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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A italiana de Madureira

Informação fresquinha, fresquinha, feito professor Sérgio”. Era Hamilton, meu professor de matemática, isso em mil novecentos e oitenta, zoando o outro professor de matemática, Sérgio Costa, na aula de matemática. Sempre que Hamilton queria contar uma novidade, sobre qualquer coisa, ele começava assim: “informação fresquinha, fresquinha, feito professor Sérgio”. Eu nunca me esqueci disso. Onde andam, por falar em saudade, não sei. Parece que os dois enriqueceram, lá por Recife, Hamilton virou dono de escolas, as escolas viraram faculdades, hoje em dia tem muito isso de faculdade pipocando pelas esquinas, fecha uma, inauguram logo dezoito, para compensar. Hamilton era um rapazote imberbe, na época, as meninas todas apaixonadas por ele, eu, inclusive. Sérgio também era um menino, e não era gay coisíssima nenhuma, era só esculhambação de Hamilton, um palhaço de carteirinha. Sérgio virou um político importante lá pelo nordeste, o filho dele, também Sérgio, virou um político até muito mais importante do que ele, nunca soube direito por que a frase grudou na minha cabeça, até hoje me pego repetindo essa besteira, só faço mesmo trocar o nome do professor Sérgio pelo nome do veado da vez, tarefa das mais descomplicadas, vivo cercada de veado, quem não sabe. A gente nunca entende direito que alquimia incrusta um professor na memória da gente, no meu caso, os desmantelados e irreverentes de plantão são sempre o espelho, coisa que, aliás, eu nem precisava escrever, quem não sabe. Acabei de me lembrar agorinha de um pedaço de vida em Petrolina, quando trabalhei aos sábados, à tarde, isso porque não me sobrava tempo de segunda à sexta, eu tinha de dar conta de duas escolas, quem me vê assim na gandaia, só 'azeitando o eixo do sol', expressão que é sinônima de 'à toa', isso lá pras bandas do meu Leão do Norte, quem me vê na gandaia, pensa que eu toda vida fui vadia, nem chegou mesmo de leve a perceber de que tecido me fiz, mas a banda não tocou sempre assim não, meu senhor e minha senhora, já teve hora de eu pensar que ia desparafusar de vez, de tanto trabalhar nessa minha vida bandida, e era trabalhar para ajudar, essa palavra de luxo. Meu pai, no dia em que eu ganhei meu primeiro salário e decidi que finalmente teria um relógio de pulso, que eu achava um negócio esplêêêêndido, meu pai me disse logo, sem pensar nisso de trauma psicológico, naquele tempo não existia isso, pela graça divina, ou, por outro lado, se existia, meu pai não queria nem tomar conhecimento, meu pai me disse logo que era para eu começar a ajudar a minha irmã, que ela tinha feito de um tudo por mim, que a hora de começar a ajudar era aquela, a hora de eu me mostrar agradecida e reconhecida e ajudar. Nunca entendi direito que alquimia incrustou o verbo ajudar na minha memória, desconfio que foi porque naquele tempo o pai mandava e a gente obedecia, era simples assim. Hoje existem as psicologias, as psicopedagogias, existe a psicanálise, a parapsicologia para a normalidade e a paranormalidade em si, a coisa ficou um bocadinho mais complexa, mas foi tudo inventado com a boa intenção de salvar a sua vida, acredite. Só sei que foi assim, ajudo quando o sujeito pede e quando o sujeito nem pede, por precaução e para ganhar uns pontinhos no andar de cima, quem sabe. Em Petrolina, no sábado à tarde, isso em mil novecentos e noventa e sete, num calor de rachar a beira do pote, a minha importante aula de Inglês evoluía fisicamente, justamente entre uma aula de química e uma aula de física, concomitantemente, as três salinhas uma juntinho da outra, um bibelô. O professor de física, Ricardo, lá pelas tantas, organizava um coral com os alunos, uma raça safada que não valia um tostão furado. De repente, não mais que de repente, começava aquela cantoria, a plenos pulmões: “Alci, Alci, Alcinézio, Alci, Alci, Alcinézio, Alci, Alci, Alcinézio... Que nome feio da porra!” Alcinézio era o professor de química, o cara ficava puto, na outra sala, eu no meio dessa maluquice, rindo de perder o tom, eu e meus meninos, uma farra de seis meses que me ajudou a aliviar a imensa dor da ausência do meu pai, recém-falecido na época, meu querido pai, justamente o homem que me ensinou a ler, escrever e sentir o verbo ajudar. Rio incontrolavelmente agora, dessa história antiga, para vocês fresquinha, fresquinha, feito meu amado, idolatrado cabeleireiro Cavanellas, mãos de tesoura.
Fresquinha, fresquinha, feito meu outrora amigo Marcelo, é também a informação que ora compartilho: minha cafeteira italiana derreteu. Hoje eu desci estalando por um café, passei um fresquinho, adocei o meu, trouxe a xicrinha pra mesinha do computador, que eu precisava conferir meu cartão da lotérica, ando obcecada com essa ideia incrustada no meu juízo, eu preciso ficar rica, eu preciso ficar rica, a minha tolerância com os desmandos dos comandos em ação da administração pública chegando muito perto de zero, inconformada com a inutilidade do ponto eletrônico, com a institucionalização de uma coordenação de turmas equivocada até a raiz dos cabelos, discordo uterinamente desse monitoramento, por uma questão de princípio e de filosofia de vida e de morte, enfim, corri pro computador, inventei de contar um causo, me entreti, roxa de rir, quando vi foi a fumaça subindo pela janela. Pensei que era gente na rua queimando lixo, prática comum na vizinhança, gargalhar tava tão melhor que investigar, nem liguei. Do nada, me assaltou a remota lembrança, Jesus misericordioso, a cafeteira! Deixei o fogo aceso, quando a gente ama é claro que a gente cuida, só pensando em manter o café quentinho, fazer uma graça para o marido. O ferro de engomar derreteu não tem nem quinze dias, agora ela, a bichinha, comprada faz um mês. O passado presente e o presente ignorado, até onde eu sei, eis a melhor definição do alemãozinho que existe, mas deixa quieto. Do alto da escada, Ronaldo já declarou que já registrou a promessa em cartório, com firma reconhecida e o diabo a quatro: 'Ronaldo, eu vou achar outra igual, meu amor, nem que eu vá pra Sardenha e volte hoje ainda, pra aula da noite, pode confiar'. Isso porque a infeliz da cafeteira foi despesa dele, tenho a leve impressão de que custou uma dinheirama, mas estou é me pelando de medo de perguntar quanto. Meu todo poderoso São Genaro da Toscana e da Calábria, padroeiro dos desvalidos desmemoriados, há de me ajudar a encontrar uma irmã gêmea siamesa dela, sou tão generosa, minha Santa Gema de Veneza háverá de me valer, que eu haverei de merecer. Encontrar não é nada. O milagre vai ser conseguir pagar a bandida no dia 24 de novembro. Meu salário acabou faz é tempo.

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