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sábado, 5 de novembro de 2011

Bicho-preguiça

E o blog?’, indagou o colega ontem, no Portinho Boêmio. Achei engraçado. Aonde a vaca vai, o boi vai atrás. De uns tempos pra cá, aonde vou, vai a pergunta. Em 87,9% das ocasiões, o sujeito não faz a mínima ideia do que eu apito aqui no espacinho de que me utilizo para as mal traçadas, o colega em questão, só pra citar um exemplo, nunca leu uma linhazinha sequer, tadinha de mim, nem vai ler, mas acho simpático isso do sujeito substituir ‘como vai?’ por ‘e o blog?’, quando o sujeito descobre que a interlocutora do momento criou um blog. O sujeito ouve o galo cantar num sei pra que lado, pega o bonde andando e manda ver: 'e o blog?', quer coisa mais gentil? O blog vai devagar quase parando, porque é do meu feitio realizar as coisas como quem desiste, mas não é por falta de assunto, as nanopartículas de acaso se multiplicam numa velocidade alarmante. A questão é que eu morro de preguiça. Preguiça e vista cansada. Quando eu morava em Petrolina, uma amiga do coração, a Bet, uma professora de Português muito da porreta, que cruzou meu caminho feito um raio, mas deixou uma lasca da blusa na minha cerca, digo isso porque nunca me esqueci das palavras dela, a Bet, certa feita, me disse que eu não era poeta por causa justamente dessa minha indulgência pessoal e intransferível, do meu laissez faire, dessa minha maldita indisciplina, vê quanta delicadeza. Indisciplina é ótimo. Outra pessoa da área, o gigante Bruno, também professor de Português lá do instituto, também tatuado na minha história, me assegurou semana passada, com a veemência dos seus dois metros e pouco, quem conhece o Bruno sabe que o cabra é grande, o Bruno asseverou, perante testemunhas várias, o meu talento para contar causo. Pelo bem pouquinho que entendi, dava até pra eu ser cronista, se quisesse. Fiquei exausta, só de ouvir. Dia desses minha sobrinha, num papo bom de praia, uma sobrinha minha que é doutora das psicologia, conhecedora dos subterrâneos das chagas do espírito, protestava, inconformada, pelo fato de eu empurrar meu mestrado com a barriga, sempre pra depois de amanhã à tarde, logo eu, uma criatura tão preparada. Tenho pensado cá com as sinhaninhas e a fileira de botões, que a humanidade inteira anda meio enganada com a cor da chita. Nem em dia de festa, eu cheguei perto de ser essa brastemp toda. Menina ainda, estudando mais ou menos mais pra menos, num colégio particular, um belo dia eu tive de ser das melhores, do contrário, já viu, perderia a bolsa. O dinheiro escasseou tanto na época, que era doce e se acabou-se. Ou a menina se dedicava, espremia os miolos até a última gota, ou virava aluna da rede pública, fadada ao fundo do poço. O fracasso profissional fora devidamente vaticinado pelos membros da família, viria a galope, isso se me sobreviesse um ofício qualquer de garçonete ou balconista, depois da desinstrução formal na escola do estado. É foda, mas é fato. Nessa hora eu me lembro da molecada desvendando os mistérios das letras e dos sons, sob os cuidados de Tia Ada, minha irmã, professora do estado de Pernambuco desde que o mundo é mundo, a maior alfabetizadora do Brasil. Acho que Tia Ada está muito bem, obrigada, na companhia de tantas outras professoras que revolucionam e dignificam o ensino público, entre elas eu, a imodesta. Cresci nesse ambiente 9.5, com essa obrigação odiosa, hedionda, de nunca deixar a peteca cair, de entrar de primeira numa universidade gratuita, de trabalhar cedo, de trabalhar de rachar, de ter grana pro meu sustento, etc, fui aprendendo a ler e a escrever, na língua pátria e na outra, sempre com a corda no pescoço, acumulava logo uma penca de 9.7, que era mesmo pra me livrar da aporrinhação de precisar consumir demais meus neurônios com assunto chato. Acometeu-me um esgotamento físico e mental que entrou pros anais de medicina como doença degenerativa incurável.
Há quem perca seu precioso tempo especulando, formulando hipóteses para essa minha falta de foco e de empreendedorismo, para a minha indolência acadêmica, para o meu evidente desinteresse pela produção de um gibi, que dirá de um livro, para a minha aversão a qualquer diploma, bem na linha “certidão é papel que não preciso não”. Minha irmã mais velha sofre desesperadamente, a pobrezinha, perdida em conjecturas. Eu mesma já gastei uma preciosa meia hora da vida nessa peleja de buscar uma razão. Quando a gente nasce, cresce, se reproduz e morre, isso tudo no meio de gente hiper, ultra, mega, superpoderosa, gente filha de Dona Sinhá, o meu caso, a gente pode ficar com medo de falhar em público, é aquele velho fantasma do julgamento alheio, de falhar diante de si mesmo, a gente não desenvolve nervo para lidar com a derrota, para elaborar o fracasso, compreender a marcha, sacudir a poeira e tocar em frente. Logo, a gente escolhe não tentar. Pode ser. Quando a gente nasce, cresce, se reproduz e morre, isso tudo na pressão de ser precoce, de ser adulta antes da hora, de ser  os pentelhos de Jane Fonda, a melhor, custe o que custar, o raciocínio desembesta, a inteligência emocional tropeça nos cascos, não acompanha, cristaliza-se ali, infantil, temerosa, desestruturada. Pode ser. Quando a gente nasce, cresce, se reproduz e morre, isso tudo resultante de um óvulo bem maduro e de um espermatozóide idem, a raspa do tacho, a mãe achando que entrou na menopausa, sem sonhar que está gestando, de novo, pela oitava ou nona vez, sei lá, há controvérsias, outra criança para o oco do mundo, a gente já vai se formando geneticamente predisposta à lerdeza, pequerrucha inerte, as celulazinhas sempre preferindo o repouso. Pode ser. Eu não sei de nada, sei é que aposto todas as fichas na opção preguiça sete estrelas com vadiagem autenticada e vale-vagabundagem com pedigree. “Preguiça que eu tive sempre de escrever para a família e de mandar contar pra casa que esse mundo é uma maravilha”. Faço a louvação do que deve ser louvado, na minha opinião, o mínimo esforço. Pra não suar, que eu adoro andar perfumada. “A preguiça não é de hoje, ela é desde quando se amarrava cachorro com linguiça”. Até onde meu entendimento alcança, meu jeitinho de ser e de viver não faz mal a ninguém, não maltrata um mosquito com tosse, ora bolas. Meus quatro leitores não têm pressa. Eles me amam assim. Espero.

