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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Harpa, blush e camisolão

Quando eu nasci, veio um anjo safado, o chato dum querubim que decretou que eu tava predestinada a ser errada assim... De saída, minha estrada entortou, mas o meu anjo da guarda é brasileiro profissão esperança, sei tanto que ele não desiste nunca, que eu já nem lembro pra onde mesmo que vou, mas vou até o fim. Ele não é lá muito prático, verdade seja dita, e gosta de me ver viver perigosamente, mas, no frigir dos ovos, na hora do dá ou desce, aos quarenta e seis do segundo tempo, bem ou mal escapo... Fedendo.
Ontem nos encontramos, eu e meu marido, com um casal zen budista, ou coisa que o valha, gente da melhor qualidade, e a conversa ficou mesmo no âmbito da paz e do amor, paz e amor, paz e amor. Tergiversou-se consideravelmente a respeito de conspirações cósmicas, ocultismo, astros, quadraturas, ascendentes solares e lunares, terapias holísticas, resgates, mandalas, religiões de todas as fragrâncias, canga, zanga, sanga, enfim, esses assuntos dos quais sei menos que lhufas, não sei neres de pitibiriba, não sei mas gosto que me enrosco. Várias experiências místicas foram compartilhadas, aquilo que a gente acha que é coincidência e é Deus na fita, a conclusão a que chegamos, em uníssono, é a de que simplificar a vida é o caminho. Ao caminho, à verdade e à vida! Eu cá com os meus botões, só pensava no meu anjo da guarda. Tudo em mim crê na existência dele. Aliás, pelas estratégias operacionais, pelo jeitão de supervisionar e de interferir nos meus feitos e desfeitos, pela natureza da abordagem, desconfio que o anjo é anja, e já vou me lembrando de uns versos do Cacaso, Lucinha Lins (alguém sabe dela?) gravou tão belamente “dentro de mim mora um anjo que tem a boca pintada, que tem os olhos pintados, que passa horas a fio no espelho do toucador, dentro de mim mora um anjo que me sufoca de amor...” Onde a minha anja se recupera da canseira que  lhe dou, eu não faço idéia, mas a minha anja mora fora de mim, e me espreita. Uma das suas mais recentes proezas foi nos encaminhar de mala e cuia para a beira do mar, quando tudo parecia perdido. Explico: a primavera é uma menina-moça na flor da idade, uma menina incandescente com passarinhos em torno dela,  ígnea menina debruçada no parapeito da minha janela, esperando o momento de menstruar. A menina vai sangrar sol e as minhas articulações vão sossegar.
Quando eu pirei na batatinha e decidi me enganchar com um sujeito radicado em Nova Friburgo, uma cidade que, pelos meus cálculos, fica no Pólo Sul, isso porque eu li uma vez que o Pólo Norte é mais quente que o Pólo Sul, então Friburgo só pode estar lá, no Pólo Sul, quando eu me casei com o tal sujeito, a minha vida resumiu-se a matar e morrer por uma transferência para a cidade em questão. Sofri, chorei, blasfemei, tudo porque a diretora da escola nem me deu as horas, não quis nem saber se eu era branca, preta ou amarela.  Tenho de contar a vocês que faz uns cinco anos que me disseram que eu tenho uma artrite reumatóide rara, reumatóide e psorisíaca, misturada com uma artrose de pescoço, joelho e cotovelos, minhas juntas tão naquela fase do junta e descarta, pois bem, eu não pensava em nada disso, eu só queria ser feliz com meu marido em Nova Friburgo. As tentativas todas bateram na trave, teve dia de eu achar que tava mesmo perdendo o parco juízo que me restava, eu até sinto que perdi todo o meu pouco juízo naquela época. Quantos meses ou dias, agora lhes pergunto, eu sobreviveria dentro de uma geladeira? Alguém arrisca um palpite? Às vezes eu me imagino assim, essa paçoca de carne e de ossos desarticulados, um bago de jaca engelhado, agonizando no frio. Acontece que a minha anja não muito prática, do contrário seria anjo, demorou o maior tempão escolhendo o verão mais quente, o lugar mais paradisíaco, a praia mais linda, de areia mais branca de água mais azul, para enfeitar a noite do meu bem. Bastou um e-mail e o então diretor da nossa escola respondeu que eu era muito bem-vinda aqui. Bem-vinda, profe. Um golpe de mestre. Bem-vinda, prima alaranjada. A minha anja é ou não é o cão? De harpa, de blush e de camisolão! Se essa idéia brilhante não lhe ocorreu naquele intervalo entre a manicure e a esteticista, minha filha, eu choche. Caia um raio bem no meio da minha cabeça.

3 comentários:

  1. Ronaldo Barroso -" No creo en brujas, pero que las hay, las hay." Veja o quanto é simples, acreditar, não existe algo tão maravilhoso quanto isso. A magia de crer que é possível ter o amor, ter saúde, ter o lugar perfeito, as pessoas que também são tão maravilhosas. Te amo, sua crônica está maravilhosa.

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  2. Tudo acaba. Tudo permanece. Antes que a hora passe, revelo: Você é a minha razão de viver, Ronaldo Barroso, meu marido.

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  3. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    ter um anjo que é anja é foda! imagino o que ela não apronta de TPM!
    Adorei!
    Beijos

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