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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Epígrafe

“Eu não sou eu, nem sou o outro, sou qualquer coisa de intermédio”... Numa festa imodesta como esta, vamos homenagear todo aquele que nos empresta sua testa, construindo coisas pra se cantar. Três vivas para Adriana Calcanhotto, xará com pedigree, por tanta emoção, tanto tino, tamanha bem sucedidíssima ousadia, pintando o sete com a nobre palavra de pluma e de chumbo da bichinha complicada com poesia não menos densa, rá rá rá: Mário de Sá-Carneiro, minha senhora, poeta gigante, regulando mais ou menos a estatura do Pessoa, gosto da pessoa no Pessoa e em Sá-Carneiro, sei que a poesia está para a prosa, como o amor está para a amizade. Adriana Calcanhotto, uma mulher do calibre de um trem, linda e lésbica bem resolvida, pela graça divina, fazendo o diabo com a bichinha complicada, noites de redentora loucura, mais um concerto que eu gostaria de haver sorvido, gota a gota, verso a verso, entre vinho e voz.  Eu não sou eu, nem sou o outro. Não sei o que há com as Adrianas, minha senhora, todas as Adrianas da minha estreita, cotidiana convivência, são puro malte, grãos selecionadíssimos, de primeiríssima qualidade, adoráveis fêmeas especiais de luxo, a senhora tire por mim, essa flor de ser vivente, essa criatura tão bacana, desvencilhada das obrigações, assim tão cedo, num passe de mágica, às 11 horas da sexta-feira, acredite, minha senhora, sem um fio de cabelo de culpa, Deus nos livre da culpa, esse mal sem lenitivo. Ocorre que amanheci doida para conversar, estamos cada vez mais íntimos, minha senhora, sem hora para fechar o bar. Tinha consulta com a dentista, a moça do consultório ligou, desmarcando, adiaram meu sofrimento para quinta-feira, achei quase perfeito, sugeri nova consulta em 31 de fevereiro, para o meu calendário, de longe, a data mais adequada, a atendente não achou a menor graça, nem sempre o dia está para pilhéria, vou dizer, eu é que preciso aprender. Acabo de elaborar, muitíssimo a contragosto, deixo claro, três provinhas de recuperação, mandei para a reprografia, com sorte, cruzem os dedinhos, ninguém providencia as cópias, a molecada vai adorar passar por média, eu, de minha parte, quero é prazo, jogue fora a rabichola e deixe a tanga voar, né não, meu camarada? Ia corrigir uma pilastra de exames finais, de Petróleo e Gás, especificamente, me deu um esmorecimento de repente, procrastinei, rá rá rá, amanhã vai ser outra manhã, tudo pode acontecer, até rebentar, por dentro do meu organismo, uma súbita, incontrolável vontade de trabalhar, quem sabe...
Quase nada na vida me dá mais prazer que escrever, sempre fui assim, desde caprichosa menina nordestinada a no Rio vir morar. Nas salas de aula do Colégio Nossa Senhora do Carmo da minha infância chatinha, que podia ter sido diferente, mas nunca foi, ora essa, fico com ela mesmo e mesma, é o que se tem, eu escrevia demais na sala de aula, por Deus do céu, matemática com biologia, tome-lhe física, química no toitiço, uma tortura, disciplinas de fazer o sujeito gostar de escrever, é isso. Religião, puta que o pariu, aula de religião, então, Virgem Santíssima, aliás, no instante em que eu, finalmente, compreender o que a aula de religião está fazendo dentro da escola, minha senhora, prometo que conto, imediatamente, a você. Para não faltar com a verdade verdadeira, minha grande diversão, meu passatempo, meu deslumbramento era a aula de Português. O meu semblante denunciava, provavelmente, nunca fui de abrir meu bico, nada disso, o olho da professora de Português atravessava o mar de gente, acredita? Olhar de imergir e trazer à tona, resgatar-me do fundo da sala, para eu respirar. Sempre arrastei um bonde pelas professoras de Português do Colégio Nossa Senhora do Carmo – Vera, Xênia e Zezé, as melhores da cidade, porque elas me viam, queriam saber de mim. Nem desconfiava, na época, que aquela casa abrigava nada menos que o crème de la crème das tecelãs das letrinhas. Essas três mulheres pescadoras de ilusão, em diferentes fases da minha vida escolar, conquistaram a minha alma e o meu coração. Tanto que desisti da Psicologia aos quarenta e três do segundo tempo, na fila do banco, prestes a fazer a inscrição para o Vestibular Unificado que os anos não trazem mais. Pisei o chão do CAC - Centro de AIDS e Contaminação, rá rá rá, o Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, carregando no peito a única certeza: serei professora de Língua Portuguesa.
Jamais consegui lidar com estrelismo, é uma brochação só, coisas de Seu Biu, minha senhora. A empáfia e o pedantismo não conseguem expressar-se no meu idioma, eu, de minha parte, nunca comprei o dicionário. Simplificar a vida, meu lema e bandeira. Eu não sou eu, nem sou o outro, rapte-me,camaleoa. Vou de mim para o outro e vice-versa, misturando as tintas. Uma história de amor vai e vem em ondas, como o mar lambendo a encosta, na rocha esculpindo o desenredo infinito. Pedra e água desencontradas, inacessíveis e indisponíveis, produzem desencanto só, e a inevitável, tantas vezes providencial, mudança dos ventos. Sou felicíssima, pinto no lixo, exercendo a minha profissão: I'm an alien, I’m a legal alien, I’m an English...  teacher, that’s it! Quase instantaneamente, desisti de ganhar o pão às custas da última flor do Lácio, inculta e bela, apesar da Licenciatura concluída com toda honra e toda glória, capricorniano é fogo. Fiz da língua do patrão a minha última morada, devo isso a Abuêndia Padilha e seu British accent I take tea, my dear, rá rá rá, a essa altura do baile, merecidamente aposentada, decerto, um beijo, querida. Professora Abuêndia e seu jeitinho manso de ninguém dar nada por ela, o cão de camisolão, foi ela quem, sabidinha com farofa, vislumbrou uma brechinha de acesso, na minha cara pálida de desgosto. Pois bem, Abuêndia descalçou ligeirinho as sandálias da fama, olhou, sorriu, acenou... e me tomou pela mão.


