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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Tenda dos milagres

Estou de volta pro meu aconchego, trazendo, na mala, bastante saudade. Achava essa música muito da linda, depois tomei um abuso, que só vendo. Não podia ouvir Dominguinhos, a carinha mais deslavada, soltando aquela vozinha açucarada, no horário de propaganda política do safado do Joaquim Francisco, PFLista, PSDBista, cria de Arenista dos infernos, que que é isso, companheiro??,  lá na minha terra, isso em mil novecentos e guaraná de rolha, a campanha era para governador do meu glorioso Estado – o Leão do Norte, me lembro como se fosse ontem. Troquei de mal com Deus, com Alceu Valença, com Dominguinhos – artista direitista enviesado na minha estrábica mira, eu ficava fula da vida, uma besteira com pedigree, hoje canso de saber. Basta um dia atrás do outro, o intervalo de uma noite parda, o tapume do palanque vira um edema só, a casa da mãe Joana, vai adensando, dilatando o taco, acomoda rato, gato, cachorro e papagaio perneta, a política é a arte do possível, uma lástima. De volta pro aconchego, tadinha, não tem nada com a política, sobrevive de doçura, de ternura, de pura beleza, me alegro na hora de regressar, parece que vou mergulhar na felicidade sem fim, óbvio ululante que fiz as pazes com ela. A bem da verdade, a senhora bem que se embaraça no passo, pressinto, desde a primeira palavra escrevinhada. O ninho de passarinho, afinal, é carioca ou é pernambucano? É a estrada, minha amiga, é o meu lentíssimo caminhar. A tenda dos milagres estende a lona puída sobre o céu do meu destino insensato, here, there, any and everywhere. Prossigo, obstinada, intransigente, no encalço do apreço, farejo o coração de qualquer um, lançando laço, caçando tempo e espaço para o acolhedor abraço. Quando estou nos braços teus, sinto a vida descansar, quando estás nos braços meus, sinto o mundo bocejar... Aquela nuvem que passa lá em cima sou eu, mais o braseiro mambembe das fibras do meu regaço flamejante, assim seja.
Recife continua escandalosamente glamorosa, a incontestável soberana do frevo e do maracatu, de Jaboatão dos Guararapes até Olinda, passando por baixo de todas as pontes vestidas de gala, arrasou na indumentária de fim de ano. As luzes do Recife, dessa vez, são espelhos d’água, refletem a apaziguadora claridade sobre o tapete seda dos rios, ornamentam as esplendorosas tiaras suspensas sobre as corredeiras do Capibaribe e do Beberibe, a Duarte Coelho, a Maurício de Nassau, a Princesa Isabel, a Buarque de Macedo, a Ponte Velha da minha infância, trajeto obrigatório de volta para Candeias, as imponentes estruturas de ferro ancestral incandescente, tão familiares, súbito inéditas, todas eternizadas ali, ali para depois de 21 de dezembro, ih, transcendemos a data!, rá rá rá, para depois de mim e de ti, ali para sempre, vergando ao peso da mais bela e nobre História do Brasil. Pela primeira vez, sem entender a razão da delonga, coisas do mundo, minha nêga, fiz o passeio do Catamarã, aquele barco que leva o turista para ver a cidade do ponto-de-vista do peixe, uma travessia inesquecível, um deslumbramento para a retina fatigada. Esse lugar é uma maravilha, mas, como é que faz pra sair da ilha? Pela ponte! Aprenda uma coisa, minha senhora: uma coisa é a senhora macerar seus insípidos dias, corroendo os cascos por cima do solo da ponte, outra coisa é a senhora atravessar o arco-íris da vida, velejando por baixo do abrigo dessa mesmíssima ponte, a senhora pode confiar.
Levei uma mochila, trouxe duas para casa, inúmeros fuxicos cosidos à mão, muito bem escolhidos, dobrados com jeito, guardados com muito gosto, no fundo do saco, fios de tecido de todas as fragrâncias, retalhos de desfiar sem pressa, doce de comer mais demorado, para não enfarar, muito menos empanzinar meus simpáticos leitores, Santa Rita dos Impossíveis me defenda do inconveniente, nem pensar. Por falar em impossibilidade, esse dispositivo desengonçado e extravagante, essa engenhoca maluca que, na minha modesta opinião, se não deu pé, vai dar, tudo dependendo do seu grau de intimidade com a esperança, essa destrambelhada. Questão de tempo, questão de fé. Pretendo despedir-me de 2012 com o mesmo riso frouxo, com a mesma irrefreável alegria, que perde o sentido, agoniza, mas não morre, é cedo. O sobrenatural me surpreendeu com um inesperado encontro, uma experiência mítica, uma surrealidade no chão da praça. Na véspera do meu retorno ao Rio, esbarrei numa criatura tão querida, no Shopping Center Recife frango com trocentos mil encarnados dentro, um negócio inacreditável, entrei no Shopping e esbarrei na minha irmã. Somos duas irmãs de sangue, suor, amor e lágrimas, apartadas por um passado de agruras que ficou supurando, fratura exposta, somos pessoas de quem a lâmina da vida não teve compaixão, fatiou as vísceras, a carne nua, já sofremos tanto, nós já sofremos tanto, que atraímo-nos, feito um ímã, do nada florescemos, plenamente, uma diante da outra, simples assim, por conta do acaso de Santa Rita, para uma trégua, um afago, um amoroso abraço, no meio da multidão. Tenho para mim que Jesus Cristo nasceu foi naquele preci(o)so instante. Um brinde à vida, este privilégio absoluto.


Para Lili, minha irmã, pela feliz coincidência.

5 comentários:

  1. Que bom que você voltou. Saudades eternas do fuxique e de sua "agricultora". Viagens sempre são bem vindas, liberar o estresse, refletir, ver amigos, família. Tudo muito bom. Ansioso pelas próximas fofocas... rs'

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  2. Ronaldo disse: Fraterno abraço, afago de afeto. Sei bem que a estratosfera cósmica age em função do encontro. Somos a própria matéria física que Deus trabalha a cada momento - o barro nas mãos do oleiro. Somos apenas instrumentos nessas mãos. Nunca se esqueça nem um segundo, você é a mulher da minha vida. Te amo.

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    1. Dizei uma só palavra, Ronaldo Barroso, meu marido, e serei salva.

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  3. Tenho certeza de que, além de tudo o que trouxe, voltou com mais gás para enfrentar o dia a dia, para aguentar a gente, rsrs. Estamos felizes por estar de volta!

    Luana.

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  4. affffffffff chorei... lindo! Não sabia do final...
    bjs
    Manu

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