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domingo, 3 de março de 2013

Placebo

Passadas as duas semanas de dar em doido, duas semanas cinquenta vezes mais alvoroçadas do que a minha pobre indolentíssima alma teria escolhido, concedessem-lhe a terna possibilidade de preferir não realizar coisa alguma nessa vida besta, abrissem-lhe o justo precedente, nobre e doce senhorinha, e não dava outra, a minha pobre alma abocanhava para valer o osso, largava era nunca mais a moleza, lavava e enxaguava a mula manca; paz, quero paz e sombra, ninguém me amole com esse papo de emprego, não está vendo?, não estou nessa!, a minha alma, clara e obviululantemente, aponta os cornos para a cara do sossego. Na linha de frente, meu bem, labutando adoidado, rarará, a minha pobre alma já comeu o pão dormido que o diabo amassou, verdade seja bendita. Deus me livre da maldição de ser para sempre mais uma brasileira ocupada até a raiz dos cabelos progressivamente domados, vade retro para o quinto dos infernos, o cidadão morto de ocupado é um sujeito chato para cacete, vigiando os minutos e cevando as burocracias, ocupando muito espaço do singelo planetinha, octopus ocupadorum pesadão, desengonçado, vergado das mais inúteis responsabilidades, os venenosos, espessos tentáculos à solta, tocando horror, fúria indômita devastando tudo, restringindo ainda mais o tímido, o sacrossanto mínimo território de brincar do quintal da humanidade. Passadas as duas semanas de cão, experimentando um prazer quase sexual, rarará, retorno ao bloguinho dos meus amores, prezado leitor, que saudade que eu sinto da sua agradável companhia – indelével carícia, como sofro da falta de um bate-papinho frugal e inofensivo, essa conversa mole sem eira nem beira, bobagem por cima de bobagem, xerém que peneirando, vamos combinar, não inteira, da xícara de chá, sequer a metade.
Meu defeito é falar pelos cotovelos, assumo. Falar e escutar. Falo mais que o homem da cobra, emprenho pelos ouvidos, é de nascença. Esses dias, sinceramente, não escrevi um verbo intransitivo, logo eu, essa importante pessoa prestes a lançar um livro de historinhas para o merecido cochilo do ruminante, rarará, a propósito, recomendo cautela com despesas supérfluas, certamente desnecessárias, a senhora, fazendo a gentileza, gaste com moderação, minha senhora, pelo menos até o dia do lançamento (data, hora e lugar oportuna e devidamente divulgados no fuchique e nos quatro cantos do mundo, ninguém vai ficar de fora, tranquilize-se, madame!!), a senhora sabe que é de muito bom tom, uma elegância, prestigiar uma autora novata, criativa, sensível, estilosa, talentosíssima, rarará, adquirindo vários exemplares da sua primeira cria, há de haver aniversariantes ilustres na família da senhora, aniversariando, imagine só, por extraordinária coincidência, naquele mesmíssimo dia, rarará, sua honradíssima família conta com grandes apreciadores de uma interessante crônica digestiva após o jantar, existem também, como esquecê-los!, os tantos amigos queridos que a senhora pretende mimar, diga a verdade, além do mais, a senhora já leu, assaz, alhures e antanho, rarará, que presentear alguém com um livro é, indubitavelmente, o maior de todos os elogios. Enquanto Seu Lobo não vem, insisto na questão da tagarelice com pedigree, a minha e a do meu distinto interlocutor, pano de sobra para a vestimenta de hoje. Não é para me gabar, Deus me livre e guarde desse cancro do espírito, antipatizo de cara com quem se acha mais que a medida, a Coca-Cola do deserto, os pentelhos de Jane Fonda, tal e coisa, isso de se exibir é uma coisa muito feia, Dona Rita, minha saudosa mamãe, achava, aprendi com ela. Não é para me gabar, Deus me livre, mas a minha memória é fogo. Ainda ontem, no face dos desocupados, rarará, li, por acaso, uma frase, que não é minha, rarará, atribuída, por Luana, minha caríssima leitora, à minha humilde pessoa. Tudo tem de passar pelo músculo involuntário: o coração. Cinquenta por cento dela me pertencem, fato. O pedaço mais bonito, entretanto, surrupiei mesmo foi daquela canção não sei de quem, que conheço por causa da fantástica Marisa Monte: o meu coração é um músculo involuntário e ele pulsa por você, um dia eu vou estar contigo e você vai estar na minha... Tenho certeza de que o músculo involuntário é velho como o mar, tadinho, sorte tem o contribuinte que resgata a palavra certa, transbordante de significado de vera, no instante exato, de dentro do mistério azul do seu estojo. A bem-vinda palavra de outrora, alheia e requentada, sem contraindicação aparente, opera um milagre, desencadeia uma reação psicológica inusitada. Minha teoria sobre a intimidade com a palavra é simples de doer: dispa-se de qualquer preconceito, não se pode requisitar intimidade sem oferecer intimidade, a pessoa precisa desnudar-se, romper o invólucro do confortável, abrir os chacras para o outro, os discursos vão se abraçando, misturam-se, faz-se literatura. A pessoa precisa interagir profundamente com a vida, a vida vive de solicitar essa atitude audaciosa de olhar e de deixar-se olhar, de escutar e de fazer-se escutar, todos estão convidados, poucos atrevem-se ao pulo do gato, a exposição custa uma baba, é isso. As fofocas pululam, coçando-se para estrear no picadeiro. Conte um conto, aumente um ponto. O léxico circula por aí, na tela da TV no meio desse povo, nos quadros de aviso, nas paredes, nos semblantes, nas bocas, nas páginas, nos impropérios, nos silêncios, a partir da gente e por causa da gente. Às vezes, acredite, rio litros da sandice de suspeitar que o pobre homem que deseje produzir um texto completamente inédito, ai ai, vá sucumbir na praia, rarará, a senhora não tenha pressa, observe o derredor, esteja bastante atenta aos ruídos do verbo, minha senhora, aposto que a senhora perceberá, estupefata, que tudo foi pensado, articulado sem som, o seu enredo pode repousar recluso na cabeça, na palma da mão da sua vizinha, por exemplo, rarará, ela não pariu, sei lá, por absoluta falta de tempo. Ou de coragem. Quem se lembra dos detalhes do que vive estrada afora, sem paúra de um sangramento ocasional, o cara com memória de elefante, meu caso, modéstia à parte, com memória de elefante e meia dúzia de horas brancas, o cara torna-se respeitado autor de grife, rarará, no gênero ou subgênero que lhe apeteça. Recentemente, desarmada das unhas aos dentes, chamei um aluno para conversar comigo, andava doida para ouvi-lo, queria saber por qual razão desaparecera da minha sala de aula, mudo feito um poste, sem raiva, sem adeus, sem esclarecimento, estranho tanto essa conduta, não sei me relacionar assim com os outros, preciso dos dois com a mão na colher; apurei meus tímpanos, as pupilas, os sentidos todos, tivemos um encontro bacana, sincero, trocamos figurinhas raríssimas – os dois com a mão na colher, que não dá pé de outra maneira – sorri quando me agradeceu, disse-me que havia lhe dado um bom conselho, não compartilho, pois não me recordo do ensinamento, um fuxico sensacional, desses de render um romance, mas a minha memória é fogo, rarará. Agora danou-se a nêga do doce, onde já se viu? Se conselho fosse bom, meu camarada, se vendia; não se dava assim não, de cortesia. 

