Só mudo de assunto por causa das sucessivas encomendas à
minha humilde pessoa, não sei o que deu na humanidade, todos desejam
reconhecer-se na lata ou nas entrelinhas do meu diário de bordo, tenho três historinhas
engatilhadas, apontadas para o coraçãozinho esperançoso de cada requisitante,
meu receio é desapontar a galera, perder o fio da espontaneidade característica
deste braço de rio da integração nacional, rá rá rá, temo é findar incógnita, hermeticamente
lacrada, chorando no leito as pitangas derramadas, com os mansos burros n’água,
sem açúcar e sem acesso à passagem secreta para o crivo do respeitável leitor –
a indiferença, a censura, a absolvição pretendida, ocasionalmente, negada. Minha saudosa mãezinha não tinha nada de besta,
não mesmo, enxergava além do horizonte, expunha a pamonha fumegante, a gente
ainda tateando as espigas para o strip-tease. Curioso como ela zelava por minha
boa imagem, apreensiva com meu verbo solto, suscetível, em boca fechada, mosquito não entra. Insisti na falação, deu nisso,
agora, desobediente, se arrebente!
Luciana, posta em desassossego, rá rá rá, quer que eu
escreva sobre ter quarenta anos, a bichinha está prestes a inaugurar a nova
idade, aquieta a periquita, Luciana, quem não fez quarenta, vai fazer, tudo uma
questão de tempo passado e presente. Malogro, rá rá rá, juro que esqueci, urge
aguardar a ginkco biloba surtir algum
efeito. Mentira, Lu. Sei muitíssimo bem a quantas andava a minha dor, a minha
alegria, quando virei a loba ali-babá dos quarenta ladrões. Sinceramente,
mulher, é um sonho de valsa dissolvendo no céu da boca. Toda mulher é, de fato,
uma loba, quando tem quarenta anos, se avexe não, a bronca é safada, os ganhos,
infinitamente superiores, são tantas as recompensas da gente ser dona do nariz
e do salto alto. Lembro-me de que dispunha de disposição para tudo, do direito
até o avesso, passando pela sala de aula e pelos ilusoriamente pacificados complexos
dos bares, dos lábios sôfregos, eita!!, do sexo sem nexo. A bem da verdade, enfrentei
três violentas crises existenciais, no decorrer desse folhetim barato, a minha
nada mole vida. Crises em nada relacionadas à consciência da cinza das horas,
hoje sei. Meu primeiro desmoronamento, deu-se quando era menina e fiquei,
subitamente, órfã, as mamães postiças, minhas irmãs queridas, combinaram de
tomar casa e constituir as próprias famílias, a coisa mais natural de acontecer,
saíram do meu alcance, praticamente no mesmo instante, adormeci no calor do
ninho, amanheci no sereno, insana e sozinha. Minha intimidade com o pranto vem
daí, quem me conhece, sabe, sei chorar choro desatinado, até com o sopro do
vento. O segundo abalo sísmico, o mais trágico deles, foi a perda de Seu Biu e
de Dona Rita, na minha curva dos trinta, uma mutilação seguida da outra, sem chance
da chaga aberta cicatrizar, a minha mãe me pediu perdão por não ser a minha
mãe, deu dois suspiros, depois morreu. Desnecessário descrever o sentimento,
quem desconhece, um dia vai sofrer, as favas estão contadas. Às vezes, minha
nêga, não dá nem para sacudir a poeira, a foice escapole, decepa,
prematuramente, pela raiz, o pé da bela flor recém-florida. Da ausência de
Cris, o meu amor profundo, nunca mais vou me recuperar, o futuro promete o alívio
que não consegue cumprir, cansei de, resignadamente, aguardar. O terceiro baque foi o diagnóstico
da artrose generalizada, acompanhada da velha artritezinha rara e complicada,
alojada nas articulações do extenso corpo desvalido, na sacro-ilíaca,
inclusive, porque eu sou chique, bem, quarenta e cinco dias de impressão da
ossatura esfarelando, dor física de endoidecer, dessas que o sujeito sequer
desconfia que possa vir a experimentar um dia, por baixo do tapete da pele, dor
de querer desistir de ser.
Sinto-a pronta para viver a sua melhor idade, esperar não é saber. Eu acho que o show
está recomeçando, sob nova direção, Luciana, a sua. A faca, a goiabada-cascão e
o queijo estão sobre a sua mesa. O convidado de honra chegou, no frescor da madrugada, o
a(o)caso já lhe apresentou, fez a sala. Fico feliz que você tenha mencionado filho, em um de seus recentes
comentários, não cometa o erro crasso de partir daqui sem contribuir com um
filho para a roda-viva do mundo, o giro do mundo requer pessoas e mais pessoas,
uma nova legião de gente boa, entre elas seu filhinho, da barriga, do coração,
da intuição, sei lá, um filho para amar, a quem contar fábulas de amor, um
filho para (des)orientar, que, de grandes intenções, o inferno anda
superlotado, né, rá rá rá? Ele saberá que você esteve sempre certa, quando ele
crescer... e aparecer. Eduardo contribuirá, decerto, com um pequeno e definitivo verso, como
faz Ronaldo, meu marido, que Deus escondeu debaixo das longas barbas brancas,
toda essa eternidade, graças a Deus, para ser o dono de mim. Um beijo. Boa
sorte.
Nunca imaginei a vida por esse lado. Os filhos se rebelam contra os pais, pensando que tudo é injusto, falso e antiquado e acabam virando a imagem dos pais quando mais jovens. Minha mãe sempre me diz que eu deveria ser um filho melhor, que "no tempo dela as coisas eram diferentes", bom, deviam ser mesmo, mas ela já foi como eu algum dia, tenho certeza kkkkkkkkkk
ResponderExcluirQuando penso que já esgotei minha cota de lágrimas por essa vida, me deparo com uma citação, tão sutil, tao delicada. Só magoa se a ferida estiver aberta né? Dedo fincado em cicatriz fechada nem causa desconforto, nem causa lágrimas. Sabe tia Drica, quando viajamos transcendentalmente pela mente e corpo de outras pessoas, imaginando como é sentir e ser alguém. Não sei se a senhora já teve essa sensação? Eu já, e é ruim demais. Fiquei hoje aqui, lendo e relendo essa parte, refletindo e pensando sobre cada letrinha que me chamou atenção, lembrei de tudo que fiz questão de enterrar, viajei na mente e senti o sentimentos de algumas pessoas.
ResponderExcluirPosso parecer insano, mas juro, que senti tudo isso.
E pode deixar, sou cabeça dura, mas escuto aqueles que tem mais chão pisado que eu.
Obrigado tia Drica.
Ótima crônica, como sempre.
Ninguém segura esses bebês!!
ResponderExcluirChorei, viu?!
ResponderExcluirNão sei que danado foi isso que as mulheres dessa família não quiseram procriar.
Eu agora ando apavorada com o tempo e querendo muito...
Lindo d+ tia!
Bjs
Manu