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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A estrada real

Freud ou Fred do Fluminense, não estou bem certa, o fundador da psicanálise, que eu já morri de fazer, mas continuo sem saber direito pra que serve, Freud ou Fred foi quem inventou essa besteirada toda de interpretação dos sonhos, ou coisa que o valha, isso em mil oitocentos e guaraná de rolha, salvo engano. O cara devia ser meio ocioso, certamente, porque levou o maior tempão, só nessas reflexões do onírico, pra descobrir, maravilhado, que parece que o que a gente sonha, e aí eu não sei se é no nível básico, intermediário, avançado, ou proficiency do sono, eu não sei se é na fase perereca, jia, rã, REM ou não-REM, o que eu sei, porque vi num honestíssimo programa de TV, é que a pessoa faz um esforço filho de uma égua pra reprimir e recalcar os desejos e anseios secretos e afins, abarrota o porão da mente dessas travessuras de ninguém ver, esconde tudo debaixo do tapete e das sete capas, aí a menina do sonho lhe rouba a chave-mestra, na calada da noite, destrava os intransponíveis portões de ferro, e, minha cara amiga Mônica, que, eu adivinho, lê este meu texto mequetrefe neste exato instante, a menina do sonho, Mônica, ela escancara o conteúdo censurado para menores. Escancara no privado, para você, que está sonhando, tremer e ruborescer ao despertar, lembrada dos mínimos detalhes, se você for de lembrar-se, e escancara para o respeitável público, se você for um pobre desafortunado que fala pelos cotovelos enquanto dorme. Aí, meu bem, você dá parte dos seus terrores noturnos aos vizinhos e a mim, corre o risco do assunto proibido ter registro no blog, se cuide.
Eu sou uma criatura que nunca na vida, nem em dia de festa, por mais desesperador que se anunciasse o desespero, na rua , na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapé, eu nunca perdi uma noite de sono. Minto. Perdi algumas, mas toda vida encarei tais perdas como ganhos, foram noites consumidas nas páginas de um livro bacana, na fumaça e no álcool, salvando a humanidade na companhia dos amigos de mesa de bar, os mais leais, na pista de dança, nas ladeiras de Olinda, achando pouco e querendo mais, na cama, partilhando o tesão e o carinho da ocasião, sofrendo todas as dores de amanhecer. Até velando os meus mortos na madrugada, eu ganhei. Ganhei guerra e ganhei paz. Insônia é uma palavrinha que só me serve para contar historinha alheia. Eu, quando me deito, se não é pra namorar, durmo feito uma pedra, dentro de sete minutos e meio, no máximo. Todo dia eu faço tudo sempre igual. Durmo e sonho. Pense numa criatura que sonha, essa criatura sou eu. Sonho colorido, sonho em preto e branco, sonho em Inglês, sonho que sou a Carolina Ferraz... É adormecer e sonhar. Batata. Acordo e posso fazer um desenho, de tanto que me recordo dos detalhes. Diz a lenda, lá em casa, que os meus sonhos são premonitórios. Em família, vira e mexe, aparece um me perguntando se eu ando sonhando com ele, é até engraçado. Isso por causa do sonho que tive com a mãe de Cris, minha querida irmã Tia Dau, dias antes da nossa menina virar meu sol da manhã, toda manhã, ainda que não haja um raio de sol. Aos que desconhecem o conteúdo desse sonho, segue o convite para a leitura de uma crônica anterior, a Lua Cris. Por causa também de algumas gestações que eu previ, muito antes das gestantes confirmarem o estado interessante via velho amigo Beta-HCG. O meu sonho mais impressionante de todos os tempos foi o meu sonho que me levou para a minha casa em Recife, no dia da morte da minha mãe.
