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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Estrela

Você veja mesmo o que a vagabundagem não é capaz de promover dentro da falta de juízo do juízo de uma pessoa. A vagabundagem, ontem, hoje e para sempre, será o pai, a mãe e a madrinha de todos os vícios e virtudes da humanidade, daí a ferrenha defesa da que ora dirige-lhes o verbo capenga, no que se refere ao prevalecimento e à primazia da minha, sobre todas as coisas importantes da vida, até o dia do meu risível desencarne, amém. Risível, decerto, porque isso da pessoa viver a vida e morrer no melhor da festa, cá para nós, parece brincadeira. A pessoa tem todo o direito de desacreditar, ninguém precisa engolir tamanha conversa fiada, a conversa fiada, a propósito, resulta da salutar e profícua vadiagem humana, constituindo, em parceria com a radio e a quimioterapia, o mais poderoso aliado no combate ao câncer de próstata, mama, útero e afins, não sei se sabem. Não se trata de conversa para boi dormir, no dia que eu mentir o mundo se acaba, em uníssona gargalhada: meu dileto amigo, o gigante Bruno, caçando arte, no lugar de arrumar uma lavagem de roupa, telefonou-me, dia desses, na intenção de encomendar uma crônica, o palhaço. Olhando assim de relance, a pessoa não dá uma pataca de cartaz para os dois desengonçados metros do gigante Bruno. O gigante Bruno é, entretanto, cinquenta e três vezes mais cronista que eu, além de contista de mão cheia de imaginação e de poesia. Uma mente ociosa é a oficina do diabo, a de Bruno vai pegando no tranco, liberada para pensar asneiras infinitas, em função da greve dos servidores públicos federais da educação, aquela peleja interminável, na medida exata do descaso do governo, o governo anda sempre mais preocupado com assuntos mais prementes e edificantes, uma piada. Bruno, do ápice do balanço da cadeira de balanço da sua falta do que fazer, aciona o fairy-tale delivery, quer que eu discorra sobre a grandeza da gentileza de um simples sorriso, logo ele, de cujos lábios emana a nossa bem-aventurada graça cotidiana, avalie  o sem cabimento do pedido sem sentido.
Questionado pela minha pessoa, quando nos casamos, sobre as minhas grandes qualidades, mulher é um bicho esquisito, especialista em mexer em vespeiro e cutucar a onça, Ronaldo me disse um negócio sobre a minha pessoa, que me deixou deveras surpresa e satisfeita: “você é muito boa e tem muito senso de humor, gosto disso”. Numa manhã de sábado, em Nova Friburgo, num sinal vermelho, tive a oportunidade de conhecer a ex-mulher do meu marido, sobre quem sempre tive uma informação apenas, no conceito dele: “ela é muito bonita”. A ex-mulher do meu marido é muito bonita, meus olhos viram, impossível discordar. Muito bonita e absurdamente feia, pois não sorri nem por um decreto, emparelhada nessa característica de temperamento, com uma meia dúzia de coleguinhas meus e de Bruno, lá do estabelecimento de ensino onde labutamos, pobrezinhos.  Conversamos eu e ele, Ronaldo, bem entendido,  horas depois, sobre o seu pouco talento, o da ex-mulher, bem entendido, para a irreverência.  Nunca mais toquei no assunto, que não sou besta, escolho enterrar a prosa. Vem dessa experiência, no entanto, uma das minhas precárias, ínfimas certezas, uma certeza absoluta, robusta e redonda: simpatia é generosidade, assim como generosidade é simpatia. Só mostra os dentes quem é bom o suficiente para reconhecer-se no outro, homem entre homens, igual nas venturas e desventuras de estar vivo, nem no início, nem no fim, no meio da caminhada de um mais um, irmãos que somos sobre a face da terra. Sorri quem não teme perder. Sorri quem, definitivamente, desaprende onde ficam os limites do íntimo, do pessoal, do social e do público, misturando as estações, sem pudor e sem pavor. Sorri quem padece da dor alheia, sorri quem celebra a vitória alheia. Quanto já se ensinou que menos músculos contraem-se para um sorriso que para um franzir de testa... Tanto já se estudou sobre as substâncias liberadas pelo cérebro no instante da emoção que desencadeia um sorriso aberto, um ruidoso e epidêmico  gargalhar. O sorriso anui, aprova, consente. O sorriso desarma. O sorriso abre a guarda. O sorriso convida. O sorriso acolhe.  O sorriso descerra as portas do entendimento. Deveria ser fácil, mas não é. Desde que o mundo é mundo, o mundo é dos competidores individualistas e sérios, para quem uma distração é um passaram-me a perna, um açoite, os focados e compenetrados até as raízes dos poucos fios que lhes restam no quengo borbulhante de metas e ambições desmedidas. Ninguém consegue vencer na vida, levando a vida na valsa, sabe não? "Muito riso, pouco siso", disparava Dona Rita, minha saudosa  mãe, quando uma galhofa ocasional ultrapassava todos os limites da minha infância triste. Vai ver é isso, a velha infância triste faz da gente um gozador inconsequente, desavisado.

Estrela

(Gilberto Gil)

Há de surgir
Uma estrela no céu
Cada vez que você sorrir
Há de apagar
Uma estrela no céu
Cada vez que você chorar
O contrário também
Bem que pode acontecer
De uma estrela brilhar
Quando a lágrima cair
Ou então
De uma estrela cadente se jogar
Só pra ver
A flor do seu sorriso se abrir
Hum!
Deus fará
Absurdos
Contanto que a vida
Seja assim
Sim
Um altar
Onde a gente celebre
Tudo o que Ele consentir

2 comentários:

  1. Cheia de trabalho para fazer, mas não aguentei...dei um jeito de vir logo me atualizar! Adorei. Demais. Um sorriso - do tamanho do Bruno - pra você !!! rsrs

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  2. Beijo grande com um sorriso do tamanho de meu amor por você.
    Ronaldo

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