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terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Antimanhã

Nenhuma múmia se mexeu, nenhum milagre da ciência aconteceu. Todo capricorniano é mestre-sala em arruinar o caldo, rá rá rá, o sujeito pensa que deu o ponto, o cabrito sorrateiro mira o caldeirão do prato principal da caprichosa ceia, o rei está contente porque é Ano Novo, escorre telheiro abaixo, a pá de pimenta e de sal na sopa, o cozido fica pia. No meu glorioso nordeste de cabra da peste, a comida carregada no tempero, fica pia. “Vigia o molho, Mainha! Virgem Maria, minha filha, que errada foi essa?, o molho tá pia!”. Uma referência à pia batismal, talvez, nunca me aprofundei nesse assunto, não sou da patota da pesquisa, procurem saber vocês, perdigueiros de nascença, interessados estejam, logicamente, nada na marra deu pé, jamais dará, descubram como a história começou, escrevam-me uma singela cartinha, vou adorar. Nem todo capricorniano é pessimista, Luciana, minha linda sobrinha quarentona, rá rá rá, que, a propósito, ainda não leu a crônica encomendada por ela mesma para a minha pessoa, somos enta, quem aguenta?, rá rá rá, Lu é capricorniana sem ser pessimista, mais e mais otimista as time goes by, aposto meu baço que a culpa toda é da meditação, Lu é budista e meditadeira de mão cheia, um negócio espetacular para quem gosta. O namorido também medita a dar com o pau, noutras palavras, trata-se de uma relação escrita nas estrelas, flecha apontada para o centro da mosca do sucesso, três vivas para o Sidarta, a senhora pretendendo amarrar o burro na sombra e contrair núpcias e alguma enxaqueca colateral, minha senhora, vá logo procurando, entre vocês quatro, ele, você, a mãe dele e a sua, a estreita interseção, um alfinete de coincidência, uma nesga de convergência, demarque a área bem direitinho, mande benzer, cuide desse quadrado como se fora a Terra Santa, do contrário, nem tente.
Minha parceira de todas as horas, ‘Cibellita Perón que pasa’, rá rá rá, lembrou-se da gente, telefonou aqui pra casa, convidou-nos para o jantar da virada, Cibelle é assim, não tem mais para onde aquele grande coração intumescer-se, o músculo (pimba!) expande-se, cabem mais dois pesos pesados dentro, e com folga. Cib e Zé são duas generosidades entrelaçadas, emanando energia curativa para o mundo, precisam procriar, o quanto antes. O encontro foi maravilhoso, indefectível, mão na mão, pé no chão, os anfitriões ainda não se deram conta, mas estão casadinhos da silva, ninguém duvide, uma graça. Simples de doer, de dar uma agonia, ninguém dá nada por ela, rá rá rá, a coisa mais querida, a minha amiga (na vida é tão bom ter um amigo, meu Deus!), esclarecendo: comprei o pernil já temperado, Dri, dei um toquezinho só, suco de abacaxi com alho poró, preparei lentilha para dar sorte, uma farofinha, um arrozinho, saladinha, claro, temos vinho, cerveja, champanhe, você, querendo, Dri, traz o refrigerante, está pronta a festa. Levamos rabanada, a especialidade dezembrina de Ronaldo, sobremesa, aliás, assaz elogiada, Rona não brinca em serviço, o leonino, na beira do fogo, é fogo. Barriguinhas forradas, partimos para a praia das Dunas, esperançosos de assistir ao show pirotécnico, em sossego, ponto para o meu marido, uma ótima ideia, restara, na areia, um espacinho para quatro, de fato, sossego garantido, não fosse a avantajada pickup preta, apinhada de gigantescas caixas de som e de fluminenses mal educados, fluminenses sim, tenho certeza absoluta, que é isso, companheiros de caminhada?, uma zoada de trocar os alvíssimos montes de lugar, um bando de fanqueiros sem respeito algum (existe este aplicativo: respeito?), sem respeito por água, terra, céus, ares e gente, a humanidade movimenta-se de ré, quando se trata de enxergar o direito do outro merecer também uma rodela do planeta, brutal desrespeito do homem pelo homem, uma constatação medonha para o último dia do ano, vamos combinar. A pickup preta trouxe a irmãzinha clarinha, uma pickupona branca, com pedigree, trezentos e oitenta fanqueiros desembarcaram da dita cuja, a visão do inferno, rapazes, moças, crianças, inclusive, crianças, sobretudo, completamente desamparadas de pai e de mãe, eu, grávida perene, tive ganas de arrastá-las dali, acredite, crianças tirando foto no espelho pra postar no facebook, quicando a bunda no chão, rala a buceta no chão, rala a buceta no chão, julguei, por um instante, que os fogos, na noite escura, anunciassem o fim de tudo, um improbabilíssimo recomeço. Seu sexo é sua rosa, menininha, você pode tocá-lo, decerto, desbravá-lo, com as próprias  mãozinhas, que estejam limpas, isso é importante, é tão natural, pode fazê-lo, tranquilamente, a sós, na intimidade do seu quarto, no seu momento de aprender prazer, quando chegar o magnífico momento. Perdi o tom da conversa na hora, perdi o prumo, o jeito, a concentração,  perdi a recém-nascida alegria. Amanheci nauseada. Quantas vezes mais a minha esperança será posta à prova? Hipersexualização infantil. A exposição dos meus pequenos a essa degradação da pessoa é uma coisa que acaba com a minha natureza, falo sério. Todo capricorniano é especialista em arruinar o caldo, sinto muito. Os aquarianos, os piscianos, os geminianos e os librianos leitores da ocasião, por gentileza, postem, no espaço reservado a vocês, os mais belos, alentadores, otimistas, edificantes relatos da noite passada. São bem-vindos, são absolutamente necessários. Feliz Ano Novo.

