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sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Vermelho cereja

Hoje, sexta-feira, excepcionalmente, não irei até o salão de beleza. Confesso a vocês que estou sentindo uma falta danada. Parece que o dia passou batido, pior ainda, parece que a sexta-feira gorou, não sei se o povo fala isso aqui, em Recife sei que sim, sei desde pequena. Sinto-me aprisionada na quinta-feira dos meus horrores. Quinta-feira é um dia bom e é um dia ruim para mim. É bom porque eu tenho aula de cantar, sendo cantar a segunda coisa que eu mais adoro fazer na vida, empatada com escrever besteira. A primeira coisa que eu mais adoro fazer na vida é nada, fazer absolutamente nada, de papo pro ar. A quinta-feira desanda quando entardece. É a hora de seguir para o trabalho. Meu humor muda com a cor do dia. Minha língua já arrastou no chão de tanto que eu já pedi aos meus superiores imediatos, para juntar minhas três aulas da noite, sem um pit stop pelo meio. O momento profissional vigente da que vos acode nesse momento da sua pessoa não ter porra nenhuma pra fazer, daí a leitura dessa crônica ruim das pernas, o meu momento profissional é aquele de ligar as turbinas, arrancar com mais de mil, na linha quem conseguir, que me acompanhe, e frear de vez, no solavanco, doida pra voltar pra casa. O que eu mais abomino numa sala de aula é esse negócio de recreio obstruindo o meu raciocínio, que, de uns tempos pra cá, só pega mesmo é no tranco, os meus superiores deviam suspeitar disso, provas cabais lhes dou, e muitas, o tempo todo. Desnecessário porque previsível como o calor de dezembro, é relatar que, depois do intervalo, o que fica é linguiça para a pessoa encher, eu não quero mais suar, nem eles, aprofundamos as questões epistemológicas subjacentes ao fato do gato beber leite, despedimo-nos lépidos e fagueiros, vamos brincar de brasinha, cada um na sua casinha, nossa brincadeira preferida. O mais é a sexta-feira, acenando, esplendorosa. A sexta-feira, o dia da felicidade. Eu sou uma criatura que não cria problema com horário, minhas solicitações são mínimas, facílimas de um coordenador bondoso atender. Eu só não quero trabalhar na segunda-feira, nem na terça pela manhã. Nem na sexta. Não quero trabalhar três turnos num dia só, a lei me garante que isso nem é legal. Não quero começar às sete horas da manhã, assim como não quero ficar na escola até às 22:50. Não tenho a menor condição de realizar meu ofício a contento, se o recreio se interpuser no meu caminho. Tirando isso, sou toda flores e amores. A direção de ensino é que me discrimina e persegue, sem dó nem piedade, deve ser por causa do meu sotaque, ainda abro um processo contra essa gente parcial e protecionista de sulista, eles vão ver só.
A minha manicure vai me atender amanhã, em edição extraordinária, ela me disse o motivo, mas eu me esqueci, pra variar. Não sei se é por isso, desde que eu me levantei da cama, com um dor de cabeça de rachar o quengo, diga-se de passagem, neosaldina virou suco de laranja aqui em casa, vai ver foi essa mudança brusca na rotina, tem uma música que, desde cedo, não me sai da cabeça doída, nem do céu da boca. É do Arnaldo Antunes, Gal Costa que me apresentou, chama-se Cabelo. “Cabelo quando cresce, é tempo, cabelo embaraçado, é vento, cabelo vem lá de dentro, cabelo é como pensamento”. Salão, manicure, cabeleireiro, cabelo. Meu cabelo já foi castanho escuro, isso antes de ele inventar de branquear. A gente da minha família tem essa desvantagem de ficar grisalha antes da hora. Longe dos trinta, eu já me aborrecia com a herança maldita. Me disseram que era bacana disfarçar com luzes, achei tão poético que experimentei. Usei reflexos enquanto pude, mas chega sempre aquele dia do cabeleireiro constatar que o fio precisa respirar. Eu, de morena, fui ficando gradativamente loura, condizente com 93,6% das balzaquianas da minha cidade. Há uma novidade fresquinha, fresquinha, feito aquele menino Michel, da primeira turma de Turismo da escola: a tal escova progressiva inteligente. Desde que eu me mudei pro Rio, faço escova de tudo quanto é fragrância, é london, é glamour, é raiz latina, semana passada foi uma que eu nem sei o nome, isso tudo por cima da tinta, que eu não dei na minha mãe na Sexta-feira Santa, pra conquistar prioridade na fila dos da boa idade antes da hora, só por causa dos cabelos brancos, ainda é muito cedo pra isso, Deus me livre. Quando surgiu aquela moda de cabelos ruivos na novela, vocês devem estar lembrados, a mulherada aderiu, eu também. Me lembro como se fosse hoje, tingi as madeixas de cereja, cheguei na escola crente que tava abafando, encontrei um amigo meu cearense, logo na entrada, perguntei o que ele tinha achado do visual, para mim tão surpreendentemente arrojado, moderno, atraente, eu tinha pra mim que eu era a fêmea mais fatal entre todas as fêmeas da orla do São Francisco, isso porque eu morava em Petrolina, pra variar. Meu amigo que eu não revelo o nome nem sob tortura, que eu estou  gata muito bem escaldada a esse respeito, me olhou de alto a baixo, fez aquela pausa de efeito e disparou: “Meu bichinho tá com uma cara de puta que só vendo, ...mas tá é bonita, visse?” Nunca me esqueci das bochechas rosadas desse meu querido amigo, muito mais rosadas depois do comentário, naquela manhã ribeirinha, as bochechas espremendo os olhinhos miúdos, da gargalhada uníssona, nós dois perdendo o fôlego, de um afeto tão profundo, dele me dando aquele abraço cratense antes de tudo forte, um abraço tão dele, profícuo e gratuito, carinho dele por mim e por gato e cachorro que lhe cruzasse o caminho, que aquele é um homem de amar qualquer um.  Onde estiveres, terás em mim uma amiga, meu amigo. Se não é tão somente para a gente encontrar os verdadeiros amigos da gente, para dividir com eles dois dedinhos de eternidade, apenas para retê-los pra sempre no coração e na mente, para que serve então a vida da gente?


Crônica dedicada aos que sabem que são meus amigos do peito. Daqui, dali, de acolá. Pra todas as horas, pro que der e vier.

3 comentários:

  1. Ronaldo disse: Realmente, concordo com esse amigo, quando a conheci, vermelho era seu cabelo. Ainda bem que a maturidade lhe veio para trocar o vermelho pela cor da sensatez. É assim, os amigos serão para sempre, sem importar a distância, o tempo, a cor. Somos nós a seguir numa estrada de variadas paisagens. Amo-te.

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  2. "Se não é tão somente para a gente encontrar os verdadeiros amigos da gente, para dividir com eles dois dedinhos de eternidade, apenas para retê-los pra sempre no coração e na mente, para que serve então a vida da gente?"..
    mt lindo!
    bj e otima semana p ti..
    Lu

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  3. sim.. essa foto eu conheço.. rssss

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