3 comentários:

  1. Não fazia ideia de que a tal frase foi baseada na música, rsrs. Conheço a música, mas acho que nunca prestei a devida atenção. Mesmo assim, isso não lhe tira o mérito, Dri, a frase ficou perfeita, escolhida no momento certo, na despedida de uma conversa no facebook, para ficar na cabeça, como um conselho, um conselho bom sim rsrs. Sempre lembrarei: Tudo, tudinho, tem de passar pelo músculo involuntário... o coração. E assim começamos a semana hein, uma boa semana, com muito amor, e espero que bem mais tranquila para nós duas!
    Bjinhos
    Luana

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  2. Esses últimos tempos têm sido de correria generalizada, pânico e ranger de dentes pra muita gente. Me inclua nesse pacote, por favor. Fim de bimestre né, fazer o que? Hora de pagar pelos pecados cometidos e não cometidos, com juros e correção monetária hahaha. Gostava da época que bastava estudar um pouquinho em casa e as coisas se arrumavam... Tempos áureos que não voltam mais. Espero que o esforço hercúleo de todo dia dê frutos lindos e formosos lá na frente. Estou ignorando a mula manca e correndo atrás da tal da felicidade.
    Essa feira de livros que têm todo o ano no centro da cidade tem como principal objetivo uma coisa: me levar à mais pura e profunda falência. É isso. Agora por esses tempos tem umas barraquinhas safadas lá de novo, me gritando quando passo por lá. Controlo-me, mais sou viciado em torrar dinheiro com livros, e como todo viciado, não me livro do vício, vivo apenas um dia após o outro. Só que meus dias pararam de andar e eu desandei à comprar de novo. A indústria literária deveria me agradecer. Fique tranquila, vou cortar os gastos supérfluos para comprar 248 cópias do seu livro, ele terá espaço garantido na minha estante. Um espaço sagrado, bem especial. Quero autógrafo e foto com a autora, já aviso. Já pensou no seu livro exposto numa barraquinha daquelas, ano que vem? Pois pense...
    Olha se recebesse um conselho seu, me sentiria importante igual aos pentelhos da Jane Fonda tá bom? Kkkkkk
    Um conselho e uma sacudida na alma não faz mal à ninguém, creio que as coisas vão se ajeitar daqui pra frente. O sumido vai voltar com tudo e mais um pouco, é o que esperamos né não?

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  3. Ótima crônica Adriana, sem muito o que dizer, seus maiores fãs já comentaram tudo e não tenha mais nada que eu possa complementar ou muito menos suplementar. Gostei muito dessa frase de autoria compartilhada... Realmente, tudo tem de passar por esse músculo, que eu não chama de involuntário e sim de estúpido. Palavras muito boas, mexeram com o meu psicológico, acho que o efeito placebo foi despertado, continuarei acreditando para que o mesmo se amplifique.
    Beijos Adriana, até mais.

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