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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Elo

A luta continua. Luta contínua a nossa, aos mestres, com carinho. Tenho muito orgulho da minha desprestigiada profissão, nem sabia o que era isso de ser gente, queria ser professora. Já era. Meu passatempo de criança solitária, ensinar as coisas às coisas, que não me recordo de amiguinhos em casa, convidados a passar a tarde para brincar comigo. Vem daí, suponho, o vasto lapso de memória. Recordo-me pouquíssimo dos meus tempos de garota interrompida, parece que nasci moça feita, abriu-se um intervalo negro pelo meio do caminho, não deve ter sido muito bacana a minha infância, haja divã para tanto esquecimento. Quando pensei em ser feliz, infectaram-me a pele jovem, a boca em flor, o virgem ventre, gangrenei, apodreci, sem açúcar e sem afeto. Reivindico, portanto, às autoridades competentes desta nação descarrilada, e a qualquer um, respeito para com o meu inalienável direito de viver e morrer moleca, sambando na lama de sapato branco, gloriosa. Registre-se, publique-se e cumpra-se. Assim seja.
Recebi, frouxa de rir, o convite de casamento da minha colega Alba. Troquei o nome, vai que ela cisma de visitar o blog, nunca se sabe de onde eclode um novo leitor, as paredes têm ouvidos, melhor não correr mais riscos do que os riscos com ao quais o correr da vida nos brinda, em toda esquina, a todo instante, desejemos ou não. Gata escaldada, aprendi a tergiversar.  Alba me disse uma vez, paramentada da mais absoluta certeza, que jamais cometeria tal sandice: casar-se. Acho engraçado isso das pessoas saberem tanto dos seus destinos, tenho uma inveja incontida desses espíritos operários- engenheiros e arquitetos -, talentosíssimos, obstinados, construindo o futuro conforme a planta, meta sobre meta. No que se refere a foco e à disposição para a implementação de projetos pessoais e profissionais importantes, minha senhora, até desconfio que, por causa mesmo da interferência do meu ascendente sobre o meu signo solar, sou um desastre com PhD, uma patinação de dar pena. Pois Alba não tem palavra de rei, qualidade que muito aprecio numa pessoa, ela voltou atrás, vai amarrar o burro na sombra, uma grande decisão, sou uma distinta senhora muito da bem casada, no civil e no religioso, e não tenho do que me queixar, meus votos de igual felicidade para os nubentes. Recomendo, apenas, se me permitem,  que o casal providencie um cachorro para os momentos de crise, é um santo remédio. Farei o possível e o impossível para comparecer à cerimônia, eu mais meu marido e os lenços de papel, Alba pode apostar. Quando, por insistência de Ronaldo, deixo claro, começamos a preparar tudo para a nossa festa, uma trabalheira dos infernos, pipoca de despesa para todo lado, Alba sabe demais do que estou falando, divergimos muito sobre data, hora, som, flor, cor e sabor. Concordamos, entretanto, numa vontade cristalina: a gente queria o salão repleto de amigos. Nossa lista de convidados não cabia dentro da nossa alegria, era convite a dar com o pau, e eu fiz todas as entregas sozinha, ele morava em Friburgo, as pessoas me perguntando quem tinha desenhado aquela coisa tão simples, bonita e criativa, eu, me desmanchando de orgulho, ah, o convite foi presente do meu sobrinho, ele que idealizou, é um artista, esse menino! , me lembro como se fosse hoje.
Afinidade é o parentesco que se forma pelo casamento. Você pode apontar uma arma para o meu cocoruto, que não vou dizer quem escreveu esse texto que li, dia desses, sobre a afinidade, ficou a mensagem, evaporou-se o nome do autor. Procuro depois, postarei na íntegra, se a preguiça consentir.  A afinidade, sua soberania, seus mistérios. A afinidade independe de temperamentos parecidos, de personalidades irmãs, a afinidade pode muito bem estabelecer-se no campo das diferenças e dos  contrários, por que não? A afinidade aceita.  A afinidade, muitas vezes, dispensa a convivência estreita, cotidiana, a profusão de abraços e beijos vazios de ser.  Alba e eu nem somos amigas do peito, verdade seja dita, mas existe este invisível cordão interligando-nos, um olhar afim sobre consideração e amizade, um jeito coincidente de interagir com o próximo e o distante, apesar de tudo. Um vínculo precioso, saberei honrá-lo.  A vida é uma caixinha de surpresas, surpreendendo a gente, a todo instante, em toda parte.

3 comentários:

  1. É incrível!! Falei sobre afinidade na terça-feira durante a reunião do cênicas. Uma coisa é vc dividir o palco com quem tem afinidade, outra coisa, bem diferente, é dividir o palco com quem não tem. Isso não deve interferir na atuação, mas é com quem tenho afinidade que vou comer um sushizinho assim que tirar a maquiagem e sair do camarim. Isso serve para a vida real tbm! Aliás, o que não é real?!
    Bjs tia! ;)
    Manu

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  2. Você escreve muito bem, uma leveza impressionante nas palavras!
    Felipe

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