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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Puro preconceito

Segunda-feira, clara manhã de 5 de setembro, clara e fria pra danar. Onde eu moro existe isso de o sol ficar a pino, ensolarando sem esquentar. A mesinha do computador dá para uma janela, a dos fundos, sempre aberta, pra sorte entrar também por ali. As rajadas de vento gelado embalam a roupa lavada, secando no varal, a minha frente. As rajadas de vento gelado açoitam meus ombros, o colo, as minhas narinas e as minhas bochechas. Anunciam outra  gripe, ou será a mesma, misturada com uma sinusite daquelas que a pessoa quer morrer porque parou de respirar. Só me lembro daquelas mulheres daqueles países pacíficos do Oriente Médio, as que escapam do apedrejamento e podem caminhar pela rua, uns piccolos passitos atrás, de fuça coberta. Bem que eu queria nas ventas um paninho daquele agora. Meu reino por uma burca.

Depois da conversa com Ferreira Gullar, porque ele sequer suspeita, mas eu conversei litros com ele no sarau de sábado passado, e troquei todas as minhas figurinhas duplicadas por raríssimas pérolas negras, o que era para ser uma ideia concebida na quinta e abortada na sexta, vingou, actually. Ele disse lá, diante de todo mundo, que é pra qualquer pessoa que escreve escrever mesmo, virado no trem, pois muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos. Certíssimo. Quantidade nunca vai ser qualidade, num adianta. Com o advento do blog então, pense aí, só aqui na rua deve ter pra mais de duzentos cronistas. Absolutamente qualquer bestagem pode ser postada. Prestar e virar literatura já são outros quinhentos e oitenta e sete. Muitos são os chamados, poucos os escolhidos. Lendo poesia no sofá, ao lado dele, estavam mais dois, o Antônio Cícero, um escritor que dispensa comentários, ainda mais um comentariozinho mequetrefe que eu possa me arriscar a tecer, e uma mulher de vestido justo, muito, muito da arrumada, toda trabalhada na elegância, chamada Viviane, uma poeta, psicanalista, filósofa, professora, mestra, doutora, curadora, ela é um bocado de coisa, fez quadro no Fantástico, tem um monte de livro publicado, tem programa de rádio, escreve pra revista, jornal e o escambau. Engraçado é que quando eu cheguei, falei pro meu marido, aquela senhora tá precisando que alguém puxe o vestido dela pra baixo, tá vendo que ele tá franzindo e subindo quando não devia? Essa dama da noite era uma das supernovas do Café aquela noite e eu não sabia. Recitou alguns belos versos de sua autoria, que deviam ser bonitos, a audiência aplaudiu, efusiva. Ela não leu não, sabia tudo de cor, de coração mesmo, uns poemas imensos, sucuris no pantanal. Empertigou-se na cadeira, empostou a voz, mandou ver. Ela deve fazer cinema também. A questão é que eu não sei abrir meus chacras para o espalhafato. Essa coisa de vaidade é uma faca de dois legumes. O sujeito chama a atenção de cara, feito um pavão, é certo, mas dá trabalho a gente depenar o pavão pra conferir se a espinha dorsal sustenta na vera a tal alegoria. Uma fadiga implacável me arrebata, fico logo mouca. Se o assunto é poesia, minha filha, menos é mais. No trajar e no pronunciar. Glória Kalil tentou, mas nunca me ensinou direito como é ser chique, mas se tem uma coisa que eu aprendi com ela é aquela história de que chique mesmo é quem fala baixo. Falem baixo, por favor, pra que ela acorde alegre como o dia, oferecendo beijos de amor. Todo mundo sabe que na Grécia, isso para além de antigamente, assim como na escola da minha juventude, o poema a gente declamava mesmo era forçando demais as cordas vocais. Ninguém é doido de achar que o poema não diz. O negócio é que quando a gente lê o poema em voz alta, ele já é outra coisa, que é outra e mais outra, se a voz é alta demais. O poema fala no mais profundo e secreto silêncio. O poema cala. A leitura do poema é silêncio, no máximo suspiro. O carnaval jaz por dentro. Muitos são os chamados, poucos os escolhidos. Preconceito puro. Ou adulterado.

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