MENINOS SÃO JOSÉ

Toda criança me arrebata,
toda criança, por me olhar,
me arregaça as mangas do amor
e dele, desse amor,
morro de emoção.

Há nisso mais do que o fato
de criança ser igual flor,
mais do que criança ser da vida
a metáfora das coisas
e seu verdadeiro valor.

Vejo José pousando sobre a casa,
as asas dele mudam o episódio lar.
Abraço o José em todo riso
e mesmo quando não o tenho no
colo todo o tempo...
evento de criança soprando a casa!

Eu fico com as pernas bambas
quando quem me aponta é uma criança.
José é Júlia, também Carolina, também Pedro, também Clara,
também Olívia, também Antônio, também Valentina, também Lina,
também João, também Luíza, também Nicolau, também Juliano,
Guilherme, Diogo, Jonas, Mayara, Vinícius, Leon, Natassia,
José é todas as galáxias de meninos,
porque são só verdades,
belas verdades,
límpidas eternidades,
futuros mundos.

Belas!
Tenho vontade de defendê-las
das injustiças dos ditos maiores,
dos esticados que,
aprisionados,
querem aprisionar.

Por todo o sempre e agora,
toda criança quando chora,
respondo- que foi?
Quem não te tratou direito?
(Toda criança, quando chora,
acho que me diz respeito.)

Quero as palavras delas,
a nitidez sublime das conversas
delirantes e sábias,
quero os descobrimentos que trazem
em sua transparência natural!

José voa na casa e eu pulso
no ventre como uma grávida perene, meu Deus,
(todo filho do mundo
é um pouco filho meu!)


Como me amolece o coração,
barulho som de grito de infância
no colégio de manhã!
Como é, para o meu frio, lã
uma mãozinha pequenina
dizendo pra mim dos caminhos...,
elazinha dentro da minha,
como o dia carregando a noite e seu luar,
e aquela vozinha sem gastar,
me pedindo com carinho e desamparo:
me leva lá?


Não mimem crianças ao invés de amá-las,
para não adoecê-las
para não encouraçá-las!
Não oprimam crianças na minha frente,
vou interferir, vocês vão se danar,
vou escancarar!