Para Lu, que puxou o assunto.

10 comentários:

  1. Devo acrescentar que as Literaturas Brasileira e Portuguesa (pausa para um suspiro, kkk...), ambas estiveram sempre muitíssimo bem colocadas, na classificação geral do repertório acadêmico das Letras da minha época. O professor de Literatura Portuguesa, José Rodrigues de Paiva, sabia tudo sobre tudo, menos que eu era doida pra me casar com ele, kkkkkkkk... Coisas do mundo, minha nêga, kkkkkkk...

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  2. Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk adorei o comentario, tia.
    Mas o que queria falar é que deve ser incrível para um mestre ler uma homenagem como essa.
    Bjim
    Manu

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  3. Desde pequena sabendo contar historinhas como ninguém... Quem nasce com talento, não tem jeito: começa com passinhos curtos, mas depois consegue encantar quase que um Instituto inteiro! haha
    Ah, e como assim matemática = tortura??? Matemática e português, coisas mais lindas que existem no mundo, Dri! kkkkkkkkkkk
    Um beijo,
    Luana.

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    1. Luana, menina!! QUASE é a palavra mais exata de todos os comentários já postados aqui, kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, no que 'se refere' à 'acumuladora de desafetos', kkkkkkkkkkkk... Sabe que me lembrei de um ocorrido de 10.000 anos atrás? Tirei a nota mais alta do primeiro simulado de matemática do terceiro ano lá da escola, já pensasse, kkkk??? Os nerdinhos ficaram putos, kkkkkkk!! Era foda, pressão absurda, eu tinha de passar por média, do contrário, adeus bolsa, adeus colégio particular... ODIAVA matemática, mas endoidava de estudar, kkkkkkk... Dureza de vida... A vida é muito dura. Moleza é o sujeito sentar num pudim, né não, doçura?? Um beijo!

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  4. Sem dúvida as Adrianas têm um jeitinho especial! E já me entrometendo nos outros comentários... ODEIO MATEMÁTICA T.T
    Ela me faz perder noites de sono, dias de alegria e tardes prazerosas, me lança no abismo sem fundo dos números, conjuntos funções e o diabo todo.

    Felipe Santos

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  5. Adorei tudo, em especial aquela parte das Adrianas...hehehe.

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  6. Tem momentos na vida da gente que o que a gente mais precisa é que alguem nos veja, nao é? Simples assim,,, mas tao importante quanto é a gente chegar un dia e poder enxergar isso sozinhos e assumir nossos encantos, sem culpa e medo de errar..... Obrigada fuxique! Obrigada tia por compartilhar, sua cronica foi um presente p mim hoje.. Mes q vem é meu niver... Rss obrigada por fazeelembrar do colegio, da infancia, da querida xenia... E que vou completar 40 aninhos mes q vem e um dia quero te ouvir contar sobre isso, a entrada nos enta.. Kkkk mas isso ja é uma outra historia. Te amo, tia linda! Beijo grande, Lu

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  7. Sempre tem aquela professora que nos inspira... com seu exemplo, seus ensinamentos ou seu simples jeito de olhar pra gente! Quem não tem na lembrança aquele professor que marcou sua trajetória, né? E o pobrezinho, muitas vezes, nem sabe disso! Não que isso tenha o poder de lhe dar riquezas materiais, mas deve ser um orgulho saber que alguém seguiu sua vida inspirado em você! Com certeza é recompensador saber que alguém ou alguéns tem algo de você, ou melhor, que não é ele somente, nem você, mas algo nesse intermédio!!!
    Adriana, conte-nos: como é saber que muitos têm um pouco de você?
    Bjs!
    Lenon

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  8. Oh gosh! Adriana tu é foda mulher, sem mais.
    Então foi assim que você se encantou por esses símbolos doidos. As queridas letras. rs'
    Queria eu ter a astúcia da minha amiga Luana pra matemática, mas eu e ela já nos tornamos inimigos mortais desde que minhas amadas letras começaram a se juntar com a bandida. Depois desse dia, devoto o meu ódio a ela. (Exagerado eu? Magina!)
    Achei linda a homenagem às suas mentoras, sempre tem aquele professor que nos inspira, nos direciona na vida, o exemplo que falta no âmbito familiar. Tenho casos assim também, apesar de ter nascido apaixonado por algo que pouco se vê na escola. rs'
    A minha caligrafia já gritava desde pequeno o que eu iria ser. kkk'
    Ótimo texto.

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  9. "E seu jeitinho manso de ninguém dar nada por ela"...vc não perdoa não é Adriana !!! kkkkkk Com toda licença do mundo a Manu e Luana, fiquei lendo os comentários e me peguei pensando "queria ter tido uma tia assim para conviver"...rs. Bjo no coração Adriana. (Não que não goste das minhas tias, tá gente...tenho uns exemplares na família que tb adoro, mas um exemplar de Adriana desses, seria bem proveitoso! kkkkkkk) Evelyn

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