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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Junho

Quem não pode Nova Iorque, Zeca Baleiro sabe e ensina, quem não pode Nova Iorque... Vai de Madureira, meus amigos e minhas amigas da Rede Globo. A gente viajou no feriadão do corpo de Cristo, uma excursão pra longe pra raio, o comboio foi bater em Grussaí, passei tanto tempo no sacolejo do asfalto, vi a hora chegar a hora de apear em Recife, haja vista a demasia de poeira e de demora. O lugar é São João da Barra, aquele do conhaque de alcatrão, achei simpático, afora um pedaço de terra acolá, que o mar tá recuperando na raça e na unha, o povo invadiu, construiu, a água pegou ar, arrepiou-se, veio com a macaca, varrendo tudo, a onda lambendo pau, pedra e beira de estrada, é o fim do caminho. Vi, da janela, uma singela amostra de Campos dos Goytacazes, terra feia do cão, bem que me alertaram, meu olhar exigente, acostumado às formosidades do meu rincão, benzadeus, fiquei abismada com tanta escassez de belezura. Acomodamo-nos modestamente num SESC honrado e decente, por sinal, pense num SESC gigante e multiplique por seis, é mais ou menos o tamanho. Dentro de quatro dias, a gente num viu metade da área cercada, pra onde se olhava era o mundo, o mundo sem porteira, visão de imensidão, o mundo, preste atenção, o mundo é um moinho, inté a vista se atrapaia, cansa e não alcança. O saldo do passeio é esse resfriado aloprado, três dias de febre já, moída de corpo e de alma, do cocuruto à sola do pé, a gente se arvora a cutucar coisa que não devia, só dá é nisso. Mas foi bom. Deu-se que o tempo virou, na horinha mesmo que a gente chegou na minha pequenina Grussaí. Choveu, choveu, a chuva botou seu barraco no chão. Choveu canivete, da quinta-feira até o domingo, por essa luz que me atravessa as carnes, pela graça divina. Pra onde se andava, tome-lhe aguaceiro. Eu, metida a cavalo do cão, pinotando pra lá e pra cá, feito uma jia acrobata, até hidroginástica fiz, ceguinha de pai e mãe, dentro da piscina, cada pingo dessa grossura, o dilúvio comendo no centro e o povo mais eu, com mais de mil, na atividade física regular recomendada, é cada doidice, que Deus me livre. Na volta, comprei um caminhão de vitamina C, jurava que ia dar certo. Qual o quê. Adiei a constipação bem uns quize dias ou mais, porém a bicha chegou foi estribada. Minha vida eu levo assim, de sol a sol, fungando, corizando e espirrando, desde que, para a minha pessoa, o mundo é o mundo.
Meu amigo Bruno me pediu uma crônica nova semana passada. Aposto o que não tenho na certeza absoluta de que meus leitores dispersaram-se tem é tempo, que ninguém é besta de ensinar caminho a doido, deitar na linha do trem e esperar por quem não vem. Confesso que andei desmotivada. Quanto mais leio, menos quero escrever, calçada de vergonha, a mais pura verdade. Ainda faço uma lista dos sessenta e três maiores cronistas de todos os tempos, Bruno encabeçando a supracitada, e dou esse caso por encerrado, ora bolas. Nem disposição para dar um trato na aparência desse blog eu tenho. Sonho com uma configuração minimalista, tudo às claras, mas não pego a vassoura. Tinha uma professora em Petrolina, coitada, que não devia bater muito bem da cachola, Elisabet o nome dela, de Português, uma das mulheres mais sabidas que já tive oportunidade de invejar, Bet me dizia que eu não era escritora por falta de disciplina, avalie a sandice. Nem se eu fosse militar, colega. Nem se eu fosse militar.
Teve um arraial porreta em Grussaí, isso no sábado da inundação. A gente chegou na festa num trem, uma autêntica maria fumaça linda de morrer, para ser perfeita a serpente de ferro carecia só de uma meia dúzia daqueles botes infláveis do Titanic. Teve quem ficasse nos chalés, debaixo das cobertas, os descontentes, que sempre os há... Eu não. Desembestei no terreiro, atolada na lama até as tranças, espanando a asa feito uma pata, farejando pamonha. Nem adianta eu querer saber por qual arte do diabo vim parar nessa cidade de arraial com pizza, espetinho e cachorro quente. Pra não dizer que não falei das flores, comi um pedaço de bolo de milho mais coca-cola. Não tinha café. Nem pra fazer um chá.
São João acende a fogueira do meu coração, é isso. Minha mãe era a maior especialista em comida de milho, que tive a oportunidade de invejar. Gastava muito do seu precioso tempo, esquecida das coisas da vida, ocupada em ornamentar, minuciosa, o alto dos pratos, com pó de canela. Fazia desenhos geométricos sobre as travessas de canjica, perguntando-me se estava ficando bonito. Será arte? Deixa chover, deixa a chuva molhar... Dentro do peito tem um fogo ardendo que nunca, nada vai apagar. Eu sei que é junho, esse relógio lento, esse punhal de lesma, esse morcego em volta do candeeiro e o chumbo de um velho pensamento. Boas festas.

Para Bruno.

2 comentários:

  1. Morri de rir, tia!!
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    "cidade de arraial com pizza, espetinho e cachorro quente"
    Putz como deve ser foda p um nordestino ficar longe da sua terra em pleno São João...
    E no final a imagem da velhinha mais linda do mundo decorando as canjicas com losangos perfeitos. Melhores do que os dos meus professores de calculo 1,2,3 e 4! Dona Rita era foda!
    Beijos
    Manu

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  2. Enfim, mais uma crônica formidável. Valeu à pena aguardá-la, ali, no pé do blog. Sempre vale! Grato pela dedicatória. Beijos, e "VIVA SÃO JOÃO!!!".

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