Não usem criança na minha presença,
tomarei o partido delas,
não terão minha parcimônia,
não vou compactuar!
Não cunhem nelas a tirania,
eu vou denunciar!

Sou maternal de universo,
mil crianças caminham comigo!
Sou árvore cuja semente
se chama umbigo.
Ai... toda criança
quando grita mamãe,
respondo: que foi?
(Acho que é comigo!)

(ELISA LUCINDA)

6 comentários:

  1. Você, como sempre, arrasando, minha amiga. Adoro seus textos. Não pare nunca! Quero ir à noite de autógrafos de seu livro. Tenho certeza de que você escreverá um com todos os textos maravilhosos que saem dessa cabecinha criativa. Um beijo!
    Verônica (RECIFE)

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  2. Já adianto que não aguento mais ouvir pagode o funk dos vizinhos, devo estar pagando os meus pecados de toda a vida nesse começo e fim de ano, eu colei chiclete no manto sagrado junto com você Adriana kkkkk. As piores letras, as piores melodias e a pornografia gritada aos quatro ventos de forma natural e exaltada me deixa constrangido, realmente. É a tal da vergonha alheia, você se constrange pelos que estão ali ouvindo e dançando sem dar a menor importância. Pelo menos minha virada de ano não foi regada a pornografia sonora gratuita, pelo contrário foi ao som do rei Roberto, não que eu o tenha escolhido pra playlist... kkkkk. Passei o réveillon com a minha família em um jantar na casa de amigos, era longe do tumulto dos funks e pagodes, mas não pude escapar do tal do rei, não ia sair mudando as músicas do rádio na casa dos outros né? E também acho que não ia adiantar, aquela playlist devia ser eterna kkkk ou era tão chata que tudo parecia uma coisa só. Mas no final das contas foi divertido, valeu a pena. Não perdi os fogos não! Ficamos na varanda observando-os, quase um camarote VIP pra ver 2013 chegando.

    Como sou muito curioso (metido à galo cego no "nordestinhês" da minha mãe kkkkk) fui procurar sobre "fica pia" e não achei muita coisa, a não ser uma referência em "Morte e vida Severina" de João Cabral de Melo Neto. Está na questão 3 deste simulado: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/banco_de_questoes/portugues/morte_e_vida_severina

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    1. Esse cara é você, Felipe, kkk!! Feliz Ano Novo, meu querido!!

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  3. Ainda vem me dizer que Funk é cultura??? Realmente fico indignado com essas músicas... Músicas? Não posso assim chama-las. Essas fezes sonoras... Bem melhor assim. Me enoja, desde pequeno sempre as repudiei, não tem melodia, não tem letra, não tem nada, é nada.
    Esses dias recebo um vídeo, no in-box do face, uma menina, de no máximo 7 anos, dançando: "O bonde das maravilhas" Fiquei indignado, pensando que um adulto estava gravando a criança dançando uma música podre e fazendo poses sensuais, como uma mulher... E o pior de tudo foi o desfecho da música "Dá queda de perna aberta". E a menina fez o passo.
    Já o meu ano novo foi bom, sem funk, sem rei Roberto Carlos (Graças a Deus). Regado de uma play-list que me agradava. "Forcei" a todos na casa da minha tia ouvirem "Diamonds", "We Found Love", "Stupid In Love", "Lost in Paradise" e inúmeras outras. Comi horrores e acho que consigo fechar a minha cota de 8kg pra engordar. rs'

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  4. Adriana, passando por aqui para recuperar o tempo perdido! Vou me atualizar nas crônicas! E começo pelo começo: a primeira desse ano. Desejo que 2013 seja muito bom para você e sua família e que seja totalmente contrário ao que você viu e ouviu na virada na praia. Acho um grande absurdo a sexualização de tudo e a banalização da sexualidade. E, principalmente, quando tudo isso envolve crianças! Prezo tanto a inocência das crianças e elas estão sendo alienadas dela cada vez mais cedo! Um absurdo! Ah, como você sabe, também sou capricorniano e ajudo a arruinar o caldo!! Rsrsrs!!!

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