras de mim, do meu peito convulsionado, o bom do ser é ser amado e, em igual medida, poder amar.
Bruno é uma figura de Cromo cravejada com diamantes negros, aqueles bem difíceis de encontrar. O cara sabe dar aula como ninguém. Os três últimos tempos da quarta passam que a gente nem se dá conta.
ResponderExcluirEspero que a viagem à Recife renda mais historinhas aqui pro blog. "Ladeiras de Folia" é inesquecível kkkkkk quero mais umas dessas! Mais mil!
Fico feliz pelas boas notícias sobre a saúde de seu irmão, fiquei rezando do lado de cá. Acho que deu certo hahahaha.
Só pra constar: que finalzinho emocionante hein :)tirou meu fôlego ~uma lágrima escondida no cantinho do olho também, mas não espalha!~
Gente besta é a imagem do cão, Philips, kkkkkkkkkkkk!! A gente é besta demais, hein, kkkkk?? Beijo.
ExcluirAdriana, Filipe,
ResponderExcluirEu é que sou um cara de muita sorte de ter a felicidade de topar semanalmente com gente como vocês. Vocês são gente da melhor qualidade. E, na qualidade de "fuchique addicted", posso assegurar: curto demais os dois, por escrito e ao vivo.
O problema e que, quando estou com vocês, aí é que o tempo passa ainda mais rápido. Que injusto, não?!
Bruno.