5 comentários:

  1. ri muito com o final!
    dos seus leitores que não tem pressa...temos sim! Já estava ansiosa por texto novo.

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  2. Bote a preguiça de lado.Não devolva a pena ao ganso.Na nossa família, que tem de tudo,não tem ainda um escritor...rsrs.

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  3. Ronaldo disse...

    Concordo com tudo, até com os pentelhos da Jane Fonda, mas que é foda você deixar de escrever por tanto tempo, isso é. Um de seus quatro leitores permanentes.

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  4. A gente espera sim, tia, ah espera. Lembrei de Saramago em uma de suas frases bacanas: "Não tenhamos pressa. Mas não percamos tempo".
    Cada um com seu tempo e ritmo. E eu posso falar de carteirinha porque compartilhei do mesmo ambiente 9.5 que você. As vezes a gente precisa se dar um tempo. "A vida necessita de pausas" Drummond. Ou Adelia Prado: "Eu sempre sonho/ que uma coisa gera/ nunca nada está morto./ O que não parece vivo, aduba/ O que parece estático, espera". Mas ainda assim, concordo com a Bet, com o Bruno, com a sobrinha, com seus leitores permanentes, e com Saramago. Te amo muuito! Lu

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  5. Primeira visita...adorei...acho mesmo que Bruno tem razão. Vou deixar, pode me contabilizar nos leitores! Até o próximo.

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