Quando perdi meu pai para Deus, ele estava muito distante de mim. Eu morava em Petrolina, isso em 1996, quando os voos de Petrolina para Recife eram raríssimos, aconteciam apenas uma vez por semana. Meu pai tinha câncer, eu sabia, mas ele era um homem muito forte. Meu pai sempre me deu a impressão de que viveria eternamente, muito além  do horizonte, de tudo, de mim, incontinenti. A mais pura verdade. Um belo dia minha irmã Iêda me disse, ao telefone, que meu pai estava no hospital, muito bem assistido, apresentando um quadro estável. No outro belo dia, minha irmã Iêda, ao telefone, pediu que eu fosse pra casa, pra uma visita, pra ficar um pouquinho no hospital, perto dele, eu me acabava de aflição, recebendo as notícias, sem vê-lo, sem tocá-lo. Viajei doze horas de ônibus, pensando nesse encontro, para constatar, na chegada, que já fui tarde e atrasada. Contaram-me que ele recebeu sua morte, discreta e respeitosamente, como se recebe uma autoridade importante. Avisou aos filhos e à neta Manu, os que estavam em torno dele: 'eu vou morrer'. E morreu. Ele estava sempre certo. Vi o cadáver, toquei a face gelada, sem rastro de calor humano. Me consolei mais ou menos, tem hora que supura. Um ano e meio depois, em Petrolina, eu participava de um curso que não serve pra porra nenhuma, mas seu rei mandou e a gente participa, contrariada, um curso agendado para a semana anterior à semana da folia de Momo, uma completa sandice. Cheguei em casa aborrecida, numa terça-feira aborrecida, pensando nas extraordinárias prévias carnavalescas do Recife, doida pelo sábado de Zé Pereira, cheguei, tomei banho e dormi. Sonhei com meu pai. Sonhei que estava de saída da escola, já na porta, a secretária me chamava, afobada, pra eu atender o telefone, que era meu pai. Eu ficava muito surpresa porque ele estava morto no sonho, mas me telefonava, ele me dizia assim: 'Adriana, eu quero que você venha pra casa'. Essas ordens eram muito a cara do meu pai, ele mandava muito, eu quero que você faça isso e aquilo, eu desobedecia, me ferrava, pra depois confirmar que ele tinha toda a razão e todo o direito de mandar em mim. Ele estava sempre muito certo. No sonho, eu perguntei a ele: 'onde tu tá, painho?', 'Estou com sua mãe'. Eu disse 'que bom, pai, porque eu vou pra Recife sexta-feira, depois do curso, pro carnaval, a gente vai se ver'. Ele não quis saber de nada, ordenou, duro: 'Adriana, eu quero que você venha pra casa agora'. Acordei com aquele nó na goela, que desata quando a gente chora. No dia seguinte, quarta-feira, contei o sonho pro Serginho, meu amigo de Campina Grande, ele me olhou com aquela cara de homem bom, que ele sempre teve, me olhou e perguntou: ' e você não vai pra casa não, é?'. Foi o que bastou. Agarrei a bolsa, corri pra rodoviária, até hoje meu chefe espera um esclarecimento pra aquela saída tempestuosa, inexplicada, comprei passagem pra logo mais à noite, arrumei a mochila, me enfiei no ônibus às 19 horas, botei os pés em Recife às 7 horas da manhã do outro dia, minha mãe morreu em casa, dormindo, no mesmíssimo dia, quinta-feira, 6 de fevereiro, à noite, pouco depois das 22 horas. A vida seguiu, a vida sempre segue. Eu é que nunca mais me consolei. Tem hora que sangra.
A crônica de hoje me machucou um tanto, me deu um cansaço por dentro, uma vontade de madornar. Vou descansar o esqueleto, cochilar, pegar no sono. Nossa Senhora do Bom Bofe me conceda, quando eu estiver no ponto, a experiência subjetiva de teor manifesto, de sonhar um sonho possível, um sonho erótico-pornô do bom, com o Javier Bardem ('já dei meia volta ao mundo, levitando de tesão, tanto gozo e sussurro, já impressos no colchão'), que é pra eu gemer sem sentir dor, nem receio. O marido foi trabalhar, os cachorros não sabem do que se trata, permaneço essa que sou, uma mulher do lar, quase direita, acima de qualquer suspeita. "Eu criaria juízo, se alguém me dissesse o que ele come".

2 comentários:

  1. Ronaldo disse: Penélope Cruz que se cuide, e eu já vou comprar uma maletinha do 007 pra garantir o meu lado. Vixe que delírius extremus unção do casamentus. Deve ser a tpm. kkkkkkkkk

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  2. Impressionate esse seu sonho... Eu acredito de fato que foi ele que te avisou. Sinto muita falta do meu avô.
    Beijo, com carinho, pela alegria das lembranças compartilhadas. Lu

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